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sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Advogado é peça chave para o desenvolvimento do país

Olá alunos,

a postagem de hoje traz uma entrevista com o advogado e Professor Oscar Vilhena Vieira publicada no site JusBrasil. A notícia originalmente foi postada no site da OAB Maranhão. O Professor Oscar coordena um curso de mestrado a respeito da relação entre Direito e o Desenvolvimento Econômico. E para ele, o advogado seria peça chave para o desenvolvimento do país. Espero que vocês gostem e participem.

Yuri Antunes Moreira
Monitor da disciplina ''Economia Política e Direito'' da Universidade Federal Fluminense.


O advogado é a peça-chave para o desenvolvimento do país. Programas sociais do governo federal, contratos de fusão entre empresas, regulação do mercado de ações, em todos os setores da economia e do cotidiano, o olhar criterioso e detalhista de um advogado tem peso na hora de definir os rumos do país. Os profissionais do Direito que entenderem também de economia e administração estarão na vanguarda.
A relação entre o Direito e o desenvolvimento econômico foi tema de estudos que culminaram na criação de um programa de Mestrado na escola Direito GV, sob coordenação do advogado e professor Oscar Vilhena Vieira. Em entrevista à jornalista Lilian Matsuura, do site Consultor Jurídico , o professor discute a posição da advocacia nos grandes debates, a importância de instituições sólidas para um país e do Judiciário no Brasil de hoje.
O desenvolvimento que defende, diferente daquele que é sinônimo pura e simplesmente de crescimento econômico, é aquele que está ligado ao nível de educação da população, do índice de mortalidade infantil, do acesso ao saneamento básico e do respeito aos cidadãos. Ou seja, desenvolvimento não significa apenas aumento na produção de riqueza, mas principalmente melhoria na qualidade de vida. O ideólogo desse modo de ver o progresso da humanidade, o indiano Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1998, é o guru de Vilhena.
Sen é o criador do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), que mudou o conceito de desenvolvimento no mundo, a partir da década de 90. O novo paradigma foi endossado por instituições internacionais como FMI, Banco Mundial e ONU e é usado como critério para financiar projetos sociais e medir o crescimento dos países.
Para Vilhena, essa é uma virada importante, porque é a partir dela que começam a pensar o desenvolvimento como sinônimo de ampliação da autonomia das pessoas. É nesse contexto, diz, que as instituições devem ganhar força para manter a ordem e a liberdade de cada um. O Judiciário e os advogados ganham papel de destaque nessa nova ordem mundial, antes mesmo da crise financeira mundial que veio a colocar em cheque o antigo modelo de desenvolvimento.
Se antes o debate era técnico e girava em torno da quantidade de quilowatts necessários para a criação de um parque industrial, hoje, a questão é saber como financiar o parque industrial, segundo Vilhena. Se a bolsa de valores é uma fonte confiável de captação de recursos, exemplifica, são os advogados que vão analisar. Em caso de conflitos, a Justiça é que deve resolver.
Um fator que ainda deixa o Brasil distante dos países desenvolvidos, segundo o professor, é justamente o Judiciário. "O acesso a direitos fundamentais, por meio do Judiciário, é para quem tem dinheiro para movimentá-lo", afirmou. Isto é, não tem sido o Judiciário capaz de assegurar o direito dos pobres. "É muito grande a desproporção entre os recursos da advocacia privada e da assistência judiciária, prestada pela OAB", diz, indicando um dos fatores da desigualdade.
Oscar Vilhena acha interessante o poder nas mãos do Supremo Tribunal Federal, como forma de uniformizar as decisões e acabar com os casos de vizinhos que entram com processos iguais, sobre o mesmo problema, sob os mesmos argumentos, mas que obtém respostas contrárias. Mas vê com ressalvas a criação da Súmula Vinculante. Para ele, é preciso cautela.
O professor formou-se pela PUC-SP e desde então não saiu da vida acadêmica. Em 2007, concluiu o pós-doutorado na Saint Antony’s College, unidade da tradicional Universidade de Oxford, da Inglaterra, especializada em Relações Internacionais, política, economia e história. O doutorado foi na Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, USP, em Ciência Política.
