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sábado, 30 de maio de 2015

Como a China está redefinindo a arquitetura financeira global


Olá alunos,
No mesmo instante em que, na última sexta-feira, os líderes do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional (FMI) e de outras agências multilaterais discutiam em seu tradicional encontro de primavera como revigorar suas operações, a poucas quadras dali, num prestigiado centro de pesquisas de Washington, o ministro chinês das Finanças, Zhu Guangyao, tentava tranquilizar a plateia afirmando que Pequim não pretende substituir a ordem econômica global. A postagem de hoje procura evidenciar na potência mundial que a China está se tornando e nas consequências disso para todo o globo.
Agradecemos a sugestão dessa notícia que foi enviada pelos alunos Carolina Byrro, Paula Ladeira, Larissa Vieira, Mariana Del Bello e Andressa, da turma T1 do primeiro período, da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense.

Esperamos que gostem e participem.
Joyce Borgatti e Palloma Borges.
Monitoras da disciplina “Economia Política e Direito” da Universidade Federal Fluminense.

Não parecia coincidência. Na véspera do encontro das duas organizações, fundadas sob a liderança dos Estados Unidos na metade do século passado e que desde então ditam as regras das transações econômicas globais, a China festejou a adesão de 56 países - entre as quais o Brasil - ao seu novo banco de desenvolvimento.
O Banco Asiático de Infraestrutura e Investimento (BAII), que deverá ser lançado ainda neste ano e financiará obras no mundo todo, tem sido considerado a última tacada de Pequim para se contrapor à influência americana no FMI e no Banco Mundial.
Em outra frente, os chineses se aliaram a seus parceiros nos Brics (Brasil, Rússia, Índia e África do Sul) para criar o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), que terá sede em Xangai e deverá ser inaugurado em 2016. Os Brics também preparam o lançamento do Arranjo Contingente de Reservas, um fundo nos moldes do FMI para socorrer membros do bloco em dificuldades.
Qual o futuro?
As ações chinesas levaram muitos a questionar na reunião de primavera do Banco Mundial e do FMI o que ocorrerá com essas organizações e outros bancos multilaterais quando as novas instituições amparadas por Pequim começarem a operar.
Em público, tanto o Banco Mundial, quanto o FMI deram as boas vindas às iniciativas chinesas. Mas os gestos de Pequim também reforçaram os apelos por reformas nessas instituições, para que se tornem menos burocráticas e cedam mais espaço para nações emergentes em seus círculos de decisão.
"É uma ótima notícia que um país como a China, sentada em mais de US$ 4 trilhões (R$ 12,1 trilhões) de reservas, ponha esses recursos a serviço do financiamento de infraestrutura e desenvolvimento em vez de investir em fundos de países ricos", diz à BBC Brasil Luis Alberto Moreno, presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), outra organização multilateral sediada em Washington.
Moreno afirma, porém, que a entrada da China nessa arena "força uma conversa sobre como nossas instituições, que têm muita experiência, podem ser mais ágeis e eficientes, e como podemos corrigir nossos processos".
Nos últimos anos, muitos países emergentes têm deixado de procurar bancos multilaterais para financiar obras de infraestrutura por causa das rígidas regras dessas organizações e de sua aversão a riscos.
Paralelamente, bancos estatais da China passaram a conceder empréstimos bilionários a operações chinesas no exterior. A estratégia é mais visível na África, onde chineses têm financiado e realizado uma série de obras - entre as quais estradas, ferrovias e conjuntos habitacionais - em troca de matérias-primas.
Para os governos africanos, a parceria com os chineses se mostrou uma alternativa às lentas e complexas negociações com bancos multilaterais e países desenvolvidos, que costumam fazer uma série de exigências para liberar seus recursos.
Já críticos ao modelo chinês dizem que os empréstimos de Pequim são mais sujeitos a desvios e ignoram boas práticas trabalhistas e ambientais.

'Dos bilhões aos trilhões'

Sob a presidência do coreano-americano Jim Yong Kim, o Banco Mundial parece disposto a ampliar seu quinhão no financiamento de grandes obras mundo afora. A organização aprovou em 2014 um financiamento para que a República Democrática do Congo conduza os estudos para erguer oito hidrelétricas no país.
Estima-se que a obra custará ao menos US$ 50 bilhões (R$ 152 bilhões), o que a tornaria um dos maiores projetos já financiados pelo Banco Mundial.
Aumentar o volume dos empréstimos é um dos maiores desafios da instituição. O Banco Mundial calcula que em 2014 os financiamentos do órgão e de outras agências multilaterais somaram US$ 135 bilhões, enquanto todas as formas de investimentos entre países - como as que a China realiza na África - atingiram US$ 1 trilhão.
O presidente do banco tem dito que é preciso passar "dos bilhões aos trilhões", e para isso defende que as organizações multilaterais se aproximem de bancos privados.

Reforma atrasada

O avanço chinês também tem reforçado as cobranças para que o FMI conclua a reforma do seu sistema de cotas para dar mais poder a Pequim e outras potências emergentes.
O processo se iniciou em 2010, mas para ser posto em prática ainda precisa ser ratificado pelo Congresso dos Estados Unidos, maior acionista do fundo e onde muitos legisladores temem que a reforma enfraqueça Washington perante os rivais russos e chineses.
Em entrevista durante o encontro em Washington, a diretora-gerente do fundo, Christine Lagarde, cobrou os legisladores americanos a acelerar a aprovação para que "a instituição possa continuar a representar a comunidade inteira à medida que ela evolui".
O Brasil é um dos principais interessados na reforma. Em discurso à plenária do FMI no sábado, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, afirmou que a demora em concluir o processo não só frustra os membros do fundo, como ameaça sua a capacidade de operar.

