web counter free

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

A hora de pagar os pecados



Olá alunos,

Os erros cometidos pela administração Dilma Rousseff, como a falta de sensibilidade em adaptar a política econômica brasileira às novas condições do mercado interno e da conjuntura internacional, já começam a ter seus efeitos sentidos, o que é particularmente importante às vésperas da corrida presidencial de 2014.
Esperamos que gostem e participem.

Juliana Padilha e Silvana Gomes
Monitoras da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense

O purgatório é o lugar de purificação para as almas antes da bem-aventurança. Ou qualquer lugar onde se sofre por algum tempo. Embora uma parte do mercado financeiro, nacional e internacional, tenha a certeza de que o Brasil já queima faz algum tempo nas labaredas do inferno, o purgatório parece mais apropriado para definir o momento da administração Dilma Rousseff. Nos últimos dias, Brasília tem sido punida por seus erros na área econômica. O PIB no terceiro trimestre foi o pior em quatro anos. Em comparação com os três meses anteriores, caiu 0,5%. Em relação ao mesmo período de 2012, apresentou uma expansão de 2,2%. O resultado levou os analistas a rebaixar novamente as expectativas de crescimento em 2013 e 2014, ano de eleições presidenciais.
Ao mesmo tempo, a indefinição de um modelo de reajuste dos combustíveis, aliada a um aumento da gasolina (4%) e do diesel (8%) considerado insuficiente pelos investidores, provocou uma queda recorde de 10,37% das ações da Petrobras, movimento que deprimiu o índice da Bolsa de Valores de São Paulo. Não bastasse, o governo esteve a ponto de recorrer a uma nova peripécia contábil para melhorar as contas no ano, uma triangulação de empréstimos a envolver a Caixa Econômica Federal, a Eletrobras e o Tesouro Nacional semelhante a artifícios inventados em 2012 pelo secretário Arno Augustin. Diante das críticas, o Ministério da Fazenda interveio e abortou a operação a tempo de evitar uma nova onda de apostas contra o Brasil.
O conjunto de notícias ruins soterrou a safra de boas notícias produzida nas últimas semanas. Na quarta-feira 4, a presidenta e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, tentaram comemorar, sem muito entusiasmo da plateia, mais uma leilão de infraestrutura bem-sucedido. O desconto na tarifa do pedágio nos trechos das rodovias BR-060, BR-153 e BR-262 chegou a 52% do preço máximo estabelecido. A oferta partiu do consórcio Triunfo. Uma semana antes, a BR-163, entre Cuiabá e Sinop, em Mato Grosso, foi arrematada por um grupo liderado pela Odebrecht, que ofereceu uma redução idêntica na tarifa. Em 21 de novembro, o repasse à iniciativa privada dos aeroportos do Galeão, no Rio de Janeiro, e Confins, em Belo Horizonte, arrecadou 20,8 bilhões de reais, ágio de 251%.

Há um consenso de que o governo demorou a entender a mudança na economia internacional e o papel dos investimentos públicos e privados no novo ciclo de desenvolvimento, em substituição ao estímulo ao consumo. Essa conversão, acredita Antonio Correa de Lacerda, professor de Economia da PUC de São Paulo, deveria ter começado em 2011. “O governo insistiu em usar instrumentos cuja eficácia tinha se esgotado, a exemplo do incentivo ao consumo. Como o endividamento das famílias era elevado, não houve crescimento da demanda e a desoneração de impostos para estimular a indústria comprometeu a receita fiscal, na ótica conservadora do mercado, focado no superávit das contas públicas. Provavelmente, o governo cometeu um erro de avaliação.”
Acrescente-se que o incentivo ao consumo não se tornou um fator de incremento industrial. “Ao contrário, devido às péssimas condições de competitividade sistêmica, apesar de uma ociosidade média de 20% na utilização da capacidade instalada da indústria, grande parte do aumento do consumo tem sido abastecida via importações”, destaca.
A informação de que o superávit primário acumulado até outubro totalizara 33,4 bilhões de reais, 48% abaixo daquele obtido em 2012 no mesmo período, provocou ansiedade compreensível no setor financeiro e entre empresários. 

Brasília vê exagero. Segundo Marcio Holland, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, as avaliações com viés pessimista sobre a questão fiscal brasileira estão erradas. O superávit primário brasileiro aumentou entre 2003 e 2012 e atingiu, em média, 3,1% do PIB. No período anterior, de 1995 a 2002, a média havia sido de apenas 1,5% do PIB. A dívida bruta do governo, alvo de atenção das instituições financeiras, teve um comportamento estável em comparação ao que aconteceu no resto do mundo. Oscilou entre 56% e 59% do PIB de janeiro de 2006 a agosto de 2013, período que inclui as crises de 2008 e 2011. “Em outros países, a oscilação foi de 20% a 30% do PIB”, compara.
A situação fiscal, vista desse modo, não teria o poder de abalar os investimentos em infraestrutura, decisivos para reduzir o chamado custo Brasil e elevar a produtividade. Ocorreria, ao contrário, um aumento da aposta no setor desde o resultado dos leilões dos aeroportos do Galeão e Confins. Lances elevados, disputa acirrada e a participação da administradora do mais eficiente aeroporto do mundo, o de Cingapura, mostraram uma percepção favorável à realização de negócios de longo prazo no País.
A manifestação do presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas, Eduardo Sanovicz, transcrita no site da entidade, sintetiza a repercussão da concessão dos aeroportos: “É um dia de celebração. Ativos de primeira linha foram passados a empresas de primeira linha por um ágio de primeira linha”.  