Leia a entrevista
�"Qual o papel do advogado para o desenvolvimento da sociedade atual?
Oscar Vilhena �" Hoje, as instituições são fundamentais para os processos de desenvolvimento. Todos pensam assim. Tanto os que enxergam o desenvolvimento apenas enquanto crescimento econômico, quanto os mais progressistas, que entendem o desenvolvimento como ampliação de autonomia. Nesse contexto, o papel do advogado é mais agressivo no debate sobre os destinos do país. Ele perdeu o papel de protagonista da tecnoburocracia. Somos nós que constituímos os grandes contratos de fusão entre empresas, nós entendemos de regulação de mercado. O Programa Universidade para Todos (Pro Uni) é uma engenharia jurídica, feita pelo ministro Fernando Haddad, que é advogado, e pela Paula Dallari, secretária de Educação Superior e especialista em política pública. É um projeto que beneficia 480 mil pessoas pobres e vai mudar em grande medida o perfil do universitário brasileiro.
�"O advogado está em posição de destaque nos grandes debates?
Oscar Vilhena �" Com pouca modéstia, os advogados retomam no cenário do desenvolvimento um papel muito mais importante que há 40 anos, quando o debate era técnico: quantos quilowatts são necessários para montar um parque industrial?. Hoje, a questão é saber como financiar o parque industrial. A bolsa de valores é confiável para captar recursos? Os critérios de governança corporativa e de transparência para empresas poderem entrar na Bolsa de Valores de São Paulo, por exemplo, foram todos criados por advogados. O mercado de ações no país foi reformulado por eles. Com isso, o Direito Comercial brasileiro foi redesenhado. Nós sabemos o que cria um detalhe ou cria uma disfunção. Hoje, o advogado tem de entender de economia e precisa ser interlocutor do administrador.
�"Como um consultor?
Oscar Vilhena �" Sim. Ele não pode ser chamado no último minuto só para redigir o contrato. Um advogado especialista em Direito Empresarial, por exemplo, tem que olhar o balanço da empresa e enxergar os possíveis problemas.
�"Por que as instituições são fundamentais para o desenvolvimento?
Oscar Vilhena �" As instituições são importantes porque criam confiança. Não temos medo de comprar roupas, porque o Código de Defesa do Consumidor nos deu a segurança de que se a peça não servir ou vier com defeito, poderemos trocar. Você sabe qual é o risco que está correndo. Para que haja investimentos sustentáveis no país, é preciso que as instituições funcionem. Estoura a crise nos Estados Unidos, os investidores tiram dinheiro de países como o Brasil para comprar papéis do tesouro americano. Qual é a lógica disso? Ele sabe que a democracia nos Estados Unidos não sofre ameaça. Se o [Barack] Obama foi eleito, ele vai tomar posse, independentemente do tamanho da crise.
�"O Judiciário tem o papel de garantir que as regras sejam cumpridas.
Oscar Vilhena �" Em todas as sociedades modernas, ele tem o importante papel de fazer com que as expectativas criadas pela lei se realizem. Nos demos conta de que há uma grande diferença entre a letra da lei e, depois, o modo como ela repercute na vida real. Isso chamou a atenção para o Judiciário. Se eu desrespeito a lei e não sou punido, percebo que desrespeitá-la pode ser interessante. Isso cria uma sociedade de oportunismos. Ou seja, a minha escolha entre a conduta a, b ou c, não leva em consideração qual é o direito, mas em qual delas vou ganhar mais e onde correrei menos riscos.
�"O Supremo Tribunal Federal contribuiu para colocar o Judiciário em um papel que ele nunca teve na República?
Oscar Vilhena �" O Judiciário continua burocratizado, com padrões pré-modernos de gerenciamento e o sistema recursal privilegiando o devedor. Quem cometeu o erro costuma ser o beneficiário do sistema. A teoria mundial de Justiça é o duplo grau de jurisdição. Aqui temos quatro graus, com todas as intercorrências que o processo permite. O Judiciário tardou a se dar conta de que estava desatualizado e hoje vemos movimentos no caminho da modernização. Já o Supremo, durante a primeira república, teve momentos de grande relevância. Com Getúlio Vargas quase sucumbe, mas em 1946 volta a ter um papel importante. A instituição resiste até que são aposentados os ministros resistentes e nomeados outros que se alinham ao governo.