Apagando o fogo

O surgimento do BAII, o novo banco chinês de desenvolvimento, foi um dos principais temas discutidos nos corredores do evento da última semana em Washington.
Os Estados Unidos tentaram até a última hora enfraquecer a adesão de outros países ao banco, levantando dúvidas sobre a disposição chinesa em seguir padrões internacionais sobre a concessão de crédito.
Mesmo assim, até mesmo aliados próximos dos americanos - como Grã Bretanha, Coreia do Sul e Alemanha - decidiram integrar a organização, que deverá começar a operar até o fim deste ano.
Em Washington, o ministro das Finanças da China, Zhu Guangyao, tratou de acalmar os ânimos americanos.
Em evento no Atlantic Council, ele afirmou que o BAII não substituirá o Banco Mundial, mas sim o complementará.
Ele disse ainda que a China está empenhada em fortalecer o FMI e o Banco Mundial, mas que os órgãos precisam de reformas para melhor assistir países em desenvolvimento.
Entre os bancos multilaterais em Washington, o discurso também é conciliatório. Os líderes do BID, do FMI e do Banco Mundial já disseram querer cooperar com as novas instituições chinesas.
O governo chinês também deverá buscar a aproximação. Observadores avaliam que Pequim está interessada na vasta expertise dessas instituições, o que tornaria a relação vantajosa para os dois lados.



sexta-feira, 29 de maio de 2015

Capitalismo e grande empresa



Olá alunos,
A operação Lava Jato, que visa investigar as irregularidades da Petrobrás, denuncia a formação dos chamados cartéis visando obter vantagens em licitações. Nada melhor para caracterizar o capitalismo e o livre mercado do que tal prática. Alguns clamam para o Estado não interferir na economia, mas será que a sua não arbitragem seria o certo? A postagem de hoje pretende entender tal dinâmica.

Agradecemos a sugestão dessa notícia, que foi enviada pelos alunos Luciane, Lígia, Artur, Renan e Thalita da turma T1 do primeiro período da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense. 

Esperamos que gostem e participem.
Joyce Borgatti e Palloma Borges
Monitoras da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense.

As manchetes da Lava Jato denunciam a prática generalizada da formação de cartéis para obter vantagens em licitações. Para não tropeçar em hipocrisias, seria bom compreender a lógica que move a concorrência entre os grandes blocos de capital na economia dos tempos modernos, outrora apelidada de capitalismo. Desde o século XIX, com distintas morfologias, o movimento da grande empresa é articulado pelas forças dos mercados financeiros e pela busca do controle dos mercados e das fontes de abastecimento.

Hoje, os mercados promovem a circulação global do “capital livre e líquido”, organizado sob a forma “coletiva” dos fundos de investimento, fundos de pensão e hedge funds. O objetivo é diversificar a riqueza de cada grupo privado, centralizar o controle nas empresas integradoras que comandam a rede de fornecedores também monopolistas e, assim, ganhar maior participação nos mercados globais. Na economia movida pelas fusões e aquisições, quem não consegue engolir o concorrente corre o risco de ser deglutido por ele.

Os agentes dessas operações são os grandes bancos de investimento. Eles definem os novos proprietários, os métodos de financiamento, a participação acionária dos grupos, as estratégias de valorização das ações, antes e depois das ofertas públicas.

O capitalismo da grande empresa e da alta finança torna-se ainda mais promíscuo e pegajoso em suas relações com o Estado. Quem estuda o fenômeno da generalização das práticas ilícitas e ilegais não tem qualquer dúvida em apontar a infiltração da “ética dos negócios” nos negócios da política. Enquanto alguns clamam para que o Estado abandone suas pretensões de interferir na economia, a realidade dos negócios exige que ele passe a arbitrar e articular os interesses privados. Há quem aposte em fórmulas mágicas para prevenir o dinheiro mal havido e as práticas ilícitas.

A substituição dos órgãos tradicionais de vigilância e controle do Estado por Agências Reguladoras não realizou, nem poderia realizar, o milagre da ressurreição da livre-concorrência livre, limpa e desimpedida. No caso das telecomunicações, por exemplo, a experiência internacional mostra que, depois de um período breve de “concorrência”, as empresas tendem a se fundir, provocando uma enorme concentração do capital e produzindo situações de monopólio. Sem a independência dos reguladores e a vigilância permanente de um Congresso acima de qualquer suspeita, os usuários-consumidores vão perder a parada da fixação de tarifas e do controle da qualidade do serviço.

Os liberais nefelibatas preferiram, no entanto, refugiar-se na retórica da transparência, da livre concorrência e da igual oportunidade garantida a todos os interessados. Cascata. “Seria melhor afirmar a verdade claramente”, diria o saudoso John Kenneth Galbraith.

Não há quem possa negar que a perda da capacidade de regulação do Estado é a marca registrada da convivência entre o público e o privado no capitalismo da concorrência monopolista. Os conservadores pretendem enfrentá-la reinventando o liberalismo e renovando a fé na capacidade de autorregulação do mercado.

Robert Skidelsky, biógrafo de Keynes, ironizou o temor de Hayek de que a saúde da democracia pudesse ser afetada pela força excessiva do Estado. Muito ao contrário, diz Skidelsky, o Estado foi muito fraco para impedir a invasão, tornando-se dependente e ficando à mercê das “forças externas” que acabam anulando ou reduzindo a capacidade de gestão econômica. “Keynes superestimou a possibilidade de uma gestão econômica racional pelos governos democráticos”, concluiu.

Schumpeter deplorava que a ordem criada pelo capitalismo individualista pudesse ser devastada pela força avassaladora do progresso capitalista. “Assim”, dizia ele, “a evolução capitalista arrasta para o fundo todas as instituições, especialmente a propriedade e a liberalidade de corporação, que responderiam às necessidades e às práticas de uma atividade econômica verdadeiramente privada”. A grande corporação, o proprietário de ações e a importância cada vez maior dos mercados em que circulavam os direitos de propriedade, os mercados financeiros, significavam a desmaterialização da propriedade, sua despersonalização. “O possuidor de um título abstrato perde a vontade de combater, econômica, física e politicamente, por sua fábrica e pelo domínio direto sobre ela, até a morte se for preciso.” O capítulo XII de Capitalismo, Socialismo y Democracia arrisca uma previsão sobre os destinos da ordem capitalista fundada na iniciativa individual: “Não sobrará ninguém que se preocupe em defendê-la”. Enganou-se: é cada vez maior a força das grandes estruturas capitalistas e de seus métodos de controle na moldagem subjetiva dos indivíduos.



