web counter free

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Quem controlará as tecnologias da internet: A batalha geopolítica do 5G


Caros leitores,

A disputa pela tecnologia 5G tem assumido posição central nas relações EUA X China nos últimos anos, reverberando através do globo inclusive em âmbito da política nacional, como um reflexo do alinhamento automático promovido pelo Governo Federal.

Nesta tocada, trazemos na notícia de hoje uma discussão acerca de como essa questão, especialmente envolvendo a gigante tecnológica Huawei, traz consigo uma análise acerca da independência tecnológica como propulsor de uma independência nacional, bem como os efeitos geopolíticos que insurgem nesse contexto.

Esperamos que gostem e compartilhem!

Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

Em 1994, quando a Huawei não passava de uma pequena vendedora de comutadores telefônicos, seu fundador, Ren Zhengfei, foi conversar com o então presidente chinês, Jiang Zemin. O ex-engenheiro do Exército convertido para o setor dos produtos eletrônicos de massa lançou então a carta patriótica: “As telecomunicações são uma questão de segurança nacional. Para uma nação, não ter seus próprios equipamentos nessa área é como não ter Exército”. Esse sábio preceito foi adotado por outros países, principalmente pelos Estados Unidos. Ironicamente, hoje são os Estados Unidos que encaram a Huawei e seu domínio da tecnologia 5G como uma ameaça à segurança nacional.

Propriedade de seus empregados, a empresa é caracterizada pelo atípico sistema de gestão rotativa, pelo desprezo em relação aos contratos públicos – considerados “gananciosos” por Zhengfei –, pelo culto aos valores maoistas e pelo apego à ideia de inovação nacional para romper a dependência da China em relação às empresas estrangeiras “imperialistas”. O grupo gerencia redes em 170 países e emprega mais de 194 mil pessoas. Desde 2009, ele está entre os principais players envolvidos no desenvolvimento da tecnologia 5G, tanto no setor industrial quanto em vários organismos internacionais de padronização. No verão de 2020, a Huawei destronou a Samsung como líder mundial na venda de smartphones. Considerada uma das empresas chinesas mais inovadoras, sua filial HiSilicon projetou o chip Kirin, com alguns dos aplicativos de inteligência artificial mais avançados do mercado.

Parte desse notável sucesso explica-se pelo inabalável compromisso da empresa com a área de pesquisa e desenvolvimento (P&D), à qual dedica mais de 10% de seus lucros anuais, o equivalente a mais de US$ 15 bilhões de dólares em 2019 – para 2020, esperam-se US$ 20 bilhões –, à frente da Apple e da Microsoft. A título de comparação, todo o setor automotivo alemão investiu cerca de US$ 30 bilhões em P&D em 2018. Para além dessas cifras, a Huawei é um ícone para a sociedade chinesa: o raro exemplo de uma empresa que, saindo da base da cadeia com produtos rudimentares e ultrapadronizados, hoje fala de igual para igual com a Apple e a Samsung. Sua trajetória ilustra as elevadas aspirações do governo para o setor de tecnologia. Faz um longo tempo que a China está confinada ao papel de fábrica de montagem de produtos estrangeiros, como relembra a humilhante etiqueta colocada na parte de trás de todos os dispositivos da Apple: “Projetado na Califórnia, montado na China”. O destino da Huawei mostra que uma nova era pode se iniciar, com a frase: “Projetado na China, montado no Vietnã”.

Se outras empresas chinesas seguirem esse exemplo, o domínio dos Estados Unidos na economia mundial poderá ser seriamente atingido. Embora, no passado, países firmemente ancorados na esfera de influência norte-americana já tenham passado por uma fulgurante decolagem econômica – Alemanha, Japão, Tigres Asiáticos –, o processo era mais ou menos dirigido pelos Estados Unidos. No início do século XXI, os Estados Unidos começaram a se incomodar em ver a China alçar-se ao topo por seus próprios meios, com seus próprios objetivos geopolíticos, enquanto eles pareciam cochilar no volante.

O que está em jogo no atual debate sobre o 5G vai muito além da questão do domínio chinês sobre esse padrão de telefonia. O 5G é a tecnologia que deverá permitir uma conexão mais rápida a um maior número de dispositivos, conectados e interconectados, aproximando as operações de processamento de dados de sua origem, ou seja, o usuário final. Mas a publicidade em torno do assunto obscurece os muitos obstáculos que existem para sua aplicação industrial. Para a maioria dos usuários, o impacto do 5G estará restrito ao aumento da velocidade de download e, talvez, ao advento da internet das coisas, há muito anunciado.

O Exército das torradeiras conectadas

Claro que o avanço tecnológico das redes e dos dispositivos exige investimentos colossais, e a batalha para conquistar o mercado é feroz. Mas a Huawei e o 5G são apenas a ponta do iceberg. Por trás deles desenvolve-se um confronto econômico e geopolítico muito maior, no qual a China tenta ganhar vantagem sobre os Estados Unidos. Se o 5G está irritando tanto o Tio Sam, é porque ele não tem um peso-pesado para colocar no ringue. A Europa está mais tranquila porque é a casa de duas companhias bem estabelecidas, a Nokia e a Ericsson.

A ofensiva dos Estados Unidos contra a alta tecnologia chinesa atinge um amplo leque de empresas, da ZTE (estatal muito ativa no terreno do 5G) à WeChat, passando pelo TikTok e muitas outras menos conhecidas. A Huawei, porém, é indiscutivelmente o alvo principal, pois aos olhos da Casa Branca ela representa a quintessência de uma China sem escrúpulos, cujos crimes os Estados Unidos não se cansam de condenar e punir, em Hong Kong, em Xinjiang, no Mar da China Meridional etc., a tal ponto que Donald Trump se refere à empresa por meio de um daqueles apelidos de que ele tanto gosta: “A espiã”.

Para o Salão Oval, a Huawei simboliza o golpe baixo que o mundo vê erroneamente como sucessos comerciais merecidos. Ela viola direitos de propriedade intelectual, tiraniza parceiros, aproveita a generosa ajuda estatal para derrubar preços e arrasar a concorrência. Construindo redes de telecomunicações nos países do Sul, a companhia os prende em uma relação de profunda dependência, participando assim da “diplomacia do endividamento” exercida pela China, que se difunde por meio do programa “Novas Rotas da Seda”. Mais grave, a Huawei estaria equipando seus produtos com backdoors, que ajudariam o regime chinês a expandir suas atividades de vigilância. Segundo os detratores mais criativos, a empresa logo poderá virar contra nós as geladeiras e torradeiras conectadas à rede 5G.

