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sábado, 29 de fevereiro de 2020

Informalidade cresce, contribuição para Previdência tem pior nível em 6 anos

Pessoas aguardam em fila de busca de emprego 


Olá alunos,

Muitas promessas de melhora a curto prazo podem ter consequências negativas a longo prazo. As mudanças na previdência e nas normas trabalhistas refletem isso e será demonstrado na notícia a seguir.

Esperamos que gostem e participem!
Lucas Pessôa é membro do Grupo de Pesquisas "Estados Instituições e Análise Econômica do Direito" 

A desocupação no Brasil caiu em 2019 na comparação com o ano anterior, passando de 12,3% para 11,9% da população ativa, a segunda queda anual consecutiva, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgada nesta sexta-feira (31/01) pelo IBGE.

No entanto os dados mostram um novo aumento na taxa de informalidade, que alcançou seu maior nível em três anos, abarcando 41,1% da força de trabalho ocupada, o equivalente a 38,4 milhões de pessoas. Em 2016, essa proporção era de 39,1%. Do acréscimo de 1,8 milhão no número de ocupações em 2018, 1 milhão (55% do total) foi de ocupações informais – um ritmo de crescimento da informalidade que tem se mantido nos últimos anos, segundo a analista da PNAD Adriana Beriguy.

A pesquisa considera como informais os trabalhadores sem carteira, por conta própria sem CNPJ ou familiares auxiliares, assim como empregadores sem CNPJ.

Esses dados mostram que, a despeito de alguma melhora no número de trabalhadores com carteira assinada, com a expansão de 1,1% pela criação de 356 mil vagas em 2018 – interrompendo a trajetória de queda entre 2015 e 2018 –, ela não foi acompanhada pelos indicadores de informalidade.

Para Daniel Duque, pesquisador da área de Economia Aplicada do IBRE-FGV, a tendência é que, a partir deste ano, os ritmos se invertam, e as vagas formais avancem mais que as informais. Ele diz ser possível ver melhora no mercado como um todo, e que os dados do último trimestre, com incremento de 2,2% das vagas formais, são um dado importante no contexto da recuperação da economia e do mercado de trabalho.

A previsão da FGV é que 2020 seja mais um ano de queda da desocupação, encerrando em 11,3%.

No entanto, segundo a analista da PNAD, uma reversão do quadro é algo mais complexo: "O que a gente percebeu é que no segundo semestre de 2019 houve um pouco mais de reação na carteira de trabalho, mas ainda muito pequena frente ao quantitativo de carteira que já tivemos em 2014. Para reverter esse contingente grande de informalidade, a gente teria que ter uma mudança estrutural muito acentuada no mercado, e tivemos uma pequena mudança, muito concentrada no final do ano."

Com o aumento da informalidade, caiu o percentual da população ocupada que contribui para a Previdência. Em 2019, 62,9% dos trabalhadores contribuíam para a aposentadoria, o menor número desde 2013. O único ano na série histórica em que esse dado foi menor, foi em 2012, com 61,9%.

"Em 2014, a população ocupada crescia 1,5%, e a população ocupada contribuinte crescia a uma taxa de 4,2%. Em 2019, a população ocupada cresceu 2%, e a população contribuinte aumentou a uma taxa de 1,1%. Tem todo esse desdobramento da informalidade", explica Bariguy.

Para o professor do Insper Sergio Firpo, uma outra problemática da ocupação informal é a implicação sobre a produtividade. "A perpetuação do emprego informal contribui para que a gente permaneça com produtividade muito pequena na economia, e a produtividade é um elemento fundamental para que a gente consiga crescer, e a longo prazo."

"Uberização"


Segundo Bariguy, o maior incremento das vagas informais ocorre no setor de transportes. "O que a gente tem notado é que tem crescido muito esse perfil dentro da atividade de transporte, muito relacionado ao crescimento de condutores no transporte terrestre de passageiros, que pode ter aí a questão do Uber."

Um levantamento das pesquisadoras Ana Claudia Moreira Cardoso, docente do Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e Karen Artur, professora de Direito da UFJF, com base em dados da PNAD, mostrou que entre 2017 e 2018 houve aumento de 29,2% no número de brasileiros ocupados como motoristas de aplicativos, taxistas ou cobradores de ônibus – como é definida a subcategoria pelo IBGE. "A gente sabe que o aumento não veio de taxistas e cobradores de ônibus, mas dos motoristas de aplicativo", frisa Cardoso.

Segundo Duque, o fator conjuntural, ou seja, o mercado fragilizado fazendo com que trabalhadores migrem para trabalhos informais, potencializa essa "uberização" e, com a melhora da atividade econômica, o quadro pode se reverter um pouco a partir de 2020: "Dificilmente vamos deixar de ver empregos desse tipo, mas acho que não vai ver uma expansão tão grande nos próximos anos, tanto pelo freio da expansão dos aplicativos, quanto do lado da oferta, porque as pessoas vão ser mais atraídas pelo mercado de trabalho formal."