A terceirização na China e suas lições para o Brasil



Olá alunos,
Na atual conjuntura a aprovação ou não da Lei da Terceirização é um debate frequente. Questões como as condições de trabalho, segurança, dentre outros fatores são levadas em pauta. A postagem de hoje busca, a partir de um exemplo chinês, fazer-nos refletir sobre tal lei. 

Agradecemos a sugestão dessa notícia, que foi enviada pelos alunos Julia Goromar, Amanda Colchete, Isabella Vieira, Natalia Zanuto e Rafael Sartori da turma P1 do primeiro período da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense. 

Esperamos que gostem e participem.
Joyce Borgatti e Palloma Borges.
Monitoras da disciplina "Economia Politica e Direito" da Universidade Federal Fluminense. 

No dia 13 de maio de 2013, Liufu Zong não acordou às sete da manhã para ir trabalhar como fazia diariamente em sua rotina de trabalho na fábrica Jinchuan Electronics Co Ltd, na cidade de Dongguan, na China. Seus colegas de dormitório estranharam o sono estendido e logo perceberam que o menino, de apenas 14 anos, estava morto. Zong parou de estudar aos 12 anos para ajudar seu pai a sustentar uma família de dez pessoas. Aos 13, decidiu migrar para a cidade para tentar melhorar de vida. Em poucos meses de muito trabalho, o menino não resistiu e veio a falecer por causas não reveladas.

O diretor de recursos humanos da empresa atribuiu a morte do menino ao seu estilo de vida "Eu ouvi dizer que ele passava o tempo todo na internet até tarde vendo conteúdo impróprio” – conforme noticiou aXinhua. O pai de Zong, entretanto, alegou que seu filho era saudável e estava fazendo cinco horas extras diariamente, além de trabalhar em um ambiente tóxico. Os representantes do governo chinês pouco discutiram a ilegalidade do excesso de horas extras. Eles disseram que a idade do jovem funcionário se justificava porque a contratação era terceirizada. O diretor da fábrica disse que não tinha como ver que o menino era tão jovem – o que foi confirmado por uma autoridade da polícia local em sua investigação, que alegou que “O menino falsificou seus documentos, a empresa que contratava não tinha como saber sua idade”.

No caso em questão, as responsabilidades são vagas. As autoridades locais defenderam o empresário, alegando que ele havia sido enganado e a responsabilidade é transferida para a firma de contratação, que não sofreu lesão alguma. Quem pagou a conta é o jovem menino, que saiu do campo para melhorar de vida, mas que teve sua vida e seus sonhos abortados. Ao chegar à cidade, foi trabalhar em uma fábrica que adota o modelo predominante de contratação na China, marcado pela terceirização dos contratos e pela consequente flexibilização de direitos trabalhistas. Seu destino foi trágico e sua família ficou desamparada – exatamente como outras tantas milhões de pessoas.
Há mais de uma década, acompanho diariamente casos como o de Zong, que estão longe de ser exceções. São banais, na verdade. São números que ultrapassam com facilidade a casa dos sete dígitos: casos de dedos perdidos em fábricas, mutilações diversas, mortes por intoxicação por pó metálico, pneumonia e incêndios. O não cumprimento de direitos e sequer do salário mínimo são problemas rotineiros.
Em um famoso escândalo com um recall de uma marca global de brinquedos que continha elementos nocivos à saudade da criança, a corporação culpou o serviço terceirizado da China, que culpou o seu serviço terceirizado de fornecimento de materiais. O mesmo aconteceu com remédios de uma multinacional farmacêutica que causou a morte de centenas de pessoas pelo mundo. A farmacêutica culpou a firma de terceirização, que culpou a farmacêutica. E assim fica um jogo de empurra-empurra em que todo mundo ganha: o governo, a pequena firma e a grande corporação. Quem perde é o Zong e o João.
Um dos maiores problemas acarretados pela terceirização não é precarização dos contratos em si, mas o que isso resulta: a perda de segurança legal, financeira e corporal. Isso ocorre simplesmente porque a responsabilidade sobre a integridade dos funcionários tornam-se vagas. Grávidas são substituídas por outras mulheres, simples assim. Eu lembro-me muito bem no dia em que perguntei ao empresário Shang, de uma fábrica de brinquedos no distrito de Pinghu na China, se ele não se incomodava com as crianças que estavam trabalhando para ele em um feriado. Ele me respondeu: Crianças? Não, a firma que nos fornece funcionário respeita a lei chinesa. Eu pensei que eu deveria estar louca vendo jovens vidas, visivelmente exaustas, que não passavam de dez anos.

Engana-se quem pensa que o problema da China é a falta de leis. O país passou de um niilismo legal dos tempos maoístas a uma revolução legal nas últimas décadas. Hoje, a lei conta com 107 artigos e treze capítulos. Diversas outras resoluções e esferas dão respaldo aos direitos trabalhistas. Desde os anos 1990, implementou-se a Lei da União do Comércio, a Lei do Contrato do Trabalho e a Lei de Mediação das Disputas de Emprego, etc. Trinta mil novas emendas surgiram na legislação chinesa nos últimos anos. O problema da China, portanto, não é a lei fraca. O problema é a brecha da lei. E a terceirização é decisiva nesse processo que flexibiliza responsabilidades.
É exatamente esse o destino que aguarda o Brasil. Discute-se colocar por água abaixo uma das áreas em que o País é vanguarda e modelo para o mundo: os direitos trabalhistas. Nos últimos dias, com o debate sobre a terceirização do trabalho e a recente aprovação da PL 4330 no Congresso Nacional, muitos têm se questionado se Brasil irá se tornar a China. Estou convicta que não. Será muito pior.

É evidente que os problemas trabalhistas da China vão além questão da terceirização, e se agrava com a imigração ilegal interna, entre aqueles que se situam fora do sistema do registro doméstico nacional (Hukou), entre outras questões. Mas a China, por outro lado, goza de crescimento econômico constante que nunca baixou dos 7%. Já a economia brasileira, depois do milagre dos 7% de 2010, tem ficado nos minguados 1% ou 2% a cada ano. A grande diferença entre a China e o Brasil, portanto, é que o primeiro vive um crescimento extraordinário e o Brasil passa por uma crise social e econômica profunda.

