web counter free

domingo, 31 de agosto de 2014

Em um mundo de inevitáveis colisões





Olá alunos,

Os chineses ensaiam cautelosamente a internacionalização do yuan ao ampliar a conversibilidade financeira e multiplicar os acordos de troca de moedas. A postagem de hoje busca analisar as possíveis consequências de uma partilha da liderança monetária entre os EUA e a China.

Esperamos que gostem e participem.

Fellype Fagundes e Carlos Araújo
Monitores da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense



Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul firmaram em Fortaleza um acordo de cooperação financeira e monetária. Esse arranjo está consubstanciado na criação do Novo Banco de Desenvolvimento e no Fundo Contingente de Estabilização. O banco conta com capital de 50 bilhões de dólares e o fundo, com 100 bilhões, poderá mobilizar recursos para defender as moedas daqueles países em caso de situações de crise de balanço de pagamentos. O banco tem capacidade de alavancar recursos de outras instituições financeiras.

Os chamados BRICS anunciam o banco e o fundo no ano do 70º aniversário da concertação internacional que levou à constituição das instituições monetárias e financeiras internacionais de Bretton Woods.

Nos trabalhos elaborados para as reuniões que precederam as reformas de Bretton Woods em 1944, John Maynard Keynes formulou a proposta mais avançada e internacionalista de gestão da moeda internacional. Baseado nas regras de administração da moeda bancária, o Plano Keynes previa a constituição de uma entidade pública e supranacional encarregada de controlar o sistema internacional de pagamentos e de provimento de liquidez aos países deficitários. Tratava-se não só de contornar o inconveniente de submeter o dinheiro universal às políticas econômicas do país emissor, como observamos agora, mas de evitar que a moeda internacional assumisse a função de um perigoso agente da “fuga para a liquidez”.

As transações comerciais e financeiras seriam denominadas em bancor e liquidadas nos livros da instituição monetária internacional, a Clearing Union. Os déficits e superávits seriam registrados em uma conta corrente que os países manteriam na Clearing Union. No novo arranjo institucional, tanto os países superavitários quanto os deficitários estariam obrigados, mediante condicionalidades, a reequilibrar suas posições, o que distribuiria o ônus do ajustamento de forma mais equânime entre os participantes do comércio internacional. 
No Plano Keynes, não haveria lugar para a livre movimentação de capitais em busca de arbitragem ou de ganhos especulativos.

Em 1944, nos salões do hotel Mount Wash-ington, na acanhada Bretton Woods, a utopia monetária de Keynes capitulou diante da afirmação da hegemonia americana que impôs o dólar, ancorado no ouro, como moeda universal.

Essas características do arranjo monetário realmente adotado em Bretton Woods sobreviveram ao gesto de 1971 (a desvinculação do dólar em relação ao ouro) e à posterior flutuação das moedas em 1973. Na esteira da desvalorização continuada dos anos 70, a elevação brutal do juro básico americano em 1979 derrubou os devedores do Terceiro Mundo, lançou os europeus na “desinflação competitiva” e culminou na crise japonesa dos anos 90. Na posteridade dos episódios críticos, o dólar fortaleceu-se, agora em obediência ao papel dos Estados Unidos como “demandantes e devedores de última instância”.

A crise dos empréstimos hipotecários e seus derivativos, que hoje nos aflige, nasceu e se desenvolveu nos mercados financeiros dos Estados Unidos. Na contramão do senso comum, os investidores globais empreenderam uma fuga desesperada para os títulos do governo americano.

A pretendida e nunca executada reforma do sistema monetário internacional, ou coisa assemelhada, não vai enfrentar as conturbações geradas pela decadência dos EUA. Vai sim acertar contas com os desafios engendrados pelas assimetrias de ajustamento provocadas pelo desarranjo da economia sino-americana, ancorada na força do dólar e no poder dos mercados financeiros dos Estados Unidos.

