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quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Os impactos regionais e globais da chegada do Talibã ao poder


Caros leitores,

Um dos assuntos mais discutidos nas últimas semanas foi a retomada do poder no Afeganistão por parte do Talibã. O grupo, que já havia governado sob um regime autoritário de matriz religiosa entre os anos de 1996 e 2001, conta com certa rejeição pelos principais apoios do ocidente, ao mesmo tempo em que recebe indicativos de apoio por parte de Pequim.

Nesse sentido, trazemos hoje um artigo que busca justamente analisar os impactos dessa nova realidade afegã em escala regional e global, inclusive levando em consideração um possível apoio por parte do Governo chinês ao grupo. 

Esperamos que gostem e compartilhem!

Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

A aproximação entre o governo chinês e a liderança talibã, que vem desde 2013 e se intensificou com a retirada americana do Afeganistão, tem implicações para a geopolítica regional e para os mecanismos de governança globais.

A geopolítica regional é marcada por um crescente controle chinês e sua institucionalização. Em 2016, foi assinado um acordo de cooperação de segurança entre China, Tadjiquistão, Afeganistão e Paquistão visando controlar o fluxo de atores não estatais. A Organização de Cooperação de Xangai expressa a preponderância chinesa na Ásia Central, facilitada pela crescente cooperação russo-chinesa.

A relação íntima entre partes do aparato de Estado paquistanês e o Talibã, a porosidade da fronteira entre Afeganistão e Paquistão — onde a identidade pachto é muitas vezes mais relevante do que a nacionalidade — e o nexo entre o apoio dado por Islamabad ao Talibã e o tradicional conflito entre Paquistão e Índia já indicam a natureza regional dos acontecimentos recentes.

A Índia, aliada estratégica dos EUA, encontrará maior dificuldade em avançar sua política para o Afeganistão, onde desde 2001 busca investir em ajuda, educação e infraestrutura. Em 2015, o premier Narendra Modi foi a Cabul inaugurar o prédio do Parlamento presenteado pela Índia. Por outro lado, a aliança indo-americana, forte no campo da defesa, tende a se fortalecer.

A aliança entre Pequim e Islamabad é uma característica estruturante da geopolítica regional. A construção de estradas entre Peshawar e Cabul ou em Wakhan — na região de fronteira entre o Afeganistão e a província chinesa de Xinjiang — é parte crucial de uma visão da geopolítica regional e do projeto Cinturão e Rota, a “nova rota da seda”.

Vai se delineando, como em outras partes do planeta, uma linha divisória mais clara entre as zonas de influência de Washington e Pequim, e nesse caso marcadas por uma história de conflitos, em particular entre a Índia e o Paquistão e a Índia e a própria China.

No que se refere à governança global, chamam a atenção as observações convergentes de Pequim e da liderança Talibã em relação ao direito de decidir sobre normas nacionais e o foco na estabilidade como o principal objetivo de um governo. Estamos longe dos arroubos liberais dos anos 1990 sobre democracia e direitos humanos e mais longe ainda da lógica do intervencionismo humanitário. A questão que se destaca é sobre onde e até que ponto o Estado é de fato soberano. Nesse aspecto, a posição chinesa parece vencedora ao delinear que os temas que podem ser governados no âmbito global são limitados e excluem o debate sobre a natureza de regimes políticos, direitos individuais ou coletivos.

Ainda existe, claro, um enigma acerca do grau de sucesso de um governo do Talibã e há o risco de renovação da guerra civil. Os chineses e os demais atores na região sabem disso.

Os projetos de transformação social do Afeganistão, que embora falhos e sem enraizamento, caracterizaram a presença da Otan e de organizações não governamentais no país desde 2001, tendem a ser substituídos pelo modelo chinês, que envolve investimento em infraestrutura, endividamento e exploração de matéria prima. Acompanhando essa mudança no continente asiático, o debate sobre as obrigações normativas dos governos nacionais torna-se ainda mais rarefeito no campo dos direitos humanos e da democracia.

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segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Convite - Webinar GPEIA Agosto


Caros leitores,

Gostaríamos de convidar a todos para o sétimo encontro da Série de Webinars do Grupo de Pesquisa Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF) no Google Meet. 

Neste webinar conversaremos sobre "China e sua inserção no Multilateralismo Contemporâneo" com Valéria Ribeiro, Professora de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC). 

Teremos como debatedor Bruno Hendler, Professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). 

O webinar será realizado no dia 25 de agosto, às 18h (Horário de Brasília). Inscreva-se no link: 


bit.ly/webinar-gpeia7 


Participe conosco e traga seu ponto de vista sobre essa discussão!

sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Quando um engenheiro trabalha como Uber, é preciso melhorar a economia e não fechar Universidades


Caros leitores,

É sabido que o ensino superior nacional, especialmente aquele de caráter público, dispõe de importância fundamental no desenvolvimento científico e na redução de desigualdades. No entanto, ainda assim se perpetuam discursos que buscam mitigar a necessidade de democratização ampla de seu acesso, sob a alegação de que se tem uma escala excessiva de acesso à universidade.