O Brasil, consequentemente, não vai criar mais empregos com a terceirização. O que deve acontecer é o alívio do bolso do empresariado nacional que, em tempos de crise, pressiona o Congresso para aliviar a carga tributária alta que estrangula o setor. A flexibilização não deve atrair empresas estrangeiras para o Brasil: o País está com a economia frágil, apresenta risco para ose possui diversos outros impedimentos que a China e outros países asiáticos superam com facilidade. Por exemplo, o preço chinês, que não se baseia somente na exploração da mão-de-obra, mas também no valor de sua moeda, o Yuan RMB.

A China explora a classe trabalhadora em tempos de ascensão e abundância, em tempos de remover milhões de pessoas da miséria e da fome do campo. O Brasil sonda terceirizar o trabalho em tempos decadência e de crise. E a diferença disso é enorme e os efeitos serão trágicos: sistemas semiescravos, trabalho intensivo, falta de oportunidades no horizonte, muita exaustão e pouco dinheiro no bolso do João. Ao contrário da China, o que está para acontecer no Brasil não é geração de emprego. O nome disso, é importante ficar bem claro, é arrocho. E quem paga a conta, mais uma vez, são os trabalhadores. O João. A Maria. Eu e você. A Deus dará.



Evento: BRICS - CHALLENGES AND OPPORTUNITIES



Olá alunos,

A FGV (Fundação Getúlio Vargas) estará promovendo entre os dias 09 e 10 de junho de 2015 o evento BRICS: CHALLENGES AND OPPORTUNITIES, e convida a todos para tal oportunidade.

Trazendo discussões sobre o futuro dos BRICS: A estratégia geopolítica da China, a diversidade e a integração econômica entre os BRICS, transformação estrutural, os desafios de crescimento e a agenda de reformas da China e da Índia e, por fim, as oportunidades para o Brasil.

Horários: 09/06: 14:30 – 18:30
10/06: 09:00 – 18:30
Endereço: Fundação Getúlio Vargas – Praia de Botafogo, n° 190 no décimo segundo andar. Auditório Engenheiro M. F. Thompson Motta. Rio de Janeiro – Brasil.

Abertura:
Carlos Ivan Simonsen Leal – Presidente FGV
Pedro Cavalcanti Ferreira – FGV/EPGE
Rubens Cysne – FGV/EPGE

Palestrantes:
Murilo Ferreira – CEO/ Petrobrás
Eswar Prasad – Universidade de Cornell
Fernando Veloso – FGV/ IBRE
Jean François Brun – Université d’ Auvergne
João Victor Issler – FGV/EPGE
Jonathan Fenby – Trusted Sources
Maurício Mesquita Moreira – Banco de Desenvolvimento Interamericano
Octavio Amorim Neto – FGV/EBAPE
Oliver Stuenkel – FGV/CPDOC
Roberto Castello Branco – FGV
Yang Yao – Peking University




quarta-feira, 27 de maio de 2015

Ser profissional terceirizado vale a pena?


Olá alunos,
Em meio à polêmica sobre a nova lei de, o IBGE anunciou que o desemprego subiu para 6,2 % em março, uma alta de 0,3 ponto porcentual na comparação com fevereiro e de 1,2 ponto porcentual em relação a março do ano passado. Com informações bastante pertinentes, a postagem de hoje procura entender melhor o projeto de lei, permeando pelo cotidiano desses trabalhadores.

Esperamos que gostem e participem.
Joyce Borgatti e Palloma Borges.
Monitoras da disciplina “Economia Política e Direito” na Universidade Federal Fluminense.

Trata-se do índice mais alto desde maio de 2011.

O Brasil tem hoje cerca de 12 milhões de trabalhadores terceirizados, cerca de um quarto da mão de obra formal no país.

Para saber como é o cotidiano dessas pessoas atualmente, a BBC Brasil conversou com terceirizados que atuam em empresas de diversos setores, como o de petróleo, comunicação ou de serviços de limpeza, e ouviu mais queixas do que elogios.

Para Nívia Rejane, de 36 anos, a terceirização foi a chance de finalmente entrar no mercado de trabalho formal, depois de trabalhar como empregada doméstica desde os 12 anos. "Tenho carteira assinada, décimo-terceiro, INSS, vale transporte, ticket-alimentação", lista ela, que foi contratada há um ano por uma empresa de serviços gerais e faz limpeza diariamente em três escritórios na zona sul do Rio. "Semana que vem entro de férias – remuneradas", comemora.

Já para Rodrigo (nome fictício), a terceirização foi o caminho para entrar na empresa dos sonhos, a Petrobras. Há quase dez anos na empresa, ele revela exercer atualmente função que só poderia ser desempenhada por um funcionário concursado – por se tratar de uma atividade-fim da empresa –, porém com salário e benefícios menores.

"Tem gente que de fato presta serviço de apoio, mas eu exerço uma atividade-fim e ganho muito menos do que um concursado ganharia para fazer a mesma coisa", diz Rodrigo, afirmando ser comum que a função descrita na carteira de trabalho seja genérica como forma de escapar à regra.

Atividades-meio ou atividades-fim

Atualmente, a regulamentação da terceirização no Brasil restringe essa prática às chamadas "atividades-meio" – como serviços de segurança ou limpeza – mas não permite que seja usada para contratar funcionários que desempenhem "atividades-fim" (como um médico em um hospital ou um professor em uma escola). Se aprovado, o projeto de lei que já passou pela Câmara dos Deputados vai acabar com essa restrição.