Impulsionada pela “deslocalização” da grande empresa dos EUA e ancorada na generosidade da finança privada do país, o processo de integração produtiva e financeira das últimas duas décadas deixou como legado o endividamento sem precedentes das famílias “consumistas” americanas, a migração da indústria manufatureira para a Ásia “produtivista” e os desregramentos do endividamento público nos países desenvolvidos.

A interdependência sino-americana não esgota seus efeitos no desequilíbrio comercial entre os dois países, mas avança suas consequências para dentro da Ásia manufatureira e estende sua influência à África e à América Latina, não só como fontes provedoras de matérias-primas, mas como espaço de expansão de empresas chinesas que iniciam um forte movimento de internacionalização. Está claro que os chineses ensaiam cautelosa, mas firmemente a internacionalização do yuan ao ampliar a conversibilidade financeira e multiplicar rapidamente os acordos de troca de moedas (swaps) com seus parceiros comerciais mais importantes.

Não vai ser fácil para os americanos partilharem a liderança monetária com a China. Muitos argumentam que a política de inundação de liquidez destinada a adquirir, sobretudo, títulos de dívida de longo prazo (quantitative easing) em nada afetou sua utilização como moeda de denominação das transações comerciais e financeiras, a despeito do avanço do yuan nos negócios entre os países asiáticos e, provavelmente, agora, nas transações entre os BRICS.

Seja como for, a crise demonstrou que a almejada correção dos chamados desequilíbrios globais vai exigir regras de ajustamento não compatíveis com o sistema monetário internacional em sua forma atual, aí incluído o papel do dólar como moeda reserva. Isso não significa prognosticar a substituição da moeda americana por outra moeda, seja o euro, seja o yuan, mas constatar que o futuro promete solavancos e colisões nas relações comerciais e financeiras entre as nações.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

5 obstáculos para construir um sistema tributário justo no Brasil


 

Olá alunos,

No Brasil a necessidade de uma reforma do sistema tributário é quase um consenso. A postagem de hoje busca indagar de que maneira essa reforma seria mais proveitosa para a sociedade. 
Esperamos que gostem e participem.

Fellype Fagundes e Carlos Araújo
Monitores da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense


O sistema tributário de um país é o conjunto de impostos, taxas e contribuições através dos quais o Estado obtém recursos para cumprir suas funções, como a oferta de bens e serviços públicos de qualidade. Portanto, tanto pode ser instrumento para promover a distribuição de renda quanto para ampliar a acumulação capitalista de poucos.

No Brasil, é consenso que o sistema tributário é injusto, qualquer que seja o parâmetro adotado para avaliá-lo. Estudo realizado por Maria Helena Zockum, em 2004, mostra que os mais pobres, com renda de até 2 salários mínimos, eram onerados em 48,8% com impostos, enquanto os mais ricos, com renda superior a 30 salários mínimos, em apenas 26,3%.

Para corrigir essas distorções, não há outro caminho possível que não seja executar uma ampla reforma tributária, pauta que segue emperrada no Congresso devido às diferentes visões de qual deve ser o seu propósito: a reforma tributária pela qual os empresários clamam com o apoio dos setores mais conservadores não é a mesma que irá ajudar a superar o cenário de desigualdade social e regional que ainda impera no país.

Esta semana, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) sabatinou os três candidatos que lideram a corrida presidencial e os presenteou com o documento “Proposta da Indústria para as Eleições 2014”, no qual propõe suas 48 reivindicações para o desenvolvimento do Brasil. Confira aqui quais são os 5 principais pontos que dialogam com a reforma tributária e entenda porque eles não favorecem o conjunto da sociedade:

1 – Nova governança para a competitividade.

Quando os setores mais conservadores da sociedade criticam a Política Nacional de Participação Social criada pelo governo Dilma, isso se deve não ao fato de que ela rompa com os trâmites legais da democracia representativa, como eles alegam, mas ao simples fato que considera ouvir a opinião do povo para a tomada de decisões do Executivo.

Quanto o tema é aumentar a competitividade tão almejada pelo setor da indústria, são eles mesmo que propõem a criação de um novo tipo de governança, formada por representantes públicos e privados, que seja priorizada pela presidência da república e tenha liderança executiva reconhecida, foco e prioridade para a ação, flexibilidade para superar obstáculos e, principalmente, poder decisório.

