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quarta-feira, 30 de junho de 2021

'Nativos digitais' não sabem buscar conhecimento na internet, diz OCDE

Caros leitores,

A difusão das ferramentas tecnológicas trouxe, de forma indubitável, significativos avanços e a perspectiva de democratização de acesso à informação e da possibilidade de participação mais ativa em discussões relevantes. No entanto, ao mesmo tempo, impactou negativamente na esfera de aprendizado e na construção crítica do indivíduo.

Nesse sentido, trazemos hoje uma matéria acerca de um estudo promovido pela OCDE que identificou a dificuldade das novas gerações de distinguir os fatos das opiniões, diante de um ambiente cada vez mais digitalizado em que estas distinções cruciais fazem-se afetadas.

Esperamos que gostem e compartilhem!

Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

A familiaridade dos adolescentes atuais com a tecnologia, que faz deles nativos digitais, não os torna automaticamente habilitados para compreender, distinguir e usar de modo eficiente o conhecimento disponível na internet.

Pelo contrário, os dados sugerem que eles são, em grande parte, incapazes de compreender nuances ou ambiguidades em textos online, localizar materiais confiáveis em buscas de internet ou em conteúdo de e-mails e redes sociais, avaliar a credibilidade de fontes de informação ou mesmo distinguir fatos de opiniões.

As conclusões foram apresentadas pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) em seminário virtual na última quarta-feira (26/05), com base no relatório Leitores do Século 21 - Desenvolvendo Habilidades de Alfabetização em um Mundo Digital.

O relatório, divulgado no início do mês, mostra as habilidades de interpretação de texto dos alunos de 15 anos avaliados no Pisa, exame internacional aplicado pela OCDE em 2018 em estudantes de 79 países ou territórios, inclusive no Brasil.

Os dados são preocupantes: no Brasil, apenas um terço (33%) dos estudantes foi capaz de distinguir fatos de opiniões em uma das perguntas aplicadas no Pisa. Na média dos países da OCDE, esse índice era de 47%. O que mostra que, mesmo no grupo de países mais desenvolvidos, mais da metade dos estudantes de 15 anos não demonstrou, em média, capacidade de fazer distinção entre fato e opinião.

Segundo o estudo, apenas metade dos estudantes em países da OCDE disseram ser ensinados na escola para reconhecer se a informação que estão lendo é enviesada, e 40% dos alunos nesses países foram incapazes de reconhecer os perigos de se clicar em links de e-mails de phishing, por exemplo. As habilidades de navegação foram consideradas altamente eficientes para apenas 24% dos estudantes na média da OCDE, e para apenas 15% dos estudantes no Brasil.

As consequências disso são profundas para a inserção no mundo do trabalho e para o exercício da cidadania, uma vez que pessoas que não sejam capazes de compreender textos plenamente estarão, em teoria, menos aptas para ocupar empregos de alta complexidade - e, ao mesmo tempo, serão presas mais fáceis para o ambiente de desinformação que floresce na internet e nas redes sociais.

"Ter nascido na era digital e ser um nativo digital não significa que você vai ter habilidades digitais para usar a tecnologia de modo eficaz", afirmou no seminário Andreas Schleicher, diretor de educação da OCDE.

Mais tecnologia não equivale a mais alfabetização midiática

Os resultados também mostram que, apesar de sua crescente familiaridade com a tecnologia, os jovens não necessariamente aprendem instintivamente as habilidades necessárias para usar essa tecnologia para obter informações confiáveis.

De modo geral, o maior acesso a tecnologia entre os jovens nos últimos anos não se traduziu em mais educação midiática, disse Schleicher no seminário: os índices de alfabetização digital dos jovens evoluíram pouco nas avaliações do Pisa feitas entre 2000 e 2018, apesar das enormes mudanças sociais e digitais vividas pela comunidade global nesse intervalo de tempo.

Mais do que contato constante com a tecnologia, Schleicher defendeu que são a "aprendizagem tradicional" e o engajamento de professores que farão a diferença em dar aos alunos a capacidade de entender diferentes perspectivas em um texto e serem capazes de identificar nuances e opiniões.

