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terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Qual é a imagem do Brasil no exterior?



Olá alunos, 

A postagem de hoje busca refletir sobre as múltiplas imagens do Brasil no exterior e mostra que estar atento a elas é se interpretar e se reinventar. Isso inclui entender melhor o que projetamos no exterior.

Esperamos que gostem e participem. 
Palloma Borges, monitora da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense. 

Na Queen’s University Belfast, Irlanda do Norte, uma das mais respeitadas universidades do Reino Unido, foi possível assistir e participar neste mês de novembro de uma ação coletiva das mais prementes: colocar o Brasil sob o holofote. 
Brazil in the Spotlight (o Brasil sob o holofote) foi justamente o nome do evento organizado pela Rede Europeia de Brasilianistas de Análise Cultural (Rebrac), onde miríades de questões importantes foram debatidas, da difusão do livro e da literatura brasileira no exterior ao impacto das narrativas sobre a crise política e econômica do Brasil na imprensa internacional. Mas por que o Brasil deveria prestar mais atenção ao que associações como a Rebrac têm a dizer?
Os brasileiros se surpreenderiam com o interesse e a paixão de pesquisadores de várias nacionalidades dedicados a temas brasileiros. Surpreenderiam-se também, sobretudo, com as contribuições daqueles que olham o Brasil por outros ângulos, com um distanciamento que não é apenas geográfico, e que pode apontar caminhos para além dos falsos binarismos que têm caracterizado algumas análises sobre o País hoje.
Os brasilianistas, pesquisadores (brasileiros ou não) que se dedicam a estudar aspectos do Brasil, não são em grande número, mas estão certamente enraizados nas melhores instituições da Europa e dos Estados Unidos. Há uma razão histórica para isso. 
Como campo de pesquisa, os Estudos Brasileiros (Brazilian Studies) ganharam visibilidade na comunidade acadêmica internacional em fins dos anos 1950 e durante os anos 60, sobretudo no mundo anglo-saxão (EUA e Grã-Bretanha), embora países como França e Alemanha também tenham tido protagonismo.
Num contexto marcado pela Guerra Fria, os Estados Unidos e seus parceiros do dito bloco ocidental tinham interesses estratégicos e geopolíticos muito nítidos a serem defendidos na América Latina, o que envolvia monitorar uma área caracterizada por grandes mercados em potencial e abundância de recursos naturais.   
Nesse momento, o reconhecimento das particularidades linguísticas, sociais e culturais do Brasil fez com que alguns especialistas talentosos fossem incentivados por bolsas e financiamentos de pesquisa a se dedicar especificamente ao País. Os Estudos Brasileiros foram, dessa forma, se autonomizando em universidades e centros de pesquisa pelo mundo. O campo foi se constituindo e, com ele, a figura do brasilianista.
Devido a essa origem ligada a disputas geopolíticas internacionais, o termo “brasilianista” adquiriu certa aura de suspeita entre acadêmicos brasileiros, ainda mais acentuadamente depois do golpe militar de 1964, quando a hoje documentada participação norte-americana era ainda considerada por alguns como “paranoia das esquerdas”.
A imagem dos brasilianistas foi mudando, no entanto, devido à contribuição decisiva que tiveram para a compreensão de aspectos da história, da política, da economia e da cultura brasileiras. Além disso, a atuação de alguns deles foi não apenas seminal em seus campos de pesquisa, mas também progressista.
Um caso emblemático é o do historiador norte-americano Thomas Skidmore, falecido em junho deste ano. Tendo passado por Oxford nos anos 50, Skidmore doutorou-se em Harvard em 1960 e em 1967 publicou uma obra que se consolidou como leitura fundamental sobre o Brasil, dentro e fora do país.
Traduzida em português como Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco, a análise cobre o período crucial de 1930 à 1964 com prosa instigante e uso brilhante das fontes, o que faz com que o livro continue sendo parte integrante da bibliografia de cursos universitários de História do Brasil ainda hoje.