�"A partir de 88, o Supremo passa por uma mudança radical?
Oscar Vilhena �"Sim. Quando a Constituição é pequena, ele guarda poucas coisas. Quando a Constituição é enorme, o seu papel acompanha a proporção dos direitos e garantias assegurados. O Supremo virou o rei da cocada. Hoje não há movimento do sistema político, por exemplo, que não tenha conteúdo constitucional. A Constituição é ambiciosa e então o tribunal passa a ser convocado para resolver muitos tipos de problemas: decide se a reforma tributária é válida, se está correta a reforma previdenciária, se o amianto pode ser usado no país, como a prefeitura deve regular os seus funcionários.
�"Até então o acesso ao Supremo era mais difícil?
Oscar Vilhena �" A configuração do STF era parecida com a da corte americana: a última instância. Ainda que não fosse geral, o Supremo tinha discricionariedade temerária na análise do que chegava, que aplicava por meio da chamada argüição de relevância. A Constituição de 88 é reativa ao regime militar e abriu as portas para que o Recurso Extraordinário fosse proposto em qualquer tema que tenha relação direta com a Constituição. É um requisito objetivo: é preciso demonstrar onde a CF foi violada para ter o direito subjetivo de acesso ao Supremo. Em 1990, foram distribuídos 16 mil processos. Em 2007, foram 112 mil.
�"O número de autoridades com competência para propor uma Ação Direta de Inconstitucionalidade também aumentou com a nova Constituição.
Oscar Vilhena �" Até 1988, só o procurador-geral da República, que era cargo de confiança do presidente da República, podia chegar ao Supremo. O artigo 103 abre uma porta muito importante, ainda que meio Getulista. Hoje, o presidente da Câmara, do Senado, das Assembléias Legislativas, os partidos políticos, a OAB, sindicatos e confederações de âmbito nacional também podem. Os governadores são os principais clientes das ADIs. Eles esgrimam contra os antecessores, as assembléias legislativas, o governo federal, contra o governador de outro estado que está criando guerra fiscal. Antes isso não existia, porque era o procurador-geral que tinha de propor a ação.
�"Os partidos políticos também gostam desse instrumento?
Oscar Vilhena �" Até 2001, o PT era o partido que mais usava ADI, seguido pelo PSDB. Se sofro uma derrota no campo democrático, corro para o Supremo, que se torna quase uma casa de suplicação. Com isso, vira uma corte constitucional altamente politizada, porque recebe ações de atores políticos relevantes da sociedade brasileira. Há a possibilidade de o Supremo se tornar o que eu chamaria de Tribunal de Pequenas Causas Político. Ou seja, o presidente da República demite para o bem do serviço público um funcionário de última categoria. Ele entra com Mandado de Segurança contra o presidente no Supremo. A Mesa do Senado diz que a sessão de apuração do caso Renan Calheiros é secreta. O Fernando Gabeira entra com Mandado de Segurança contra o Senado. O Supremo recebe o pedido às 11h e dá a liminar às 11h45.
�"Tem ainda a análise de Habeas Corpus.
Oscar Vilhena �" Temos três tribunais funcionando em um só. Os ministros acumulam função do Judiciário em geral e de mais dois tribunais. A Emenda 45 reforça os seus poderes de maneira razoavelmente sensata. A argüição de repercussão geral é um remédio muito bom para conter a demanda. Alguns juízes não entenderam ainda, mas esse é um mecanismo de fortalecimento das instâncias inferiores do Judiciário. Depois de analisar várias vezes a questão, o Supremo rejeita o recurso. Ou seja, o Tribunal de Justiça é quem vai decidir aquela questão por último. Se os ministros usarem a sua autoridade corretamente, podem transferir poderes para as instâncias inferiores, o que é muito saudável para o país. Acaba com essa gincana que só favorece quem tem dinheiro para permanecer no processo.
�"A Súmula Vinculante também ajuda nesse trabalho de conter a demanda?