O relatório mostra que, em sistemas educacionais nos quais essas habilidades digitais são ativamente ensinadas, estudantes pareceram mais capazes de distinguir fatos de opiniões. Mas Schleicher destacou que é um problema que ultrapassa os muros da escola e exaltou o trabalho de países que já têm uma cultura mais enraizada de leitura e alfabetização, como Dinamarca, Finlândia, Estônia e Japão.

Ele ressalta, porém, que o tema exige muito mais estudos e discussões na sociedade. "Ainda não temos a resposta de por que alguns países se saem melhor" em alfabetização digital, afirmou. O que se sabe é que o educador tem um papel central nisso, à medida que mudam as habilidades exigidas dos estudantes: no século 20, esperava-se que um aluno obtivesse conhecimento de fontes pré-curadas, como enciclopédias.

Hoje, ele precisa aprender a distinguir o que é relevante entre milhares de resultados de uma busca no Google; precisa ser capazes de construir conhecimento e validá-lo, opina a OCDE. "Os educadores precisarão ser grandes mentores, mobilizadores e guias" nesse processo, afirmou Schleicher.

O poder persistente dos livros

Embora a leitura esteja mais fragmentada e migrando cada vez mais ao ambiente virtual, o relatório da OCDE mostra que o papel dos livros e de textos aprofundados continua sendo primordial. 

Os estudantes que disseram ler livros com mais frequência em papel do que nos meios digitais tiveram melhores resultados em leitura em todos os países e territórios que participaram do Pisa 2018. Além disso, esses jovens também relataram ter mais prazer com a leitura. Na mesma linha, a leitura de livros de ficção e de textos longos também está positivamente associada a um melhor desempenho em leitura na maioria dos países avaliados.

O problema é que quase a metade dos estudantes (49%) nos países da OCDE disseram, na pesquisa aplicada junto ao Pisa 2018, que só liam "se tivessem que ler". E cerca de um terço dos estudantes pesquisados disseram que raramente ou nunca lia livros.

Nesse contexto, o incentivo a leituras de profundidade, que permitam aos alunos treinar a observação de nuances no texto, é uma estratégia capaz de melhorar as habilidades de compreensão textual tão valiosas no século 21.

É algo a que tanto professores quanto pais podem contribuir, diz a OCDE. Segundo o estudo, os estudantes que disseram ter pais que gostam de ler também apresentaram índices mais altos de prazer com a leitura.

Um ponto preocupante, disse Schleicher no seminário, é um aumento crescente no "abismo cultural" entre estudantes de classes sociais mais avantajadas e os mais pobres. Enquanto entre os estudantes mais ricos o número de livros em casa se manteve estável entre 2000 e 2018, esse número caiu consideravelmente entre os estudantes mais pobres. É um exemplo da importância de se combaterem as desigualdades educacionais.

"Nos acostumamos a tolerar as desigualdades e a ver parte dos estudantes ficando para trás", lamentou Schleicher.

Impactos da pandemia

Para o relatório da OCDE, a pandemia de covid-19, que fez com que parte significativa do processo educacional migrasse para a internet, "aumentou a urgência de se lidar com esse tema (da alfabetização digital). Também aumentou o ímpeto entre crianças, professores e formuladores de políticas públicas para apoiar (a formação) de leitores do século 21".

"Para muitas crianças em idade escolar e até mesmo professores, a desinformação nos tempos pré-pandemia talvez parecesse algo remoto, uma preocupação política de pouca relevância no pátio da escola ou na sala de professores. Hoje, a infodemia (como especialistas se referem à proliferação de falsas informações em grandes volumes, como ocorre em tempos de covid-19) e a incerteza sobre fatos científicos e de saúde básicos capturou o foco dos alunos de 15 anos - e seu anseio por soluções", prossegue o relatório da OCDE.

"Alfabetização no século 21 significa parar e olhar para os lados antes de seguir adiante online. Significa checar os fatos antes de basear suas opiniões nele. Significa fazer perguntas sobre as fontes de informação: quem escreveu isto? Quem fez este vídeo? É de uma fonte confiável? Ele faz sentido? Quais são os meus vieses? Tudo isso cabe ao currículo escolar e ao treinamento de professores. E tudo isso tem implicações que vão muito além de detectar notícias falsas e desinformação: assegurar o ato de tomada de decisões bem informadas e assegurar a base de democracias funcionais."