O debate em torno do projeto (PL 4330) está polarizado. Defensores argumentam que vai dinamizar o mercado de trabalho e permitir a abertura de novas vagas, ampliando a segurança jurídica para quem já presta serviço como terceirizado. Já críticos dizem que a medida precariza as relações de trabalho e significariam um golpe nos direitos trabalhistas garantidos pela CLT.
Miguel Torres, presidente da Força Sindical, defensora do projeto, considera que a insatisfação existe porque, da forma como é praticada hoje, a terceirização é danosa ao trabalhador.
"A maioria do empresariado que terceiriza o faz para reduzir encargos e salários. Terceiriza para precarizar, tirando o trabalhador de uma categoria que já conquistou direitos e cortando benefícios", diz. "Nós também somos contra a terceirização (do jeito que é praticada). Somos a favor da regulamentação que inclua direitos."
Os terceirizados ouvidos pela BBC Brasil queixam-se de diversas distorções geradas por diferentes regimes de contratação em uma mesma empresa.
Juliana (nome fictício) trabalha na área de saúde da Fiocruz e, mesmo desempenhando a mesma função, já passou por três empresas em dez anos.
Ela diz que as empresas terceirizadas que ganham licitações para serem contratadas pelo instituto mudam frequentemente, mas os funcionários ficam, pulando de contrato em contrato.
"As empresas mudam e as pessoas continuam. Porque é uma mão de obra já qualificada, que já tem experiência e conhece o trabalho. A intenção do governo é gradualmente substituir todos os terceirizados, mas as vagas que são abertas para concurso público não suprem a necessidade."
Dentro da Fiocruz, Juliana já passou por empresas que não depositavam o INSS e o FGTS, não davam vale-transporte e atrasavam o pagamento salarial, e perdeu as férias na transição de um contratante para o outro.

Proteção

Miguel Torres, da Força Sindical, diz que o projeto apresentado inicialmente no Congresso "estava muito ruim", mas considera que as emendas aprovadas trouxeram garantias importantes para os trabalhadores.
Ele ressalta como exemplos o dispositivo que obriga a empresa terceirizada a ter uma única especialidade, que seja necessariamente a mesma do contratante; o que faz com que funcionários terceirizados passem a ser representados pelo sindicato específico de sua área de atuação, fazendo com que benefícios negociados para uma categoria sejam extensíveis também a terceirizados; e o que aumenta a responsabilidade da empresa que contrata os serviços de uma terceirizada, tornando-a coparticipante dos direitos dos trabalhadores.
Isso evitaria, de acordo com o economista Mario Salvato, que trabalhadores terceirizados fiquem desprotegidos caso seus empregadores diretos não estejam pagando os salários ou benefícios em dia – como ocorreu com Juliana – ou venham a fechar as portas.
"O processo de terceirização vai elevar os direitos desses 12 milhões de trabalhadores terceirizados e dos demais que vierem a ser contratados assim", considera Salvato, coordenador do curso de economia do IBMEC/Minas.
Um levantamento realizado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) reflete a disparidade salarial. Ao comparar trabalhadores que realizavam a mesma função em 2010, o estudo constatou que os terceirizados recebiam em média 27% a menos que os contratados diretos.
Gabriel (nome fictício) sente essa diferença todo mês. Ele trabalha na área de comunicação da Petrobras e diz que lá todos são tratados da mesma forma, mas os funcionários terceirizados costumam ter salários menores que os concursados. Em quase uma década na estatal, já esteve sob contrato de quatro empresas, embora continuasse desempenhando rigorosamente a mesma função.
Há diferenças sutis, como a cor do crachá – verde, para os concursados, e brancos, para os terceirizados. Todos almoçam no mesmo refeitório, e a quantidade de horas trabalhadas é a mesma. A diferença principal são os benefícios. Terceirizados não têm, por exemplo, direito a participação nos lucros da Petrobras, exemplifica:
"Nossa 'participação nos lucros' vem quando o contrato da empresa chega ao fim, somos demitidos e ganhamos indenização", afirma Gabriel.
Os entrevistados dizem que os diferentes tipos de vínculo no mesmo espaço de trabalho podem geram desconforto e até discriminação.
Rodrigo se queixa da falta de investimento em formação. Na Petrobras, ele diz não ter acesso aos treinamentos e cursos oferecidos a funcionários concursados.
"Como a gente não tem oportunidades de crescimento profissional, as pessoas acabam durando pouco tempo na empresa", afirma Rodrigo, queixando-se se ainda de diferenças no tratamento.
"Sentimos isso até em trocas de e-mails. Alguns concursados se negam a passar informações específicas a terceirizados. Todos aqui somos profissionais. Sempre batem na tecla de que isso (preconceito) não existe. Existe, mas é velado."
Foi quando Juliana ficou grávida que mais sentiu a diferença do seu contrato na Fiocruz. Como terceirizada, teve direito à licença maternidade padrão de quatro meses, e não os seis meses dados às suas vizinhas concursadas. E, ao contrário dos servidores, sua filha não pôde ter direito à creche gratuita oferecida dentro da instituição em Manguinhos.
"A gente vive assim, com essa diferença marcada. Fazemos o mesmo trabalho mas temos benefícios diferentes."
Dependendo do tipo de atividade, a terceirização não passa por uma contratação com os benefícios da CLT e envolve abrir uma empresa, para ser contratado como pessoa jurídica (PJ).

'Ainda preferiria a CLT'

O publicitário Manuel (nome fictício) criou seu CNPJ em 2010, quando saiu de um emprego formal e virou freelancer. Descobriu que a partir de certo nível de salário em agências publicitárias, as vagas no regime CLT eram praticamente inexistentes, e abriu uma empresa.

Para algumas situações, essa solução pode ser vantajosa por permitir reduzir a carga de impostos, mas Manuel diz que não teria feito essa opção.
"Ainda preferiria uma contratação por CLT pela segurança, estabilidade e salário. Ser PJ (pessoa jurídica) não compensa os benefícios da CLT se considerarmos o FGTS, o INSS e os possíveis 40% de indenização e auxílio-desemprego no caso de uma demissão", considera ele, acrescentando que é caro – e burocrático – abrir e manter uma empresa.
Patrícia (nome fictício) é jornalista e também se viu obrigada a aderir à "pejotização" para trabalhar em uma agência de notícias. Arcou com os custos de abrir sua empresa, bancou a taxa de contratação de serviços que consumiu 1/5 do primeiro salário, e tudo para durar apenas cinco meses na função.
Assim que apareceu uma chance de ser contratada pela CLT, Patrícia saiu – ainda mais sendo o salário melhor. "Mesmo que o salário fosse igual, eu teria saído se fosse pela CLT. Não compensava ser PJ. Mas na empresa anterior não era uma opção, era a prática."
Para o consultor jurídico da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), Pedro Capanema, a visão negativa corrobora a necessidade do projeto de lei.
"O que se pretende é regulamentar e dar mais segurança para as pessoas que trabalham como terceirizadas", diz ele, considerando que a terceirização vai especializar mais as empresas e assim aumentar sua eficiência e competitividade no mercado. "A ideia é que se consiga terceirizar com segurança, reduzindo custos sim, mas com foco na competitividade."
A maioria dos ouvidos pela BBC Brasil, porém, diz não acreditar que o PL da terceirização, da maneira como o projeto está, possa lhes beneficiar ou corrigir as distorções enfrentadas por pessoas como elas. Patricia, por exemplo, concorda que é necessário regulamentar a terceirização – mas considera que deveria haver um foco maior em preservar os direitos dos trabalhadores.


segunda-feira, 25 de maio de 2015

Não é o fim do mundo.