Ao leilão do Galeão e de Confins seguiu-se o da BR-163. A outorga consolidou o critério de modicidade tarifária, no qual vence o consórcio disposto a conceder o maior desconto sobre o teto definido pelo governo. O indicador de sucesso, portanto, não mais é o máximo de arrecadação para o Tesouro, como no passado e ainda hoje em alguns estados, mas o menor pedágio possível para o usuário das estradas. Por falta de clareza do governo, por muito tempo esse mecanismo foi encarado como uma tentativa de querer determinar o lucro do setor privado. O ruído, ao menos nesse quesito, parece eliminado.
Crítico das ações do governo na área de infraestrutura, o engenheiro Cláudio Frischtak, presidente da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios, do Rio de Janeiro, diz que os leilões dos aeroportos e da BR-163 foram, “sem dúvida, bem-sucedidos” e demonstram, “de uma forma cabal, que o governo estava redondamente enganado antes, ao tentar fixar a taxa de retorno dos projetos”. Frischtak considera “uma coisa positiva” o anúncio, pela ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, da convocação das empresas privadas para elaborar os projetos com vista a licitar o melhor deles e ressarcir as demais participantes dos custos da elaboração dos estudos. O modelo passou a ser utilizado nas concessões de rodovias e o será também naqueles de ferrovias.
Uma parte importante do êxito dos leilões mencionados deve-se precisamente ao encaminhamento dado ao problema crítico da qualidade dos projetos. O governo fez chamadas para apresentação de estudos e aceitou os da Estruturadora Brasileira de Projetos, constituída pelos bancos BNDES, Banco do Brasil, Itaú, Bradesco, Santander, HSBC, Citibank, Votorantim e Espírito Santo. A mudança da postura pública procura responder às críticas justificadas da iniciativa privada quanto à qualidade dos estudos oficiais e do processo de contratação dos investimentos em infraestrutura.
Projetos ruins, falta de informações básicas sobre o tipo de solo e embargos judiciais de desapropriações, entre outros entraves, têm paralisado inúmeras obras e gerado pedidos de extensão de prazos e de aditamento de preços, aponta o presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva (Sinaenco), José Roberto Bernasconi. “O que vemos hoje são as consequências do empobrecimento dos quadros técnicos do governo. Houve um enorme enfraquecimento da máquina pública brasileira. Isso vale para estados, municípios e União.”  

O definhamento identificado pelo presidente do Sinaenco tem origem no desmantelamento da capacidade de planejamento do Estado, principalmente na década de 1990. Na área de infraestrutura, havia o Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes (Geipot), fundado em 1965 como órgão interministerial vinculado ao antigo Ministério de Viação e Obras Públicas para coordenar e desenvolver estudos de transportes. A Empresa de Planejamento e Logística (EPL), criada pelo governo há um ano, visa reconstituir capacidades similares àquelas do Geipot, com uma abrangência maior. O presidente da EPL, Bernardo Figueiredo, trabalhou no Geipot. O primeiro projeto do qual participou foi o da malha ferroviária da Região Centro-Oeste. “As ferrovias que hoje fazem parte do Plano de Investimentos em Logística já estavam identificadas naquela época como necessárias”, diz Figueiredo.
O fim do Geipot fez parte do desmonte da máquina pública realizado sob a influência do neoliberalismo e do Consenso de Washington, que pregavam a redução do tamanho do Estado e a livre condução da economia pelo mercado. O governo federal não foi o único atingido. Os departamentos de obras públicas dos estados, detentores de conhecimento técnico para testar especificações, foram extintos. A capacidade de planejamento dos municípios atrofiou-se. Entre 30% e 40% dos projetos apresentados hoje por prefeituras aos ministérios são rejeitados por falta de qualidade técnica, segundo estudo da Associação Brasileira de Municípios. “É muito difícil elaborar projetos em condições de aprovação pelo governo federal, e sem eles não há dinheiro”, diz o presidente da ABM, Eduardo Tadeu Pereira.
Em 2003, iniciou-se um trabalho de recomposição do funcionalismo. Na administração pública federal, o total de servidores, que havia sido reduzido de 561 mil para 486 mil entre 1996 e 2002, foi elevado para 571 mil entre 2003 e 2011. “As carreiras priorizadas estão ligadas à necessidade de reestruturar o País”, diz a secretária de Gestão Pública do Ministério do Planejamento, Ana Lucia Brito. Apesar do aumento do efetivo, o gasto com pessoal caiu de 4,8% do PIB em 2002 para 4,6% do PIB em 2011, segundo dados do Ministério do Planejamento.
A reconstituição do quadro público, mostram alguns dados, começa a produzir resultados. “A redução significativa da quantidade de obras com indícios de problemas graves e recomendação de paralisação por parte do TCU mostra um aperfeiçoamento da gestão pública”, diz Rafaelo Abritta, diretor do Departamento de Assuntos Extrajurídicos da Advocacia-Geral da União. O total de obras nessas condições, de acordo com o Tribunal de Contas da União, caiu de 80 em 2005 para sete em 2013. 

Em 2014, o maior desafio do Programa de Investimento em Logística será o equacionamento dos sistemas de portos, com grandes barreiras à entrada de novos competidores, e o de ferrovias, caracterizado pelo monopólio. Wilen Manteli, presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários, entidade representante dos terminais portuários responsáveis pela movimentação de 90% das cargas do comércio exterior, elogia algumas ações do governo e condena atitudes do Congresso, entre elas a resistência à automação dos terminais por temor de dispensa de trabalhadores. A Associação vê avanço na possibilidade aberta pelo governo federal de terminais privados movimentarem cargas de terceiros. Mas o critica por não ter avançado na organização da Companhia Docas, que “vem gerindo mal os portos”. De modo geral, Manteli aponta progressos, mas ressalva: “Vamos ver qual será a postura daqui em diante”.
O governo enviou ao TCU 21 blocos para arrendamento nos portos de Santos e do Pará. Haverá avanço se a base de comparação forem os 11 arrendamentos realizados nos últimos dez anos. “Nós estamos mexendo numa zona de conforto. Muitos dos operadores atuais estão com contratos vencidos e vamos licitar seus terminais. Podem participar da licitação, mas não há garantia de que vão ganhar. É de se esperar que as pessoas atingidas pelas mudanças façam questionamentos”, diz a ministra Gleisi Hoffmann. 
No setor ferroviário, apenas em 2004 começou-se a pensar na necessidade de um marco regulatório, diz o presidente da Associação Nacional do Transporte Ferroviário, Rodrigo Vilaça. A entidade, que reúne as maiores empresas do setor, critica a burocracia, a indefinição regulatória e a lentidão das linhas de financiamento. “Acreditamos que o governo quer resolver as questões que impedem o avanço dos projetos ferroviários. A própria reformulação da Valec, gestora do governo na área de ferrovias, que esteve envolvida em escândalos de corrupção, é uma demonstração de que ele está empenhado em acertar. Mas os desafios são muito grandes e os resultados precisam aparecer logo, para garantir que as concessões saiam do papel.”
“A privatização das ferrovias, concluída em 1999, foi feita do ponto de vista do caixa do Tesouro. É óbvio que quem arrematou uma concessão opera apenas os trechos rentáveis. Isso não quer dizer que os não rentáveis sejam desnecessários”, diz a ministra Gleisi. O Programa de Investimentos em Logística do atual governo prevê a estruturação da rede ferroviária completa necessária ao escoamento da produção nacional, incluídos os ­trechos não rentáveis, que não interessam à iniciativa privada e serão viabilizados pelo setor público.
O ano de 2014 tende a ser decisivo para a economia e convém refletir sobre as principais causas da demora do governo em mudar o eixo da economia, do estímulo ao consumo para o investimento em infraestrutura, a saber: 1. O desmantelamento, principalmente na década de 1990, dos órgãos de planejamento do Estado. 2. A inexperiência no equacionamento da infraestrutura. 3. A insistência nas desonerações de bens duráveis depois da crise de 2008. 4. A determinação, hoje superada, de estabelecer taxas de retorno rígidas para os investimentos. 5. A postura reticente em relação à participação privada na elaboração dos projetos, revertida nos últimos leilões. 