Oscar Vilhena �" É a primeira vez na história do país que a corte tem supremacia sobre o Judiciário. Até então o juiz podia decidir diferente do Supremo em qualquer caso. A súmula vinculante veio para regular essa distorção. Mas não acho que seja o melhor caminho. Os enunciados chegam como um torniquete para esse problema. A questão é que o STF decide em relação a todos os outros. Não é o Tribunal de Justiça de São Paulo em relação à Justiça paulista. Então, se o STF está errado, harmoniza de forma errada para todo mundo.
�"Um juiz pode deixar de aplicar uma súmula?
Oscar Vilhena �" Se ele entender que naquele caso concreto aplicar a súmula pode prejudicar um direito e a pessoa ficará desamparada sem a liminar, o juiz pode conceder. No Plano Collor, o Supremo declarou constitucional o bloqueio dos cruzados e disse que cabia entrar com ações ou liminares. O ministro Sepúlveda Pertence [hoje aposentado] observou que também é constitucional a obrigação do juiz assegurar o direito do jurisdicionado. Por casos como esse, o Supremo vai ter que editar com muita modéstia as súmulas, porque pode sofrer resistência.
�"Qual é o impacto dessas mudanças no Judiciário no desenvolvimento brasileiro?
Oscar Vilhena �" O desenvolvimento deve ser pensado em sentido mais amplo que o mero crescimento econômico. Temos que pensar também em distribuição de renda, respeito aos direitos humanos, acesso aos recursos públicos pela população mais pobre, liberdade de expressão. A China cresce, mas o Estado de Direito não é lá grande coisa. No Brasil, podemos dividir essa situação em duas partes. O acesso a direitos fundamentais, por meio do Judiciário, é para quem tem dinheiro para movimentá-lo. Não estou falando de corrupção. Um criminalista de alta qualidade sabe usar a Justiça, honestamente, para exigir todos os direitos e garantias do seu cliente. Isso é muito bom. Mas o jovem que foi para a Febem não tem acesso. O Judiciário não tem sido capaz de assegurar os direitos em igual medida a todos que têm seus direitos violados.
�"A Constituição não ajudou a mudar essa situação?
Oscar Vilhena �"A generosidade da Constituição , em muitas circunstâncias, só reforça a condição daqueles que já são privilegiados. É muito grande a desproporção entre os recursos da advocacia privada e da assistência judiciária, prestada pela OAB. A Constituição é pouco eficiente para aqueles que estão no andar de baixo. Mas ela tem mais qualidades que defeitos. O seu texto é desenvolvimentista no melhor e mais contemporâneo dos sentidos. Nós temos uma Constituição liberal do ponto de vista econômico. E há um projeto de desenvolvimento social muito forte, inovador, no sentido de tratar especificamente de grupos vulneráveis, como os índios, os negros. Ela não trata todo mundo igual, porque sabe que a vida das pessoas é diferente e muitas precisam de proteção específica.
�"E quais são os resultados da atuação do Judiciário para o desenvolvimento econômico do país?
Oscar Vilhena �" Muitos insistem em dizer que a Justiça brasileira é feita para pobres. Na verdade, as leis são criadas para fortalecer os hipossuficientes. O juiz do trabalho não julga em favor do pobre, é o Direito trabalhista que cria circunstâncias onde presume-se o direito do trabalhador. A mesma coisa acontece com o consumidor. O CDC inverte o ônus da prova, porque a empresa é muita mais poderosa. Não é relevante discutirmos se a justiça brasileira é mais de esquerda ou mais de direita. O Judiciário tem gente de todo jeito. O livro Corpo e Alma da Magistratura Brasileira traça um perfil dos juízes e mostra que não há uma elite, não há aristocratas. A justiça é feita de brasileiros que estudam muito e passam em um concurso. O grande problema do Judiciário é a falta de harmonia nas decisões.
�"A falta de segurança jurídica?
Oscar Vilhena �" Pois é. A minha empregada fica confusa: "a minha vizinha entrou com a mesma ação que eu na vara de Previdência. Ela ganhou, eu perdi". Esse é um problema central no Estado de Direito, porque a lei se aplica de maneira desigual. A fragmentação do Poder Judiciário brasileiro permite que os tribunais inferiores sejam pouco permeáveis pela autoridade dos tribunais superiores. Cada tribunal decide de um jeito, o que gera dificuldade para entender qual é a lei n Brasil. Não adianta ler o Código Penal ou o Código Civil , é preciso prestar atenção às diversas jurisdições.