Nesse sentido, trazemos hoje uma coluna com o ex-ministro da Educação e Professor da Universidade de São Paulo (USP) Renato Janine Ribeiro, em que este analisa essas críticas sobre a dimensão do ensino superior no País e defende a importância de garantirmos esse pleno acesso em uma sociedade marcada pela desigualdade.

Esperamos que gostem e compartilhem!

Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

Nesta coluna, Renato Janine Ribeiro comenta uma fala do ministro da Educação, Milton Ribeiro, que afirmou que a universidade deve ser para poucos e que o foco deveria ser a formação técnica, por meio dos institutos federais.

Para o colunista, a afirmação é um equívoco. Janine lembra que, em 2002, o Brasil tinha cerca de 3 milhões de alunos no ensino superior e, quando a ex-presidente Dilma Rousseff saiu do cargo, em 2016, esse número era de cerca de 8,5 milhões. Um aumento aproximado de 10% para mais de 20% de jovens entre 18 e 24 anos no ensino superior, nesse período.

Janine conta que, ao ocupar o cargo de ministro da Educação, entre abril e setembro de 2015, aprendeu que há uma linha divisória de 16%: abaixo disso, o País é muito elitista; acima disso, as coisas começam a melhorar. Argentina e Uruguai, diz o colunista, têm mais de 30%, enquanto os países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) estão na faixa dos 50%.

“Quanto ao argumento do ministro de que há engenheiros que estão trabalhando como Uber, esse problema é mais da economia do que da educação, é um sinal de que a economia não está bem, é um sinal de que o Brasil está desperdiçando talentos”, aponta. Para Janine, há todo um potencial humano no País que precisa ser desenvolvido. E, nos momentos em que a economia do País está prosperando, uma das primeiras coisas que aparecem é a falta de pessoal qualificado, principalmente engenheiros.

Janine comenta ainda sobre os institutos federais, que têm um papel importante no ensino técnico, a exemplo do que é feito pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). Para o professor, é muito importante a formação de técnicos para a economia, mas isso não significa, de modo algum, que a formação universitária deva ser liquidada.

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quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Economistas defendem participação do Estado na retomada da trajetória de desenvolvimento pós-pandemia


Caros leitores,

É certo que se faz necessário, neste momento, uma reflexão acerca do processo de recuperação econômica pós-pandemia, tendo em vista as perspectivas do cenário atual que apontam para a relevância da discussão acerca da participação do Estado na retomada da trajetória de desenvolvimento.

Nesse sentido, trazemos hoje um debate ocorrido no âmbito do Centro de Estudos e Debates Estratégicos da Câmara dos Deputados, em que foram convidados especialistas de diferentes instituições para analisar o cenário e as perspectivas de atuação de agentes do setor público e privado na superação dos desafios contemporâneos.

Esperamos que gostem e compartilhem!

Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

Economistas ouvidos pelo Centro de Estudos e Debates Estratégicos da Câmara dos Deputados (Cedes) demonstraram pessimismo com o cenário brasileiro no período pós-pandemia e defenderam a participação do Estado na retomada econômica. O Brasil registra queda do Produto Interno Bruto (PIB), desemprego em quase 15% e precarização do mercado de trabalho, entre outros problemas.

O economista Marco Antonio Rocha, professor da Unicamp, considera difícil que o desemprego seja reduzido para níveis aceitáveis nos próximos anos. Segundo ele, a indústria brasileira, já com alta taxa de endividamento, vai sentir o impacto da competitividade em termos de mudança da indústria mundial.

"A reconstrução da indústria no pós-pandemia vai enfrentar um cenário de concorrência brutal na recomposição dessas cadeias globais de valor e ainda tem o impacto da automação no chão de fábrica e no setor de serviço”, disse.

Um dos caminhos a seguir, para os especialistas, seria fazer o mesmo que outros países desenvolvidos: apostar no dinheiro público para retomar a economia. Estados Unidos e Coreia de Sul são alguns dos exemplos.

O professor de economia Uallace Moreira, da Universidade Federal da Bahia, cita a Inglaterra, que anunciou a criação de um banco de desenvolvimento, e a Alemanha, que aumentou em quatro vezes o volume do seu banco público para financiar o desenvolvimento e a recuperação econômica.

"Há elementos empíricos, concretos, de que mundo está passando por uma mudança de governança, por uma mudança tecnológica em que o papel do setor público se torna essencial”, avalia Moreira.

Gabriel Rached, doutor em economia e professor de Direito na Universidade Federal Fluminense,  fez avaliação semelhante. “Num cenário de crise, os agentes privados tendem a se retrair, enquanto o setor público faz os desembolsos. No nosso caso, tivemos solicitação de auxílio emergencial por 60% da população. Pensem num país onde 60% da população se entendeu apta a solicitar auxílio. Isso mostra nitidamente retração do setor privado”, disse.