A pesquisa divulgada nesta sexta-feira também revelou um contingente alto de cidadãos que consideram que trabalham horas insuficientes. A população subutilizada na força de trabalho – que inclui desocupados, subocupados por insuficiência de horas trabalhadas ou na força de trabalho potencial – que chegou a 27,6 milhões em 2019, o maior valor da série, e 79,3% acima do menor patamar, registrado em 2014.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Brexit: o que a União Europeia ganha com a saída do Reino Unido, seu integrante incômodo

Relógio com inspiração no Brexit 

Olá alunos,

Foram muitas as indas e vindas entre a União Europeia e o Reino Unido. A notícia de hoje conta um pouco desses encontros e desencontros e tra uma análise sobre o brexit e suas possíveis conseqências.

Esperamos que gostem e participem!
Lucas Pessôa é membro do Grupo de Pesquisa "Estados Instituições e Análise Econômica do Direito"
"Você tem de saber que se tivermos de escolher entre a Europa e o mar aberto, sempre escolheremos o mar aberto."

A famosa frase foi dita por Winston Churchill, então primeiro-ministro britânico — considerado por muitos como um herói nacional — ao general francês Charles de Gaulle em 1944, segundo o historiador Julian T. Jackson.

Mais de 70 anos depois, a frase parece estar mais atual do que nunca.

No plebiscito realizado em 23 de junho de 2016, a maioria dos britânicos votou pela saída do Reino Unido da União Europeia.

Após três anos e meio e muitas idas e vindas, o divórcio será finalmente consumado às 23h desta sexta-feira, 31 de janeiro (20h no horário de Brasília).

Um pé dentro e um fora
Inicialmente relutante em fazer parte de uma instituição que integrava economicamente o Velho Continente, o Reino Unido finalmente ingressou na Comunidade Econômica Europeia (CEE), embrião da atual União Europeia, em 1973, 16 anos após ela ter sido criada com a assinatura do Tratado de Roma, em 1957.

A decisão dos britânicos foi tomada quando a CEE passava por um boom econômico, enquanto a economia britânica estava estagnada.

A adesão não ocorreu sem percalços. Charles De Gaulle vetou dois pedidos feitos pelos britânicos, em 1961 e 1967. Mas após sua renúncia à Presidência francesa, em 1969, o Reino Unido enviou um terceiro pedido, que acabou sendo aprovado.

Desde seus primeiros anos como membro de pleno direito da CEE, o Reino Unido sempre manteve um pé dentro e outro fora.

Para muitos, os britânicos nunca acreditaram realmente na integração europeia completa pelo "euroceticismo" da sua classe política e seu povo.

Em 1985, os britânicos não aderiram ao Acordo de Schengen, que aboliu os controles nas fronteiras, nem em 1988 à União Econômica e Monetária (UEM), pela qual a maioria do bloco adotou o euro como moeda.

Além disso, apenas dois anos depois de ingressar na então CEE, o Reino Unido realizou um plebiscito, o primeiro da história do país, sobre sua permanência na instituição. Naquela época, a grande maioria da população apoiou a ideia.

Mas o amor dos britânicos pela Europa durou pouco.

Quero meu dinheiro de volta

Antes de se tornar primeira-ministra, Margaret Thatcher (1979-1990) promoveu uma maior integração econômica com o continente. Mas depois de se tornar inquilina do número 10 de Downing Street (a residência oficial do premiê em Londres), suas posições mudaram radicalmente.

Em 1980, a Dama de Ferro pediu à CEE para ajustar as contribuições de seu país e ameaçou reter pagamentos de imposto sobre valor agregado se isso não acontecesse, com uma frase que marcou a História: "Queremos nosso dinheiro de volta".

"Seria um grande alívio se o Reino Unido deixasse a CEE", disse o então presidente grego da época, Andreas Papandreou, na tensa cúpula de Fontainebleau, em 1984, em que Thatcher finalmente alcançou seu objetivo.

Ela negociou o que seria chamado de "cheque britânico", uma espécie de reembolso — baseado em um cálculo complexo — que o Reino Unido recebe da União Europeia.

Naquela época, o Reino Unido lutava para sair de uma crise, mas era um dos países que mais contribuíam para o orçamento comunitário.

E mais de dois terços do orçamento europeu eram destinados à Política Agrícola Comum, da qual o Reino Unido se beneficiava pouco, diferentemente da França, por exemplo.

O episódio deteriorou as relações entre o Reino Unido e outros países da CEE e ainda desperta polêmica

Brexit nasceu em Bruges

Em 1986, com a Espanha e Portugal recém-integrados ao projeto europeu, os 12 membros do bloco assinaram o Ato Único Europeu, a primeira grande revisão do Tratado de Roma.

Esse novo documento procurou criar um "mercado interno" na Europa, com livre circulação de pessoas, bens e serviços.

Mas no Reino Unido, tudo isso foi visto com desconfiança.