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segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Como as Leis e o Poder Judiciário afetam a Economia ?

Olá alunos,

O texto de hoje, de autoria de Fernando Meneguim, novamente demarca pontos de interseção entre a Economia e o Direito. E é importante sabermos de tudo isso pois como o próprio texto diz: ''uma política de desenvolvimento nacional não passa apenas pelas variáveis macroeconômicas como inflação, juros ou taxa de investimento''. Confiram no texto outros pontos de influência numa política de desenvolvimento econômico nacional e, claro, participem. Esse artigo pode render bons debates construtivos.

Yuri Antunes Moreira
 Monitor da disciplina ''Economia Política e Direito'' da Universidade Federal Fluminense.

As leis e as decisões judiciais, juntamente com os instrumentos que obrigam todos os cidadãos a cumpri-los (polícia, judiciário, fiscalização sanitária, Receita Federal, agências reguladoras, etc. ), fornecem um conjunto de incentivos aos cidadãos e empresas, que têm reflexos sobre a eficiência das transações econômicas. Uma legislação que estabeleça impostos muito elevados, por exemplo, representa um incentivo à sonegação. Uma adequada lei de patentes, que proteja as inovações tecnológicas e gere lucros aos inventores, por sua vez, será um incentivo para o desenvolvimento científico.
Há uma série de situações econômicas que não podem ser deixadas ao livre arbítrio do mercado, precisando ser reguladas por lei e que, por isso, ficam sob a influência das leis e das instituições citadas acima. Por exemplo: é preciso impor regras e penalidades para que as fábricas não lancem nos rios e mares os dejetos gerados durante o processo produtivo; é preciso criar impostos para financiar atividades que são importantes para a sociedade, mas que não dão lucro e, por isso, não são oferecidas no mercado privado (construção de estradas, saneamento básico, saúde preventiva, preservação de florestas); é preciso oferecer a toda a sociedade alguns bens e serviços que, se deixados ao mercado, seriam acessíveis apenas às populações de maior renda (educação, saúde); é preciso evitar a formação de monopólios e cartéis que prejudiquem a concorrência e tornem os produtos mais caros e de menor qualidade. Tais fenômenos são conhecidos pelo termo genérico “falhas de mercado”, que se refere a situações em que o livre funcionamento do mercado leva a situações socialmente indesejáveis.[1]
Na prática, as leis e instituições destinadas a corrigir falhas de mercado têm diversos graus de qualidade. Tanto podem ser eficazes na redução das falhas de mercado, quanto podem introduzir distorções adicionais na economia. Nessa situação, há leis editadas com o objetivo de congelar preços, prejudicando o equilíbrio natural do mercado. O Plano Cruzado é um exemplo típico, pois, ao promover o congelamento de preços para combater uma hiperinflação, não permitiu o ajuste dos valores de mercadorias sujeitas à sazonalidade, gerando um desequilíbrio de preços. Como resultado disso, vieram o desabastecimento de bens (ninguém se dispunha a vender com prejuízo ou perder oportunidades de lucro) e o surgimento de ágio para compra de produtos escassos, principalmente os que se encontravam na entressafra, como carne e leite.
Outro ponto importante na relação entre a área jurídica e a econômica é o “direito de propriedade”, conceito jurídico que se refere ao fato de que o proprietário é livre para usar seus bens como quiser (desde que dentro da lei) sem a interferência ou intromissão de outros. Direitos de propriedade que não são perfeitamente seguros desestimulam os investimentos, reduzindo o potencial de crescimento da economia. Produtores rurais que se sintam sob ameaça de invasão de suas terras por movimentos de “sem-terra” reduzirão os investimentos em infraestrutura e melhoria da terra, pois temem o risco de perder esse investimento no caso de uma invasão. Países que costumeiramente confiscam investimentos feitos por estrangeiros ou não pagam suas dívidas externas se tornam perigosos para os investidores internacionais e deixam de ser atrativos para empresas que poderiam ali se instalar, produzir e gerar empregos.