O problema é que a proposta reivindica que o grupo seja restrito e limita a representação social a dos empresários. Outros segmentos, como o dos trabalhadores, ficariam completamente alijados de quaisquer decisões que afetariam a vida de todos!

2 – Não pagamento de impostos sobre investimentos

Para aumentar a competitividade nacional, os empresários não querem pagar impostos. Em outras palavras, querem deixar que os outros setores da sociedade, como os dos trabalhadores e aposentados, financiem todos os serviços prestados pelo Estado. As desonerações já reduzem – e muito – os recursos para o financiamento das políticas públicas sociais. E seus patamares vêm crescendo nos últimos anos.

Como a discussão sobre a reforma tributária não ocorre de forma ampla, aberta à participação de toda a sociedade, as mudanças acabam ocorrendo nos gabinetes dos ministros, onde os empresários têm mais acesso e influência do que outros setores. Dados da Receita Federal mostram que as desonerações e isenções somaram 1,69% do PIB em 2005, 2,77% em 2008, 3,20% em 2009 e 3,42% em 2010.

Para se ter uma ideia do prejuízo que isso representa para o país, os 3,42% relativos às isenções que não entraram no PIB  em 2010 (cerca de R$ 114 bilhões) representavam mais que o dobro do orçamento inicial previsto para o Ministério da Educação (R$ 50,9 bilhões) e ficaram bem próximos do dobro do orçamento do Ministério da Saúde (R$ 66,7 bilhões).

Ainda há outras variantes graves na política de isenções específica para os investimentos. A população de um estado que aceita sediar uma siderúrgica altamente poluente, por exemplo, não será beneficiada com os serviços públicos melhores que, pelo menos em tese, seriam possíveis de serem financiados pelo pagamento dos impostos gerados pela atividade econômica.

3 – Não pagamento de impostos sobre as exportações

Os empresários também não querem pagar impostos sobre as das exportações. É verdade que, isentos, os produtos brasileiros se tornam mais competitivas no mercado internacional. Mas o culto para o desenvolvimento regional é grande, principalmente nos estados em que a pauta se reduz aos produtos primários ou commodities. Tanto que os estados beneficiados pelas desonerações já previstas pelas legislações vigentes, em especial a Lei Kandir, são os mais pobres do país.

Os estados do norte, por exemplo, não obtém o retorno necessário com a exportação do minério que possuem. A comparação com o retorno proveniente da exploração de petróleo é gritante. Dados do Ministério de Minas e Energia revelam que os royalties minerais não chegam a representar 2% do valor da produção do setor, enquanto as rendas do petróleo representam cerca de 20%.

Além disso, as medidas que desoneram exportações de produtos primários e semielaborados terminam incentivando a exportação de commodities em detrimento da agregação de valor no país. Em outras palavras, não estimulam em nada a industrialização. Dados do Ministério de Minas e Energia, revelam que, em 2008, foram exportados 282 milhões de toneladas de minério de ferro, o seria suficiente para produzir 170 milhões de toneladas de aço. Essas transações equivaleram também à exportação de 680 mil empregos.

4 – Redução do custo do trabalho

De todas as propostas dos empresários para a reforma tributária, a redução do custo do trabalho é a que afeta de forma mais gritante a vida dos brasileiros mais pobres, porque elimina parte da proteção social que resultou de anos de luta sindical e trabalhista. Dentre as medidas apontadas, eles ressaltam a desoneração da folha de pagamento, o que deixaria apenas a cargo dos próprios trabalhadores e da sociedade por meio do estado, o financiamento das políticas sociais como INSS e Fundo de Garantia, por exemplo.