Os ministros das Relações Exteriores da França, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Alemanha e Itália assinaram dois tratados vitais em Roma para a criação da atual União Europeia.

Margaret Thatcher fez um controverso discurso em Bruges (Bélgica) em 1988 que transformou para sempre o debate sobre a Europa no Reino Unido.

Em seu discurso, a premiê alertou para uma suposta intenção da Europa de eliminar a soberania nacional de seus membros e concentrar o poder em suas instituições.

"Não revertemos com sucesso as fronteiras do Estado no Reino Unido para vê-las reinseridas no nível europeu, com um superestado europeu exercitando um novo domínio de Bruxelas."

Quatro anos depois, o Reino Unido decidiu abandonar o Mecanismo Europeu de Taxas de Câmbio, que daria vida ao euro.

Em seu livro Statecraft: Strategies for a Changing World (A arte de governar: Estratégias para Mudar o Mundo, em tradução livre), Thatcher argumentou que a moeda única europeia era uma tentativa de criar um "superestado" e previu que ela fracassaria "econômica, política e socialmente".

E em 1995, entrou em vigor o Acordo de Schengen, um tratado internacional por meio do qual vários países europeus aboliram os controles entre suas fronteiras internas, e o Reino Unido também não quis participar deste projeto.

A polêmica expansão

Se houve um aspecto da UE que sempre interessou ao Reino Unido desde o início, esse foi o mercado comum — e, quanto mais ele crescia, melhor se tornava para os britânicos.

O governo trabalhista de Tony Blair se tornou um dos grandes impulsionadores de uma expansão do bloco para o leste do continente e, graças à influência britânica e à aprovação alemã, o número de membros da UE passou de 15 para 25 em 1º de maio de 2004, com a incorporação da Polônia, República Tcheca e países bálticos, criando assim um espaço político e econômico de cerca de 450 milhões de pessoas.

A expansão foi alvo de muita polêmica, pois foi a maior da história da organização.

A maioria dos Estados-Membros estabeleceu um período de transição de sete anos antes de abrir suas fronteiras aos trabalhadores dos novos membros do bloco, com exceção da Irlanda, Suécia e Reino Unido, que as abriram imediatamente e sem restrições.

Essa medida controversa fez com que muitos britânicos, especialmente entre as classes socioeconômicas mais baixas, sentissem que estavam sendo "invadidos" por um contingente de trabalhadores que recebiam menores salários e tiravam seus empregos, sentimento que seria explorado pelos eurocéticos.

'Chegou a hora dos britânicos opinarem'

De acordo com um estudo realizado pela Unidade de Pesquisa sobre Migração do professor John Salt, da University College de Londres, uma das mais prestigiadas do Reino Unido, 129 mil migrantes do chamado grupo EU8 — que inclui Polônia, Hungria, República Tcheca, Estônia, Lituânia, Letônia, Eslováquia e Eslovênia — entraram no território britânico entre 2004 e 2005.

Essa onda migratória exacerbou a retórica antieuropeia no Reino Unido e, juntamente com a crise financeira de 2008, que atingiu a economia britânica e o resto do continente, lançou dúvidas sobre a permanência do país na UE.

Após 13 anos de governos trabalhistas, o Partido Conservador, então liderado por David Cameron, venceu as eleições em 2010, e, em janeiro de 2013, o ex-premiê disse que era "hora de os britânicos opinarem" sobre o assunto.

Com essa filosofia e buscando a reeleição em 2015, Cameron baseou sua campanha eleitoral na promessa de organizar um plebiscito sobre a permanência de seu país no bloco.

E apenas um ano após sua vitória, ele a cumpriu, acreditando que os britânicos votariam pela permanência na UE. Estava enganado — e acabou tendo que renunciar.

'Uma oportunidade para a UE'
Para Jean Pierre Maury, vice-diretor do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas de Paris, o Reino Unido nunca esteve "completamente" na UE.

"Ele ingressou em uma parte do bloco: a relacionada ao livre comércio. Mas ele sempre se sentiu desconfortável com uma maior integração", disse ele à BBC Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.

Maury diz acreditar que após o Brexit "nos daremos conta de que o Reino Unido estava atrasando o progresso do bloco" e, embora lamente a saída dos britânicos da UE, sugere que a integração será mais fácil sem os britânicos.

Segundo um estudo publicado em 2014 pela empresa Deloitte, 40% das multinacionais com sede na Europa escolheram Londres para montar sua sede ou simplesmente abrir um escritório, seguido por Paris (8%), Madri (3%), Amsterdã e Bruxelas (2,5% cada).

Com o Brexit, a UE não apenas perde um membro, mas também sua segunda economia mais importante, que representa cerca de 15% do seu PIB e que contribui com mais de US$ 13 bilhões por ano ao seu orçamento.

Também perde um país com assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e, um Estado cuja capital, Londres, é um dos maiores centros financeiros do mundo.