O Teorema de Coase[2] ensina que, se não houver custos de transação, basta que os direitos de propriedade sejam bem definidos para que uma negociação entre os interessados aconteça e os recursos sejam utilizados da forma mais eficiente possível. Os custos de transação são os gastos necessários à realização de um negócio no mercado, como pagamento de taxas, advogados, corretores, cartórios e outros envolvidos na transação. Assim, para a literatura de Análise Econômica do Direito, as leis deveriam ser elaboradas de forma a remover os obstáculos à negociação privada, reduzindo ao máximo os custos de transação para melhorar o desempenho da economia. Essa deveria ser uma das principais funções das instituições de forma geral (regramentos jurídicos, tribunais, etc).
Também relevante é o impacto da ação do Poder Judiciário na economia. Uma importante distorção da Justiça brasileira consiste no fato de que as disputas de baixo valor não chegam às mãos dos juízes, pois, se chegassem, as custas processuais e os honorários advocatícios consumiriam o crédito a receber. Esse problema foi resolvido em parte pelos juizados de pequenas causas, mas o problema ainda persiste. Em regra, a Justiça só é acionada se o valor do litígio for alto ou quando o litigante possui uma estrutura jurídica permanente, como é o caso das grandes empresas. Tal situação coloca em desvantagem a camada mais baixa da sociedade, que vê sua pior condição socioeconômica ser perpetuada pela maneira de funcionar das instituições.
Além disso, esse alto índice de exclusão judicial tem efeitos sobre os contratos de crédito e os contratos trabalhistas, pois, como as empresas sabem da baixa possibilidade de recorrer à Justiça, não se preocupam com a formalização dos negócios, ou seja, existe um incentivo para o trabalho precário (informalidade no mercado de trabalho) e para empréstimos que passam ao largo do sistema financeiro tradicional (agiotagem).
Outro problema é a morosidade do Poder Judiciário. Em média, demora-se anos para que se consiga uma decisão final. Essa dificuldade de receber créditos na Justiça afeta diretamente a conjuntura econômica, pois propicia uma taxa de juros mais elevada. Como não há segurança judiciária de que o crédito será recuperado rapidamente, a tendência é que já se inclua na taxa de juros um adicional para cobrir as perdas com créditos não pagos. Isso tem consequências extremamente negativas para a economia: diminuição dos investimentos, crédito mais caro ou, ainda, restrição ao crédito.
O problema não é privilégio da recuperação de contratos de crédito. A mesma situação se repete em litígios da área cível como pagamento de verbas indenizatórias.
No entanto, avanços estão acontecendo. Um exemplo atual pode ser encontrado no mercado de locação de imóveis. Foram promovidas alterações na Lei do Inquilinato com a publicação da Lei 12.112, de 2009. O objetivo foi conceder mais segurança aos proprietários dos imóveis urbanos. Depois dessa mudança na legislação, é mais habitual que os locadores tenham sucesso rápido em ações de despejo por falta de pagamento do aluguel.  Essa sistemática traz mais tranquilidade ao mercado e segurança para quem investe em imóveis para locação, que resulta em maior oferta de imóveis e redução do valor médio do aluguel, beneficiando o inquilino que paga em dia suas obrigações.
Em conclusão, uma política de desenvolvimento nacional não passa apenas pelas variáveis macroeconômicas como inflação, juros ou taxa de investimento. É importante considerar também o impacto da legislação e do funcionamento das instituições sobre o comportamento de indivíduos e empresas. A análise econômica do direito afeta áreas tão distintas quanto a flexibilidade do mercado de trabalho, o aperfeiçoamento do mercado de crédito e do sistema financeiro, a melhoria da tributação e do ambiente de negócios. Todos esses tópicos dependem de aprovação de leis. Elas é que, se bem desenhadas, fornecerão os incentivos corretos para que indivíduos e empresas, ao buscarem o melhor para si, também atuem de forma eficiente.
Por fim, cabe enfatizar a necessidade de redução do custo de resolução de conflitos. Isso se consegue com uma reforma do Poder Judiciário. Tal aprimoramento vem sendo realizado paulatinamente, como os novos Códigos de Processo Penal e Civil aprovados recentemente no Senado.