Cuidado com os gastos

O presidente do Centro de Estudos e Debates Estratégicos, deputado Da Vitória (Cidadania-ES), defendeu o cuidado com os gastos, mas concordou que o dinheiro público pode fazer a diferença na retomada econômica do País.

“É preciso ter cautela diante da dificuldade financeira que a pandemia gerou para todos os países, com cuidado com os gastos públicos. Mas o braço forte é o governo federal, que pode fazer com que tenhamos soluções de tecnologia, de avanços de pesquisas. Todos aqueles que participam com contribuições importantes sempre destacam que o Brasil ainda tem essa necessidade de investimento”, afirma.

O Cedes é um órgão técnico-consultivo vinculado à Presidência da Câmara e se dedica à discussão de temas relacionados a programas, planos e projetos governamentais estratégicos para o planejamento de políticas públicas e a formulação legislativa.

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Vídeo da sessão

domingo, 15 de agosto de 2021

Mudanças climáticas: cinco coisas que descobrimos com novo relatório do IPCC


Caros leitores,

A discussão sobre as mudanças climáticas assumiu papel fundamental no calendário político nos últimos anos, tendo resultado inclusive em movimentos sociais, formados especialmente por pessoas mais jovens, buscando reformular a forma como vivemos e cobrar das autoridades estatais medidas mais ativas para controlar a emissão de poluentes na atmosfera.

Nesse sentido, trazemos hoje uma notícia que debate o relatório produzido pelo IPCC, responsável por trazer fatos dramáticos acerca do aquecimento global e as possíveis consequências que surgem dessa nova realidade que se torna cada vez mais incontornável.

Esperamos que gostem e compartilhem!

Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

O novo relatório sobre mudanças climáticas do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) mostra que estamos diante de mudanças sem precedentes no clima - algumas delas irreversíveis.

O estudo, feito por centenas de cientistas que analisam milhares de evidências coletadas ao redor do planeta, alerta para o aumento de ondas de calor, secas, alagamentos e outros eventos climáticos extremos nos próximos dez anos.

O repórter da BBC News para o meio ambiente Matt McGrath analisa algumas das principais conclusões do relatório.

As mudanças climáticas estão se intensificando rapidamente - e são resultado da ação humana Para quem vive no Ocidente, os perigos do aquecimento global não são mais algo distante, impactando pessoas em lugares distantes.

"A mudança climática não é um problema do futuro, está aqui e agora e afeta todas as regiões do mundo", diz o professor Friederike Otto, da Universidade de Oxford, um dos muitos pesquisadores do IPCC.

O que marca essa nova publicação do IPCC é o mais alto nível de confiança nas conclusões dos cientistas até agora. A frase "muito provável" aparece 42 vezes nas 40 páginas do relatório, voltado para formulação de políticas públicas. Em termos científicos, isso é equivalente a 90-100% de certeza daquele resultado.

"Acho que não há nenhuma surpresa no relatório. É a solidez abrangente dos resultados que torna este o relatório mais forte do IPCC feito até agora", diz o professor Arthur Petersen, da University College London, à BBC News.

Petersen é um ex-representante do governo holandês no IPCC e foi observador no comitê que produziu este relatório.

"Não é um relatório acusador, são apenas fatos, claros, um atrás do outro", afirma Petersen.

E uma das conclusões mais claras do novo relatório é sobre a responsabilidade da humanidade pelas mudanças climáticas que vivemos no momento. Não há mais dúvidas - a causa somos nós.

O limite de aumento de 1,5º C na média de temperatura está quase sendo ultrapassado

Quando o último relatório científico do IPCC foi publicado, em 2013, considerar o limite de aumento 1,5ºC como sendo seguro é a última alternativa. Mas nas negociações políticas que levaram ao acordo de Paris de 2015, muitos países pressionaram por esse limite, argumentando que era uma questão de sobrevivência para eles.

Um relatório extra sobre esse limite de 1,5°C mostrou que as vantagens de permanecer abaixo do limite eram enormes em comparação com um aumento de 2°C. Para isso, as emissões de carbono precisam ser reduzidas pela metade até 2030 e zeradas até 2050.

Este novo relatório reafirma esta conclusão. Em todos os cenários, esse aumento de temperatura será alcançado em 2040, ou seja, a temperatura média do planeta vai ter aumentado em 1,5°C.

Embora a situação seja muito séria, as mudanças não vão acontecer repentinamente. "O limite de 1,5° C é um limiar importante, é claro, mas de um ponto de vista climático, não é a borda de um penhasco - como se assim que esse limite 1,5°C for ultrapassado, de repente tudo se tornará muito catastrófico. Não vai ser assim repentino", explica Amanda Maycock, da Universidade de Leeds, uma das autoras do novo relatório.

"O cenário de emissões mais baixas que avaliamos neste relatório mostra que o nível de aquecimento se estabiliza em torno ou abaixo de 1,5°C mais tarde neste século. Se seguíssemos esse caminho, então os impactos seriam significativamente evitados."