Entre o baixo investimento na economia e as pressões dos agentes financeiros, o governo agora se vê obrigado a uma “guinada conservadora”, como define Lacerda, para buscar um superávit que tranquilize os chamados mercados. A guinada verifica-se também na alta da taxa de juros, hoje em 10% ao ano, depois de ter atingido a mínima histórica de 7,25%.
O ex-ministro Delfim Netto, colunista de CartaCapital, critica as manobras contábeis do passado recente e defende o estabelecimento de metas realistas e o compromisso com o seu cumprimento. Segundo Delfim, na próxima década bastaria uma economia anual de 2% do PIB para a dívida brasileira manter a tendência de redução. O patamar de 60% da dívida bruta, diz, não é catastrófico, mas está longe de confortável (é o maior entre os países emergentes). “Se estabelecer 2% e cumprir, o mercado vai entender. O que tem assustado não é a situação fiscal de hoje, mas a sensação de que ela tende a piorar.”
A confirmação do controle da situação fiscal pelo governo contribuiria para proporcionar benefícios concretos ao País. Os investimentos em infraestrutura, de 183 bilhões de reais em 2011, equivalentes a 4% do PIB, poderiam atingir até 245 bilhões em 2016, ou 6% de todas as riquezas geradas pela economia, segundo a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base.
Antes de 2016, há, no entanto, 2014, ano de muita turbulência no horizonte. Se os Estados Unidos interromperem de forma abrupta o ciclo de estímulos monetários à sua economia e aumentarem os juros e, se ao mesmo tempo as agências internacionais de rating rebaixarem a nota do Brasil, como ameaçam, o País estaria sob risco às vésperas das eleições. Desvalorização da moeda, fuga de capitais e inflação fora de controle seriam possibilidades concretas. Em resumo, o apocalipse.

Link Original

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Os oligopólios de intermediação comercial e financeira prejudicam produção e consumo



Olá alunos,

O texto de hoje mostra como a apropriação do lucro tem se deslocado, cada vez mais, dos produtores para intermediários, apontando, ainda, algumas consequências desse fenômeno.
Esperamos que gostem e participem.

Juliana Padilha e Silvana Gomes
Monitoras da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense

A visão que herdamos é que o lucro se gera na empresa, que paga aos trabalhadores menos do que o valor obtido. Isto sem dúvida é verdadeiro, quer chamemos o valor obtido de lucro, de mais valia, ou de maneira mais neutra  de excedente. Não há muito a acrescentar neste debate. O que queremos aqui focar é como este lucro se desloca na cadeia produtiva. É cada vez menos o produtor que se apropria do resultado do valor agregado de um determinado produto, e cada vez mais o intermediário. Gera-se um tipo de mais valia sistêmica que pode ser muito mais poderoso que os mecanismos tradicionais de exploração nas unidades de produção. 

Ou seja, a evolução do preço da porta da fazenda em Uganda, à porta do bar no Reino Unido, desde os 14 centavos de dólar pagos a quem produziu o café até o equivalente de 42 dólares que pagamos no bar. Extraído do excelente estudo internacional sobre a aplicação de ciência e tecnologia à economia agrícola, nos dá a dimensão do problema, para um produto bem familiar.

É bom seguir a evolução das colunas, que representam o valor obtido em cada etapa: porta da fazenda, comercialização primária ,colocado no porto em Mombasa, colocado em Felixstowe no Reino Unido, custo do produto após processamento na fábrica, preço na prateleira do supermercado, e finalmente o preço sob forma de café para consumoVeja-se antes de tudo a participação ridícula do produtor de café, que arca com o grosso do trabalho.
 
Ao pegarmos as cinco primeiras etapas, vemos que para o conjunto dos agentes econômicos que podem ser considerados produtivos(produtor, serviço comercial primário, transporte, processamento) a participação no valor que o consumidor final paga ainda é muito pequena.

O imenso salto se dá no preço na  gôndola do supermercado, os Walmart ou equivalentes em qualquer país. E outro salto se dá quando é servido sob forma de café. O gráfico fala por si. E os valores nas pontas, 14 centavos e 42 dólares, dão uma ideia da deformação da lógica de remuneração dos fatores e dos agentes econômicos.

Não há nada de muito novo nisto, todos sabemos do peso dos atravessadores, conceito inventado justamente para dar uma conotação negativa aos intermediários dos processos produtivos que ganham não ajudando, mas colocando gargalos, ou pedágios, sobre o ciclo produtivo. Mas o que queremos levantar aqui, é que há um desequilíbrio muito forte entre os esforços que dedicamos ao estudo e divulgação da variação de preços no tempo, essencialmente a inflação, e o pouco que estudamos sobre a variação de preços dentro das cadeias produtivas. 