Essas críticas vêm muitas vezes apoiadas pela menção à Lei Nacional de Inteligência promulgada pela China em 2017, a qual exige que empresas (e cidadãos) cooperem com as autoridades, fornecendo informações sempre que solicitado. Outro motivo de preocupação: a aceleração da “fusão civil-militar”, um esforço para tornar mais fluidas as relações entre o setor de tecnologia e o Exército – inspirado no exemplo dos Estados Unidos. A Huawei, por sua vez, nega categoricamente as acusações de espionagem, destacando que o governo chinês não correria o risco de arruinar sua reputação e confiança internacional.

Como de costume, as alegações do governo Trump baseiam-se em evidências muito frágeis, ou até inexistentes, o que não o impediu de tentar juntar à sua cruzada vários países amigos, com destaque para o Reino Unido, a França, a Itália e muitas nações do Leste Europeu, “encorajando-os” a banir a Huawei de suas redes 5G – o que é um eufemismo, dada a intensidade das pressões econômicas e diplomáticas exercidas pelo Departamento de Estado por meio de suas embaixadas. A mesma coisa se passa em todos os continentes. Após um intenso lobby do secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, o governo chileno decidiu excluir a Huawei de seu projeto de cabo submarino transpacífico. Na Índia, onde a Huawei está muito presente, o primeiro-ministro Narendra Modi joga com a escolha ou não da companhia chinesa como instrumento de represália contra a China, após violentos confrontos de fronteira. Embora nenhuma proibição oficial tenha sido anunciada, Nova Délhi estaria considerando recorrer a uma empresa nacional, a Reliance Industries.

O Reino Unido, embora um tanto entorpecido nestes tempos de Brexit, desferiu em julho um golpe contra a companhia chinesa, exigindo que as operadoras de telefonia móvel do país removessem todos os equipamentos Huawei de sua rede até 2027. A decisão causou surpresa, pois o país é um ponto central na estratégia europeia do grupo chinês, cuja sede regional está instalada em Londres. Também foi no Reino Unido que a Huawei inaugurou, em 2010, em parceria com os serviços de inteligência britânicos, o Centro de Avaliação de Segurança Cibernética Huawei (Huawei Cyber Security Evaluation Centre, HCSEC), responsável por analisar e corrigir falhas de segurança identificadas em suas redes. Mas essas boas relações não pesaram muito diante das intimidações dos Estados Unidos e das críticas do Partido Conservador, em cujas fileiras se formou um grupo parlamentar hostil à China – a grande moda do momento.

A União Europeia não conseguiu definir uma política comum a respeito do 5G, principalmente porque a questão foi tratada em termos de segurança nacional, área na qual os Estados membros são soberanos. Teria sido mais judicioso abordá-la pelo ângulo da política industrial e das relações internacionais. Assim, poderia nascer um gigante europeu único de 5G, filho da Nokia e da Ericsson, generosamente subsidiado para assumir a missão de igualar os esforços da Huawei em termos de P&D. Parece improvável que as coisas caminhem nessa direção, embora a Comissão Europeia, sob pressão da França e da Alemanha, tenha mostrado recentemente alguma inclinação para abandonar sua obsessão – a competitividade – e levar em consideração o contexto geoeconômico.

A Alemanha, o único grande país europeu que ainda não revelou seu plano para o 5G, prometeu chegar a uma decisão no outono de 2020. A classe política está dividida sobre a questão, e até o partido de Angela Merkel está rachado. Os diplomatas norte-americanos lotados em Berlim não perdem nenhuma oportunidade de lembrar a seus interlocutores quanto poderia lhes custar sua indulgência para com a Huawei.

A diplomacia do endividamento

Na lenda criada por Trump, a empresa de Shenzhen é a própria encarnação do “comunismo de conivência” chinês, mas o fenômeno Huawei pede outras leituras. Uma das mais convincentes é aquela proposta pelo economista Yun Wen. O atual presidente da companhia, Ren Zhengfei, parece ser, por trás da fanfarronice, do gosto por aforismos maoistas e dos pendores nacionalistas, um fino conhecedor das sutilezas da geopolítica. Sob sua liderança, a Huawei se estabeleceu em regiões difíceis – o interior da China, na década de 1990, e depois alguns países do Sul onde as perspectivas de lucro eram pequenas – e os transformou em frentes para atacar mercados mais promissores. À medida que a China estendia seus tentáculos na África e na América Latina, a Huawei e sua compatriota ZTE agarravam-se a esse movimento para construir suas redes, obras indiretamente beneficiadas pelos empréstimos concedidos pela China aos governos locais para ajudá-los a financiar grandes projetos de infraestrutura. Segundo Yun Wen, no caso da Huawei, essa diplomacia do endividamento não teria tido apenas efeitos negativos. Não apenas as receitas geradas pela empresa nos países do Sul são relativamente modestas em comparação com outros mercados, mas sua instalação nessas regiões, em parte impulsionada pelo espírito de “internacionalismo terceiro-mundista” caro a Mao, fez que ela precisasse treinar no local muitos engenheiros e técnicos qualificados.

Os Estados Unidos sempre foram uma área de alto risco para a Huawei, muito antes da presidência de Trump e mesmo da administração de Barack Obama. Em 2003, a companhia chinesa foi atacada por sua principal concorrente nos Estados Unidos, a Cisco, por violação de patente. Essa foi a primeira de muitas derrotas. Após ser proibida de assumir qualquer participação ou controle em empresas norte-americanas, a Huawei poderia ser impedida de atender seus próprios clientes e lançar novos produtos nos Estados Unidos. Desde o início, uma acusação martelou como um refrão: a de que a Huawei trabalha de mãos dadas com o Exército chinês. Em 2011, uma revelação feita pelo jornal The Wall Street Journal (27 out.) de que a empresa teria negociado com o Irã, ignorando as sanções dos Estados Unidos vigentes contra esse país, veio somar-se ao dossiê contra a companhia. Em 2013, a Huawei anunciou sua retirada dos Estados Unidos, e hoje sua presença em Washington resume-se a um exército de lobistas.