Como intelectual, em pelo menos duas ocasiões teve atritos com a ditadura civil-militar brasileira (1964-1985). Em 1970, Skidmore assinou com outros brasilianistas uma carta aberta denunciando a prisão política do historiador marxista Caio Prado Júnior e criticando a perseguição de acadêmicos e intelectuais no Brasil. Como represália, o governo brasileiro lhe negou o visto de pesquisador para dar um curso na Unicamp no verão de 1970. Em 1984, já em pleno período da distensão, Skidmore foi convocado a comparecer na Polícia Federal e ameaçado de extradição por criticar a situação política do Brasil.
Estudiosos do Brasil no exterior, brasileiros ou não, progressistas ou não, têm contribuído de maneira silenciosa mas constante para a sensibilização internacional sobre o Brasil e as questões que afetam o País. Os cursos oferecidos por esses professores e pesquisadores em suas respectivas instituições e países formam anualmente inúmeros especialistas em áreas como História, Economia, Sociologia, Língua Portuguesa e Literatura Brasileira.
Os graduados e pós-graduados formados nesses centros de estudo frequentemente ocupam posições de relevância estratégica internacional: embaixadas, universidades, instituições de pesquisa e de fomento, órgãos governamentais e organizações internacionais de toda a espécie e, claro, veículos de imprensa internacional.
Recentemente, em meio à crise política e às confabulações parlamentares que levaram ao controverso processo de impeachment no Brasil, as diferenças entre a cobertura da imprensa internacional e da imprensa local se tornaram gritantes.
As narrativas sobre a crise em jornais como The New York Times (EUA), The Guardian (Reino Unido), Der Spiegel (Alemanha) ou Le Monde (França) contrastaram significativamente com a abordagem da grande imprensa brasileira, fato que foi explorado por vários analistas.
A questão é que, diferente do que ocorria há algumas décadas, a imprensa internacional não reproduz mais apenas os eventos e abordagens dados pelo noticiário local. Cada vez mais, veículos jornalísticos de fora do País contam com correspondentes em locus, muitas vezes com formação e especialização em Estudos Brasileiros ou Latino-americanos.
A imprensa internacional e as agências de notícias contam geralmente com profissionais especializados ou, pelo menos, com consultores que são especialistas em temas brasileiros.
Isso é reflexo, entre outras coisas, do desenvolvimento e aprofundamento de pesquisas sobre o Brasil em universidades europeias e norte-americanas, o que produz uma maior capacidade entre estrangeiros de analisar os fenômenos sociais brasileiros e de desenvolver abordagens descoladas da narrativa hegemônica da grande mídia nacional.
Obviamente, isso não significa que os brasileiros devam aceitar passivamente as narrativas construídas sobre o Brasil no exterior. Infelizmente, ainda é possível encontrar estereótipos e leituras equivocadas em matérias da imprensa internacional. Desmistificar visões estereotipadas e desarmar o foco no “exotismo” é um trabalho constante e necessário para os que pesquisam e estudam o Brasil fora do País.
O trabalho de pesquisadores dedicados a temas brasileiros tem, entretanto, uma importância crucial na formação de quadros especializados sobre o País no exterior e isso tem impacto inegável na percepção internacional. Para os que estão no Brasil, olhares estrangeiros, ou de brasileiros que trabalham em instituições estrangeiras, podem ser complementares à produção nacional e mostrar novos ângulos sobre questões que nos são caras.
Muito comumente, um olhar desfamiliarizado tem o poder de nos confrontar com a natureza mais instigante e brutal daquilo que somos. É preciso que o Brasil siga no esforço coletivo interminável de se buscar e de se interpretar, para que possamos seguir nos reinventando. Isso inclui, certamente, entendermos melhor a imagem que projetamos no olhar do outro.   

domingo, 29 de janeiro de 2017

China celebra entrada do yuan na cesta de moedas de reserva do FMI



Olá alunos, 

A postagem de hoje mostra que atualmente estão na cesta de moedas de reserva do FMI: o dólar, o euro, a libra esterlina britânica e o iene japonês, além do yuan, que entrou para a lista recentemente. Para o Banco Central chinês, essa é uma etapa histórica para a internacionalização da moeda.