A proposta completa propõe dogmas neoliberais como associar a política de reajuste salarial a ganhos de produtividade. Em outras palavras, só dar aumento ao trabalhador que conseguir superar as metas impostas pela empresa, o que criará também a remuneração diferenciada para a mesma função. Os empresários querem, entre outras medidas, adotar jornadas de trabalho diferenciadas, com o fim do mínimo de 1 hora de descanso no almoço, por exemplo, e contratar trabalhadores que possam desempenhar múltiplas funções ao mesmo. Também apresentam marco legal para as terceirizações que, praticamente, acaba com o trabalho com carteira assinada em todas as atividades.

5 - Manter os mais pobres pagando mais

Como já foi dito, a principal razão para o sistema tributário brasileiro ser tão injusto é que os mais pobres pagam um percentual maior de impostos do que os mais ricos. Isso ocorre porque o país privilegia a taxação da circulação de bens e serviços, em que todos os brasileiros pagam a mesma alíquota, ao invés da tributação da renda e da propriedade, na qual quem tem mais paga mais, de forma progressiva.

Em 2008, por exemplo, a carga tributária do país foi da ordem de 34,9% do PIB. As incidências sobre bens e serviços somaram 16,3% do PIB e responderam por 46,8% do que foi coletado, enquanto os impostos sobre a renda e a propriedade resultaram em 8,9% do PIB ou 25,6% da carga global.

O imposto de renda, mais especificamente, foi de 2,35% do PIB ou 6,7% do total de impostos. Nos países da União europeia, a título de comparação, os diferentes impostos sobre a renda recolheram, em média, quase 9% do PIB e somaram 25% da receita de impostos. Da mesma forma, os impostos sobre propriedade, no Brasil, coletaram cerca de 1,2% do PIB e sua participação na carga total foi de apenas 3,5%. Já nos países da União Europeia, os impostos sobre propriedade alcançaram, em média, 1,9% do PIB ou 5,4% da arrecadação global. Isso faz a diferença: lá, os que ganham mais e tem mais propriedades contribuem mais e, por isso, a desigualdade social é muito menor.

Para agravar, no Brasil, o próprio Imposto de Renda sobre Pessoa Física (IRPF) cobra mais dos pobres do que dos ricos. Ainda que os últimos sejam penalizados com alíquotas mais altas, também são beneficiados com uma série de isenções que não atingem aqueles que se servem, por exemplo, dos sistemas públicos de educação e saúde. Os empresários sabem que isso é injusto, mas não propõem nenhuma medida para corrigir a distorção. Até falam em simplificar e modernizar o Imposto de Renda sobre Pessoa Física (IRPF). Mas é só isso. Por eles, grandes fortunas e grandes propriedades seguem subtaxadas.

Link Original

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Salário mínimo e emprego entre jovens: outra farsa do FMI




Olá alunos,

Na tentativa de diminuir a taxa de desemprego entre os jovens o FMI propôs a redução do salário mínimo. A postagem de hoje busca analisar as consequências que viriam dessa redução e quem se beneficiaria delas. 

Esperamos que gostem e participem.

Fellype Fagundes e Carlos Araújo
Monitores da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense

 
O Fundo Monetário Internacional acaba de somar às propostas patronais a de reduzir o salário mínimo com a desculpa de que, dessa forma, diminuiria o desemprego entre os jovens. E, para isso, como ocorre quase sempre, oculta as evidências e recorre a preconceitos bastantes descolados da realidade.

A discussão sobre a influência dos salários mínimos no emprego é antiga e hoje temos evidências indiscutíveis – ainda que, nem por isso, sejam isentas de polêmica.

Quem assume como ponto de partida a hipótese do modelo de mercados perfeitos conclui que um salário mínimo superior ao ponto de equilíbrio faz com que as empresas substituam trabalho por capital, diminuindo, portanto, o emprego.

Quem aborda o problema sob outras posições teóricas chega a conclusões diferentes: os salários mínimos podem ter efeitos positivos se carregarem consigo um aumento da produtividade ou da demanda global, ou podem ter efeitos neutros ou incertos, conforme o caso. As evidências empíricas disponíveis tendem a demonstrar este último, isto é, que seu efeito geral pode ser inconclusivo, mas não negativo. É positivo, nulo ou apenas sem relevância sobre o emprego.