A má notícia: Não importa o que façamos, o nível do mar vai continuar a aumentar

No passado, o IPCC foi criticado por ser muito conservador na análise de risco do aumento do nível do mar. A falta de dados claros fez com que relatórios anteriores excluíssem os impactos potenciais do derretimento das camadas de gelo da Groenlândia e da Antártica.

Mas no relatório atual, há dados que apontam que os oceanos podem subir até 2 metros até o fim deste séculos e até 5 metros até 2150. Embora esses números sejam improváveis, eles não podem ser descartados, já que o cenário atual continua sendo o de altas emissões de gases de efeito estufa.

Mas mesmo se controlarmos as emissões e mantivermos o aumento de temperatura em torno de 1,5°C até 2100, os oceanos continuarão a subir por muito tempo no futuro. Isso porque parte das mudanças climáticas causadas pela atividade humana até agora já são irreversíveis.

"Esses números de aumento do nível do mar a longo prazo são assustadores", diz o professor Malte Meinshausen, da Universidade de Melbourne, também um dos pesquisadores do IPCC.

"As pesquisas mostram que mesmo mantendo o aquecimento em 1,5°C, veremos um aumento do nível do mar de 2 a 3 metros no longo prazo. E nos cenários de aumento de temperatura ainda maior, o nível do mar pode subir ainda mais até 2150. Isso é assustador, porque talvez não vejamos isso em vida, mas algo é que está próximo e será um legado que vai comprometer o planeta", afirma Meinshausen.

Mesmo que a elevação do nível do mar seja relativamente branda, ela terá efeitos indiretos que não podemos evitar. "Com o aumento gradual do nível do mar, os eventos extremos que ocorreram no passado apenas uma vez por século ocorrerão com mais frequência no futuro", diz Valérie Masson-Delmotte, co-presidente do grupo de trabalho do IPCC que produziu o novo relatório.

"Eventos extremos ligados ao aumento do nível do mar devem ocorrer uma ou duas vezes por década em meados deste século. As informações que fornecemos neste relatório são extremamente importantes e devem ser levadas em consideração para que a humanidade se prepare para esses eventos."

A boa notícia: Cientistas têm mais confiança sobre o que vai funcionar

Apesar dos alertas serem cada vez mais claros e alarmantes, ainda há um fio de esperança no relatório. Os cientistas temem que o clima do planeta seja muito mais sensível à presença cada vez maior de CO2 do que se imaginava. Eles criaram uma expressão - "sensibilidade climática" - para medir quanto o clima responde a um aumento específico de temperatura.

No último relatório, de 2013, dados apontavam que a variação de temperatura caso o nível de CO2 fosse duplicado ficaria entre 1,5°C e 4,5°C, sem uma estimativa mais precisa. Desta vez, o intervalo diminuiu e os cientistas afirmam que novos dados mostram que o valor mais provável é de 3°C.

Por que isso é importante?

"Agora somos capazes de restringir isso com um bom grau de certeza e então usamos isso para realmente fazer previsões muito mais precisas", disse o professor Piers Forster, da Universidade de Leeds, e um dos autores do relatório. "Então, dessa forma, sabemos que o zero realmente vai render."

Outra grande surpresa do relatório é o papel do metano, outro gás de aquecimento. De acordo com o IPCC, cerca de 0,3ºC do 1,1ºC que o mundo já aqueceu vem do metano. Combater essas emissões, provenientes da indústria de petróleo e gás, agricultura e cultivo de arroz, pode ser uma grande vitória a curto prazo.

"O relatório anula qualquer debate remanescente sobre a necessidade urgente de reduzir a poluição do metano, especialmente de setores como petróleo e gás, onde as reduções disponíveis são mais rápidas e mais baratas", disse Fred Krupp, do Fundo de Defesa Ambiental dos Estados Unidos.

"Quando se trata de nosso planeta superaquecido, cada fração de grau é importante - e não há maneira mais rápida e viável de diminuir a taxa de aquecimento do que cortando as emissões de metano causadas pelo homem."

Justiça será acionada

O lançamento do relatório a apenas alguns meses da conferência climática COP26, que será realizada em Glasgow, significa que provavelmente ele será o alicerce das negociações. O IPCC tem histórico nesse ponto: sua avaliação anterior em 2013 e 2014 preparou o caminho para o acordo climático de Paris.

Este novo estudo é muito mais forte, mais claro e mais confiante sobre o que acontecerá se os governantes não agirem. Se eles não agirem com rapidez suficiente e a COP26 terminar de maneira insatisfatória, os tribunais podem se envolver mais.

Nos últimos anos, na Irlanda e na Holanda, ativistas ambientais foram à Justiça para forçar governos e empresas a agirem com base na ciência sobre as mudanças climáticas. "Não vamos permitir que este relatório seja arquivado por mais inação. Em vez disso, vamos levá-lo aos tribunais", disse Kaisa Kosonen, assessora política sênior do Greenpeace.