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quarta-feira, 23 de junho de 2021

Convite Webinar GPEIA/UFF - Junho

Caros leitores,

A diplomacia brasileira assumiu tópico relevante de análise nos últimos anos, diante de uma modificação marcante dos preceitos históricos das Relações Internacionais do País. Nesse sentido, diante de questões cada vez maiores que abarcam o ambiente do multilateralismo em seu contexto de crise, novos campos de observação, inclusive em termos críticos, insurgem buscando compreender os rumos a serem tomados nos próximos anos.

Diante de tais fatos, gostaríamos de convidar a todos para a quinta edição da Série de Webinars do Grupo de Pesquisa Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF) no Google Meet.

Neste webinar conversaremos sobre "Política Externa Brasileira e o Multilateralismo Contemporâneo" com Felipe Albuquerque, Doutor pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL).

Teremos como debatedor Rodrigo Fracalossi de Moraes, pesquisador do IPEA.

O webinar será realizado no dia 23 de junho, às 18h (Horário de Brasília). As inscrições, por sua vez, podem ser feitas pelo seguinte link:

bit.ly/webinar-gpeia5

Participe conosco e traga seu ponto de vista sobre essa discussão!

Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

sexta-feira, 18 de junho de 2021

Convite: O valor da igualdade.

Caros leitores,

Com a difusão de debates sobre a percepção da igualdade em seu sentido material, inclusive através de medidas positivas que busquem corrigir desigualdades historicamente vislumbradas, insurgem diferentes nuances passíveis de serem analisadas, que dependem de um olhar crítico sobre o passado, o momento presente e as perspectivas possíveis de futuro.

Nesse sentido, viemos convidá-los ao curso "O valor da igualdade: o que nós ganhamos com a inclusão?", promovido pela Casa do Saber e tendo Thiago Amparo como responsável pela ministração das aulas. Estas ocorrerão entre os dias 5 e 7 de julho, às 20:00, e estarão divididas em três temas principais: porque (ainda) precisamos falar de privilégios; as origens da desigualdade no Brasil; e os legados da desigualdade: o que podemos fazer?

Para inscrição, o link pode ser encontrado abaixo:

Inscreva-se aqui!

Esperamos que gostem e participem!

Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

quarta-feira, 16 de junho de 2021

'Falta uma agenda de recuperação da economia', diz Laura Carvalho


Caros leitores,

Com a ascensão do preço das commodities, e suas consequências no próprio mercado interno, insurge um complexo debate sobre a retomada não apenas da economia em um contexto pós-pandêmico, mas também do poder de compra da sociedade.

Diante disso, hoje trazemos uma entrevista com a economia Laura Carvalho, em que se debate não apenas as perspectivas para a economia no ano de 2021, mas também a realidade de desigualdade social que notoriamente aflige o País, e como as propostas trazidas pelo Governo Federal neste momento interferem em toda essa relação.

Esperamos que gostem e compartilhem!

Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

A economista Laura Carvalho avalia que o Brasil enfrenta uma grande incerteza com o rumo da pandemia de coronavírus e não tem uma agenda capaz de garantir uma recuperação robusta da atividade econômica.

Na avaliação dela, o novo boom das commodities até pode ajudar a economia brasileira, mas o país precisa desenvolver programas de investimentos e de transferências de renda para conseguir se beneficiar desse movimento global.

"A gente, nos anos 2000, usou de alguma forma esse cenário externo favorável, mas também houve uma série de políticas que contribuíram para uma expansão da economia brasileira: realizamos investimentos em infraestrutura e houve uma expansão de programa de transferência de renda", afirma Laura, pesquisadora-líder do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da Universidade de São Paulo.

"De maneira geral, falta uma agenda de crescimento, de recuperação da economia", diz.

A economista também destaca que um "aumento da tributação no topo da pirâmide", por meio do próprio Imposto de Renda, poderia financiar um novo programa social, que ficaria entre o Bolsa Família e o Auxílio Emergencial.

Qual é o quadro que você espera para a economia brasileira em 2021?

Nós ainda estamos com uma incerteza muito grande relacionada não apenas ao controle da pandemia, à possibilidade de novas ondas, mas também ao ritmo de vacinação. O que parece é que o restante do mundo está numa trajetória um pouco mais segura de recuperação.