Olá alunos,
O termo “ajuste fiscal” vem permeando e assombrando muitas conversas nos dias de hoje. No momento em que estamos vivendo, entender a real aplicação desse ajuste se faz muito necessário! A postagem de hoje prentende demonstrar qual seria uma saída para que houvesse êxito no programa.

Esperamos que gostem e participem.
Joyce Borgatti e Palloma Borges,
Monitoras da disciplina “Economia Política e Direito” da Universidade Federal Fluminense.


Não será surpresa para quem tem alguma familiaridade com a história econômica mundial reconhecer que todos os países (todos!) enfrentam, de tempo em tempo, a necessidade de fazer “ajustes” fiscais, ou seja, compatibilizar a receita do Estado com as suas despesas. A razão disso é simples. À medida que diminui a lembrança da “crise” anterior, as sociedades vão esquecendo a verdade elementar de que o Estado não cria recursos. Ao contrário, consome uma parte deles. O lado otimista desse processo é que ele se repete. Logo, não é terminal, as economias em geral voltam à ordem fiscal e ao crescimento, depois do sacrifício.
No caso concreto do Brasil, que, obviamente, não haveria de ser uma exceção, a periódica necessidade de “ajuste fiscal” devido ao excesso de gastos vem de muito longe. Pedro II, ao receber a maioridade (24 de julho de 1840) jurou, na sua ingenuidade juvenil: “Procurarei corresponder à vossa solicitude, fazendo com que a despeza pública seja administrada, em todos os seus ramos, com a mais severa economia”. Há 175 anos nosso problema já era a “despeza”!
Depois da solene promessa real, autoridades menores juraram dezenas de vezes na mesma direção. Juras nunca honradas. Aos primeiros sinais de alívio, em geral produzidos por eventos aleatórios, não resistimos à tentação de esquecê-las.

 O fato é que no longo interregno de 1840-2015, de crise fiscal em crise fiscal chegamos a ser a sexta economia do mundo e resolvemos dois problemas que pareciam impossíveis: estabilizamos o valor da moeda (com Itamar-FHC) e liquidamos a dívida externa do Estado (com Lula). Infelizmente, ao longo do 2011-2014 crescemos apenas 2,1% ao ano, ante um crescimento mundial de 3,4%. Em 2014 produzimos, conscientemente, um desequilíbrio fiscal, cuja correção não pode ser adiada sob pena de suas consequências serem dramáticas. Ela é condição necessária, ainda que não suficiente, para a volta do crescimento econômico e do bem-estar do brasileiro.

O que a Economia pode nos ensinar sobre a qualidade dos ajustes fiscais? Em primeiro lugar, é preciso entender que é pura “lenda urbana” o tal “ajuste” profundo e “crível” nas despesas que produz a volta instantânea da confiança de trabalhadores e empresários e leva ao crescimento. Trata-se de uma “petição de princípio”. Supõe o que se deseja provar. Há coisas menos prosaicas e que aprendemos na implantação do Plano Real. Ele conseguiu capturar a confiança da sociedade com a transparência absoluta dos caminhos que seguiria. Ao contrário dos velhos “pacotes” não antecipados, com medidas escondidas que seriam reveladas ao longo de sua aplicação, apresentou-se a estrutura geral do programa e descreveram-se as medidas futuras.  Quando vimos os consumidores comprando berinjelas em URVs, aprendemos que a “transparência” e a “clareza do futuro” são condições essenciais para o sucesso de qualquer programa econômico. Nesse sentido o atual “ajuste” ainda está incompleto. Não sabemos até agora (a despeito do apoio firme de Dilma e da vontade férrea de Levy) como atingiremos a “métrica” de sucesso que ele mesmo construiu: um superávit primário de 1,2% do PIB. Mesmo que aritmeticamente insuficiente, ele terá um poder de contágio enorme na ampliação da confiança nacional.

Os estudos empíricos de dezenas de programas de “ajuste fiscal” mostram que: 1. Eles tendem a ser mais bem-sucedidos quando a ênfase é maior no corte das despesas do que no aumento da receita, principalmente no que se refere à confiança dos consumidores. 2. O mesmo ocorre com a recuperação da confiança dos empresários, mas esta aparentemente lhes responde com menor intensidade. 3. A “qualidade” do corte das despesas e, mais ainda, a do aumento dos impostos, é muito importante. 4. A expectativa do controle da relação Dívida Bruta/PIB tem um efeito positivo na redução da taxa de juros real da economia, e é importante ingrediente.


Tudo que se sabe empiricamente recomenda que, quanto mais cedo for possível especificar claramente o que faremos com a receita e com a despesa públicas, mais rápida será a recuperação da confiança dos consumidores e investidores e maior a probabilidade de sucesso. O tempo econômico está a exigir uma aceleração do tempo político, mas não estamos perto do fim do mundo.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

'Pela primeira vez no Brasil, temos gente rica assustada,'


Olá alunos,
Sócio majoritário do conglomerado Semco Partners, Ricardo Semler tornou-se um dos empresários brasileiros mais conhecidos no exterior nos anos 90 por aplicar em sua empresa princípios gerenciais que ficaram conhecidos como 'democracia corporativa'. A postagem de hoje vem nos mostrar a opinião desse empresário em relação à corrupção brasileira e a todo escândalo que vive o país.

Esperamos que gostem e participem.
Joyce Borgatti e Palloma Borges, monitoras da disciplina Economia Política e Direito da Universidade Federal Fluminense.

Na Semco, os trabalhadores escolhem seus salários, horário e local de trabalho, além dos seus gerentes. A hierarquia rígida foi substituída por um regime em que todos podem opinar no planejamento da empresa.