"Ao fortalecer as evidências científicas entre as emissões causadas pelos humanos e as condições climáticas extremas, o IPCC fornece novos e poderosos meios para que todos, em todos os lugares, considerem a indústria de combustíveis fósseis e os governos diretamente responsáveis ​​pela emergência climática. Basta olhar para a recente vitória judicial conseguida pelas ONGs contra a Shell para perceber o quão poderosa a ciência do IPCC pode ser", diz Kosonen.

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quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Privatização dos Correios: por que ela nunca avançou nos EUA

Caros leitores,

Nos últimos dias aprovou-se, no Congresso Nacional, o projeto de lei que viabiliza o processo de privatização dos Correios. A ideia, considerada controvertida e alvo de críticas por parte dos especialistas, atua como um contraponto com algumas experiências de potências desenvolvidas do globo, tal como os Estados Unidos que mantém, ao mesmo tempo, um serviço aberto ao mercado com a participação ativa de uma companhia pública.

Nesse sentido, trazemos hoje uma notícia que busca analisar as razões pelas quais a USPS norte-americana sempre resistiu às privatizações, mesmo em um país marcado pelo liberalismo econômico e por uma percepção de participação minoritária do Estado no ambiente econômico.

Esperamos que gostem e compartilhem!

Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

Dos anos 1990 para cá, mais de uma dezena de países, a maioria deles europeu, privatizou seus serviços de correio.

No Brasil, a Câmara dos Deputados aprovou na quinta-feira (5/8), por 286 votos a favor e 173 contra, o projeto de lei que autoriza a privatização da estatal ECT (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos). Ainda serão propostas de mudança na matéria. Depois, o projeto segue para o Senado e, se for aprovada, vai à sanção do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A proposta elaborada pelo Ministério da Economia estabelece a venda de 100% da estatal. A expectativa da pasta é de que o leilão seja realizado no primeiro semestre de 2022.

Nos Estados Unidos, por outro lado, um país à primeira vista sem muito apego a empresas estatais, o United States Postal Service (USPS) segue sendo um serviço público — e com cifras superlativas. São mais de 34 mil agências espalhadas pelo país, conectadas por uma rede com 231 mil veículos e 495,9 mil funcionários.

O contingente é mais de cinco vezes o quadro da Empresa de Correios e Telégrafos (ECT) no Brasil, que soma 95 mil colaboradores e é uma das estatais na lista de privatizações do governo Bolsonaro. O pontapé foi dado neste início de ano: em fevereiro, o Executivo enviou o Projeto de Lei ao Congresso e em abril a Câmara votou sua urgência, abrindo espaço para uma tramitação mais rápida no Legislativo.

Já o USPS não é exatamente uma estatal, mas uma agência federal ligada ao Executivo americano. Sua data de criação se confunde à do próprio país — o primeiro "postmaster general" (uma espécie de diretor-geral) foi um dos patronos da independência americana, Benjamin Franklin.

Em teoria, os Correios não são financiados pelo contribuinte, mas pela receita das entregas de cartas e encomendas. Gerar lucro, entretanto, tem sido uma tarefa cada vez mais difícil — a última vez foi em 2006, pelo menos no papel. Desde então, os prejuízos acumulados chegaram a quase US$ 90 bilhões (R$ 460 bilhões) em 2020.

Ainda assim, a agência resiste há décadas a tentativas de privatização. A mais recente investida nesse sentido aconteceu em 2018, na gestão de Donald Trump, e encontrou forte oposição não apenas de políticos democratas, mas de correligionários republicanos do então presidente. Por quê?

EUA profundos

"Os Estados Unidos têm uma peculiaridade", afirma a economista Monique Morrissey, do centro de estudos progressista Economic Policy Institute (EPI). Dois tipos de conservadores convivem no Partido Republicano, diz ela. Há os conservadores liberais, pró-mercado, aqueles que defendem o Estado mínimo e outras posições que, muitas vezes, se confundem com a ideologia predominante do partido, e há os conservadores nacionalistas e religiosos.

Estes últimos vivem predominantemente em áreas rurais, que são, por sua vez, bastante dependentes das entregas de correspondências e pacotes do serviço postal. "Essas pessoas querem que ele continue sendo um serviço público 'patriótico', como as Forças Armadas ou as escolas públicas", avalia.

Milhares de pequenos negócios no interior do país contam com a infraestrutura da agência para distribuir seus produtos — especialmente com os preços tabelados de algumas categorias de entrega. "Um dos grandes usuários da estrutura dos Correios é um site chamado Etsy, onde milhares de pessoas vendem artesanatos e miudezas."

Como os preços praticados pela agência são determinados pelo Congresso, muita gente teme que uma eventual privatização leve a um aumento generalizado, especialmente em áreas mais remotas, que são menos rentáveis para o setor privado. Hoje, o USPS é obrigado a prestar um serviço universal em todo o território, da Flórida ao Alasca.

"Você tem republicanos que apoiam (a manutenção do serviço público) por causa dos pequenos negócios e os democratas que apoiam por causa dos sindicatos, entre outros motivos. Então existe esse apoio bipartidário incomum nos Estados Unidos", resume Morrissey.