A gente tem um novo boom de commodities, que muitos consideram que é até tão forte quanto aquele que a gente viveu nos anos 2000. Isso pode nos ajudar em meio a uma situação que é ainda muito frágil, no que tange a economia doméstica, com uma política fiscal que não tem feito o trabalho de garantir a renda das famílias nessa situação ainda gravíssima de crise sanitária.

Qual é o impacto da pandemia na desigualdade social?

Os países com mais desigualdade tiveram mais dificuldade para controlar tanto a crise sanitária como os seus impactos econômicos. Além disso, o choque econômico e a natureza desse choque, causado pela pandemia, afetam desproporcionalmente os trabalhadores mais pobres e, com isso, agravam as desigualdades no mercado de trabalho.

Você poderia detalhar como se deu essa desigualdade no mercado de trabalho?

Os setores mais afetados são associados a serviços: turismo, restaurante, entretenimento, cultura. São setores que empregam muita gente e uma mão de obra relativamente menos escolarizada e, com isso, acabam levando a uma perda maior da renda para os trabalhadores que estão na base da pirâmide em relação à média da população.

Em 2020, um consenso se formou rapidamente em torno da necessidade de se realizar um grande esforço por parte do estado para colocar os recursos que eram necessários para o Auxílio Emergencial e para políticas de sobrevivência das empresas. Isso tudo fez com que a desigualdade em 2020 subisse do ponto de vista da renda do trabalho, mas não aumentasse quando a gente considerava também a renda obtida pelo auxílio, por exemplo.

Qual vai ser o impacto da queda do valor do auxílio no consumo das famílias e no resultado do PIB deste ano?

Em 2020, o auxílio de R$ 600, que depois se tornou de R$ 300, acabou evitando a perda de renda para metade da população brasileira mais pobre, na média. É claro que você pode ter pessoas que perderam renda dentro dessa metade mais pobre. Mas, quando a gente olha para os dados da Pnad Covid, a gente vê que a perda de renda dessa metade da população foi mais do que compensada pelo valor recebido via auxílio.

Em 2021, o Brasil passou meses sem nada, até ser aprovada uma prorrogação. Não há dúvida de que a gente está prejudicando a nossa capacidade de recuperar a economia neste ano por causa dessa insuficiência do valor do auxílio. E isso vai se mostrar ainda mais verdadeiro caso a gente passe por uma nova onda.

O que o país pode fazer para reduzir a desigualdade no longo prazo?

Há diversos estudos mostrando que o Brasil teria capacidade para expandir o sistema de proteção social, com um Bolsa Família ampliado, alguma coisa que tivesse entre o Auxílio Emergencial e o Bolsa família. Se a gente conseguisse ficar no meio, com um programa mais amplo, um pouco menos focalizado do que o Bolsa Família, mas, ao mesmo tempo, com um desenho mais permanente do que aquele que foi o auxílio, a gente teria a capacidade de lidar com os desafios que já vinham até de antes da pandemia.

E como financiar?

É possível financiar com aumento da tributação no topo da pirâmide. E eu não estou nem me referindo ao imposto sobre grandes fortunas ou outros impostos sobre patrimônios. A própria tributação no Brasil não é tão progressiva, no sentindo de tão justa, quanto poderia ser. A gente ainda tem, no topo, muitas isenções que são dadas, deduções, por exemplo, para saúde e educação privada que beneficiam muito o topo da distribuição.

Tem espaço e viabilidade política para a aprovação de alguma das reformas no governo Bolsonaro?

Vai ser muito difícil aprovar algum tipo de reforma e me parece que, se for aprovada, será alguma coisa muito diferente do proposto e, possivelmente, com baixo impacto em termos de Orçamento. Eu acho que o cenário político não é favorável. A gente está no meio de uma crise sanitária e não acho nem que seria desejável que, nesse momento, a discussão se desse em torno dessas reformas estruturais.