É razoável perguntar por que a campanha dos Estados Unidos contra a Huawei só se intensificou recentemente, uma vez que os primeiros tiros foram disparados há dezessete anos. No final de 2018, o governo dos Estados Unidos ordenou a prisão da filha de Zhengfei, Meng Wanzhou, diretora financeira da Huawei, durante uma escala no Canadá. Desde então, o país vem se dedicando a demolir o grupo, com sanções cada vez mais severas. Trump pediu ao fundo de pensão oficial do governo que não investisse em empresas chinesas. Os contratados do governo federal precisam provar que não têm nenhuma conexão comercial com a Huawei, e as empresas chinesas listadas em Bolsa nos Estados Unidos são obrigadas a publicar suas contas e a declarar qualquer contato com o governo da China. Diversos fatores econômicos e geopolíticos se combinam para explicar a ofensiva dos Estados Unidos.

No plano geopolítico, as revelações de Edward Snowden em 2013 sobre as atividades da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA) dão uma pista interessante, como lembra Yun Wen. Em 2010, com o codinome Operação Shotgiant, a NSA invadiu os servidores da Huawei com dois objetivos: encontrar vestígios das possíveis ligações da empresa com o Exército chinês – a busca não deve ter dado em nada, pois nenhum documento vazou para a mídia – e identificar falhas de segurança em seus equipamentos, o que permitiria aos serviços de inteligência dos Estados Unidos espionar alguns de seus Estados clientes, como Irã e Paquistão. Nos documentos vazados por Snowden, a NSA não escondia suas intenções: “A maioria de nossos alvos se comunica por meio de dispositivos fabricados pela Huawei. Queremos ter certeza de que conhecemos bem esses produtos, para poder operá-los e ter acesso a essas linhas”. Guo Ping, presidente da Huawei por rotação, fez um comentário bastante lógico: “[A Huawei] é um espinho no pé do governo norte-americano, pois o impede de espionar quem ele quiser”.

Na verdade, se a Huawei vencesse a corrida 5G, a supremacia norte-americana no campo da inteligência estaria seriamente comprometida, no mínimo pelo fato de que a companhia chinesa provavelmente estaria menos disposta a cooperar de maneira informal com as agências dos Estados Unidos do que, por exemplo, suas concorrentes europeias.

No plano econômico, para além da infraestrutura material exigida pelo 5G, é preciso pensar na malha de direitos de propriedade intelectual que essa tecnologia implica. Antes de mais nada, o 5G é um padrão. Cada rede ou aparelho que pretenda operá-lo precisa respeitar suas especificações técnicas, o que passa necessariamente pela utilização de tecnologias patenteadas. Um smartphone moderno com Wi-Fi, touchscreen, processador etc. está protegido no mínimo por 250 mil patentes (esse número, de 2015, deve ser ainda maior hoje). Segundo uma estimativa de 2013, 130 mil dessas patentes seriam “patentes essenciais” (Standard-Essential Patents, SEP), como são classificadas aquelas que permitem a conformidade com uma norma técnica como o 5G.

No campo das tecnologias móveis, o número e a distribuição geográfica dos titulares de patentes essenciais evoluíram à custa da América e da Europa ocidental e em benefício dos países asiáticos.5 E patentes significam royalties. A norte-americana Qualcomm, grande vencedora do 2G e de vários outros padrões importantes, tira dois terços de seu faturamento da China, principalmente da Huawei. Sozinha, a Huawei gastou desde 2001 mais de US$ 6 bilhões em royalties, 80% dos quais foram para empresas norte-americanas. Esses valores desproporcionais acabaram fazendo o governo chinês reagir. Após multar a Qualcomm em US$ 975 milhões por abuso de posição dominante em 2015, ele conseguiu, três anos depois, bloquear a tentativa da companhia de adquirir a holandesa NXP, argumentando que a operação reduziria ainda mais a margem de manobra de suas empresas.

“Estamos em guerra”

Mas as coisas mudaram. A Huawei está agora entre as maiores detentoras de patentes essenciais relacionadas ao 5G. Isso não a impede de continuar criticando fortemente o sistema mundial de propriedade intelectual – Ping pediu uma revisão das regras desse “clube internacional” em um sentido mais igualitário e benéfico para todos, comparando os royalties a “pedágios impostos por bandidos de estradas”. É verdade que a natureza “essencial” das patentes detidas pela empresa é discutível. Como apontou um analista, se o smartphone fosse um avião, as patentes da Nokia e da Ericsson cobririam o motor e o sistema de navegação, enquanto as da Huawei protegeriam os assentos e os carrinhos de refeição. Porém, seja qual for o poder de suas patentes, a Huawei conseguiu se livrar de sua situação de dependência.

Para a China, tentar tornar-se credora (em vez de tomadora) de patentes faz sentido do ponto de vista econômico. Foi assim que ela conseguiu preencher o fosso que a separava dos Estados Unidos em termos de direitos líquidos arrecadados: enquanto em 1998 as empresas norte-americanas recebiam 26,8 vezes mais royalties do que as chinesas, em 2019 essa proporção era de apenas 1,7.6 Logicamente, a China também começou a pesar mais nos organismos internacionais de órgãos de padronização. A Comissão Eletrotécnica Internacional (International Electrotechnical Commission) e a União Internacional de Telecomunicações (International Telecommunications Union) são dirigidas por chineses, e o mandato de três anos do primeiro presidente chinês da Organização Internacional de Padronização (International Organization for Standardization, ISO) terminou em 2018.

Na ONU, a China tem se mostrado muito ativa no estabelecimento de padrões para tecnologias de reconhecimento facial. Na ISO, esteve particularmente interessada nas cidades conectadas, terreno favorito da Alibaba, o que deixou o Japão preocupado. E, por meio de seu ambicioso programa China Standards 2035, lançado com grande pompa em 2020, o país pretende melhorar a cooperação entre empresas de tecnologia e agências governamentais a fim de estimular o desenvolvimento de padrões internacionais favoráveis aos seus interesses.

E agora, o que farão os Estados Unidos? Alguns observadores estabelecem um paralelo entre a atual campanha antichinesa e os anos 1980, quando Washington tentava domar os gigantes industriais japoneses. Em 1986, muitos membros do governo Reagan e da indústria pensaram que seriam estrangulados quando a Fujitsu anunciou sua intenção de adquirir a Fairchild Computing, lendária fabricante norte-americana de semicondutores. Um executivo do setor resumiu o sentimento geral: “Estamos em guerra com o Japão – não é uma batalha com armas e balas, mas uma guerra econômica na qual a munição é a tecnologia, a produtividade e a qualidade.” (Los Angeles Times, 30 nov. 1987). Alguns anos antes, as sanções comerciais incentivadas pela Casa Branca conseguiram impedir a Toshiba, outro mastodonte japonês, de vender seus computadores no mercado norte-americano.