Pobres e idosos

Os especialistas contra e a favor da privatização dos Correios ouvidos pela reportagem concordam em pelo menos um ponto: o serviço é seguro e confiável. Isso talvez ajude a explicar por que o USPS é uma das agências federais com melhor avaliação pelos americanos.

Uma pesquisa divulgada em maio de 2020 pelo Pew Research Center apontou que 91% tinham uma visão favorável à agência — o primeiro lugar da lista, à frente dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDCs), do Departamento de Saúde dos EUA, que está na linha de frente contra a covid-19.

"Não deveria ser uma surpresa o fato de que muitos americanos expressam alguma admiração pelos Correios. Talvez seja a agência com a qual as pessoas mais têm contato aqui nos EUA. Nós recebemos pacotes e correspondências seis dias por semana, o serviço postal é de forma geral bastante confiável", diz Joel Griffith, pesquisador do Heritage Foundation, centro de estudos conservador que cedeu vários de seus quadros para o governo Trump.

O historiador Ted Widmer enxerga pelo menos duas outras razões — uma subjetiva e outra mais prática. O nascimento do serviço postal, em 1775, um ano antes de as 13 Colônias se declararem independentes do Império Britânico, se confunde com a própria história dos Estados Unidos.

"Está ligada à ideia de democracia, de que pessoas comuns são capazes de gerir seu próprio governo", diz o professor da Macaulay Honors College, da City University de Nova York.

E ainda que parte dos americanos não necessariamente enxergue o serviço como um símbolo, muitos convivem com ele como parte da rotina. "Não é como as Forças Armadas — você pode ter admiração pelos militares, mas dificilmente um cidadão comum vai vê-los em ação. O carteiro é alguém que vem diariamente à sua casa, que presta um serviço bom e barato."

A internet reduziu substancialmente a quantidade de correspondências que cruzam o país, de um pico de 59 bilhões em 1996 para 15,2 bilhões em 2020, considerando a chamada "first class mail", sobre a qual o USPS tem monopólio. Ainda assim, ressalta o historiador, um volume grande de americanos ainda depende do serviço.

"Ele é importante para os idosos e os mais pobres — pessoas que não têm um computador em casa e que sabem que com 50 centavos de dólar podem enviar uma carta ou um documento para qualquer lugar do país."

E o prejuízo?

A questão dos prejuízos bilionários da agência não é um consenso entre os especialistas. Morrissey afirma que boa parte das perdas que aparecem nos registros contábeis é reflexo de uma exigência — em sua avaliação, draconiana — aprovada pelo Congresso em 2006 para que a agência faça provisões para benefícios de saúde e aposentadoria que serão pagos décadas à frente. Ao desembolsar pelas obrigações de forma antecipada, registrar lucro teria ficado cada vez mais difícil.

Griffith, por sua vez, afirma que a agência paga salários e benefícios acima da média do setor privado e que precisa reconhecer essas obrigações nas suas demonstrações contábeis. A economista do EPI argumenta ainda que, se de um lado a circulação de correspondências tem diminuído drasticamente, o volume de endereços que a agência tem de contemplar só aumenta com o crescimento populacional. O princípio da universalidade obriga o serviço postal a atender todo o território — e, em um país de dimensões continentais como os EUA, o custo é alto, diz Morrissey.

Ambos os lados concordam que a transformação nas comunicações e nos hábitos de consumo dos americanos tornou imprescindível repensar o modelo de negócio dos Correios para que ele sobreviva financeiramente — ainda que discordem sobre o que exatamente deve ser feito.

"O serviço postal está hoje de mãos atadas por causa do Congresso, que o impede de implementar muitas medidas que o tornariam mais rentável", diz Griffith.

O Postal Accountability and Enhancement Act (PAEA), que impôs em 2006 o reconhecimento contábil das obrigações futuras com benefícios trabalhistas, também colocou uma série de limitações às atividades que o serviço postal pode desempenhar. Além das entregas, o máximo que os Correios podem fazer é tirar fotocópias, vender selos colecionáveis e processar pedidos de passaporte.

Hoje o USPS entrega até sorvete e pintinhos vivos, diz Morrissey. Assim, realizar entregas de supermercados, por exemplo, é algo que poderia ser feito com a atual infraestrutura para expandir os negócios — mas isso é proibido pelo PAEA.

Outra alternativa seria oferecer serviços bancários básicos, à semelhança do que aconteceu entre 1911 e 1967, quando os americanos podiam ter pequenas poupanças por meio do United States Postal Savings System.

Conforme os dados do Federal Reserve, o Banco Central americano, cerca de 6% dos cidadãos do país não têm qualquer tipo de conta em banco e outros 16% são considerados "underbanked", ou seja, não têm acesso a serviços financeiros suficientes.

Sem bancos públicos, para descontar os cheques dos benefícios sociais pagos pelo governo as famílias de baixa renda muitas vezes têm de pagar tarifas abusivas em bancos privados. "Isso aconteceu também durante a pandemia, com os pagamentos do auxílio emergencial", acrescenta Morrissey. "É um problema que as pessoas tenham dificuldade para ter acesso ao próprio dinheiro e às vezes tenham que pagar muito do próprio bolso."