O objetivo de uma reforma administrativa, por exemplo, é melhorar a qualidade do serviço público brasileiro, reestruturar carreiras, fazer com que aqueles que estão prestando os serviços para a população prestem da melhor maneira possível. Isso é o objetivo de uma reforma administrativa. Não deveria ser o de gerar R$ 1 bilhão ou quantos bilhões (de economia) no curtíssimo prazo. Quando a gente já trata as reformas de longo prazo dessa maneira, a gente costuma desviar dos seus verdadeiros objetivos.

Esse boom das commodities, ao qual você se referiu, ele deve se estender por muito tempo?

As análises apontam para um novo boom de commodities que pode, sim, durar. Há uma série de elementos para a gente prever um outro super ciclo das matérias-primas, que é como foi chamado aquele período nos anos 2000. A recuperação chinesa e os grandes estímulos e investimentos em infraestrutura nos Estados Unidos tendem a favorecer os preços dessas mercadorias.

Só isso vai ser suficiente para uma aceleração da economia?

Preços altos de commodities não significam, necessariamente, uma recuperação mais robusta da economia brasileira. A gente, nos anos 2000, usou de alguma forma esse cenário externo favorável, mas também houve uma série de políticas que contribuíram para uma expansão da economia: realizamos investimentos em infraestrutura e houve uma expansão dos programas de transferência de renda.

Em 2021 e 2022, esse boom de commodities virá, vai nos ajudar, mas ele também vem com políticas domésticas numa situação muito diferente, de elevação da dívida pública, com pouco espaço fiscal por conta das regras que foram colocadas, em particular o teto de gastos. O país não tem nenhum tipo de plano para investimento público, os programas de transferências de renda podem até ser expandidos, mas de maneira insuficiente para lidar com a vulnerabilidade dessa camada mais pobre da população. De maneira geral, falta uma agenda de crescimento econômico, de recuperação da economia.

Com todo esse quadro, de onde pode vir algum fôlego para o mercado de trabalho?

De fato, o crescimento puxado apenas por um boom de commodities é um tipo de recuperação com baixa geração de emprego. A gente sabe que os setores associados ao agronegócio não são muito intensivos em trabalho. Uma recuperação econômica que gera emprego, em particular, tem de passar necessariamente por uma recuperação do setor de serviços e da indústria. Mas, sobretudo, serviços. O setor de serviços realmente emprega, tem uma intensidade em trabalho maior. Se a gente olha para o passado da economia brasileira, os períodos em que chegamos mais próximos do pleno emprego foram aqueles em que os setores de serviços cresceram muito.

E serviços foi o setor mais afetado pela crise...

Para que o setor de serviços cresça, a gente precisa que a pandemia tenha acabado. Esse é um primeiro elemento. O controle da pandemia e o retorno das atividades de maneira segura são condições necessárias para a recuperação dos empregos de maneira mais robusta.

Para que as pessoas consumam serviços, a gente precisa que a renda esteja crescendo e que as desigualdades estejam caindo. Precisa de uma recuperação inclusiva. E para uma recuperação inclusiva, a gente precisa de uma agenda que passa pela expansão da proteção social e por investimentos em áreas prioritárias. Isso não está colocado hoje. Ao contrário de outros países, o Brasil não tem uma agenda de recuperação.

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quarta-feira, 9 de junho de 2021

Privatização da Eletrobras: a crise contratada

Caros leitores,

É certo a importância que o setor energético dispõe nas mais diversas esferas da vida social, em uma escala potencializada em razão da pandemia, em que a dependência pelo acesso digital e, logo, por uma manutenção irrestrita da energia consiste em caráter mandatório. Com os debates sobre a dependência energética para com o setor hidrelétrico, acrescido da possibilidade de racionamento, a concepção de privatização da Eletrobras assume, ainda mais, uma percepção polêmica.

Diante disso, na notícia de hoje, buscamos analisar criticamente essa perspectiva de privatização do setor elétrico, entendido sob um prisma de essencialidade para a sociedade. Trazendo consigo uma perspectiva histórica, que parte desde a criação da CHESF em 1945, busca-se conceber quais são as possíveis consequências que podem surgir dessa realidade.

Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

A garantia do abastecimento da energia necessária para o desenvolvimento econômico e para o bem-estar da sociedade é uma preocupação central de qualquer Estado Nacional ao redor do mundo. 