Esperamos que gostem e participem.
Palloma Borges, monitora da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense.


entrada do yuan neste sábado (1) no clube fechado das moedas de referência do FMI é uma "etapa histórica" para a internacionalização da moeda, afirmou o Banco Central chinês, que prometeu um "aprofundamento" das reformas financeiras e da abertura do país.
A partir deste sábado, a divisa chinesa é oficialmente parte integrante da unidade de conta do Fundo Monetário Internacional (FMI), os Direitos Especiais de Giro (DEG), cesta em que estão o dólar, o euro, a libra esterlina britânica e o iene japonês.
"É uma uma etapa histórica para o renminbi (nome oficial do yuan), que confirma os avanços da China no desenvolvimento econômico, assim como os frutos das reformas e da abertura de seu setor financeiro", comentou o Banco Central (PBOC) em um comunicado.
"A China vê esta inclusão como um giro. Vai aprofundar suas reformas, ampliar a abertura de seu setor financeiro e reforçar suas contribuições para consolidar o sistema financeiro mundial", completa a nota.
Christine Lagarde, diretora-gerente do FMI, disse que a inclusão da divisa chinesa nesse clube de elite significa reconhecer a integração da economia do país ao sistema financeiro global e o progresso alcançado pela China nos últimos anos com a reforma do seu sistema monetário e financeiro.
Impactos positivos


A decisão pode ter impacto geopolítico por deixar a China participar de decisões monetárias internacionais e limitar o uso do dólar no cumprimento de sanções políticas. Além disso, com a decisão, a China pode ter o incentivo necessário para acelerar as reformas no setor financeiro, depreciando, assim, o yuan.

A inclusão do yuan como moeda de reserva é uma notícia positiva para a China, já que outros países poderão aceitar a divisa como moeda de troca no futuro. Porém, a moeda não deverá superar o dólar americano no mercado financeiro internacional, já que a moeda norte-americana controla mais de 90% de todas as transações cambiais no mundo todo.

Com a inclusão da moeda no FMI, a China passará a fazer parte das discussões sobre a reforma monetária e os chineses terão acesso a mais benefícios nos mercados internacionais.
Os critérios para inclusão da moeda na cesta do FMI são grande participação nas exportações internacionais envolvendo a moeda e que ela seja amplamente conversível, com um sistema aberto para que outros países negociem ativos com a divisa.
Há vários anos a China se esforça para transformar o yuan em uma moeda de reserva internacional, à altura de seu status de segunda potência econômica mundial, com uma abertura muito gradual de seu mercado como pano de fundo.
O respaldo do FMI é, portanto, uma vitória diplomática para Pequim e tem uma forte carga simbólica por incluir oficialmente o yuan entre as grandes moedas mundiais.
Ao contrário das outras moedas da cesta dos DEG, o yuan não é plenamente conversível e a repatriação dos capitais investidos na China por estrangeiros continua sendo difícil.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Um país sem aposentados


Olá alunos, 

A postagem de hoje mostra que, sedo o quinto lugar em desigualdade no rank mundial, o Brasil corre o risco de uma tragédia humanitária se adotar a idade mínima da Europa, de 65 anos.

Esperamos que gostem e participem. 
Palloma Borges, monitora da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense. 