O impacto econômico deste processo é simples: do lado do produtor, o lucro é insuficiente para desenvolver, ampliar ou aperfeiçoar a produção, e em consequência a oferta não se expande. Do lado do consumidor, o preço é muito elevado, o que faz com que o consumo também seja limitado. Quem ganha é o intermediário, com margens muito elevadas sobre um fluxo relativamente pequeno de produto.

O controle do ciclo econômico

De onde vem este poder do intermediário de travar o processo para maximizar o seu lucro? Um outro gráfico do mesmo estudo ilustra bem a situação do pequeno produtor e do consumidor final frente ao “gargalo” dos grandes intermediários. O título do gráfico é “a concentração do mercado oferece menos oportunidades para os agricultores de pequena escala”. Trata-se aqui essencialmente de entender a dificuldade da agricultura em pequena escala, mas o argumento é válido para um leque muito amplo de atividades produtivas.

O sentido geral do gráfico, é que a ampla base na parte de baixo, representando os agricultores é constituída por muitos produtores (mais de quatro milhões no Brasil),  dispersos e portanto com pouca força. Forma-se depois um gargalo logo acima ao nível dos traders (comercialização primária), e o gargalo se afina mais ainda no nível dos processadores do produto, e se mantém muito concentrado no nível dos retalhistas. No nível dos consumidores, a ampulheta se abre novamente de maneira radical, pois são milhões os consumidores, sem nenhuma força individual para influenciar os preços. Quando perguntamos, nos consumidores do produto final, porque o preço subiu, nos dizem que o produto “está vindo mais caro”.  Vindo mais caro de onde?

A importância deste tipo de estudos, que apenas ocasionalmente aparecem em alguns casos extremos, é que mostram onde surge efetivamente a inflação (é o momento de “salto” radical do preço), e por tanto onde se trava também o desenvolvimento dos processos produtivos.  Temos hoje inúmeras instituições que fazem um seguimento muito detalhado da inflação, inclusive porque é importante para o reajuste de aluguéis, de salários e assim por diante. Mas a análise sobre de onde vem a mudança do nível geral de preços busca os setores que se destacam, por exemplo os alimentos,  e não as variações de preços dentro de cada cadeia produtiva.

Praticamente ninguém estuda onde o preço está sendo aumentado, em que elo da cadeia produtiva. Os dois gráficos que apresentamos acima são muito raros, e em todo caso nem sistemáticos nem regulares no sentido de formar uma imagem da evolução no tempo. E no entanto todos os dados da composição de custos de cada produto existem, pois uma empresa precisa deles para definir o preço final de venda. O que é necessário é fazermos um tipo de engenharia reversa, tomando um produto final, por exemplo um medicamento, e ver a evolução dos custos em cada nível de transformação e intermediação.

Isto permitiria, por exemplo, deixar mais claro o custo da intermediação financeira nos processos produtivos., outro tipo de gargalo que encarece muito o produto final e reduz a produtividade da cadeia. Permitiria também estimular  investimentos complementares nas áreas do gargalo, de forma a diversificar a oferta e reduzir o efeito de cartelização (monopsônios ou oligopsônios no jargão econômico). Seria um instrumento poderoso para o CADE identificar pontos de incidência para políticas antitruste e de defesa de mecanismos de mercado.  E melhoraria a relação de força dos produtores frente aos intermediários, relação cada vez mais desequilibrada.

O que não podemos continuar a manter, é esta situação em que todos sabemos do entrave que representam os atravessadores de diversos tipos para a dinamização da produção e do consumo, mas não se produz nenhuma informação adequada sobre como se constrói o preço final de cada produto. Não basta medir a inflação, temos de ver como se gera, e quem a gera. Não é particularmente complexo comparar quanto vale no mercado atacadista o ácido ascórbico, a popular vitamina C, com o que pagamos na farmácia.

Em termos de dinamização do processo produtivo em geral, trata-se de identificar os gargalos que geram lucros extraordinários sem agregação de valor correspondente. São os elos da cadeia produtiva que inflam os preços e travam a expansão do ciclo produtivo. Com cada vez menos grandes intermediários atravessando as principais cadeias produtivas, trazer um pouco de luz para a compreensão da formação da cadeia de preços seria fundamental. 


quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Sem ideias novas



Olá alunos,

A postagem de hoje expõe a crise de inovação que atingiu as empresas brasileiras. A despeito dos incentivos governamentais, como é o caso do programa Inova Empresa, a capacidade inovativa do setor industrial tem deixado a desejar. 
Esperamos que gostem e participem.

Juliana Padilha e Silvana Gomes
Monitoras da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense

Entre 2009 e 2011, no período em que a conjuntura econômica mundial esteve mais nebulosa, as empresas apostaram em produtos e processos inovadores para garantir seu lugar ao sol, certo? Errado. Diante da demanda em queda, o comportamento detectado pela Pesquisa de Inovação Tecnológica, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada recentemente, contrariou a expectativa de quem confiava no caráter anticíclico dessa modalidade de investimento. Segundo o levantamento, 35,6% das 129 mil indústrias consultadas inovaram no País no triênio, uma queda considerável em relação aos 38,1% registrados no período anterior (entre 2008 e 2010). Foi a primeira retração do índice medido pelo IBGE desde o início da pesquisa, em 2000, quando a taxa de inovação estava em 31,5%.
O nível atual coloca o Brasil no patamar de países do Mediterrâneo, acima da média dos latino-americanos e bem abaixo dos desenvolvidos, onde o índice chega a 60%. Quando esmiuçado, deixa entrever as razões dos empresários que se motivaram a investir, ocupados principalmente em não perder mercado para a concorrência. “O esforço das empresas ficou mais concentrado na inovação de processos produtivos, para baixar os custos, e menos em lançamentos de produtos, que envolvem maior risco”, diz Alessandro Pinheiro, pesquisador do IBGE responsável pela pesquisa.
Para David Kupfer, professor da UFRJ e assessor da presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, apesar do senso comum, o desempenho verificado era esperado pelos especialistas. “Normalmente, é a empresa competitiva que inova mais, e não a que precisa se recuperar.” No caso brasileiro é preciso, porém, mais do que competitividade para impulsionar os investimentos em atividades inovadoras, considera.