No entanto, o mesmo não acontece com o efeito dos salários mínimos sobre o emprego entre os jovens. As evidências empíricas são mais complexas. Assim, os economistas mais próximos às suposições ortodoxas costumam aceitar que, em termos gerais, um aumento de 1% no salário mínimo pode carregar consigo um aumento entre 1% e 3% no desemprego dos jovens, dependendo das diferentes faixas etárias. Mas isso é colocado à prova nos estudos que levam em consideração períodos de expansão econômica, como ocorreu na Espanha entre 2000 e 2008, quando se pôde verificar que a alta no salário mínimo não influenciou o desemprego entre jovens (Maite Blázquez, Raquel Llorente e Julián Moral: “Minimum Wage and Youth Employment Rates in Spain: New Evidence for the Period 2000-2008”).

Embora o efeito do salário mínimo sobre o emprego e o desemprego dos jovens seja, portanto, mais complexo do que aquele que incide sobre o emprego geral, tampouco se podem estabelecer conclusões definitivas, sobretudo em cenários abertos e díspares ou de longo prazo.

Para justificar a redução do salário mínimo como forma de diminuir o desemprego juvenil na Europa, recorre-se a uma evidência: os países que não adotam salário mínimo legal têm uma taxa de desemprego juvenil muito mais baixa do que os que o adotam.

Efetivamente, os cinco países que não têm salário mínimo legal e que registram menos desemprego entre jovens – Alemanha, Áustria, Dinamarca, Finlândia e Suécia – têm uma taxa média de desemprego juvenil de 14,1%. Em contrapartida, os cinco com salário mínimo legal e maior taxa de desemprego – Grécia, Espanha, Croácia, Portugal e Eslováquia – têm uma taxa média de 45,5%.

Mas inclusive este fato concreto é discutível como argumento para assegurar que a diminuição do salário mínimo gera maior emprego entre jovens.

Primeiro porque, na realidade, quase todos os países que não têm salário mínimo legal têm mínimos salariais pela via da negociação, o que, na prática, vem a ser o mesmo.

E, além disso, porque existem países desse grupo, como Itália ou Chipre, que também têm um nível muito elevado de desemprego juvenil (43% e 37,3%, respectivamente). E outros, como Holanda, que têm pouco desemprego juvenil (10,8%) e salário mínimo muito elevado (1.469,40 euros).

Inclusive, poderíamos acrescentar que o país com menor desemprego entre jovens, a Alemanha, já aprovou o salário mínimo.

Por que então querer que a Espanha se assemelhe à pior das combinações?

Por outro lado, é preciso levar em conta que os países com maior desemprego entre seus jovens não são precisamente os que têm níveis de salário mínimo mais altos (os mencionados acima, entre os quais está a Espanha, têm salários mínimos que se encontram mais ou menos na metade do espectro). Em contrapartida, os países que têm salários mínimos mais elevados, de cerca de 1.200 euros mensais, são os que têm uma taxa de desemprego juvenil abaixo da média europeia. O que também dificulta admitir que o recorte no salário mínimo seja o instrumento que garanta que o emprego juvenil aumente.

O caso espanhol é significativo. Um salário mínimo bastante baixo (752,85 euros mensais). Em valores absolutos, é mais ou menos a metade dos mais altos (40% do de Luxemburgo e 50% do salário belga). E também é baixo em relação ao salário médio de todos os trabalhadores (35% na Espanha, 13 pontos a menos do que na França, onde o salário mínimo se aproxima mais do salário médio). E, além disso, o salário mínimo só é vinculante para poucos trabalhadores (2%), pois a imensa maioria está coberta por convênios coletivos.

Por tudo isso, não é fácil demonstrar que o salário mínimo existente na Espanha pressuponha uma barreira de entrada considerável ao trabalho em geral ou em todas as circunstâncias, e nem sequer para os jovens.

Ao contrário, existem evidências da vinculação do desemprego juvenil espanhol, como o do europeu, com outro fator que o FMI e outros defensores dos cortes salariais não contemplam: a relação do desemprego entre jovens com o nível de atividade.