No entanto, líderes continentais — como o primeiro-ministro francês, Edouard Philippe — veem o Reino Unido deixando o bloco como uma ocasião para fortalecer a competitividade de seus países e atrair empresas atualmente instaladas em Londres.

"A França tem uma oportunidade única, aproveitando o potencial do nosso centro financeiro, de fazer de Paris o principal centro financeiro europeu após o Brexit", disse Philippe em discurso na capital francesa em 2017.

As autoridades holandesas e alemãs expressaram desejos semelhantes em relação a Amsterdã e Frankfurt, respectivamente.

Outra vantagem do Brexit para os outros países da UE, segundo Maury, é que, com medo da organização esfacelar, seus líderes serão forçados a comunicar objetivos mais claramente aos seus cidadãos e estabelecerão melhor suas prioridades, o que poderia reforçar seu caráter democrático.

Mas o futuro não será fácil, devido, sobretudo, à ascensão do populismo no continente.

A partir do Brexit, haverá um período de 11 meses, durante o qual Reino Unido e União Europeia terão que definir como será sua relação no futuro. Todos concordam que o mais benéfico seria um divórcio amigável. Não está claro que isso de fato acontecerá.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

A ameaça do surto de coronavírus à economia global

Pessoas aguardam em fila para comprar máscaras de proteção na China

Olá alunos,

O estrago feito por um pequeno vírus pode se extender além de prejuízos a um organismo humano, boa parte da força industrial chinesa e diversos mercados que depende de insumos e mão de obra da china foram prejudicados. A notícia de hoje fala mais a respeito.

Esperamos que gostem e participem!
Lucas Pessôa é membro do Grupo de Pesquisas "Estados Instituições e Análise Econômica do Direito.

O surto de coronavírus, que se espalha rapidamente pela China e já chega a outros países, tem abalado os mercados globais, enquanto investidores e governantes avaliam os riscos que a doença representa para a economia mundial.

Com o número de mortes chegando a 213 e mais casos sendo registrados a cada dia, as bolsas de valores dos maiores centros financeiros registram quedas consecutivas.

 "Os mercados permanecerão altamente voláteis enquanto sentirem que têm apenas uma imagem incompleta do que está acontecendo e do que acontecerá a seguir", afirma Agathe Demarais, diretora de previsões globais da empresa Economist Intelligence Unit.

A China, que é o epicentro do surto, é a segunda maior economia do mundo e tem um papel fundamental nas cadeias de suprimentos globais. Por isso, qualquer coisa que mexe com o país asiático tem potencial para afetar a economia mundial.

"A China é muito importante na economia global. E quando a economia chinesa desacelera, sentimos isso", disse Jerome Powell, presidente do Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos.

Zhang Ming, economista da Academia Chinesa de Ciências Sociais, projetou que o surto pode reduzir o crescimento da China no primeiro trimestre em um ponto percentual, para 5% ou menos.

Grandes empresas se preparam para interrupções

Até agora, o surto causou interrupções somente limitadas na cadeia de suprimentos, já que muitos estabelecimentos já estavam fechados para o feriado do Ano Novo chinês. Mas há preocupações crescentes de que fábricas possam permanecer fechadas por mais tempo do que o habitual.

Também há temores sobre eventuais danos à produtividade, já que milhares de operários podem ter dificuldade para voltar ao trabalho na próxima semana, devido a restrições de viagens impostas pelo governo chinês.

O surto tem sido um dos principais pontos de discussão nas divulgações de resultados trimestrais das companhias nesta semana. Somente nos Estados Unidos, a palavra "vírus" ou "coronavírus" foi mencionada por 27 empresas diferentes, incluindo Apple, Starbucks e McDonald's, conforme uma análise da rede americana CNBC.

A Apple, que registrou ganhos recordes na terça-feira, forneceu recomendações mais amplas para o trimestre em andamento diante da incerteza em torno do impacto do vírus. Praticamente todos os iPhones, principal fonte de lucro da companhia, são fabricados na China.

A Tesla espera um atraso no aumento da produção em sua fábrica recém-inaugurada em Xangai. Já a fabricante alemã de autopeças Robert Bosch monitora a situação para avaliar se haverá atrasos no reinício da produção em suas duas instalações de Wuhan, que estão fechadas.

A Toyota do Japão também interrompeu a produção na China até 9 de fevereiro. McDonalds e Starbucks fecharam centenas de lojas no país. A varejista sueca de móveis Ikea disse que fechará todas as suas 30 lojas chinesas "até novo aviso", em resposta ao surto.

Várias companhias aéreas suspenderam voos para a China, incluindo Lufthansa, British Airways, Air Canada e American Airlines.

"Além do risco para a vida humana, é provável que atinja atividades de viagens e consumo. Em um cenário de infecção generalizada, isso pode enfraquecer materialmente o crescimento econômico e as posições fiscais dos governos na Ásia", afirmou a agência de classificação de risco Standard & Poor's (S&P).