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terça-feira, 21 de agosto de 2012

O milagre do leste asiático revisado

Olá alunos,

hoje postarei aqui um excelente texto dos autores Xiao Geng e Andrew Sheng publicado no ''Jornal de Negócios'' de Portugal. O texto é bastante atual e foca o desenvolvimento das economias do leste asiático à luz da Nova Economia Institucional. A exemplo de sua atualidade, o texto foca por exemplo o recente movimento ''Occupy Wall Street''. Espero que gostem pois ele ilustra mais uma vez como as disciplinas ''Direito'' e  ''Economia'', andando juntas, acarretam bons resultados.

Yuri Antunes Moreira
Monitor da disciplina ''Economia Política e Direito'' da Universidade Federal Fluminense.



Há quase duas décadas, o Banco Mundial publicou o seu estudo emblemático, "O Milagre do Leste Asiático", que analisava as razões que levaram as economias do leste asiático a crescer mais rapidamente do que os mercados emergentes da América Latina, África, e outros locais.

De acordo com o estudo, estas economias alcançaram elevadas taxas de crescimento devido aos direitos básicos, promoção do investimento, criação de capital humano, e abertura à exportação dos seus produtos.

Mas isto não era tudo. O Banco Mundial também reconheceu, a contragosto, que os governos intervieram – sistematicamente e através de diversos canais – para promover o desenvolvimento, inclusive em sectores específicos, e em locais específicos, através de subsídios, incentivos fiscais e repressão financeira.

Nos anos seguintes, particularmente depois da crise financeira asiática, o Consenso anti-intervencionista de Washington, pró-mercado, perdeu apoio. A "Nova Economia Institucional" (NIE, na sigla inglesa) ganhou terreno, preenchendo as lacunas deixadas pelos modelos tradicionais, que ignoravam a importância central das instituições na gestão da mudança e da incerteza que afectam a alocação de recursos e a escolha social. À luz da Grande Recessão dos dias de hoje, e da crise da dívida soberana europeia, a questão principal é qual é o papel do Estado na promoção do desenvolvimento e do crescimento.

Foi o colapso das economias planificadas do bloco soviético que estimulou a arrogância do mercado livre e também a percepção de que as instituições importam. No entanto, foi a capacidade da China de manter um rápido crescimento durante três décadas que exigiu um olhar revisionista sobre o capitalismo controlado pelo Estado.

O Prémio Nobel da Economia, Douglass North, argumentou que a sociedade humana criou instituições para lidar com a assimetria da informação, mas as suas criações logo deram origem ao problema de como obrigá-las a cumprir os objectivos para os quais foram criadas. Em 2000, Oliver E. Williamson concebeu uma classificação de quatro níveis para a análise social das instituições – instituições informais, costumes, instituições, normas e religião; instituições formais com regras que regem os direitos de propriedade, ordem social, poder judicial e a burocracia; estruturas para a governação e os seus alinhamentos para economizar nos custos de transacção; e os processos descentralizados de tomada de decisões para a alocação de recursos (o âmbito da economia neo-clássica).