O Estado, independentemente da sua maior ou menor participação direta na garantia do suprimento, é o garantidor final da segurança energética. Sobre ele, Estado, em particular o Governo de plantão, é que sempre recai a responsabilidade das crises de abastecimento. Crises que cobram um custo político elevado e impõem fragorosas derrotas eleitorais àqueles que têm a obrigação de evitar esses desastres energéticos e não o fazem.

No Brasil está em curso a mudança de política energética mais radical dos últimos noventa anos. A privatização da Eletrobras representa uma inflexão drástica na histórica e bem-sucedida estratégia de garantia do abastecimento energético do Estado brasileiro iniciada nos anos 1930s.

Primeiramente regulatória, mediante a implantação do Código de Águas em 1934, e em seguida produtiva, mediante a criação da CHESF em 1945, a intervenção do Estado se tornou desde então fundamental na garantia do suprimento elétrico necessário para o desenvolvimento econômico do País. O reconhecimento de que o setor privado não era capaz de suprir a energia elétrica demandada pela forte industrialização e urbanização em curso sustentou durante décadas essa intervenção.

O processo de desestatização do setor elétrico brasileiro iniciado nos anos 1990s não alterou esse quadro e, concretamente, se manteve o papel do Estado de garantidor final da segurança do abastecimento elétrico. A tentativa de transferir essa responsabilidade para o setor privado gerou o maior desastre elétrico brasileiro que foi o racionamento de 2001 e desde então o Estado brasileiro reteve, de uma forma ou de outra, o seu papel estratégico na garantia da segurança energética do País. A Eletrobras, recurso crucial na execução desse papel, sustentou a expansão estratégica do setor, atuando sozinha ou em parcerias que alavancaram o investimento privado. Processo esse que culminou com a gigantesca transferência de renda da estatal para os consumidores mediante a Medida Provisória 579 de 2012 que viabilizou uma redução das tarifas que até hoje as sustenta em níveis administráveis. Mesmo depois dessa brutal queda de receitas, a estatal ainda manteve investimentos anuais da ordem de R $10 bilhões por ano ao longo de 2013, 2014 e 2015.

A partir de 2016, a Eletrobras é retirada do jogo, dando início à preparação da sua privatização. Aqui, como nos anos 1990s, retira-se o Estado para abrir espaço para a iniciativa privada. Retirada essa que gerou o contexto de paralisia e impotência, para não dizer de estupidez, que pariu o racionamento de 2001. A tragédia se repete como farsa? Pior. Dada a mudança do cenário e dos atores no palco – mais drástico, o primeiro, mais incompetentes e canastrões, os segundos -, a repetição nos leva ao pior dos mundos: A tragédia que se repete sob a farsa dos agentes e das instituições que se desmancham.

A decisão de abandonar completamente a estratégia histórica, dada a sua radicalidade, necessita de diagnóstico correto, projeto qualificado e implementação consistente; sob o risco de jogar o país em uma gigantesca crise energética, como aconteceu há 20 anos.

Porém, não é isso que se observa.

Diante da maior transformação do setor elétrico no mundo e no Brasil, representada pela transição energética, portadora de incertezas, riscos e conflitos que impõem a presença do Estado, único ente capaz de reduzir essas incertezas e riscos e gerir esses conflitos, o que se propõe é justamente o afastamento do Estado.

Considerando que o contexto de elevadas incertezas, riscos e conflitos é brutalmente agravado pela dramática crise econômica advinda da pandemia, o afastamento do Estado nesse momento constitui uma omissão irresponsável que contrata uma crise de abastecimento de consequências inimagináveis.

O modelo hidráulico brasileiro está simplesmente se desmanchando, o que, diferentemente do que alguns imaginam, também nos coloca no jogo da transição para as novas renováveis (eólica e solar); e não na contramão da trajetória mundial de descarbonização, mediante o recurso à forte ampliação da presença das térmicas na matriz elétrica brasileira. Cabe notar que essa ampliação é a verdadeira jabuticaba energética brasileira, já trazendo consigo o prazo de validade vencido, e, portanto, a impossibilidade de ser o pilar de sustentação da implantação da estrutura gasífera do país.

Trocando em miúdos, o nosso problema não é diferente do resto do mundo. Ao fim e ao cabo é o mesmo: como acelerar a transição para as energias renováveis, gerando emprego, renda e retomada econômica. Esse é o problema central a ser resolvido pela política pública voltada para o setor elétrico brasileiro.