Já Griffith preferiria que o Congresso desse "alguma margem de manobra para que se pudesse ajustar salários [para baixo], para que ficassem em linha com o setor privado, simplificar operações e talvez até diminuir os dias de entregas de 6 para 5".

O pesquisador diz que ele, assim como a Heritage Foundation, acreditam que a privatização seja a melhor solução, mas admite que não há "clima político" para isso no país.

Em junho de 2018 o governo Trump chegou a propor uma reorganização da operação da agência para prepará-la para uma futura privatização. A proposta enfrentou forte oposição de republicanos e democratas no Congresso e não foi para frente. Ainda assim, o presidente conseguiu implementar uma série de mudanças controversas até sua saída da Casa Branca.

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quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Crise da pandemia: a saída é pela Agenda 2030?


Caros leitores,

O contexto de crise pandêmica que vivemos trouxe profundas consequências em diferentes instâncias da vida social, de forma que se discute os mecanismos a serem adotados para enfrentamento do cenário e retomada das atividades cotidianas.

Nesse sentido, trazemos hoje uma notícia que busca analisar faticamente esse momento de superação da pandemia sob o prisma do desenvolvimento sustentável, dentro das metas da chamada Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas. 

Esperamos que gostem e compartilhem!

Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

Em 2015, na 70ª Assembleia Geral das Nações Unidas, os Chefes de Estado e de Governo adotaram a Resolução A70.1 — Transformando nosso Mundo, na qual se comprometem com um conjunto de 17 ambiciosos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), no âmbito da chamada Agenda 2030.

Transcorridos cinco anos, a Agenda foi atropelada pela pandemia de covid-19 e sua implementação ficou bastante prejudicada. Paradoxalmente, líderes de todo o mundo apontam que a saída é pela Agenda 2030 e seus ODS. Será assim?

É o que discutem neste artigo o diplomata Santiago Alcázar e o médico Paulo Buss, do Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fiocruz (Cris/Fiocruz).

O Conselho Econômico e Social (ECOSOC) das Nações Unidas está em sua 75ª sessão ordinária, desde setembro de 2020. O evento mais importante no âmbito do ECOSOC é a reunião do Foro Político de Alto Nível (HLPF, nas siglas em inglês), que este ano aconteceu em 15 de julho. O tema escolhido para esta sessão foi “Recuperação sustentável e resiliente da pandemia da Covid-19, que promova as dimensões econômica, social e ambiental para o desenvolvimento sustentável: construindo um caminho inclusivo e efetivo para alcançar a Agenda 2030 no contexto de ação e entrega para o desenvolvimento sustentável”.

O HLPF foi criado em 2012 por mandato da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20) e realizou a sua primeira reunião, de apenas um dia, em 24 de setembro de 2013.

A origem da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável remonta à Cúpula da Terra, a Rio-92, que reuniu 178 Chefes de Estado ou de Governo e Altos Representantes, no que talvez tenha sido a maior conferência multilateral fora da sede das Nações Unidas, em Nova York. A Cúpula da Terra acordou um amplo plano para criar parcerias globais para o desenvolvimento sustentável, bem como para melhorar a vida humana e proteger o meio ambiente, a Agenda 21, assim chamada porque deveria inaugurar uma nova era com a chegada do século XXI. A instância encarregada de monitorar o cumprimento dos compromissos acordados na Agenda 21 e a quantificar os avanços era a Comissão de Desenvolvimento Sustentável, que funcionou até 2012.

Respirava-se otimismo naquele início dos anos noventa. O Muro de Berlim caíra em novembro de 1991, a Guerra Fria havia terminado e começava um ciclo de conferências das Nações Unidas sobre temas sociais que parecia irrefreável. Com efeito, ademais da Rio-92 acima, realizaram-se as seguintes conferências: i) II Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, em 1993, em Viena; ii) Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, em 1994, no Cairo; iii) Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social, em 1995, em Copenhague; iv) IV Conferência Mundial sobre a Mulher, em 1995, em Beijing; v) II Conferência Mundial sobre Assentamentos Humanos, em 1996, em Istambul. É de se notar a Conferência sobre a Mulher, realizada na China, o único Estado membro do Conselho de Segurança das Nações Unidas a acolher uma conferência sobre tema social, e ainda por cima de enorme sensibilidade.

Aquele ciclo de conferências seria coroado com a realização da Cúpula do Milênio, em setembro de 2000, em Nova York, que adotaria os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs) com o objetivo primordial de erradicar a pobreza extrema até 2015.

Mais tarde, a Rio+20, em 2012, expressaria a necessidade de ampliar o escopo dos ODMs quando ficou claro que a erradicação da pobreza escondia mais dimensões do que se imaginava. Abria-se assim o caminho para a adoção dos ODS, que substituiriam os ODMs.