Impacto maior que a Sars

Os analistas já estão comparando o surto atual com a epidemia da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars), também causada por um coronavírus e que matou cerca de 800 pessoas entre 2002 e 2003.

O custo global da Sars, que também começou na China e se espalhou para outros países, foi estimado em 33 bilhões de dólares, equivalente a 0,1% do PIB mundial em 2003.

Muitos dizem que o impacto do novo coronavírus no crescimento global pode ser maior, já que hoje a China representa uma parcela maior da economia mundial.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

EUA são vistos em Davos como maior fator de risco político em 2020

O presidente Donald Trump é recebido por jornalista na sua chegada ao Fórum Econômico Mundial. 

Olá alunos, 

Trazemos hoje mais uma notícia a respeito das reverberações políticas no mundo econômico.

Esperamos que gostem e participem!
Lucas Pessôa é membro do Grupo de Pesquisas "Estados Instituições e Análise Econômica do Direito.   

Algo que habitualmente caracteriza as grandes potências, e especialmente os Estados Unidos, é a sua estabilidade política. Mas não neste ano, e não sob a presidência de Donald Trump. As eleições presidenciais norte-americanas, o processo de impeachment contra o mandatário e a crescente polarização política no país introduzem muitos fatores de incerteza. Trump comparece nesta terça-feira ao Fórum de Davos pela segunda vez em sua presidência sem que os participantes do evento alpino tenham a esperança de esclarecer dúvidas ou aplacar inquietações. Os EUA despontam como principal fator de risco político em 2020.

Pela primeira vez desde que passou a elaborar um relatório anual, a consultoria de riscos Eurasia aponta como maior risco a política dos Estados Unidos, um país cada vez mais polarizado, que terá eleições presidenciais em novembro. “Confrontamos os riscos de eleições presidenciais em novembro que muitos vão considerar ilegítimas, a incerteza sobre o que acontecerá depois e um entorno de política externa muito menos estável como consequência do vácuo decorrente”, alerta o relatório.

Também pela primeira vez na história, um presidente norte-americano, Donald Trump, vai à reunião do Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês) no mesmo dia em que, a 4.000 quilômetros de Davos, ele começa a ser julgado no Senado por supostas tentativas de pressionar a Ucrânia a investigar seu rival político Joe Biden e de obstruir a posterior investigação parlamentar sobre o caso. “A cada irregularidade que vai sendo conhecida, fica mais claro que Trump sabia, assim como a sua equipe, mas isso não evitará que o Senado —onde os republicanos têm maioria— o absolva, o que agravará a questão da ilegitimidade”, observa em Davos o presidente do Eurasia, Ian Bremmer. “Será o pior ambiente político para eleições nacionais nos Estados Unidos desde a eleição de 1876”, analisa.

Do mesmo modo, é a primeira vez que a política em um país desenvolvido é apontada como um fator de risco e instabilidade, uma condição tradicionalmente associada aos países emergentes, como recordam fontes financeiras internacionais. Por tudo isso, a presença de Trump em Davos, nesta terça e quarta-feira, faz desta uma edição excepcional do evento que reúne anualmente a elite econômica global numa estação de esqui da Suíça. O presidente chega acompanhado de seus secretários do Tesouro, Steven Mnuchin, e de Comércio, Wilbur Ross, além de sua filha e assessora Ivanka Trump, entre outros.

“Embora estejamos em um fórum internacional, o discurso do presidente estará marcado pela política doméstica e a campanha eleitoral. Trump dirá que cumpriu sua promessa eleitoral e tornou a América grande outra vez”, diz, no Centro de Congressos de Davos, Carlos Pascal, vice-presidente da consultoria IHS e ex-embaixador norte-americano na Ucrânia, entre outros destinos. “Vai bater no peito por ter dobrado a China, por ter feito o mesmo com o Canadá e o México como forma de reduzir os desequilíbrios comerciais e proteger os direitos dos trabalhadores, de ter acabado com o Estado Islâmico e ter acabado com o maior terrorista iraniano”, diz Pascal, que concorda quanto ao impacto do impeachment e da campanha eleitoral sobre a política externa norte-americana. “Se ele for mal no julgamento político, o México que se cuide, que é certamente o elo mais frágil. O mesmo acontece com a Europa”, alerta o ex-diplomata, especialista em energia. Bremmer insiste na mesma linha: “O impeachment perderá eficácia e deixará de ser um instrumento crível de contenção política”.

De fato, a política norte-americana se tornou novamente um dos fatores de risco indiretos para a economia mundial, como apontava nesta segunda-feira a economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, Gita Gopinath. “Podem surgir novas tensões comerciais entre os Estados Unidos e a União Europeia, e as tensões entre a China e os EUA podem voltar”, disse Gopinath.

Vários especialistas concordam que até as eleições de novembro será difícil que as tensões com a China recrudesçam, porque, ao congelar a aplicação de novas tarifas a Pequim, Trump agiu para evitar prejuízos maiores aos consumidores do seu país. Depois das eleições de novembro, porém, a guerra comercial e tecnológica pode se intensificar novamente.