Se as inovações não deslancham, não é por falta de apetite do empresariado. A injeção de novos recursos para inovação por meio do programa federal Inova Empresa, lançado em março deste ano, expôs a existência de uma forte demanda reprimida. A oferta de 32 bilhões de reais a custos subsidiados atraiu o interesse de empresas cujos projetos somam 65 bilhões de reais de investimentos. Apenas no âmbito do Inova  Saúde, para produtos farmacêuticos e equipamentos médicos, foram 6 bilhões de reais em propostas a serem analisadas, três vezes mais que os 2 bilhões ofertados.
O segmento farmacêutico é um retrato fiel dos efeitos da falta de investimentos. Os gastos em inovação corresponderam, em 2011, a 4,8% da receita do setor. O parque industrial brasileiro tem suas atividades concentradas em produção de medicamentos e comercialização, mas é marcado pelo baixo desenvolvimento de princípios ativos e suas patentes, responsáveis por até 80% do custo dos produtos. Como resultado, cresce a dependência do País dos importados. Em 2012, o déficit na balança comercial farmacêutica foi de 7 bilhões de dólares, com tendência de alta em 2013. Na primeira semana de dezembro, as importações tiveram alta de 40% em relação ao mesmo período do ano passado.
Para viabilizar os investimentos dos laboratórios e estimular a busca de recursos, o governo federal comprometeu-se em adquirir 8 bilhões de reais ao ano em produtos das empresas inscritas no Inova Saúde. A seleção preliminar dos planos de 21 companhias, dentre elas Aché, Eurofarma e Hypermarcas, soma 3,6 bilhões de reais. O resultado deve ser anunciado na sexta-feira 20, mas nem todos levarão, pois os recursos disponíveis somam 1,5 bilhão. “A intenção foi casar o foco em medicamentos de alta complexidade com o poder de compra do Estado”, diz Glauco Arbix, presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), uma das responsáveis pelo programa em parceria com os ministérios do Desenvolvimento e da Saúde, BNDES e CNPQ, do Ministério da Ciência e Tecnologia.

Semelhante ao modelo do Inova Saúde, está em andamento a análise de iniciativas em aeronáutica, agropecuária, energias alternativas, petróleo, gás natural, biomassa e ações de sustentabilidade. A escolha dos projetos será definida até o começo de 2014. O objetivo anunciado é desenvolver novas tecnologias no País. “A expectativa é dobrar o investimento em P&D industrial, de 20 bilhões ao ano para 40 bilhões a partir de 2015”, explica Arbix.
Nesse quesito, as empresas inovadoras deixam a desejar, pois a maior parte do investimento tem se concentrado na compra de máquinas e equipamentos, o que traz impacto sobre a produtividade, mas não capacita as companhias para a criação de novas soluções. Dos 64 bilhões investidos em 2011 em inovação, apenas 31% foram em P&D. A aquisição de bens de capital é a ação mais relevante para 75% das indústrias, e o financiamento para a compra desses produtos foi o principal instrumento utilizado.
Apesar dos números mais recentes, há sinais de que as companhias começam a apostar na inovação como atividade estratégica. Segundo a própria pesquisa do IBGE, 1,6 mil companhias passaram a investir em P&D, além das 4,3 mil identificadas do levantamento anterior, o que poderá trazer impactos positivos mais adiante. Tais inversões não tornam as companhias inovadoras, segundo o critério do estudo, pois não se materializaram na mudança dos processos produtivos ou no lançamento de produtos, mas as capacitam para empreender futuras inovações.
“A participação dos gastos em P&D no total dos investimentos em inovação cresceu de 24,5% para 29%, o que é importante por ser uma atividade mais nobre”, diz Pinheiro, do IBGE. O porcentual de indústrias com investimento na área passou de 4,2% em 2008 para 5% em 2011, mas não superou o resultado de 2005 (5,5%), e está longe de alcançar a taxa de 10,3% registrados na primeira pesquisa de 2000.
Mesmo com a defasagem, há um esforço evidente das indústrias: os valores investidos em inovação passaram de 0,62% da receita em 2008 para 0,71% em 2011. “Surpreendeu haver um aumento desse tamanho no espaço de três anos, o que pode levar à conclusão de que há uma mudança de percepção estratégica em relação à inovação”, avalia Kupfer. Segundo ele, aliado ao incremento do apoio público, o cenário torna-se mais favorável para a continuidade do aumento de recursos alocados.
Outros dois pontos positivos destacados por Pinheiro são o crescimento do número de empresas com algum tipo de cooperação com instituições de ensino e grupos de pesquisa, de 10% em 2008 para 16% em 2011. O pesquisador destaca ainda a maior difusão do uso da nanotecnologia e da biotecnologia. Segundo a pesquisa, 1,8 mil empresas declararam usar a biotecnologia (56% mais que em 2008). “É importante porque são processos com apelo no mercado internacional e que aumentam a competitividade.”

O fato de as companhias citarem a falta de mão de obra como o segundo maior gargalo para as práticas inovadoras, atrás apenas do custo financeiro dos investimentos, pode ser sinal de amadurecimento do mercado. Em 2005, o problema foi o sexto mais relevante e, em 2008, o terceiro. “Isso pode indicar mais procura por profissionais, ou seja, as empresas estão empreendendo”, avalia Pinheiro.
Segundo Kupfer, configura-se a tendência em que as empresas de setores tradicionalmente mais fortes em inovação no mundo, entre elas bens de capital, cadeia de petróleo e gás, indústria automobilística, de implementos agrícolas e TI, começarão a investir com mais força no País, ainda que os resultados sejam lentos.

domingo, 19 de janeiro de 2014

Entre o real e o imaginário



Olá alunos,

A postagem de hoje mostra como a estabilidade alcançada com a instituição do Plano Real não foi acompanhada, na mesma medida, pelo crescimento econômico que se esperava. 
Esperamos que gostem e participem. 

Juliana Padilha e Silvana Gomes 
Monitoras da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense

“Aqui jaz a moeda que acumulou, de julho de 1965 a junho de 1994, uma inflação de 1,1 quatrilhão por cento. Sim, inflação de 16 dígitos, em três décadas. Ou, precisamente, um IGP-DI de 1.142.332.741.811.850%. Dá para decorar? Perdemos a noção disso porque realizamos quatro reformas monetárias no período e em cada uma delas deletamos três dígitos da moeda nacional. Um descarte de 12 dígitos no período. Caso único no mundo, desde a hiperinflação alemã dos anos 1920.” Assim definiu o saudoso jornalista Joelmir Beting (1936-2012), naquela manhã de sexta-feira, 1º de julho de 1994, a morte do cruzeiro real e a chegada da nova moeda. 