“Estamos em guerra”: o lema não mudou. A disputa comercial entre Estados Unidos e Japão teve um desfecho pacífico; muitos na China quiseram acreditar que com eles seria a mesma coisa e que um acordo duradouro acabaria surgindo após algumas concessões. Mas esse resultado parece cada vez mais improvável. A esse respeito, a administração Trump está dividida em três campos. O primeiro é o do próprio presidente. Tudo sugere que seus ataques à Huawei e similares são parte de uma estratégia maior para garantir vantagem comercial sobre a China. Na verdade, se o objetivo fosse realmente impedir a hegemonia da China sobre o 5G, a estatal ZTE seria um saco de pancadas muito melhor do que a Huawei – mas ela não sofreu mais danos do que uma multa de US$ 1 bilhão. Para Trump, a Huawei é uma moeda de troca nas negociações comerciais – e um slogan de campanha.

O segundo campo é o dos falcões, liderado por Peter Navarro, conselheiro do presidente para o Comércio, e Robert Lighthizer, representante do Comércio dos Estados Unidos. A seus olhos, conter a ascensão da China é um imperativo vital, e eles não hesitariam em atacar a Huawei com ainda mais força. Eles estão por trás de todas as propostas que buscam ampliar o leque das empresas chinesas afetadas pelas sanções. Por fim, há o terceiro campo, o do complexo militar-industrial, que prefere fazer o papel de “pombos”. E por um bom motivo: para esse campo, a China representava um mercado lucrativo. Em 2019, a Huawei sozinha comprou US$ 19 bilhões em material eletrônico de fabricantes dos Estados Unidos. Impedir que fabricantes nacionais negociem com a China significa favorecer seus concorrentes estrangeiros.

Enquanto havia esperança de uma efetivação completa do acordo comercial entre a China e os Estados Unidos assinado em janeiro, o campo dos “pombos”, no qual se destaca o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, conseguiu moderar o ardor antichinês de Navarro e Lighthizer. Com a deterioração da situação geopolítica e a crise da Covid-19 – cuja responsabilidade Trump imputa à China –, essa perspectiva está se enfraquecendo. Assim, a Huawei corre o risco de permanecer como uma moeda de troca, para trocas que jamais ocorrerão.

Nesse ínterim, as medidas de retaliação se multiplicam. No início de agosto, Pompeo anunciou o fortalecimento do programa Rede Limpa (Clean Network), cujo objetivo é limpar a internet da “influência nefasta” do Partido Comunista Chinês. Poucos dias depois, a Casa Branca privou a Huawei de qualquer possibilidade de uso de tecnologias que envolvam direta ou indiretamente empresas norte-americanas, o que promete ser um grande quebra-cabeça para continuar fabricando seus produtos. Isso porque, a despeito das somas colossais investidas em pesquisa, dos batalhões de engenheiros e da apologia da inovação “interna”, há componentes que a Huawei não consegue produzir por conta própria nem comprar na China.

É o caso dos chips ultramodernos Kirin, projetados na China, porém gravados no exterior, que são cruciais para as funcionalidades baseadas em inteligência artificial. Há quinze anos empenhada em competir com o Vale do Silício, a China fez progressos consideráveis nessa área, a ponto de dominar claramente algumas tecnologias, como o reconhecimento facial. No entanto, seu principal trunfo até hoje era sua capacidade de coletar massas gigantescas de dados para alimentar e treinar seus algoritmos de aprendizagem automática – uma coleta realizada por seus gigantes digitais, mas também possibilitada pela exploração de uma mão de obra estudantil barata. Esse modelo, no entanto, foi criado para o mundo de antes, um mundo no qual a China podia contar com entregas ininterruptas de equipamentos de alto desempenho feitos em Taiwan ou nos Estados Unidos. Hoje, a ruptura dessas cadeias de suprimentos coloca em risco a inteligência artificial chinesa como um todo. Ao declarar guerra à Huawei, os norte-americanos talvez estejam tentando tanto impedir que ela tenha seus próprios semicondutores, por meio da subsidiária HiSilicon, quanto conter seu avanço no 5G.

Também na política industrial chegou a hora da ofensiva norte-americana. Os parlamentares decidiram reservar fundos para a construção de redes em arquitetura aberta que possam vir a substituir as da Huawei e suas concorrentes. Paralelamente, o orçamento alocado aos fabricantes locais de semicondutores, de acordo com a lei “CHIPS for America”, atualmente em discussão no Congresso, foi elevado para US$ 10 bilhões. Os Estados Unidos parecem ter entendido que este período de tensão geopolítica não é o momento ideal para enfraquecer seus arautos digitais. O Vale do Silício aproveita: foi a conselho do dono do Facebook que Trump decidiu atacar o aplicativo TikTok.

De modo geral, a reação chinesa foi menos agressiva. É preciso dizer que a China não esperou o ataque dos Estados Unidos para fortalecer sua soberania tecnológica à base de bilhões de dólares de dinheiro público, ainda que, nesse ínterim, a crise sanitária tenha dominado parte desses fundos (a instalação do 5G, em particular, atrasou). Em maio, logo após o governo Trump anunciar novas restrições à Huawei e seus fornecedores, Xi Jinping anunciou um plano de US$ 1,4 trilhão para garantir a liderança chinesa em várias tecnologias-chave até 2025. As duas expressões mais faladas na China hoje são “desestadunização” – da cadeia de suprimentos e da infraestrutura tecnológica – e “economia de dupla circulação” – uma nova direção política que consiste em articular a reorientação do mercado doméstico e o desenvolvimento de tecnologias de ponta adequadas à exportação.

Enquanto vão de vento em popa as discussões em torno da venda pela TikTok de suas atividades norte-americanas, o governo chinês aumentou a lista de tecnologias cuja exportação pretende controlar, incluindo algoritmos de recomendação de conteúdo, reconhecimento de voz e muitas outras aplicações de inteligência artificial. Em reação ao programa norte-americano Clean Network, a China também acaba de anunciar o lançamento de sua própria rede internacional, a Global Data Security Initiative, que visa combater a vigilância e a espionagem dos Estados Unidos.