O WEF dedicará várias sessões a abordar os conflitos comerciais dos Estados Unidos com seus sócios, num sinal da preocupação que esta questão provoca entre os participantes em Davos. “Devemos nos acostumar à nova realidade que está marcada pela incerteza”, acrescentava na segunda-feira a diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva.

Tensão entre potências

Pouco antes do pronunciamento de Donald Trump no plenário do Centro de Congressos, e a poucos metros de distância, falará nesta terça-feira Ren Zhengfei, presidente e fundador da Huawei, empresa tecnológica chinesa que está no olho do furacão da disputa comercial sino-americana. Seu tema será justamente os desafios da corrida tecnológica.

Greg Austin, especialista do Instituto Internacional para Estudos Estratégicos, em Singapura, salienta que, na mesma semana em que EUA e China selaram uma trégua comercial, o secretário de Estado Mike Pompeo fez um discurso no Vale do Silício pedindo às empresas tecnológicas norte-americanas que evitem fazer negócios com o gigante asiático, pois essas transações podem estar contribuindo para reforçar o poderio militar “e repressor” de Pequim. Apesar das boas palavras do presidente e da pompa que cercou a assinatura da trégua comercial em Washington, as tensões entre as duas potências estão longe de amainar.

Europa e multilateralismo

Ursula von der Leyen estreou nesta segunda-feira em Davos no cargo de presidente da Comissão Europeia, mas não é uma desconhecida para o Fórum Econômico Mundial, de cujo conselho de assessores participou durante anos.

O WEF estendeu-lhe tapete vermelho neste regresso, convidando-a a pronunciar as palavras de inauguração da 50ª edição, antes que a estrela da cúpula, Donald Trump, se apresente na estação alpina.

“Viemos aqui hoje para discutir, debater e nos comprometer com soluções e novas alianças, para combater a mudança climática, reforçar o crescimento inclusivo e garantir a paz e a prosperidade para todos”, disse a presidenta. Von der Leyen aproveitou para defender a aposta europeia no multilateralismo, em clara contraposição aos Estados Unidos de Donald Trump, e advogou também pelo modelo europeu de “economia social de mercado” como alternativa para obter um sistema econômico mais “justo e sustentável”, uma declaração alinhada com o espírito de uma edição de Davos que põe o capitalismo sob exame. “Acredito, como você, Klaus [Schwab, presidente e fundador do Fórum de Davos], que podemos conseguir que nossa economia se reconcilie com nosso planeta. Que podemos reconciliar o desenvolvimento humano com a proteção de nosso meio ambiente. Mas só juntos podemos fazê-lo.”

Para os investidores, Von der Leyen suscita um notável interesse nesta edição de Davos por outros motivos além de ser uma estreante. A presidenta da Comissão chega ao evento logo depois da aprovação do Plano Verde, que visa a transformar a Europa no primeiro continente neutro em emissões até 2050, e para isso quer mobilizar recursos públicos e privados num total de um trilhão de euros (4,66 trilhões de reais). Essa linguagem o público de Davos domina como ninguém.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Joseph Stiglitz, Nobel de Economia: 'Surpresa é que mal-estar na América Latina tenha demorado tanto para se manifestar'

Retrato de Joseph Stiglitz 

Olá alunos,

Trazemos hoje uma entrevista com o economista Joseph Stiglitz, que se destaca por, entre ouros feitos, ter sido economista-chefe do Banco Mundial, consultor do ex-presidente americano Bill Clinton e vencedor do prêmio Nobel. Nessa entrevista, Stiglitz analisa o cenário latino americano e discorre sobre possíveis saídas 

Esperamos que gostem e participem!
Lucas Pessôa é membro do Grupo de Pesquisa "Estados Instituições e Analise Econômica do Direito" - GEPEIA

Joseph Stiglitz é um economista tão pouco ortodoxo que defende a ideia de que não se deve superestimar a importância do Produto Interno Bruto (PIB), um indicador que guia a tantos de seus colegas de profissão, para avaliar quão bem ou mal vai um país. Na sua opinião, há outros dados que podem ajudar a entender melhor a performance econômica de uma nação.

Stiglitz foi economista-chefe do Banco Mundial e consultor do ex-presidente americano Bill Clinton. Hoje, aos 76 anos, é um dos principais economistas críticos da gestão da globalização e do mercado livre.

Em entrevista exclusiva, ele diz receber com naturalidade os protestos que eclodiram nos últimos meses em vários países da América Latina, como Equador, Colômbia e especialmente no Chile, que muitos viam como um modelo econômico regional.

"A surpresa foi que o mal-estar tenha demorado tanto para se manifestar", diz o Prêmio Nobel de Economia (2001) durante uma entrevista em seu escritório na Universidade de Columbia, em Nova York.

A América Latina é a região mais desigual do mundo, e o conselho de Stiglitz para os governantes é resolver rapidamente esse problema social, ao qual ele se dedicou em vários de seus livros mais recentes.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

BBC News Mundo - Como o senhor avalia os protestos recentes em diferentes países da América Latina?