O real, que completará 20 anos de circulação daqui a seis meses, nasceu para enterrar a vergonha da hiperinflação e mudar o Brasil. Conseguiu, como se verá nas próximas páginas, no Especial 20 Anos do Real. Mas ainda há muito trabalho a ser feito para que o Brasil possa ser considerado um País estável e desenvolvido do ponto de vista econômico e social. Para refletir sobre o real e os desafios futuros, a DINHEIRO conversou com os protagonistas de sua implementação, de Fernando Henrique Cardoso (FHC) a Guido Mantega, e também com empresários, economistas e estudantes de 20 anos de idade. 
 
Na ampla radiografia da moeda que começa na entrevista de FHC e segue até "O desafio é continuar desindexando a economia", saiba como o País avançou nas últimas duas décadas e o que poderá ser feito para consolidar esses ganhos. O Brasil dos tempos de José Sarney e de Fernando Collor de Mello (que ainda resistem no poder, como se vê na foto abaixo) não deixou saudades, mas a estabilidade conquistada pelos governos Itamar e FHC, e mantida por Lula e Dilma, precisa ser lapidada para colocar o Brasil em outro nível de crescimento e desenvolvimento. Primeiro, vale a pena olhar o passado. O real, sob uma natural desconfiança da população, chegou às ruas em 1994 a partir da conversão da Unidade Real de Valor (URV), que valia CR$ 2.750,00. 

Foi o primeiro passo de um país que quase sucumbiu na luta contra o dragão inflacionário. Era o fim de um longo período de remarcação diária de preços, de corrida aos supermercados no primeiro dia de pagamento, de aplicações financeiras no overnight. A hiperinflação concentrava a riqueza no Brasil e roubava poder de compra da população, principalmente da mais carente. Ela impedia que o Brasil se organizasse economicamente e fizesse um planejamento de longo prazo. O real, naquele momento, representava um fio de esperança de um futuro promissor. Vinte anos depois, os progressos são evidentes.
 
“Não dá para pensar no País sem o Plano Real”, afirma Luiza Helena Trajano, presidente do Magazine Luiza. O Brasil se tornou a sétima maior economia do mundo – ou a sexta, dependendo da taxa de câmbio usada na conta – e incorporou pelo menos 35 milhões de pessoas à classe média e ao consumo. “Temos hoje o pleno emprego, algo que nunca aconteceu no Brasil”, diz Mário Lanznaster, presidente do frigorífico Aurora. Mas o caminho percorrido não foi fácil. Escolada pelos fracassos dos planos antecessores, a equipe do Plano Real, comandada por FHC, formada pelos economistas Edmar Bacha, Pérsio Arida e André Lara Resende, entre outros, montou uma estratégia com três etapas. 
 
A primeira, anunciada em fins de 1993, consistia num ajuste fiscal, cujo objetivo era resgatar a credibilidade do governo. A fase seguinte ocorreu a partir de março de 1994, com a introdução da URV. A última etapa, iniciada em 1º de julho de 1994, culminou na criação da nova moeda. O então ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, que substituiu FHC e foi guindado à função de “sacerdote” do Plano Real, como definiu o então presidente da República, Itamar Franco, teve a missão de comunicar de forma clara e objetiva a chegada da nova moeda, enquanto seu antecessor mergulhava na bem-sucedida campanha para presidente da República. 

“A adesão psicológica da população foi algo muito importante”, afirma Ricupero. Administrar as expectativas do mercado financeiro e do setor produtivo, segurar a ansiedade dos políticos e conquistar a confiança da população no governo eram as tarefas principais da equipe econômica. Além disso, os “pais do real” sabiam que um forte ajuste era condição sine qua non para o êxito da empreitada, inclusive com arrocho salarial dos funcionários públicos. “A conquista da credibilidade fiscal é, em todos os casos de combate à inflação, ingrediente indispensável ao sucesso e requeria, naquele momento, um ajuste forte das contas públicas para o longo prazo”, diz o professor da USP Celso Grisi, presidente do Instituto de Pesquisas Fractal. 
 
“O governo, portanto, empenhou-se em mostrar que não mais se financiaria por meios inflacionários.” A estratégia do real previa ainda uma forte elevação dos juros e o aumento dos depósitos compulsórios dos bancos no BC, para evitar uma explosão de consumo, que poderia colocar tudo a perder. “A estabilidade da moeda do País, o controle do processo inflacionário e o compromisso com metas fiscais criaram a primeira base para que o País desse um grande salto”, afirma Aldemir Bendine, presidente do Banco do Brasil. Na ocasião, o governo também reduziu o imposto de importação, para forçar a queda dos preços dos produtos nacionais, e adotou o controle cambial. 
 
“O câmbio foi essencial, porque os efeitos das reformas que afetariam o equilíbrio fiscal iriam demorar”, diz Gustavo Franco, ex-presidente do BC. Num primeiro momento, a moeda brasileira teve uma inesperada valorização, superando o dólar. “A credibilidade do plano atraiu um fluxo enorme de dólares ao Brasil, que pagava juros muito elevados”, diz Manuel Enriquez Garcia, presidente da Ordem dos Economistas do Brasil. Tal distorção cambial gerou o chamado efeito “Disney”, por meio do qual milhares de brasileiros arrumaram as malas e realizaram o sonho de viajar ao Exterior pela primeira vez. “Houve também impacto na balança comercial, por causa da alta de importações”, afirma Garcia.

Para o setor produtivo, os ganhos inequívocos vieram da possibilidade de captar recursos no mercado internacional e tirar o foco exclusivamente do curto prazo. “O Plano Real permitiu às empresas planejar melhor, traçar seus desafios e crescer de forma ininterrupta nesses 20 anos”, diz Julio Fontana Neto, presidente da Cosan Logística. O fim da hiperinflação, que exigia um esforço hercúleo dos departamentos financeiros das companhias para não perder dinheiro, abriu novos horizontes. “O real foi um divisor de águas na história do Brasil do ponto de vista econômico, industrial, social”, afirma José Carlos Grubisich, presidente da Eldorado Brasil, do Grupo J&F. “A moeda forte deu a possibilidade de as empresas se preocuparem menos com o caixa do dia a dia e se planejarem mais no longo prazo.”
 