Por enquanto, a Huawei vai bem. Desde a prisão de Wanzhou, antecipando sanções mais duras, a empresa começou a acumular estoques, que podem durar de dez meses a dois anos – mas algumas peças estarão obsoletas até lá. Ela também tem na sacola uma pilha de contratos de redes 5G. Por fim, ciente de que seus aparelhos logo não terão mais acesso às atualizações do Android, ela decidiu desenvolver seu próprio sistema operacional: o Harmony OS.

Seja qual for o destino da Huawei no futuro próximo, a mensagem chegou alto e claro à China, à Rússia e a outros países: soberania tecnológica é um imperativo. A China entendeu isso muito antes da declaração de guerra de Trump, o que aumentou ainda mais seu senso de urgência. Paradoxalmente, portanto, foram os Estados Unidos que pressionaram a China a colocar em prática uma das muitas máximas de Zhengfei: “Sem independência [tecnológica], não há independência nacional”. Seria irônico que a batalha dos Estados Unidos contra a Huawei fizesse nascer uma China muito mais avançada e autônoma no plano tecnológico, sem nenhum fornecedor norte-americano em suas cadeias de abastecimento.

Link original

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Convite!


Caros leitores,

Viemos convidar a todos para a segunda live da série "Diálogos Institucionais e Desafios Internacionais", realizada pelo GPEIA/UFF no Instagram!

A questão da desinformação e da propagação de conteúdo enganoso nas mídias digitais assume uma relevância impar, através de um processo que perpassa inclusive o contexto pandêmico e traz efeitos em diferentes frentes, inclusive econômica.

Nesta tocada, a live proporá uma discussão sobre o “Ambiente Digital e a Responsabilidade sobre a Desinformação" com Eduardo Helfer, Pesquisador do Grupo de Pesquisa Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF) e Doutorando do PPGSD/UFF e mediação de Gabriel Rached, Coordenador do GPEIA/UFF e Professor do PPGSD/UFF.


A live será no dia 26 de janeiro às 18h00 no perfil @seminarioestadoeinstituicoes no Instagram (https://www.instagram.com/seminarioestadoeinstituicoes/)


Esperamos que gostem, participem e tragam sua opinião sobre o assunto para a construção de um debate produtivo!

Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

Link para assistir

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Clube dos países ricos recomenda elevar impostos ‘verdes’ e sobre propriedade para financiar retomada


Caros leitores,

Conforme o tempo passa, cada vez se debate com maior ênfase formas de superação da crise econômica decorrente da pandemia do novo coronavírus, que abarca tanto a retomada de negócios e a reconstrução da indústria e dos serviços quanto o aumento da arrecadação dos Estados em razão do aumento drástico da dívida pública.

Nesta tocada, a matéria de hoje traz as medidas sugeridas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE de forma a superar essa problemática narrada, que foge da perspectiva tradicional da austeridade e traz uma perspectiva mais atualizada de procedimentos para a recuperação pós-crise.

Esperamos que gostem e compartilhem!

Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

A chegada do coronavírus revolucionou num abrir e fechar de olhos todas as prioridades dos Governos. As autoridades tiveram que voltar suas atenções à emergência sanitária e desenharam medidas de choque para sustentar o tecido produtivo e as famílias durante o confinamento. Agora, depois da desescalada e perante um futuro que continua sendo incerto, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE, um grupo de economias desenvolvidas) recomenda manter os apoios fiscais “pelo tempo que for necessário” a fim de impulsionar a recuperação e evitar cair na armadilha da austeridade. “As medidas devem estar bem orientadas e ser retiradas lentamente quando a situação melhorar”, afirma a quinta edição do relatório Reformas da Política Tributária 2020, publicado nesta quinta-feira pelo organismo. O texto recomenda que os impostos verdes e a taxação sobre lucros de capital e propriedades ganhem peso na fase de reconstrução.

“Uma vez que os países saiam da crise e as economias se recuperem, os governos começarão a procurar como restabelecer as finanças públicas, mas é possível que não possam recorrer a receita tradicionais”, afirma o editorial do relatório, assinado por Pascal Saint-Amans, diretor do Centro de Políticas e Administração Tributária do organismo com sede em Paris.

Em outras palavras: chegou a hora de começar a pensar em reformas estruturais que reduzam o buraco aberto pela pandemia nas contas públicas, mas sem que estas suponham uma volta ao ponto de partida. Pelo contrário, o clube das economias avançadas sugere que esta crise seja um estímulo para “reconstruir melhor” e procurar fontes de renda alternativas, começando por impulsionar a taxação ambiental ―uma “prioridade central”―, a qual ainda tem um peso diminuto na arrecadação da OCDE: 1,5% do PIB na média de 2018.

“Aumentar os impostos sobre o trabalho e o consumo, como se fez como resultado da crise financeira mundial de 2008, pode ser politicamente difícil e em muitos casos não desejável de uma perspectiva de equidade”, esclarece o relatório. Segundo o organismo, além da taxação ambiental, também os impostos sobre propriedade e as rendas do capital terão um papel importante na recuperação, sobretudo em um “contexto de melhoras significativas na transparência tributária internacional”.

Neste sentido, prevê que a necessidade de financiamento causada pela crise dará um novo impulso ao desenho de um imposto digital global, algo em que há OCDE vem trabalhando há anos e cujo avanço foi recentemente freado pela eclosão da pandemia e a decisão dos EUA de se desligar das negociações. “A maior pressão sobre as finanças públicas, assim como as crescentes demandas por uma maior equidade, deveriam proporcionar um novo ímpeto para alcançar um acordo sobre a tributação digital. A cooperação fiscal será ainda mais necessária para evitar que as disputas fiscais se transformem em guerras comerciais, o que abalaria a recuperação em um momento no qual a economia mundial menos pode se permitir”, na avaliação do organismo.

Tendências

O relatório anual publicado nesta quinta-feira, que disseca as principais mudanças nas políticas fiscais dos membros do clube e de um punhado de outras economias ―ao todo, 40 países na edição de 2020―, desta vez dá especial ênfase às medidas lançadas para fazer frente à emergência sanitária, embora também reflita as principais tendências em matéria tributária observadas antes da crise. Entre elas, reduções do imposto de renda para a classe média e da alíquota nominal do imposto corporativo, além de sinais de alta no imposto sobre o patrimônio.