Diversos estudos demonstram, conforme mencionei acima, que existe uma relação muito estreita entre o desemprego juvenil e as fases de ciclo econômico, aumentando claramente nos processos de crise e de recessão.

De fato, no caso europeu recente, é fácil comprovar que os países com nível de desemprego juvenil mais elevado (Grécia, Espanha, Croácia, Itália, Chipre, Portugal) sofreram uma queda muito grande no PIB na última etapa da crise e recessão, na qual o salário mínimo permaneceu praticamente estancado, enquanto que se mantiveram níveis mais aceitáveis de emprego na fase anterior de expansão, quando houve salários mínimos em alta. E também o contrário: os países com menor taxa de desemprego juvenil foram os que sofreram menor queda na atividade econômica durante a crise.

Portanto, diante dessa tese, o Banco da Espanha e agora o FMI podem estabelecer outras três primeiras conclusões:

- Não está demonstrado nem se pode afirmar categoricamente que o nível espanhol de salário mínimo seja a barreira de entrada principal ao emprego para os jovens, e muito menos para os desempregados em geral.

- O que parece, sim, estar claramente vinculado ao enorme incremento do desemprego juvenil é a diminuição tão grande que se produziu no nível de atividade econômica, sobretudo se compararmos nossa situação com a de outros países europeus.

- Portanto, o melhor remédio para incentivar a criação do emprego juvenil não é reduzir a renda da população, que gasta uma maior porção de sua renda no consumo, mas adotar medidas de estímulo que, aumentando o gasto e o financiamento, permitam que aumente também a oferta produtiva das empresas.

No entanto, essas três conclusões não podem esconder um fenômeno real: é certo que muitos dos jovens que se aproximam pela primeira vez do mercado de trabalho têm menos experiência e possivelmente uma produtividade mais baixa, o que traz a possibilidade de que seja mais conveniente que sua incorporação se realize por meio de salários diferenciados.

É uma questão bastante realista mas não de solução imediata, e apenas vinculada ao corte do salário mínimo. As evidências empíricas não permitem confirmar que a solução seja precisamente reduzi-lo, sobretudo quando já é tão baixo, como o espanhol. Isso é demonstrado pelo fato de que, nos países da OCDE, onde há salários mínimos diferenciados para jovens, existam resultados muito diferentes quanto a taxas de desemprego juvenil.

O que essa questão traz, por conseguinte, não é tanto a necessidade de baratear o trabalho dos jovens, mas a de favorecer sua entrada no mercado de trabalho nas melhores condições possíveis quanto à experiência e à produtividade. E isso é algo que se resolva melhor mediante a política educativa que, através de uma política salarial de empobrecimento, gera outros efeitos colaterais perversos (desincentivos, fomento das atividades de baixa produtividade, desigualdade...). Isto é, gerando incentivos não apenas dirigidos a sua inserção no mercado de trabalho, mas também a sua permanência no sistema educativo e, sobretudo, desenhando bem o tipo de formação que devem ter e seu vínculo com a atividade produtiva no período de formação.

Nada disso se consegue cortando ainda mais os salários já muito baixos. De fato, uma boa parte dos jovens empregados tem salários menores do que o salário mínimo. Concretamente, isso acontece com 34% dos contratos de trabalho assinados por jovens como consequência do grande número de empregos em tempo parcial – que normalmente são acompanhados de um bom número de horas extras não remuneradas.

Por tudo isso, pode-se afirmar que a proposta dos patrões, do Banco da Espanha e do Fundo Monetário Internacional não proporciona soluções à escassez de empregos, mas se orienta a outro objetivo: continuar modificando o sistema produtivo para baseá-lo no máximo barateamento do trabalho com a única finalidade de aumentar o lucro do capital, mesmo que seja às custas de torná-lo cada dia mais rentista e periférico, menos produtivo e mais empobrecido e empobrecedor.

E onde, por acaso, houver mais empregos, serão em regime de quase escravidão.