MOEDA FORTE? Não há consenso entre os economistas em torno da denominação moeda forte que o real recebeu nos últimos 20 anos. A crítica principal recai sobre a volatilidade excessiva do câmbio ao primeiro sinal de turbulência interna ou externa. Nas crises da Ásia, em 1997, e da Rússia, em 1998, o modelo de câmbio fixo obrigou o BC a vender dólares para garantir a banda de flutuação. A partir de 1999, com a implantação do câmbio flutuante – que, ao lado das metas de inflação e da responsabilidade fiscal, formou o tripé econômico em vigor até hoje –, a missão ficou mais difícil. 
 
Em 2001, com o ataque às torres gêmeas do World Trade Center e, no ano seguinte, com o crescimento da candidatura Lula nas pesquisas, a moeda americana bateu na casa dos R$ 4,00. Cinco anos depois a cotação cairia pela metade, para subir novamente na crise de 2008 e recuar nos anos seguintes. Uma gangorra cambial. Por outro lado, o real pode ser considerado uma moeda forte por ter conseguido manter o seu poder de compra ao longo desses 20 anos. Um levantamento feito pelo Instituto Fractal mostra que um real vale hoje 9% a mais, em dólar, do que quando foi implantado o Plano Real, em 1994.

Tal constatação ajuda a explicar por que os brasileiros continuam quebrando recordes de compras nas viagens internacionais. Apenas em 2013, foram mais de US$ 23 bilhões gastos no Exterior em consumo. “No Plano Real, o mais importante é que a inflação ficou num nível mais aceitável e o câmbio, aos poucos, mais estável, inclusive valorizando o real”, afirma Theo van der Loo, presidente da Bayer. Vencida a batalha da estabilidade, o Brasil deve buscar patamares mais baixos de inflação, segundo os especialistas ouvidos pela DINHEIRO. Para isso, são necessários comprometimento com a queda dos índices de preços no longo prazo, controle de gastos públicos e ganhos de produtividade na economia brasileira. 
 
Não existe uma bala de prata, mas uma série de pequenas reformas e iniciativas que podem ajudar o BC a cumprir as metas de inflação, sem exagerar nos juros, e permitir que o País, no futuro, ambicione ter objetivos mais ousados, compatíveis com os de nações desenvolvidas. “Uma ideia é manter a meta inflacionária de curto prazo, de 4,5%, mas acrescentar outra de longo prazo, de 3%, para 2020”, diz o economista Edmar Bacha, um dos pais do real. Entre os passos que precisam ser dados está a eliminação de regras dos tempos de hiperinflação. “Temos de continuar desindexando a economia”, afirma Guido Mantega, ministro da Fazenda. 
 
Para o economista-chefe do banco ABC Brasil, Luis Otávio de Souza Leal, a política de valorização do salário mínimo é um exemplo de regra nefasta ao combate à inflação. Souza Leal reconhece que os ganhos reais do mínimo nos últimos anos foram importantes para a redução da desigualdade social – e, obviamente, do aumento da massa de consumidores que sustenta a economia. No entanto, a fórmula de reajuste vigente desde 2007 – que leva em conta a variação do PIB de dois anos antes mais a inflação do ano anterior – é motivo de controvérsias acadêmicas. “O salário mínimo ajuda a perpetuar choques de preços”, diz Souza Leal. 

“Todo ano tem elevação real, mesmo sem aumento da produtividade, e isso não é sustentável.” Não por acaso, a fórmula de reajuste automático da Petrobras foi abortada pela presidenta Dilma Rousseff. A próxima janela de oportunidade para se mexer na regra do salário mínimo será aberta em 2015, quando um novo governo tomará posse. Os defensores do fim do gatilho argumentam que isso aliviaria os cofres públicos, pois grande parte dos benefícios previdenciários está atrelada ao mínimo. E ajudaria a reverter as expectativas em relação aos índices de preços, inclusive as do próprio BC, que prevê que o IPCA continuará acima de 5% até o final de 2015. 
 
O patamar dos últimos anos, ao redor dos 6%, é como uma pedra no sapato: é pequeno, mas incomoda. “Estamos lenientes com a inflação”, alerta o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “E isso acaba erodindo o poder de compra das famílias.” Esse comprometimento com as metas, no entanto, não deve ser apenas do Executivo. O economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), Nicola Tingas, propõe um pacto entre os Três Poderes e a sociedade para uma convergência para baixo dos preços. “É preciso um esforço efetivo para que a redução da inflação seja uma prioridade nacional”, diz Tingas. 

“Foi isso que fez o Real dar certo em sua implementação.” Além da maior eficiência do gasto público, Tingas defende o desenvolvimento da infraestrutura, da poupança e do mercado de capitais de longo prazo. Só dessa forma será possível levar a inflação para patamares aceitáveis, entre 2% e 3% ao ano. E, de quebra, dar ao País as condições necessárias para expandir o PIB num ritmo mais rápido. “Nos últimos 17 anos, a renda cresceu 4,7% ao ano”, diz Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-ministro das Comunicações, referindo-se ao período de 1993 a 2010. 
 
“Só que isso acabou.” Um levantamento da gestora de recursos paulista Quest Investimentos mostra que, graças ao plano, a renda média da população brasileira saltou de R$ 418 para R$ 943 em 2012 (veja gráfico na pág. ao lado). “O real distribuiu renda e permitiu que as empresas investissem a longo prazo”, diz Antonio Chavaglia, presidente da Comigo, a maior cooperativa agrícola de Goiás. Ao longo dos últimos 20 anos, a moeda criou as bases para o crescimento. Só falta o País dar um salto imaginário, como resume o presidente da Bombril, Marcos Scaldelai: “O Plano Real fez o País respirar e criar asas para voar numa velocidade ainda maior.”