Em linha geral, as ferramentas lançadas quando a emergência sanitária estourou estava voltadas a manter lares e empresas à tona, através de instrumentos de liquidez e proteção do emprego e das rendas ―embora sua magnitude e alcance tenham variado de país para país. Essas ajudas foram se ampliando depois, à medida que o confinamento se prolongava.

Entre as medidas mais usadas para garantir a liquidez está o adiamento no pagamento de impostos, um instrumento que mais de três quartos dos sócios da OCDE adotaram. A Espanha também incluiu esta disposição em seu pacote anticrise, enquanto que os instrumentos de ajuda direta foram mais modestos que no resto das grandes economias.

Com a progressiva saída do confinamento, os apoios públicos começaram a focar na recuperação, por exemplo para investimentos vinculados à transição ecológica e à concessão de créditos fiscais, ao mesmo tempo em que foram sendo ampliados os esquemas de proteção do emprego e os afastamentos vinculados à covid-19, com uma disparidade importante entre as economias avançadas e os emergentes. Mesmo assim, o organismo alerta de que o futuro é incerto.

Já antes da pandemia, o crescimento da economia mundial era frágil e sopravam ventos de desaceleração, devido à guerra comercial entre os EUA e a China e à incerteza internacional causada por acontecimentos como o Brexit. Mas ninguém esperava semelhante estrondo: no segundo trimestre do ano, o PIB do conjunto dos países da OCDE caiu 9,8%, depois de ter retrocedido 1,8% entre janeiro e março, afundando o conjunto do clube numa recessão.

Segundo as previsões que o organismo fez em junho, em caso de repique da pandemia a queda do PIB global alcançaria 7,6% neste ano. Nem sequer no momento mais duro da crise financeira de 2008 o retrocesso foi tão maiúsculo. Com a agravante de que agora as contas públicas estão muito menos em forma, herança da falência da década passada: em 2019, a proporção dívida/PIB na média da OCDE chegava a 110%, frente aos 74% de 2007, e um déficit de 3,3% do PIB.

As medidas de confinamento adotadas para frear os contágios e o aumento do gasto público para atender à emergência farão estes números vermelhos dispararem a níveis ainda mais altos, nunca vistos em tempos de paz. A OCDE recorda que a evolução da arrecadação costuma acompanhar a do PIB, mas tende a cair mais rapidamente. “Estimar o impacto da covid-19 sobre o PIB mundial continua sendo um exercício altamente especulativo, mas as primeiras estimativas sugerem que é provável que o impacto sobre os ganhos fiscais seja significativo”, afirma o relatório. E alerta que, se no curto prazo o retrocesso da arrecadação pública esteve vinculado às restrições para frear os contágios, no longo prazo dependerá “em grande parte da eficácia das respostas políticas”.

Link original

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Seis 'motores' que podem reativar economias na América Latina


Caros leitores,

O contexto pandêmico que vivenciamos traz consigo uma inegável crise econômica, que atinge fundamentalmente todos os setores produtivos, seja em maior ou menor escala. Neste sentido, a América Latina, enquanto região que vislumbrou um cenário conturbado já em momentos anteriores à COVID-19, promete ser uma região drasticamente atingida pelas consequências econômicas do isolamento social e da paralização do comércio e dos serviços.

Nesta matéria, portanto, propõe-se uma reflexão acerca das possibilidades de reconstrução da economia latino-americana sob um ponto de vista do desenvolvimento sustentável, visando uma recuperação célere que seja baseada em dimensões sociais e ambientais.

Esperamos que gostem e compartilhem!

Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

As marcas deixadas pela pandemia de covid-19 na América Latina não vão desaparecer do dia para a noite, mas, quanto mais cedo estiverem funcionando os motores da recuperação econômica, maiores as são possibilidades de deixar a crise para trás mais rapidamente.

Na região que contabiliza mais de 11 milhões de pessoas contaminadas pela doença causada pelo novo coronavírus — mais da metade no Brasil — e de 400 mil mortos, as projeções mais recentes apontam para uma queda recorde do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020, superior a 9%.

Diante de uma contração dessa magnitude, o desemprego disparou a 11,4% no primeiro semestre deste ano, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

O problema, entretanto, é bem mais grave do que parece, porque as cifras da OIT não incluem os trabalhadores informais, que são mais de 50% da força de trabalho na região.

A pergunta que muitos países se fazem agora é como reconstruir a economia diante do aumento da dívida pública e da queda na arrecadação de impostos.

Não há uma receita única que sirva para toda a região.

Ainda assim, pesquisadores da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) propõem alguns caminhos que podem dar um impulso ao que provavelmente vai ser um longo período de recuperação.

"A chave é incluir as dimensões econômica, social e ambiental do desenvolvimento sustentável", disse à BBC News Mundo, serviço em língua espanhola da BBC, Alice Bárcena, secretária executiva da organização.

Entre os possíveis motores identificados pela Cepal estão as energias renováveis, o setor de transportes, a chamada "revolução digital", a indústria da saúde, a bioeconomia e a economia circular. Conheça cada um deles a seguir:

1. Uma nova matriz energética.

A participação das energias renováveis não convencionais (biomassa, solar, eólica, geotérmica e biogás) na produção de eletricidade na América Latina aumentou de cerca de 4% em 2010 para 12% em 2018.

"Se continuarmos 'descarbonizando' (substituindo a energia que tem como subproduto gases poluentes), poderíamos criar sete milhões de empregos em uma década", aponta Bárcena.

Um fator alentador nesse sentido é o fato de que o investimento estrangeiro na área de energia renovável vem crescendo, principalmente por meio de empresas europeias e, em menor medida, chinesas.

No processo de transição para o uso de energia mais "limpa" destacam-se países como Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua, na América Central, e, no sul da região, Brasil, Chile e Uruguai.

Na contramão estão México, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela, que chegaram a reduzir a participação das modalidades renováveis na oferta total de energia.

2. Mobilidade urbana.

A substituição dos veículos que rodam com combustível fóssil tem potencial para criar cerca de 4 milhões de empregos no setor de transportes nos segmentos de operação e manutenção de veículos pesados e outros 1,5 milhão na indústria de veículos leves, de acordo com as estimativas da Cepal.

Ainda que a indústria de carros elétricos seja incipiente, a frota de ônibus elétricos começa a crescer — são cerca de 1,3 mil unidades rodando em 10 países —, especialmente em cidades como Santiago, capital do Chile.