Joseph Stiglitz - De alguma forma, a surpresa foi que o mal-estar tenha demorado tanto para se manifestar, principalmente no Chile. Porque o Chile é um dos países que sempre se destacou nas estatísticas da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] com um dos mais altos níveis de desigualdade. Nos anos anteriores, houve algum descontentamento, preocupação com a falta de oportunidades educacionais, greves...

Historicamente, a América tem um alto nível de desigualdade. Em alguns países, houve avanços na redução da desigualdade por um longo período. O Brasil, com os governos de Fernando Henrique Cardoso e Lula, e a Argentina, com os Kirchner, tiveram reduções significativas na desigualdade, e também a Bolívia. Mas o nível de desigualdades ainda é muito alto.

Vivemos em um mundo globalizado. Há 50 anos, um cidadão talvez não percebesse que seu país tinha um nível de desigualdade acima do normal. Mas, no mundo de hoje, existem rankings que mostram que alguns países reduziram significativamente a desigualdade. As pessoas sabem o que está acontecendo em outros lugares.

O que o Chile mostra claramente é que, ainda que a explosão de protestos possa ter sido causada por algo muito pequeno, havia um mal-estar profundo instalado, e você nunca pode prever quando ele explodirá. Mas é compreensível que isso tenha ocorrido.

No meu livro O preço da desigualdade (Bertrand, 2012), descrevo o alto nível de desigualdade nos Estados Unidos, o mais alto entre os países avançados. Afirmei ali que isso não era política nem socialmente sustentável, que haveria consequências. E a conseqüência foi em parte a eleição do presidente Donald Trump.

Em diferentes países, o descontentamento pode assumir diferentes formas. Mas é completamente compreensível que haja descontentamento.

BBC News Mundo - Essa agitação social na América Latina deveria ter acontecido há muito tempo?

Stiglitz - De certa forma, acho que sim. Mas existem essas forças misteriosas globais em que descontentamento parece se globalizar. Você vê isso no voto a favor do Brexit, de Trump. Nos países avançados, tenho uma pequena teoria de por que ela se manifestou neste momento: a conjunção de níveis persistententemente altos de desigualdade, particularmente as experiências de pessoas que perderam seus empregos na indústria, aos quais foi prometido que a globalização traria prosperidade e ocorreu o contrário, com a crise financeira global de 2008, na qual os bancos foram resgatados da falência, e o sistema pareceu ser muito injusto.

BBC News Mundo - Na América Latina, os protestos começaram por diferentes razões. No Chile, foi o aumento da passagem do metrô, no Equador, a eliminação dos subsídios aos combustíveis, na Bolívia, muita gente acreditava que havia fraude eleitoral... E, depois, há a eleição de Jair Bolsonaro no Brasil, outra demonstração de descontentamento. Qual seria seu conselho para os governantes da América Latina?

Stiglitz - No Brasil, a maioria das pesquisas mostrou que Lula teria vencido se não tivesse sido preso ilegalmente. Isso dá uma ideia da natureza do descontentamento.

Então, a resposta é que os líderes precisam lidar com a desigualdade de renda e oportunidades. E têm que fazer isso o mais rápido possível. Digo isso porque em vários países houve progresso, mas não rápido o suficiente.

O segundo ponto é o déficit democrático em muitos desses países. No Chile, se ouve que a Constituição imposta por Augusto Pinochet [que comandou um regime militar no país de 1973 a 1981] não é uma Constituição totalmente democrática e, agora, estão tentando mudá-la.

No Equador, havia preocupação de que, nos últimos anos de Rafael Correa [presidente do país entre 2007 e 2017], algumas instituições democráticas tivessem sido enfraquecidas, incluindo a imprensa livre. E, na Bolívia, a questão era se [o ex-presidente Evo Morales] estava tentando ser eleito para um quarto mandato. Cada episódio foi um sinal da fragilidade da democracia.

BBC News Mundo - A Argentina está implementando um novo plano econômico sob o governo de Alberto Fernández e uma questão-chave é como lidar com a dívida pública. O que você espera?

Stiglitz - Espero que eles lidem com todo o processo melhor do que quase qualquer outro país.

Eu acho que eles têm um excelente entendimento de macroeconomia e da dívida. O Ministro da Economia é um excelente economista que fez sua carreira estudando dívidas, macroeconomia e reestruturação de dívidas.

BBC News Mundo - Mas o senhor espera, por exemplo, um alívio da dívida?

Stiglitz - Há muitas palavras diferentes: reperfilar, reestruturar... Acho que a maioria das pessoas que viu os números diz que algo precisa ser feito. Acho que ninguém diz: podemos continuar assim. Os números são muito claros, eles não têm dinheiro para pagar o que é devido. Agora, a questão é o que terá que ser feito. E isso pode assumir muitas formas diferentes e fará parte das negociações.