Adotar a regra em vigor na maior parte da Europa, de idade mínima de 65 anos para a aposentadoria, como quer o governo Temer, transformaria o País no pior do mundo nessa área, concordam técnicos do setor e economistas.
Diferenças abissais quanto a expectativa de vida, condições socioeconômicas, distribuição de renda e acesso a cuidados médicos tornariam a aplicação da reforma um desastre humano sem precedentes, ainda mais devastador depois da aprovação definitiva pelo Senado, na terça-feira 13, da PEC 55, do teto de gastos públicos, inclusive para a saúde, por 20 anos.
A insegurança generalizada causada pela proposta do governo aumentou as solicitações de aposentadoria em 25% nos postos do INSS entre janeiro e agosto. Uns poucos lucraram com a situação. Nos últimos 12 meses, a captação líquida dos fundos de Previdência privada cresceu 20% e o número de participantes dos planos particulares subiu 5,8%, segundo a federação nacional do setor.
A idade mínima para se aposentar nos 34 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico é de 64,6 anos, em média. Em 21 deles, é de 65 anos, conforme destacado na exposição de motivos da PEC 287, da reforma da Previdência. A regra é seguida por Alemanha, México, Chile, Japão, Canadá, Portugal, Suécia, Reino Unido, França, Espanha e mais 11 países europeus.
Não se justifica, porém, a transposição daquele critério para o País. “A expectativa média de vida do bloco de integrantes da OCDE que a adotou é de 81,2 anos e a do Brasil, de 75 anos. Ou seja, indivíduos daqueles países deverão viver 6,2 anos a mais do que um cidadão brasileiro.
População
O projeto torna a aposentadoria       inacessível aos mais pobres 
(Foto: Moises Silva/Estadão Conteúdo)
Faz sentido igualar a idade de aposentadoria para a média deles?”, pergunta Marcelo L. Perrucci, auditor federal de Finanças e Controle da Controladoria-Geral da União e presidente do Conselho Fiscal da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo.
O descompasso aumenta quando a expectativa de vida é relacionada às condições de saúde, mostra um estudo feito pelo especialista. Para cruzar as duas informações, Perrucci aplicou o fator Hale (Health Adjusted Life Expectancy, ou Expectativa de Vida Ajustada pela Saúde, da Organização Mundial da Saúde), “uma conta complexa que abate proporcionalmente da expectativa de vida doenças ou limitações de saúde dos indivíduos”. A fórmula atribui um peso maior às doenças mais debilitantes, enquanto impedimentos menores influenciam menos na expectativa de vida.
O resultado revela o erro monumental da mera transposição. “Nos países escolhidos como modelo, a expectativa de vida com saúde (fator Hale) é sempre maior do que a idade de aposentadoria. Na média, um indivíduo ainda terá 6,5 anos com saúde para aproveitar sua aposentadoria antes de ser acometido por alguma doença ou impedimento.
No Brasil, em média, um indivíduo teria seis meses. Isso mesmo, seis anos lá, seis meses aqui”, sublinha. “Isso significa que a PEC 287/16 tem o potencial de transformar o Brasil no pior país, dentre os analisados, para se aposentar.” Na prática, diz, muitos brasileiros nem sequer se aposentarão, enquanto outros atingirão essa condição à beira de problemas sérios de saúde.
O descompasso reflete o contraste entre as condições de vida nos países avançados e no Brasil e deixa claro o despropósito de adotar o critério do Primeiro Mundo. “Querem implantar aqui 65 anos para homens e mulheres, trabalhadores urbanos e rurais.
Ocorre que o PIB per capita no Brasil é cerca de 10 mil dólares, enquanto nos países desenvolvidos está entre 50 mil e 60 mil dólares. É justo um aposentado da zona rural do Nordeste ser submetido às mesmas regras aplicadas a um trabalhador urbano da Suécia?”, pergunta o economista Eduardo Fagnani, da Unicamp.
A proposta do governo significará a extinção do benefício para milhões no Nordeste, segundo a economista Denise Gentil, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Um morador do Maranhão ou de Alagoas, os estados com a expectativa de vida mais baixa, vive no máximo 70 anos. Se começou a trabalhar aos 20 anos, precisará se manter na ativa até os 69 para se aposentar com todos os direitos, mas só usufruirá por um ano o benefício integral, apesar de contribuir a vida toda com a Previdência”, contabiliza a professora. “Aqueles dois estados equivalem a um país europeu, em termos de população e tamanho. Esse é um exemplo da magnitude da exclusão da proposta de reforma.”
Japão
No Japão e na Europa, vive-se 6,2 anos a mais que no Brasil 
(Foto: Issei Kato/Reuters/Latinstock)