Recentemente, Semler voltou a ganhar notoriedade no Brasil e no exterior por dois motivos. Primeiro, porque o desempenho extraordinário de algumas empresas criadas por jovens empreendedores (como Facebook e Google) aumentou o interesse por práticas gerenciais inovadoras. Segundo, em função de um artigo polêmico publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, em que, ao comentar o caso de corrupção na Petrobras, Semler defendeu que "nunca se roubou tão pouco" no Brasil.

"Nossa empresa deixou de vender equipamentos para a Petrobras nos anos 70. Era impossível vender diretamente sem propina. Tentamos de novo nos anos 80 e 90, até recentemente", escreveu ele.

Semler é filiado ao PSDB, mas o artigo acabou sendo usado por quem defende o ponto de vista do governo e do PT no escândalo. Ao comentar o episódio em entrevista à BBC Brasil, o empresário defendeu que a politização do debate sobre corrupção é contraproducente e que o escândalo da Petrobras e as repercussões do caso envolvendo a divulgação dos nomes de brasileiros com conta no HSBC da Suíça são sinais de que o país está mudando. "Pela primeira vez no Brasil temos gente rica assustada", afirmou.

O empresário também defendeu um aumento do imposto sobre transmissão (herança) para os donos de grandes fortunas e disse que aceitaria pagar até 50%. "Isso não afetaria em nada a disposição do empresário em investir", opinou. Confira abaixo a entrevista:

BBC Brasil: O seu artigo virou referência para quem defende o governo e o PT nos debates sobre o caso Petrobras. Isso o incomoda?
Semler: O objetivo (do artigo) não era esse, mas isso não impede que cada um se aproprie dele para fins próprios. Queria que as pessoas se perguntassem: O Brasil está ou é corrupto?
Essas questões que estão sendo jogadas contra o governo do dia são muito antigas. A Petrobras é só a ponta do iceberg. Há corrupção nas teles, nas montadoras, nas farmacêuticas, nos hospitais particulares. O problema é endêmico e não adianta fazer de conta que surgiu agora. Se você vai para a Paulista e grita contra a corrupção, também precisa responder: Está declarando todos os seus imóveis pelo valor cheio? Nunca deu R$ 50 para o guarda rodoviário? Nunca pediu meio recibo para um médico? E quem está colocando no Congresso esses políticos? Não sei se a Paulista não estaria vazia se todo mundo fizesse um autoexame.
O que ocorre com a corrupção é algo semelhante a nossa percepção sobre violência. Nunca se matou tão pouco no mundo – pense nas duas grandes guerras, na guerra civil espanhola, etc. Mas a internet, os debates, a difusão da informação faz com que tenhamos a sensação contrária.

BBC Brasil: Qual sua posição sobre os protestos?
Semler: Os protestos são legítimos e positivos. As pessoas estão se mobilizando por causas diversas. Daqui a pouco, por causa da situação econômica, também vão reclamar da inflação, do desemprego. Mas sobre esse tema, a corrupção, acho interessante entender se quem está na rua vai levar os princípios pelos quais está lutando para sua vida pessoal, a empresa onde trabalha.

BBC Brasil: A politização da questão é um problema?
Semler: A politização é inevitável, mas não era necessária para essa discussão - porque o que está acontecendo não tem nada a ver com partidos. Basta olhar para o escândalo do HSBC. Ele revelou que quase 10 mil brasileiros têm conta no exterior – imagino que a grande maioria não declarada. Isso não tem a ver com o PT - ou com o PSDB. Há 30, 40, 50 anos as pessoas mandam dinheiro para a Suíça para pagar menos imposto.

BBC Brasil: Os casos Petrobras e HSBC indicam alguma mudança?
Semler: É bom ver alguns executivos de algema. Pela primeira vez no Brasil, temos gente rica assustada. Até agora, você tinha uma classe média assustada, os pobres assustados e os ricos em suas mansões e helicópteros, ou indo para a Europa. Quando o cara é notificado pela polícia federal para explicar o dinheiro que ele tinha na Suíça, é um horror para essa elite e é uma beleza para o país.
A sensação de que os ricos podem fazer qualquer coisa está fraquejando. É um indício de que esse momento do Brasil que durou 50, 60 anos está começando a terminar, mas serão necessários 20, 30 anos para fazer essa transição.

BBC Brasil:É possível acabar com a corrupção?
Semler: Alguns países nórdicos e europeus têm um grau de corrupção muito baixo hoje, apesar de terem sido os grandes corruptores do mundo no século 15, 16 ou 17. Acho que a educação, sem dúvida, faz parte desse processo. Nesses países, as escolas há muito tempo também se dedicam a discutir questões éticas e padrões de comportamento em comunidade. Se você só ensina a estrutura do átomo, a tabela periódica e equações matemáticas o aluno pode passar no vestibular, mas não vai ter parado um segundo para pensar em questões fundamentais da vida.

BBC Brasil: Qual a extensão do problema de corrupção no setor privado?
Semler: Muitas vezes, o principal interessado em acabar com o problema é o investidor, o dono do negócio. É esse o caso, por exemplo, de um diretor de compras (de uma empresa), que age com muita discrição (cobrando propina de fornecedores). Mas é difícil detectar e acabar com isso. O processo de controle e a gestão clássica das empresas é muito ineficaz.

BBC Brasil:Por que um milionário ou bilionário arrisca colocar a reputação em risco para não pagar imposto?
Semler: Acho que a questão é antropológica-humanística. Por que uma pessoa que tem 20, 30, 40 bilhões de dólares quer ganhar mais cinco (bilhões)? Porque não fica em Zurique, jogando tênis? Talvez porque pense que com mais um pouquinho vai ser feliz.

BBC Brasil: É possível ser um empresário honesto no Brasil?
Semler: Sim. Uma boa parte dos empresários é honesta. Mesmo gente controversa. O Abílio (Diniz) não construiu sua rede de supermercados dando propina para ninguém. Pode ser comum receber a proposta: você me dá dez por cento e eu te ajudo. E aí tem gente que diz: 'Ah, o Brasil é assim mesmo'. Ou: 'O que adianta eu pagar imposto se essa turma do PT não vai usar o dinheiro direito'. Isso precisa acabar.