Dois fatores contribuem para o avanço: a redução do custo das baterias, que tornou os ônibus elétricos mais competitivos, e o processo relativamente eficiente de conversão dos veículos convencionais em elétricos, que é barato.

3. A revolução digital.

A pandemia acelerou a digitalização em vários países da região e evidenciou a importância da conectividade para o mundo do trabalho, da saúde, da educação e para o comércio.

Enquanto na Europa e nos Estados Unidos cerca de 40% dos trabalhadores empregados conseguem desempenhar suas funções em home office, na América Latina isso só vale para 21,3% dos ocupados.

No campo da educação, por sua vez, quase metade das crianças com idade entre 5 e 12 anos vive em domicílios sem acesso à internet — o que acabou afetando o processo de aprendizagem de muitas delas no período em que as escolas estiveram fechadas.

O uso de tecnologias digitais também está muito aquém do que se observa em outras regiões quando se fala de cadeia de suprimentos, de processamento e manufatura.

Enquanto 70% das empresas nos países da OCDE utilizam internet em sua cadeia de abastecimento, na América Latina a cifra chega a apenas 37%.

Por isso, especialistas afirmam que os países latino-americanos devem se preparar para a indústria do futuro, especialmente formando mão de obra qualificada, com as novas habilidades que essas tecnologias demandam.

4. A indústria da saúde.

Essa é uma área que engloba diferentes segmentos: a indústria farmacêutica, a fabricação de medicamentos e equipamentos e pesquisa e desenvolvimento.

São setores que costumam criar empregos com boa remuneração, que facilitam o progresso técnico e que, por isso, podem ajudar a dinamizar a economia.

Com a chegada da pandemia de covid-19, as grandes corporações estão mudando suas estratégias para reduzir os níveis de risco de quebra suas cadeias de abastecimento, ainda que isso signifique maior custo de produção.

Na prática, algumas empresas têm tentado levar parte da produção para mais próximo de seus mercados consumidores, o que pode beneficiar países da América Latina, especialmente se a região oferecer alternativas na área de produção.

5. A bioeconomia.

O potencial da bioeconomia ficou ainda mais evidente com a pandemia.

Essa é uma área que busca agregar valor a recursos biológicos de maneira sustentável — e é uma das que tem se beneficiado nesses tempos de crise sanitária.

Ela inclui desde a agricultura e a produção de alimentos à fabricação do produtos biotecnológicos como vacinas, métodos diagnósticos e de tratamento.

6. A economia circular.

Se a economia linear se baseia em produzir, consumir e eliminar, a circular busca um outro caminho: reciclar e reutilizar os produtos em vez de descartá-los.

Um dos seus fundamentos, portanto, é reduzir a geração de resíduos e as emissões de dióxido de carbono para resguardar o meio ambiente.

A Cepal vê uma oportunidade para que a região aposte nessa área por meio de segmentos como a gestão de resíduos sólidos domiciliares, do lixo orgânico a plásticos e eletrônicos.

Retorno aos níveis pré-crise.

Segundo os cálculos da Cepal, caso a América Latina crescesse à taxa média observada na última década, de 1,8%, voltaria ao patamar observado antes da crise causada pela pandemia em 2024.

Se o ritmo fosse o dos últimos 6 anos, de apenas 0,4%, o retorno ao nível pré-crise não chegaria antes da próxima década, acrescenta Bárcena.

Boa parte do futuro da economia da região dependerá de fatores como a evolução da pandemia, o ritmo de recuperação do mundo como um todo, o preço das matérias-primas e os recursos disponíveis no mercado e nos organismos internacionais para financiar o crescimento, além da vontade política de cada governo.

Link original

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Presidente do Banco Mundial: “A crise deve ser vista como depressão econômica. A dúvida é quanto vai durar”


Caros leitores,

É fato que a pandemia do novo coronavírus traz consigo diferentes consequências, inclusive do campo econômico, uma vez que as medidas de isolamento social trazem consigo a queda da circulação de pessoas e, logo, redução da atividade comercial.

Nesta matéria, trazemos uma entrevista com o presidente do Banco Mundial, que defende a ideia de que vivemos um período de depressão econômica significativo, bem como a imprevisibilidade da duração deste cenário conturbado. Reflete, ainda, sobre as consequências sentidas no contexto latino-americano.

Esperamos que gostem e compartilhem!

Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

Antes mesmo de ouvir a primeira pergunta, o presidente do Banco Mundial, David Malpass (Petoskey, Michigan, 64), se antecipa para dar ênfase aos dados “muito preocupantes” sobre o aumento da pobreza extrema. Esta é a sua grande preocupação agora, e as cifras o respaldam: a pandemia deixará cerca de 150 milhões de pessoas a mais abaixo desse limite, quebrando mais de duas décadas de declínio ininterrupto em escala global.

“Estamos no auge da recessão e isso é muito preocupante. As dinâmicas da pobreza são de longo prazo: é urgente reverter essa tendência e, para isso, é necessário que as economias voltem a crescer”, afirma. Ao contrário da diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, que descartou a possibilidade de uma depressão econômica decorrente da crise do coronavírus, o economista norte-americano acredita que estamos imersos em uma delas. A questão é quanto tempo vai durar. Sua esperança: que seja breve, ao contrário da dos anos 30 do século passado.

P. O coronavírus, de acordo com os próprios registros do Banco Mundial, causou a maior contração econômica em 90 anos. Em que ponto estamos?

R. As economias avançadas estão começando a ganhar impulso. As piores projeções foram de maio e junho e, desde então, as previsões ficaram melhores. O problema é que a média do mundo em desenvolvimento, exceto a China, continuou a piorar. E isso inclui tanto os países mais pobres como os de renda média, muitos deles na América Latina.

P. As previsões de recuperação em V parecem ter sido deixadas para trás em muitos países.

R. É verdade. Pelo menos nos países em desenvolvimento, onde mais que um V estamos vendo um L: houve um forte declínio e agora essas economias estão crescendo pouco. Isso é muito problemático do ponto de vista da pobreza. O desafio prioritário agora é restaurar o crescimento o mais rápido possível para reverter essa queda.