A exigência de 65 anos para aposentar é o principal ponto criticado pelas oito centrais sindicais, contrárias também ao tratamento igual para homens e mulheres e aos prejuízos para os trabalhadores rurais. O estrago previsto vai além, no entanto, das categorias sindicalizadas e atinge com maior intensidade 4,2 milhões com renda familiar per capita mensal inferior a um quarto do salário mínimo, deficientes ou com mais de 65 anos, amparados pelo Benefício Assistencial de Prestação Continuada.
“De todas as propostas do projeto, a que mais chama atenção pela iniquidade é a mudança do BPC, uma espécie de aposentadoria para os setores mais pobres e vulneráveis da sociedade”, criticou nas redes sociais o economista Ricardo Carneiro, da Unicamp. “Ampliar a idade de acesso de 65 para 70 anos e desvincular a remuneração do salário mínimo é pura maldade. Só um país no qual a escravidão perdurou por muito tempo é capaz de aceitar uma coisa dessas.”
Os economistas defensores da reforma proposta pelo governo alegam a sua necessidade diante de um suposto déficit insustentável no setor, capaz de provocar a implosão das contas da União, mesmo com a adoção do teto para os gastos do governo. O INSS seria uma bomba-relógio, com gastos equivalentes a pouco mais de 41% da receita corrente líquida e fadado a atingir 87% em 2060, mantida a situação atual.
As alegações têm ao menos duas fragilidades. A primeira é a manipulação sistemática das receitas do setor pelos governos desde 1988, amplamente denunciada. Segundo especialistas, os cálculos não consideram todas as fontes de recursos do Orçamento de Seguridade Social nem as renúncias fiscais do governo.
O segundo problema é a inconfiabilidade das projeções divulgadas pelo governo para o setor, base do alarmismo oficial quanto à suposta urgência de uma reforma radical. “As estimativas atuariais do Regime Geral da Previdência Social constam da Lei de Diretrizes Orçamentárias desde 2002, como exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Na comparação das projeções de resultados com o efetivamente ocorrido, constatamos diferenças de até 300%, o que não é aceitável sob nenhum aspecto”, dispara o economista Claudio Alberto Castelo Branco Puty, da Universidade Federal do Pará.
Ao menos desde o Fórum Nacional da Previdência Social, realizado em 2007, vários economistas solicitam sem sucesso informações técnicas ao Ministério. “Temos muita dificuldade no acesso aos métodos, modelos, pressupostos e base de dados utilizados nas projeções que constam nos documentos oficiais do governo. É uma caixa-preta”, acusa o professor.
Com um grupo de especialistas, Puty participa de um levantamento amplo da situação do setor coordenado por Clemente Ganz Lúcio, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, e Vilson Antonio Romero, presidente do conselho executivo da Associação Nacional dos Fiscais da Receita Federal.
“Como o governo projeta resultados ano a ano, erra solenemente e não diz uma vírgula sobre o assunto, continuamos às cegas, ouvindo a tecnocracia prever déficits para o ano 2060, que, obviamente, têm uma enorme margem de erro. Mas nada é dito sobre a fragilidade dessas previsões e, pior, elas servem para justificar desmontes do sistema previdenciário como o que observamos hoje”, afirma Puty.
Segundo o economista, não há nenhum documento oficial com a descrição dos métodos utilizados na projeção dos resultados e as alterações supostamente sofridas durante a década e meia de existência de dados publicados da Previdência. “Além disso, o governo não dispõe de um processo de avaliação crítica da qualidade das próprias projeções do INSS, como seria recomendável.”
Um exemplo esclarece a gravidade do problema. Desde 2009, as projeções utilizam os mesmos dados para o mercado de trabalho e ignoram as mudanças ocorridas no período no emprego e na taxa de participação das mulheres.
“Um cálculo simples sobre a projeção da população de 2060 feita pelo IBGE permite mostrar que, quando se consideram os dados de mercado de trabalho de 2015, a estimativa do número de contribuintes para aquele ano é ao menos 15% superior àquela feita com base nos dados de 2009, usados nos cálculos apresentados nas LDOs. O número de contribuintes é usado como base para as demais estimativas e o erro acumulado até se chegar às previsões de despesas e receitas pode enviesar toda a interpretação dos resultados.”
O economista considera inadiável a criação, na Previdência, de um sistema de monitoramento de resultados e de avaliação e ajuste de previsões “como em outros setores do governo, para os cálculos de taxa de retorno de concessões públicas ou da meta de inflação”. 