BBC Brasil: Os empresários ricos e donos de grandes fortunas poderiam pagar mais imposto no Brasil? Há gente que defende que isso poderia aliviar o peso do aperto fiscal sobre o resto da população, por exemplo...
Semler: O imposto sobre a operação já está no limite. Mas acho que particularmente os impostos de transmissão (herança) são baixos. Quando o patrimônio de um grande empresário passa para seus filhos, muitas vezes eles compram mais Ferraris, mais mansões, etc. O uso social desse patrimônio é o mais estúpido possível. Há muito espaço para aumentar (a taxa) e isso não afetaria em nada a disposição do empresário em investir. Até porque muitas vezes esse patrimônio foi construído por pessoas de outras gerações.

BBC Brasil: O senhor aceitaria pagar mais imposto?
Semler: Tranquilamente.

BBC Brasil: Quanto seria aceitável?
Semler: No caso do imposto de transmissão, não acho chocante o Estado ficar com 50%. No de imposto de renda, 40% (para a faixa mais alta de renda). Tinha um sócio na Suécia que chegou a pagar 101% de sua renda em imposto.

BBC Brasil: Como isso é possível?
Semler: É um princípio difícil de a gente aceitar. Hoje, isso não existe mais. Agora, o imposto (de renda) máximo lá é 85%, se não me engano. Mas a Suécia dizia o seguinte: 'Você já tem tanto que seu único papel é devolver um pouquinho'. A questão é que a pessoa sai na rua e não há pobreza. O dinheiro é usado de forma eficiente.
Pagar 50% (de imposto sobre herança) é aceitável para muita gente se é feito bom uso desses recursos. Se você sai na rua e tem a sensação de que está indo nessa direção (Suécia), mesmo que não chegue a ver o resultado em vida. É uma opção melhor do que gastar (o dinheiro) em um helicóptero e depois ter de sobrevoar favelas.
Mas também há muita gente (rica) que prefere fazer homenagem a si mesma. Temos aquelas doações que são um exercício de vaidade… as pessoas doam dinheiro para ter uma ala do hospital com seu nome: 'Todo mundo que for esperar para fazer uma mamografia vai ver o meu nome'. Ao fazer uma unidade de um determinado hospital ou escola (privados) em Paraisópolis cria-se uma ilha da fantasia.
São Paulo tem mais 180 favelas aonde ninguém vai. Acho que isso não funciona, não adianta para a sociedade como um todo. A elite brasileira costuma se vangloriar de fazer pequenas coisas, mas o Brasil tem problemas muito maiores.

BBC Brasil: O senhor também tem falado muito sobre o tema da desigualdade. Qual o papel dos empresários e das empresas na redução do fosso entre ricos e pobres?
Semler: Tenho a impressão de que o grande empresário, tal como o sistema está constituído hoje, com essa liberdade, não vai contribuir em nada. Pense no global. Ele não tem interesse em dizer: estou lucrando muito aqui, mas tem uma população que vai mal em Gana, no Camboja... O cara dá de ombros. 'Não tenho nada a ver com isso. Pago meu imposto', pensa.
A autopropulsão, ou o drive, do empresário está associada a um egoísmo. No melhor dos casos, a um autocentrismo. Ele até pode pensar 'preciso fazer algum projeto ambiental’, mas não quer que se metam com seu carro, sapatos caros, etc. Os grandes empresários tendem a ser egoístas ou autocentrados. No Brasil ou em qualquer lugar do mundo.
Acho difícil esperar que tenham uma posição altruísta ou idealista em relação ao resto da humanidade. Figuras como Steve Jobs ou Bill Gates, por exemplo, não são muito diferentes dos grandes empresários americanos do fim do século 19, que expandiram as redes de eletricidade e ferrovias do país. São monopolistas, tentam quebrar os concorrentes, têm um ego enorme.

BBC Brasil: O senhor ficou famoso por aplicar a chamada democracia corporativa em sua empresa. Os trabalhadores escolhem seus horários e seus salários. Como isso pode dar certo?
Semler: Se você dá às pessoas todos os parâmetros para que elas decidam, elas decidem bem. É claro que o único fator a ser considerado não é, por exemplo, quanto cada um quer ganhar. Os trabalhadores se organizam para fazer o orçamento dos próximos 6 meses ou 1 ano, analisam o que precisam e que salário é preciso pagar para isso. Cada um diz o que gostaria e o grupo vê se é possível. O autointeresse é cotejado pelo coletivo. Em parte, o que fizemos foi mudar esse sistema do 'eu mando, você obedece' por um sistema em que eu pergunto: 'Quando você quer trabalhar? Quer vir até aqui ou não?'

BBC Brasil: Há mais interesse por esse sistema hoje?
Semler: Certamente. Fiz recentemente uma palestra TED (formato de conferências curtas, que se popularizaram na internet) que conseguiu 1,2 milhões de views (acessos) em pouco mais de um mês, principalmente de americanos. Conforme empresas abertas por grupos de jovens conseguem em poucos anos se equiparar a empresas tradicionais, muita gente está percebendo que a hierarquia militar que prevalece em algumas companhias não serve mais.
Olhei esses dias uma lista da revista INC das cem empresas mais promissoras (do globo) e só conhecia duas. Nunca tinha ouvido falar das outras 98. O novo jeito de se organizar e de ser criativo, de inovar, não passa mais pela GE (General Electric) e pela GM (General Motors). Essas empresas que aparentemente tinham o poder e o controle sobre tudo estão perdendo espaço.
Não faz mais sentido dizer que os funcionários de uma empresa devem chegar às 8h e sair às 5h, que devem se vestir e falar como mandam seus superiores. Esse sistema criado com a linha de montagem de Henry Ford, há cem anos, está obsoleto.

BBC Brasil: Qual o objetivo desse modelo de gestão alternativo? Obter mais lucro ou ter funcionários mais satisfeitos?
Semler: Há 30 anos, crescemos 41% ao ano, em média. E, ao mesmo tempo, tenho 2% de turnover (rotatividade de empregados) e o índice de satisfação de nossos funcionários também é bastante alto, embora não seja o que gostaríamos. Então, o que mostramos é, justamente, que é um falso dilema dizer que ou a empresa lucra ou seus funcionários ficam felizes.