OBSTÁCULOS

Em paralelo ao movimento de afirmação da agenda social, proclamada pelo ciclo de conferências da ONU, havia um outro, com forte apoio do capital internacional, que viria a minar aquele primeiro. Esse segundo movimento levantava a bandeira do Consenso de Washington.

Como se recordará, o Consenso de Washington, que muitos tomaram como bússola de suas políticas, defendia rígida disciplina fiscal, reforma tributária com vistas a desobstruir a atividade empresarial, privatizações, abertura comercial e desregulamentação das atividades econômicas e das leis trabalhistas. Para os que seguissem o receituário proposto prometia-se êxito e felicidade, dois substantivos que, como se sabe, expressam visão paradisíaca sobre a terra, que alguns confundem com a possibilidade de passar temporadas mais ou menos longas em Miami.

O centro de gravidade do Consenso de Washington repousa sobre a desregulamentação. Com efeito, se esta é levada a efeito de maneira radical, reduz-se consideravelmente a responsabilidade do Estado, que passa a promover a terceirização, ou a precarização das conquistas laborais, inscritas na Organização Internacional do Trabalho. A redução da responsabilidade traz, por sua vez, a redução do Estado, acoplada às privatizações. Redução do Estado, pela via da diminuição de responsabilidade, bem como pela via das privatizações, permite a desobstrução da atividade empresarial e, como água baixando pelo efeito da gravidade, estrita disciplina fiscal. Simples assim, ainda que complicado pelo drive da globalização que exponenciou os efeitos deletérios do Consenso de Washington por meio das políticas comerciais englobadas na Organização Mundial de Comércio.

O conjunto de forças promovidas pelo ciclo de conferências sobre temas sociais e a Cúpula do Milênio com os ODMs, por um lado, e, por outro, as forças neoliberais em favor da desregulamentação e tudo o que esta arrasta consigo, resultaram em um cabo-de-guerra. A batalha de Seattle, em 1999, que efetivamente interrompeu reunião da OMC que deveria lançar nova rodada de negociações comerciais para o novo milênio foi uma instância daquela tensão. Outra, um pouco mais tarde, foi a adoção, após negociações exaustivas, da Declaração de Doha sobre Propriedade Intelectual e Saúde Pública que, de maneira resumida, afirma que nada no Acordo TRIPS pode impedir um Estado de tomar medidas para proteger a saúde pública.

“NINGUÉM ESTÁ SEGURO SE TODOS NÃO ESTIVEREM A SALVO”

O HIV/AIDS soou o sinal de alerta de que o conceito de segurança deveria ser revisto à luz da possibilidade da ocorrência de uma pandemia. Não havia registro, até a covid-19, do que significa realmente uma pandemia em seu sentido etimológico de pan (todos) + demos (povo). Todos expressa totalidade. Ninguém fica de fora. Por isso o mantra ninguém está a salvo se todos não estiverem a salvo repetido à exaustão pelo DG da OMS, pelo SG das Nações Unidas, bem como por epidemiologistas e infectologistas do mundo inteiro. Uma doença pandêmica, que atinge a todos, atinge a todos de maneira distinta: biologicamente, economicamente, socialmente, culturalmente, inequitativamente, em suma, na infinitude de possibilidades da condição humana.

Nesse contexto, a ocorrência de uma doença pandêmica, assim como a deterioração do meio ambiente, o aquecimento global e a extinção das espécies, entre outros, deveria motivar uma revisão do conceito de segurança, até aqui limitado a conflitos armados, mais ou menos bem localizados geograficamente. O Conselho de Segurança das Nações Unidas, que é o órgão responsável pelos assuntos de paz e segurança mundiais, é verdade, dedicou uma sessão especial, em junho de 2000, a um tema de saúde. Mas o fez limitado ao impacto sobre a paz e a segurança na África. Para o SC, o HIV/AIDS, não era uma pandemia, mas um estorvo para os delicados arranjos para redução da violência em um lugar específico.

SARS, MERS, ebola são nomes que, para muitos, nada significam porque não viveram aquelas experiências. O mesmo não se pode dizer da covid-19, que pôs o mundo de cabeça para baixo, literalmente. Ninguém mais sabe onde está o normal, a flecha pela qual tudo e todos se orientam.

Em 2012, quando foi criado o HLPF na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), os Estados membros, conscientes de que o novo milênio trazia em sua bagagem ameaças graves à humanidade, adotaram o documento final sob o título O futuro que queremos, que em tese livrariam o mundo daquelas ameaças que se originam em sua maior parte na pobreza e nas inequidades econômicas e sociais. O propósito daquele documento final era o de avançar na linha de objetivos de desenvolvimento sustentáveis, apoiados nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs), que seriam extintos em 2015. O resultado desse exercício foi a conclusão dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que deveriam ser alcançados até 2030. Essa era a agenda a ser perseguida e finalmente adotada em 2015 pela AGNU como Agenda-2030 e os seus 17 ODS. O HLPF, que já havia substituído a Comissão de Desenvolvimento em 2012, seria o seu instrumento de monitoramento.

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