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Terceirização, uma solução de terceira para a economia


Olá alunos, 

A notícia de hoje aborda esse tema polêmico que é a terceirização e mostra que o Senado e o STF ensaiam uma regressão de 190 anos na legislação trabalhista.

Agradecemos a notícia sugerida pelos alunos: Fernanda Valdetaro, Camila Antunes, Juliana Soave, Davi Reis, Eduardo Costa, Felipe Gotzl, Marx Douglas, Letícia Andrade, Renan de Souza e Vitória de Paula. 

Esperamos que gostem e participem.
Palloma Borges, monitora da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense. 

Está nas mãos do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, com apoio do governo Temer, a decisão sobre se o Brasil permanece às portas do século XXI ou retorna a um passado de mais de 190 anos, o da Constituição de 1824.O Senado deve votar a qualquer momento o Projeto de Lei 4.330, aprovado pela Câmara, para permitir a terceirização das atividades-fim, até hoje só admitida nas atividades-meio. O STF informou ao Congresso que, se ele não der tratamento à questão, a Corte apreciará a ação da empresa Cenibra, que vai na mesma direção do projeto de lei. 
A fabricante de celulose, controlada pela multinacional Japan Brazil Paper and Pulp Resources Development, questiona a Súmula 331, do Tribunal Superior do Trabalho, que tem orientado julgamentos na Justiça Trabalhista fazendo a distinção entre atividade-fim e atividade-meio. Sempre que a atividade-fim é caracterizada, a empresa perde a ação, pois essa súmula diz que não se pode terceirizar a atividade-fim.
A Cenibra alega que a súmula fere um princípio constitucional, o da liberdade de a empresa contratar quem quiser e como desejar. A ação está nas mãos do relator, ministro Luiz Fux, pronta para apresentação ao plenário. Caso a decisão do tribunal saia antes e seja favorável ao argumento da Cenibra, a terceirização radical será admitida e a votação do Projeto de Lei 4.330 perderá sentido.especial trabalho1_919.jpg
A questão tem repercussões amplas e graves. “As ideias de Estado sem responsabilidade e de iniciativa e propriedade privadas sem controles estão presentes somente em duas Constituições, as de 1824 e de 1891”, alertou o ministro do Tribunal Superior do Trabalho Maurício Godinho Delgado, a propósito do risco da derrubada da Súmula 331, durante o Fórum em Defesa dos Direitos dos Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização, em 2014. 
Ao contrário de outros países da América Latina, não há no Brasil uma lei a regulamentar a questão. A contratação de terceiros para realizar serviços de limpeza e segurança (atividades-meio) em uma montadora, por exemplo, é aceita, mas não se admite delegar a produção de veículos (atividade-fim) a outras empresas.
O grande embate resume-se numa frase: terceirizar ou não a atividade-fim. Isso é que está pegando. Entendemos que não pode. Por todos os indicativos, vai ser uma esculhambação danada, uma lambança generalizada. Haverá metalúrgico sem metalúrgica, comerciário sem comércio, professor sem escola, bancário sem banco. Porque eles serão funcionários de um escritório. Esse escritório é que vai encaminhar trabalhadores para essa ou aquela área conforme a sua atividade”, resume o senador Paulo Paim, relator do Projeto de Lei 4.330.
“A Súmula 331 é um instrumento de proteção parcial aos trabalhadores e, se for revertida, os empresários nadarão de braçada”, prevê Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Dieese. “As empresas, especialmente as federações e a Confederação Nacional da Indústria, atuam pela liberação da terceirização para qualquer atividade, o que não tem acordo com os trabalhadores, a Justiça, as entidades do Fórum sobre o tema.” 