P. Enquanto não tivermos uma vacina, a economia estará com problemas.

R. As vacinas são importantes e eu estou cautelosamente otimista sobre o momento em que poderão ser produzidas em massa. Mas ainda vai levar um tempo considerável. Até então, e por enquanto, o mais crítico é poder tomar medidas para reabrir [a economia]. A Europa progrediu, a China reabriu partes muito importantes de sua economia, com distanciamento social, máscaras e precaução na interação entre as pessoas... E isso está permitindo que volte a crescer.

P. Ao contrário da crise financeira de 2008 e 2009, quando os países emergentes resistiram e até saíram mais fortes, desta vez são o elo mais fraco. Tem a sensação de que os países ricos não estão lhes dando atenção?

R. Tem sido feitos esforços para dar uma resposta global [à crise]. Os Estados Unidos aumentaram muitíssimo os gastos públicos e contam com os estímulos de seu banco central, que está realizando importantes compras de ativos. A Europa e o Japão também, na esperança de relançar suas próprias economias e, também, beneficiar assim o mundo em desenvolvimento. Mas é verdade: ao contrário de 2008, o bloco em desenvolvimento está sendo atingido com ainda mais força [do que os países ricos] e não está recebendo muito apoio das economias avançadas.

P. Onde pode estar, então, sua salvação?

R. Em que o crescimento [mundial] seja logo retomado, e que o emprego e a demanda cresçam de novo. Para que esse ciclo de recuperação ocorra em todo o mundo é muito importante a reabertura segura das escolas e empresas enquanto se aguarda a vacina.

P. Quando a economia mundial retornará ao nível anterior à crise?

R. Não tenho uma estimativa precisa, mas, sobretudo no caso dos países emergentes, vai levar muitos anos. São países que não têm a capacidade de endividamento das economias avançadas e seus bancos centrais não possuem o grau de confiança necessário para expandir seus balanços: se o fizerem, a preocupação é que suas moedas se desvalorizem e entrem em um ciclo de inflação que tornaria as coisas ainda piores. As economias avançadas, por sua vez, dada a resposta aos estímulos que deram, se recuperarão mais rápido. Mas também com muito mais dívida pública: isso levanta dúvidas sobre a sustentabilidade da recuperação.

P. Acha que esta pandemia pode ser inflacionária?

R. Nos países em desenvolvimento é um fenômeno intimamente ligado à taxa de câmbio de suas moedas. E estou otimista: a maioria está mantendo a estabilidade de suas divisas e isso significa que a inflação está relativamente baixa em comparação com crises anteriores, quando houve grandes desvalorizações que levaram a escaladas inflacionárias. Até agora não é o caso: o grande problema desta vez é a própria contração econômica e a perda de postos de trabalho, não a inflação.

P. A saída da crise no bloco rico está sendo expansiva. A austeridade não está no mapa, pelo menos não ainda. Aprendemos a lição de uma década atrás?

R. As ferramentas que as economias avançadas estão usando são de escala muito maior que no passado. A gente vê isso nas taxas de juros zero, nos programas de compra de ativos por parte dos bancos centrais ... São elementos que não ocorriam em crises anteriores. E, é claro, também na magnitude em que o setor público entrou no mercado: a proporção dívida/PIB aumentou muito mais rápido do que em outras ocasiões, exceto na Segunda Guerra Mundial. Tudo isso conseguiu estabilizar a situação e permite conduzir bem a recuperação.

P. Até que ponto esse aumento repentino da dívida pública deve nos preocupar?

R. Os países ricos estão tomando empréstimos com prazos muito longos e taxas de juros muito baixas. O desafio é fazer bom uso dessa nova dívida: vai demorar muitos anos para ver o resultado, quais frutos os investimentos feitos agora trarão no futuro.

P. Como avalia o Fundo Europeu de Recuperação?

R. De novo, vai depender de quão bem esses fundos são usados. E vai levar vários anos até que possamos avaliar isso.

P. Seis meses após o início dos confinamentos na Europa e nos Estados Unidos, pode-se descartar uma depressão?

R. Não. Na verdade, temo que tenhamos que ver isto como uma depressão econômica. A questão é quanto tempo vai durar: a da década de 1930 durou 10 anos ou mais em alguns países, e minha esperança é que desta vez seja mais curta, tanto pela ação dos Governos como do setor privado. Há muito mais informações disponíveis para um grupo de pessoas também muito maior em todo o mundo: milhões delas estão interagindo para tentar entender a crise e dar os passos necessários para a recuperação. E essa é uma ferramenta poderosa que não existia na Grande Depressão.

P. O que podemos esperar na América Latina?

R. Do ponto de vista do PIB, temo que é e será uma das regiões mais afetadas. A boa notícia é que havia feito progressos substanciais nos anos anteriores, em contraste com os países mais pobres, muitos deles na África. E tem ferramentas fiscais e monetárias que podem ajudar na recuperação.

P. Prevê uma cascata de inadimplência no bloco emergente?

R. Estamos preocupados porque muitos países em desenvolvimento entraram nesta crise com altos níveis de endividamento e a contração econômica torna o peso da dívida ainda maior. É por isso que propusemos uma moratória em março, que o G20 e o Clube de Paris endossaram. Foram dados passos nessa direção, mas infelizmente os credores privados ainda não começaram a participar desta moratória e alguns países credores, como a China, também não.

P. Por que a China está saindo da crise tão rápido? É a grande exceção.

R. Não sei toda a explicação, mas minha impressão é que conseguiu se ajustar aos riscos da covid-19 e começou a reabrir sua economia antes dos demais.

Link original

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Emergência Climática exibe série de filmes sobre a importância do debate acerca da matéria


Caros leitores,

Cada vez é tratada com maior relevância a questão da crise climática, bem como os efeitos decorrentes da ação humana no meio ambiente. Nesta tocada, discussões tornam-se cada vez mais frequentes acerca da matéria, bem como movimentos que abarcam especialmente os grupos mais jovens que almejam exercer pressão e conscientização sobre a questão.

Nesta tocada, à partir desta madrugada (00h30) de sábado para domingo, o site sobre Emergência Climática estará exibindo uma série de filmes da maior importância. Estes incluirão diálogos com nomes como Dalai Lama e Greta Thunberg, bem como cientistas estudiosos da questão, almejando trazer um debate multidisciplinar e inclusivo.

Todos os vídeos são legendados em português, para melhor entendimento.

A participação neste projeto faz-se essencial diante da gravidade da situação, devendo-se por estimular a participação em ações que possam beneficiar todos os seres vivos no nosso Planeta.

Esperamos que gostem e compartilhem!

Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

Link para assistir!