Uma das coisas que ficaram claras em crises anteriores em geral, não apenas na Argentina, é que os credores frequentemente impõem taxas de juros excessivamente altas.

O Clube de Paris geralmente impõe uma taxa de juros de 9% enquanto as coisas são renegociadas. Com taxas de juros de 9%, sua dívida dobra a cada oito anos. E há toda uma teoria que explica que, se você cobrar altas taxas de juros, terá uma alta probabilidade de inadimplência. Mas, se você cobra taxas de juros baixas, tem uma baixa probabilidade de inadimplência.

BBC News Mundo - Então, o senhor espera que a negociação seja mais sobre a taxa de juros do que as datas de vencimento ou o montante principal da dívida?

Stiglitz - Eles sabem que a história mostra que as reestruturações da dívida foram feitas "um pouco tarde demais". O histórico de reestruturações de dívidas mostra que cerca de 50% delas desembocam em uma crise em cinco anos. Não é uma solução temporária, mas uma solução real. E isso exigirá alguma maneira de reescrever o contrato para torná-lo sustentável.

BBC News Mundo - Atacando as três frentes ao mesmo tempo: vencimentos, juros e montante da dívida?

Stiglitz - Sim. Mas, se você faz o suficiente quanto à taxa de juros, que é o que acho que deveriam fazer, então não precisa se preocupar com o valor da dívida. Se houver flexibilidade suficiente em dois aspectos, não precisa renegociar o terceiro.

BBC News Mundo - E o que acontece se não houver acordo?
Stiglitz - Sabemos o que acontece: calote. Mas, tecnicamente, você não está inadimplente até que os credores declarem que você está. Então, você fica em um limbo. Não está pagando, mas não está dando um calote até isso ser declarado oficialmente.

É de interesse de todos evitar um calote. E é por isso que a Argentina está trabalhando, como eles disseram, para evitar um. E isso também é do interesse dos credores. Quero dizer, se uma inadimplência tiver um custo alto para a Argentina e desacelerar seu crescimento, os credores terão menos retorno. Por que os credores fariam algo tão contraproducente?

BBC News Mundo - A Argentina entrou em calote há alguns anos e, agora, está dizendo novamente que não tem dinheiro para pagar a dívida. Isso também não teria consequências para o país em termos de credibilidade, acesso a mercados no futuro?

[O ex-presidente Maurício] Macri apostou que o mercado de capitais estava cego. Cada empréstimo tem um devedor e um credor. E os credores foram burros de emprestar essa quantia de dinheiro. Eles apostaram, da mesma maneira que Macri, que haveria uma avalanche de investimentos estrangeiros na Argentina que levariam ao crescimento econômico, o que permitiria pagar a dívida. Não havia provas, todos seguiram cegamente os discursos de Macri.

Os mercados de capitais não fizeram seu trabalho. A função do mercado de dívida é definir o preço do risco e fazer julgamentos. Eles não deveriam ter emprestado tanto dinheiro. Analisando retrospectivamente, foi culpa da Argentina? Eu culpo os mercados de capitais, que não fizeram empréstimos prudentes. Eu não culpo a Argentina.

BBC News Mundo - Em outro livro recente, o senhor argumenta contra o uso do PIB para avaliar o progresso econômico e social. Por quê?

Stiglitz - Porque isso negligencia muitas coisas importantes. Acho que citamos no livro a famosa frase de Robert Kennedy [ex-senador americano]: O PIB "mede tudo... exceto o que faz a vida valer a pena".

Não trata de desigualdade. O PIB pode subir, mas todo o dinheiro pode ser destinado a grandes empresários, e a maioria dos americanos pode morrer por não ter acesso adequado a cuidados médicos ou alimentos.

O PIB é bom, mas não reflete o que os cidadãos comuns vivenciam, não reflete a insegurança, que é uma parte tão importante do bem-estar. Além disso, hoje estamos preocupados com a sustentabilidade: o PIB não mede se o crescimento é sustentável.

No período anterior à crise de 2008, o PIB não era bom nem ruim, mas não refletia o fato de que o crescimento foi construído sobre uma montanha de dívidas e que não era sustentável.

BBC News Mundo - Então devemos esquecer o PIB? Existe uma alternativa?


Stiglitz - O que se precisa é de um conjunto de instrumentos. Se você dirige um carro, quer saber com que rapidez vai, mas também quanto combustível você tem. Ninguém diria que você precisa apenas de um número. Você precisa de pelo menos dois números.

Então, se você está administrando uma economia, quer conhecer o PIB, mas também como é ele compartilhado, se está ficando sem combustível ou se tem sustentabilidade. Você precisa de medidas diferentes para refletir aspectos diferentes.

Não acho que você deva acrescentar dados de saúde ao PIB, mas a saúde é muito importante. O fato de o PIB dos Estados Unidos aumentar, mas a expectativa de vida diminuir diz algo que não é obtido a partir dos números do PIB e que você não obteria se somasse dois números.