Os empresários discordam e endossam os argumentos de Hélio Zylberstajn, da Faculdade de Economia e Administração da USP. Há exagero em apontar o risco de terceirização ampla das atividades-fim, argumenta o professor em um artigo. “Uma escola séria dificilmente terceirizaria suas salas de aula.” O Projeto de Lei 4.330 é equilibrado, diz, com salvaguardas que limitarão o uso da possibilidade às situações em que aumentará a eficiência sem prejudicar os terceirizados. O PL equaciona o conflito entre os sindicatos das categorias principais, que querem assumir a representação dos terceirizados, e as entidades empresariais, que preferem a representação nas mãos daqueles menos poderosos.
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Trata-se da regulamentação do trabalho escravo contemporâneo, diz Maximiliano Garcez, do Fórum da terceirização (Rogério Assis/ FolhaPress)
Quando a atividade terceirizada for relacionada à atividade principal da empresa, o sindicato principal representará os trabalhadores. No caso contrário, a entidade dos terceirizados será a representante. Segundo Zylberstajn, a aprovação da regulamentação tende a elevar a competitividade do País e o risco de perda de arrecadação será solucionado em parte com a determinação à empresa contratante de retenção na fonte dos tributos que seriam recolhidos pela terceirizada. 
Maximiliano Garcez, advogado de entidades sindicais e diretor para assuntos legislativos da Associação Latino-Americana de Advogados Laboralistas e integrante do Fórum da Terceirização, discorda. “A premissa é equivocada, não partimos de um argumento de que a terceirização “transformaria” o mercado de trabalho em uma selva. Ela já existe para mais de 12 milhões de trabalhadores formais e torna esse setor uma selva. 
Afirmar que empresários sérios não se utilizarão das medidas de terceirização a partir única e exclusivamente da racionalidade econômica sugere que se deve confiar na manutenção de um patamar mínimo de civilidade nas relações de trabalho pela índole dos empresários individuais, o que é altamente discutível, critica Garcez. Segundo o advogado, não há equilíbrio, pois, o projeto permite a terceirização irrestrita, a quarteirização, e assim por diante. “Trata-se de regulamentação do trabalho escravo contemporâneo. Não há exigência de garantias razoáveis para o cumprimento das obrigações trabalhistas das empresas terceirizadas.
A legislação permite uma ampla discricionariedade quanto às exigências, o que leva, obviamente, à sobreposição da lógica econômica nessas relações.” Além disso, diz, há uma tentativa clara de limitação das responsabilidades da contratante decorrentes da terceirização, com agravamento da situação precária de hoje. As empresas gostariam que a representação ficasse com os sindicatos terceirizados “porque assim será possível reduzir ainda mais os direitos de quem trabalha e lucrar com a miséria e a precarização do seu esforço”.
A melhor competitividade, se ocorrer, será à custa desses direitos, com a redução do valor do trabalho. Quanto à retenção de tributos, não afasta a possibilidade concreta de diminuição da arrecadação, principalmente em virtude da redução geral dos salários e de direitos que a medida aprofundará, analisa Garcez.
“As reformas redutoras da proteção social ao trabalho duramente conquistada enfrentam resistência significativa na sociedade e por isso transitam com dificuldade no Congresso, mas encontram amplo acolhimento no Supremo Tribunal Federal”, aponta Magda Biavaschi, desembargadora aposentada da Justiça do Trabalho, pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho da Unicamp e uma das coordenadoras do Fórum da Terceirização.