De acordo com Williamson, a nova economia institucional centra-se principalmente nas ramificações económicas e políticas das normas e estruturas de governação formais. Mas, para muitas economias emergentes, é a perpetuação de regras, normas e crenças informais, e também a lentidão da mudança, que impedem que se dê o passo para um crescimento mais avançado, baseado nos conhecimentos.

O novo livro de Francis Fukuyama, "The Origins of Political Order" (A Origem da Ordem Política), tenta abordar este problema. O autor examina a emergência de três categorias de instituições políticas – o Estado, o Estado de Direito, e o governo democraticamente responsável, estas duas últimas sendo restrições que impedem que o Estado se torne despótico.

Fukuyama defende que o patrimonialismo – definido como a propensão humana natural para favorecer familiares e amigos – é a ruína do Estado de Direito e do governo responsável. Contudo, enquanto o patrimonialismo pode muito bem ser o principal obstáculo ao avanço dos países em direcção a uma democracia de classe média – e uma das principais razões da fragilidade dos Estados autocráticos – também pode ser uma característica mais geral de todos os sistemas políticos e económicos.

Atente-se no actual debate sobre se os interesses financeiros se apoderaram dos governos das economias mais avançadas – uma questão levantada por Gillian Tett num artigo recente publicado na revista Foreign Affairs. "Os governos devem controlar as finanças para reprimir as elites", questiona a autora, "ou simplesmente devem aceitar as diferenças de rendimentos e das poupanças financeiras como o preço inevitável das sociedades dinámicas?"

Esta não é uma questão trivial, dado o papel da desigualdade na crescente agitação social e mesmo na revolução em todo o mundo. Na verdade, a verdadeira surpresa é que protestos como o “Ocupar Wall Street” tenham resultado em mudanças tão pequenas, sugerindo que as instituições, uma vez estabelecidas, ficam “coladas” à preservação do status quo.

Isto é particularmente relevante na história do crescimento da Ásia. As antigas colónias britânicas como a Índia e a Malásia herdaram o direito comum e equilíbrios institucionais, mas muitas delas enfrentam hoje a decadência das instituições, o aumento da corrupção e o crescimento do patrimonialismo. Outras economias, como a China, estão à procura da forma de establecer o Estado de Direito através do reforço do quadro institucional dentro do sistema de governo de partido único.

Tanto Fukuyama como North concluem que as economias fortes dirigidas pelo Estado podem ser responsáveis, mas tornam-se frágeis se a elite governante não responde à maioria popular e às normas globais de conduta e governação. North defende mesmo que a concorrência é uma força fundamental que promove a eficiência adaptativa entre as instituições.

Uma das ideias básicas da nova economia internacional é que a medição dos custos de transacção em vários factores e mercados de produtos pode revelar ineficiências e obstáculos a um melhor desempenho. Uma análise dos custos de transacção nas cadeias de abastecimento globais e nacionais indicaria a que ponto é que as actividades com fins lucrativos e as distorções políticas impedem o surgimento de mercados competitivos.

No caso das economias avançadas, o estudo dos níveis dois e três de Williamson – as instituições formais e a sua governação – pode levar a conclusões importantes. No entanto, estamos convencidos que, no que diz respeito aos mercados emergentes da Ásia e outros locais, o estudo das instituições, condutas e normas informais, oferece uma melhor compreensão dos desafios da gestão do crescimento e desempenho.

Simplificando, em muitos mercados emergentes, o que coloca obstáculos ao desempenho económico não é a falta de compreensão das melhores práticas internacionais. Pelo contrário, é o conflito entre essas práticas e as relações e costumes sociais internos que consolidam interesses contrários à mudança.

Andrew Sheng, presidente do "Fung Global Institute" e conselheiro da Comissão Reguladora de Bancos da China, é um antigo vice-presidente da Autoridade Monetária de Hong Kong. Xiao Geng é director de pesquisa do "Fung Global Institute".


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