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Impacto do reajuste do salário mínimo


Olá alunos,

O aumento do salário mínimo foi objeto de destaque na mídia desde o seu anúncio, principalmente em razão dos impactos que pode gerar. Dito isso, a postagem de hoje tem como foco uma análise dos efeitos do tão esperado aumento.
Esperamos que gostem e participem.

Juliana Padilha e Silvana Gomes
Monitoras da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense

O impacto do reajuste do salário mínimo nas contas públicas no próximo ano será de R$ 29,2 bilhões, segundo a ministra do Planejamento, Miriam Belchior. A proposta de Orçamento de 2014, divulgada hoje pelos ministros Miriam Belchior e Guido Mantega (Fazenda), prevê um aumento de 6,6% do salário mínimo no próximo ano, que passaria dos atuais R$ 678 para R$ 722,90.
O cálculo do reajuste do salário mínimo considera o crescimento de dois anos antes mais inflação ac umulado em 12 meses. No próximo ano, esse critério será rediscutido e, portanto, poderá ser alterado para o cálculo do salário mínimo em 2015.
Projeção
O projeto traz ainda a expectativa do governo de um crescimento econômico de 4% para o ano que vem. Na proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que ainda não foi aprovada pelo Congresso, a estimativa de crescimento era maior, de 4,5%. O Orçamento para o próximo ano também estima um IPCA acumulado de 5% para 2014.
Mantega disse que tanto a previsão de crescimento econômico como a de inflação em 2014 ainda são prematuras e podem ser revisadas.
O ministro disse que não é fácil prever o desempenho da economia no ano que vem porque "o momento é de grande turbulência” e que, embora pareça uma projeção ambiciosa, há sinais de recuperação da economia internacional. “O número parece ambicioso, e é, mas há sinais de retomada”, afirmou, referindo-se à recuperação da economia americana e, em certa medida, da perspectiva de melhor ambiente para a China.
Superávit
A meta de superávit primário do setor público de 2014 é de 2,1% do Produto Interno Bruto (PIB) -contra 2,3% deste ano-, o que corresponde a R$ 109,4 bilhões. Para Estados e município, o governo fixou uma economia para pagamento de juros de 1% do PIB (R$ 51,3 bilhões).
Para cumprir a meta de superávit primário em 2014, o governo prevê abatimento de R$ 58 bilhões em desonerações e investimentos.
A proposta de orçamento de 2014 ainda considera uma receita primária, excluindo Previdência, de R$ 958,5 bilhões e despesa primária estimada de R$ 651,5 bilhões.
PAC
A previsão de investimento no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e Minha Casa, Minha Vida é de R$ 63,3 bilhões. Já a projeção de investimento das estatais federais é de R$ 105,6 bilhões no próximo ano. A Petrobras deve investir no país R$ 78 bilhões e no exterior, R$ 6,5 bilhões.
Objetivos da política de aumentos reais do salário mínimo

É possível afirmar que a política de aumentos do valor real do SM tem dois objetivos fundamentais. O primeiro seria atacar o problema representado pela pobreza extrema. O aumento da variável serviria para promover uma alta das remunerações inferiores, aproximando-as do que corresponderia ao valor de subsistência de uma família. Para que esse raciocínio seja válido (e essa política pública eficaz), é necessário que o valor do SM seja inferior àquele que corresponderia a uma linha de "pobreza extrema" para uma família. Desta maneira, aumentos do SM aproximariam seu valor daquele considerado minimamente desejável.

O segundo objetivo seria a diminuição do grau de desigualdade na distribuição de renda. Portanto, os aumentos do SM inserem-se no conjunto de políticas de cunho redistributivo, pautadas pela busca de maior equidade. Dentre tais políticas pode-se destacar a política fiscal. Na parte tributária, pode haver tributos com alíquotas progressivas (como por exemplo, o imposto de renda pessoa física). Do lado dos dispêndios, podem ser empregadas as transferências diretas de renda às famílias mais pobres, cujo programa mais emblemático no Brasil é o Bolsa Família. É consensual admitir que a redução da desigualdade é um valor absoluto muito importante no Brasil. Com base nesse entendimento, aqueles que propugnam em favor de aumentos do valor real do SM veem nessa política uma forma de elevar a base das remunerações, diminuindo a relação entre os ganhos das camadas mais ricas e mais pobres na população brasileira.

A importância fiscal da variável resulta do artigo 201 da Constituição de 1988, que estabelece que "nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo". Este é complementado pelo artigo 203 que estabelece "a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família". Ambos os artigos citados deixaram de ser mecanismos de proteção do poder aquisitivo dos benefícios inferiores e se tornaram na prática um instrumento de efetiva elevação do valor real do piso. É necessário ressaltar que desde o início da vigência do SM em 1940, este esteve associado à expressão do direito a uma renda mínima, que permitiria satisfazer as necessidades básicas do trabalhador e de sua família. Em 1988, tal concepção foi cristalizada no artigo 7 da Constituição, que no capítulo dos direitos sociais do trabalhador estabelece o "salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família [... ] com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo". Embora na Constituição conste apenas a expressão "preservar o poder aquisitivo", parece ser razoável inferir que a elevação real do SM ao longo do tempo pode ter sido pautada pelo reconhecimento de que o valor inicialmente estabelecido para a variável não atendia aos requisitos do artigo 7. Com base nesse diagnóstico, as políticas públicas deveriam ter como objetivo aproximar a variável de um valor que efetivamente atendesse àquele conjunto de necessidades.

Há três canais de propagação da política de aumentos no SM. O primeiro é de natureza compulsória, uma vez que no mercado formal o empregador é obrigado a seguir parâmetros determinados legalmente. O segundo é o caráter de indexador da variável. O SM funciona como piso para outras fontes de rendimentos, que não aquelas recebidas no mercado de trabalho. Esse é o caso do seguro-desemprego e do piso previdenciário e assistencial. O terceiro canal refere-se ao "efeito farol", termo criado por Souza & Baltar (1982), apud Neri et al. (2001). Este efeito consiste no poder de balizamento que o SM legalmente determinado tem sobre o mercado informal, que a priori estaria fora de sua abrangência5. Embora, pela própria definição de informalidade, nada impeça que o mínimo imposto pela legislação seja ignorado, considerações de caráter ético ou de conveniência prática podem levar os empregadores a seguir os parâmetros da legislação, ainda que informalmente.