A grande maioria dos ministros, diz, apoia sistematicamente as teses liberalizantes da Confederação Nacional da Indústria, da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária e do programa Ponte para o Futuro, do PMDB. No encaminhamento da ação da Cenibra, mencionado acima, “está em questão, no limite, a própria possibilidade de o Tribunal Superior do Trabalho uniformizar a jurisprudência trabalhista via súmulas que coloquem limites às formas de contratação precarizantes, como é o caso da Súmula 331”.  especial trabalho2_919.jpg
Outros casos envolvem tanto o tema da terceirização quanto o da prevalência do negociado sobre o legislado, como aconteceu recentemente com as horas in itinere ou do deslocamento necessário ao trabalho, e com a liberação da jornada de 12 horas para os bombeiros. 
As vantagens da terceirização para as empresas são tão evidentes quanto os prejuízos aos trabalhadores, mostram o noticiário e milhares de ações na Justiça. Empresas terceirizadas com frequência pagam mal, descumprem a legislação, forçam atividades insalubres e arriscadas, têm alta rotatividade, fraudam contratos e sonegam informações.
O recurso ao expediente só cresce. Entre 2007 e 2014, enquanto aumentou em 28,78% a quantidade de trabalhadores não terceirizados, de 27,6 milhões para 35,6 milhões,  houve um salto de 46,5% no total de terceirizados, de 8,5 milhões para 12,5 milhões, de acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. A remuneração média do segundo grupo corresponde a apenas 76,6% daquela do primeiro contingente. Na faixa entre 1,5 e 1,6 salário mínimo, a proporção de acidentes sobre o efetivo total foi de 9% entre os não terceirizados, mas atingiu 17% para os terceirizados, em dezembro de 2014. 
Sem regulamentação, a realização de serviços terceirizados é altamente lucrativa, evidenciam os resultados das prestadoras de serviços de teleatendimento, entre outras. O faturamento do setor aumentou de 35 bilhões de reais, em 2012, para 43 bilhões, em 2014, com a mesma quantidade de posições de atendimento e uma diminuição do número de funcionários, de 1,65 milhão para 1,62 milhão. É o que mostra o trabalho de conclusão de curso de Fábio Oliveira da Silva, aluno da Escola Dieese de Ciências do Trabalho e dirigente do sindicato da categoria.
O crescimento do número de acidentes quando se terceiriza é evidente, mas até as maiores empresas reincidem em erros graves. Milhares de trabalhadores do setor elétrico de Minas Gerais enfrentam todos os dias um elevado risco de morte. Entre 2007 e 2015, acidentes de trabalho mataram 32,6 em cada 100 mil terceirizados da Cemig Distribuição, segundo Jefferson Silva, coordenador-geral do Sindieletro, o sindicato do setor. É o quíntuplo dos 6,4 acidentes fatais por 100 mil integrantes do quadro próprio da empresa. Os números estão subestimados. Há casos de acidentados registrados em hospitais como vítimas de queimadura, não de descarga elétrica, descobriu a entidade.especial trabalho3_919.jpg.jpg
Em 2013, o Ministério do Trabalho e o Ministério Público encontraram 44 violações dos direitos trabalhistas e dos direitos humanos, inclusive trabalho análogo à escravidão entre as terceirizadas. Os fiscais flagraram também fraude na aferição da produtividade. “As horas extras e as médias de produtividade não são pagas no contracheque do trabalhador, mas por fora e não entram no cômputo da produtividade”, relata Silva. 
No governo FHC, um plano de demissão voluntária provocou um aumento radical da terceirização na Petrobras, seguido da explosão e afundamento, em 2001, da plataforma P-36, a maior do mundo. Uma comissão externa da Câmara relacionou o acidente à terceirização e recomendou a ampliação do quadro próprio. O novo plano de demissão voluntária do presidente da empresa, Pedro Parente, tem mais de 12 mil inscritos e deverá resultar em uma nova escalada da terceirização. “Isso é bastante preocupante, acende a luz amarela, porque estamos às portas de um novo acidente”, prevê o sindicalista.