E aqui, querendo ou não, o Estado joga um papel fundamental, reduzindo incertezas e riscos e gerindo conflitos; trazendo complexidade econômica e tensões sociais e políticas para patamares possíveis de serem manejados pelos agentes econômicos, políticos e sociais.

No entanto, o diagnóstico do Governo identifica como principal problema do setor elétrico brasileiro a presença do Estado e a falta de concorrência. Em função disso, o remédio é a privatização da Eletrobras e a ampliação do mercado livre. Ou seja, a chamada transição para o mercado. Revival fora de tempo e lugar das reformas do setor elétrico dos anos 1990s que aponta para o mesmo remédio de outrora: redução do papel do Estado no setor via privatização e desregulamentação. O varandão da saudade da política energética brasileira para regozijo das viúvas do fracasso dos 1990s.

E aqui chegamos ao cerne da questão: redução do Estado, privatização e desregulamentação. Essa é a pauta implementada desde 2016. Aqui não importa o contexto real do setor, os problemas reais do setor e os desafios reais do setor.

A perda voluntária do protagonismo do Estado e a brutal fragilização das instituições (que não é específica do setor) geraram um quadro de desmanche do setor elétrico brasileiro. Sem a presença da coordenação do Estado, a cacofonia natural de um setor complexo como é o setor elétrico transforma esse espaço econômico em uma imensa torre de Babel, na qual a prevalência de interesses individuais e de curto prazo implode o setor por dentro. Não existe a menor possibilidade de construir a necessária compatibilização de planos e ações dos agentes, que funda o equilíbrio técnico-econômico-institucional imprescindível para a operação e a expansão desse setor, a partir da lógica de balcão empregada pelo Estado brasileiro neste momento.

A combinação da retirada do Estado com a hegemonia dos interesses financeiros, presente na atual política energética, simplesmente desmancha o setor elétrico do País. A lógica curto-prazista e especulativa do mercado financeiro, emoldurada por uma ignorância abissal sobre o setor (que, dada a sua complexidade, não pode ser vencida pela simples contratação de especialistas, por melhores e mais caros que sejam), em conjunto com a omissão do Estado, desorganiza o setor elétrico brasileiro transformando a atual reestruturação em um desmanche seguido de butim; a bem de poucos e à custa de muitos.

A manutenção dessa política irresponsável de desmonte terá um final previsível. Ao fim, teremos um setor elétrico brasileiro fragmentado, desconectado, regionalizado, sem as tradicionais economias de escala, escopo e diversidade, com explosão de custos e tarifas, quebrado e judicializado.

Vale lembrar aos políticos mais açodados e aos agentes de mercado mais excitados com a pilhagem que a crise californiana terminou com a acachapante vitória da oposição nas eleições seguintes e com os gestores da empresa ícone da especulação do mercado elétrico (a Enron) na cadeia. Parafraseando um ex-técnico de futebol, assim como a bola pune, a crise energética pune muito mais. FHC que o diga.


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quarta-feira, 2 de junho de 2021

Amartya Sen: “A desigualdade corrói as vantagens das democracias”


Caros leitores,

A importância do nome de Amartya Sen para o campo econômico é inegável. Detentor de um relevante discurso sobre a percepção da desigualdade e seus efeitos nas mais diferentes instâncias sociais, o contexto de pandemia assume ainda mais a importância dessa análise para a compreensão dos fenômenos que lhes afetam.

Diante disso, na notícia de hoje buscamos analisar a relação existente entre a desigualdade e a própria democracia, tendo como prisma a realidade vivenciada em países como a Índia, terra originária do economista. Através de uma entrevista feita às vésperas de sua recepção do Prêmio Princesa de Astúrias de Ciências Sociais, debate-se diferentes nuances sobre a matéria.

Esperamos que gostem e compartilhem!

Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

Amartya Sen foi agraciado na terça-feira passada com o Prêmio Princesa de Astúrias de Ciências Sociais de 2021. Poucas horas depois, da sua casa em Cambridge (Estados Unidos), sede da Universidade Harvard, o economista (Santiniketan, Índia, 87 anos) atendia ao EL PAÍS cheio de gratidão pelo júri e destacando seus vínculos com a cultura espanhola. Entre constantes telefonemas de felicitação, ele conversou sobre duas de suas grandes preocupações: o recrudescimento da pobreza por causa da pandemia e a situação política e social do seu país natal, a Índia.

Seus estudos há décadas influenciam as políticas de combate à desigualdade extrema desenhadas por diversas organizações internacionais. Entretanto, após anos de avanços, a pandemia do coronavírus causou um sério retrocesso nessa tarefa. Em um recente relatório, a ONU alertou que a pior recessão em 90 anos levou à perda de 114 milhões de postos de trabalho e empurrou 120 milhões de pessoas para a pobreza extrema.

“Esta crise foi uma péssima notícia na luta contra a pobreza. Não só pela perda de renda que gerou para muitos trabalhadores, mas também porque muitos dos que ficaram sem trabalho perderão as habilidades que tinham adquirido anteriormente. Quanto mais você se isola, menos eficiente tende a ser”, responde do outro lado do telefone.

O economista e filósofo repete várias vezes que o maior golpe do coronavírus é a perda de vidas humanas. “Se você não estiver vivo, tanto faz se antes era rico ou pobre. A grande tragédia é a morte”, reflete.

Amartya Sen não é muito pessimista sobre a saída da crise. Considera que não será preciso esperar muitos anos para recuperar o nível de riqueza anterior à chegada do vírus que deixou o mundo de pernas para o ar. “A riqueza perdida poderia ser recuperada mais ou menos rapidamente, mas isso não devolverá a tragédia de que tanta gente tenha morrido”, acrescenta.

O novo ganhador do Princesa de Astúrias se mostra cético sobre a ideia de que as políticas de recuperação oferecidas pelo presidente dos EUA, Joe Biden, possam alterar o paradigma econômico que nasceu na década de 1980 com a revolução conservadora de Thatcher e Reagan: “Não acredito. Não acredito que estejamos pensando de uma nova forma”, diz.

Sen emergiu nos últimos anos como um dos grandes flagelos do Governo nacionalista indiano encabeçado pelo primeiro-ministro Narendra Modi. Agora, com a trágica situação no país por causa da expansão da epidemia, o também ganhador do Nobel de Economia acredita que muitos dos males das políticas impulsionadas pelo partido nacionalista BJP, de Modi, estão vindo à tona. “A resposta do Governo à covid foi péssima. Não foi claro em suas políticas. E teve uma atuação muito lamentável, sobretudo para os pobres, os que mais estão sofrendo a pandemia”, salienta.

Mas as críticas a Modi vão além da gestão dos últimos meses. “Esta má reação ocorreu também em outras decisões políticas, como as políticas econômicas, a falta de atenção à educação e à saúde. A situação na Índia é muito desigual e muito injusta. E a pandemia só agravou esta situação.”

Sen se tornou mundialmente famoso por sua teoria de que as democracias estão imunizadas contra as ondas de fome, já que seus governos têm incentivos para evitar grandes calamidades desse tipo, por seu alto custo eleitoral. Mas será que a catastrófica gestão desta crise na Índia desvirtua essa ideia? “Meu argumento é que, se o país que você governa sofre uma onda de fome, você deixará de ser popular e perderá as eleições. E, portanto, você fará todo o necessário para impedir essa catástrofe.” Mas em seu país se acrescenta outro elemento à equação: “Na Índia, o Governo conseguiu estabelecer um controle ferrenho dos instrumentos do poder, destinando enormes quantidades de dinheiro de uma forma assimétrica. O BJP conseguiu também calar a voz dos protestos. São coisas que a democracia deveria evitar”, responde, num ataque frontal aos abusos cometidos em nome da preponderância do hinduísmo, a religião majoritária do país, sobre o islamismo.

“A desigualdade e a assimetria do poder têm o potencial de corroer as vantagens da democracia. E isso é o que vemos na Índia”, acrescenta. Diria então que seu país está a caminho de deixar de ser uma democracia funcional? “Não. Seria errôneo afirmar isso. É uma situação muito complexa. Mas acredito que o Governo tenha usado instrumentos que tornam a democracia menos viável”, conclui o premiado economista.