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quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

A renda dos 100 mais ricos poderia acabar com a pobreza no mundo

Olá alunos,

a postagem de hoje possui o condão de causar uma reflexão em qualquer um. Vivemos num mundo onde os 100 mais ricos poderiam acabar com a pobreza no mundo e essa discrepância parece só aumentar. Será que esse sistema está correto? Espero que vocês gostem e reflitam acerca dessa temática. É de autoria de José Antonio Lima e foi publicado no site da Carta Capital.

Yuri Antunes Moreira
Monitor da disciplina ''Economia Política e Direito'' da Universidade Federal Fluminense.

A renda líquida obtida em 2012 pelas 100 pessoas mais ricas do mundo, 240 bilhões de dólares, poderia acabar quatro vezes com a extrema pobreza no planeta. A conclusão está num relatório publicado (link em PDF, em inglês) no fim de semana pela ONG britânica Oxfam. A entidade não entra em detalhes a respeito das contas que fez para chegar ao dado, mas os números servem como alerta para a intensa e crescente desigualdade social no mundo. O documento serve para chamar a atenção para os debates do Fórum Econômico Mundial, que começa nesta terça-feira 22 em Davos, na Suíça. A desigualdade ganhou um painel próprio no encontro, marcado para sexta-feira 25, mas tanto suas conclusões quanto os avisos da Oxfam devem cair em ouvidos moucos. O mundo hoje está construído para ampliar a desigualdade e não há sinais de mudança.

O relatório da Oxfam ecoa estudos e análises econômicas recentes sobre a desigualdade. Hoje, as diferenças entre os países estão diminuindo, mas a desigualdade entre os mais ricos e os mais pobres dentro de cada nação está crescendo. Essa é a regra na maior parte das nações em desenvolvimento e também nas desenvolvidas.

Nos Estados Unidos, a desigualdade social é tão grande hoje em dia que, nas palavras da revista The Economist, supera a das últimas décadas do século XIX, a chamada “Era Dourada” do capitalismo norte-americano. A porcentagem da renda nacional que vai para o 1% mais rico da população dobrou desde 1980, de 10% para 20%. Para o 0,01% mais rico, a bonança foi maior: sua renda quadruplicou.
Na União Europeia, a situação também é ruim. No livro Inequality and Instability (Desigualdade e Instabilidade, em tradução livre), o economista James Galbraith mostrou que, se tomada como um conjunto, a UE supera os Estados Unidos em desigualdade. Isso se explica, em parte, pelas diferenças entre os diversos países do bloco. Ainda assim, se tomadas separadamente, as nações europeias também têm observado aumento da desigualdade. Um estudo sobre o tema publicado em 2012 pela OCDE concluiu que “desde a metade dos anos 1980″, os 10% mais ricos de cada país “capturam uma crescente parte da renda gerada pela economia, enquanto os 10% mais pobres estão perdendo terreno”. No Japão, onde 100 milhões de pessoas se diziam de classe média, estudos mostram, desde o fim da década de 1990, o aumento da desigualdade a partir da metade dos anos 1980.

A política sequestrada
Não é uma coincidência o aumento da desigualdade no mundo desenvolvido desde os anos 1980. Foi nesta época que começaram a ter efeito as políticas lideradas pelos governos de Ronald Reagan nos Estados Unidos (1981-1989) e Margaret Thatcher (1979-1990) no Reino Unido, mas adotadas em boa parte do mundo por outros governantes, como Helmut Kohl (Alemanha), Ruud Lubbers (Holanda) e Bob Hawke (Austrália): impostos mais baixos, desregulamentação do sistema financeiro, redução do papel do governo e outras medidas integrantes do receituário neoliberal. Essa política, arrimo da globalização, teve alguns efeitos positivos, mas foi levada a extremos por quem se beneficia delas. Para manter as políticas desejadas, que aumentavam sua riqueza (e também a desigualdade) esses grupos de interesse se encrustaram nos círculos de poder. Eles sequestraram a política.

Este fenômeno é analisado no livro Winner-Take-All Politics (Política do vencedor leva tudo, em tradução livre), dos professores Jacob S. Hacker, de Yale, e Paul Pierson, da Universidade da Califórnia. Em artigo de capa da revista Foreign Affairs em dezembro de 2011, o jornalista George Packer resume o argumento do livro em duas palavras: dinheiro organizado. Foi no fim dos anos 1970 e início dos anos 1980 que as grandes corporações de diversos setores da economia passaram a financiar as campanhas eleitorais, dando início a uma “maciça transferência de riqueza para os americanos mais ricos”.

Este modelo de política, e de fazer política, grassou no mundo desenvolvido e foi transplantado para os países em desenvolvimento, onde foi emulado com maestria pelas elites econômicas locais. Não é uma surpresa, então, que a desigualdade esteja aumentando também nesta região. A Índia acumula diversos bilionários, mas continua sendo o país com mais pobres no mundo. A África do Sul é mais desigual hoje do que era no fim do regime segregacionista do Apartheid. Na China, onde não é preciso sequestrar a política, apenas pertencer ou ter um bom relacionamento com o Partido Comunista, a desigualdade é semelhante à sul-africana: os 10% mais ricos ficam com 60% da renda.

A América Latina e o caso do Brasil
O único lugar do mundo onde a desigualdade está caindo de forma sistemática é a América Latina, justamente a região mais desigual do mundo. Isso ocorreu nos últimos anos por dois motivos. O modelo neoliberal, e a ascensão do “dinheiro organizado”, também chegaram aos países latino-americanos, mas em alguma medida entraram em choque com forças políticas contrárias a uma parte importante do receituário, a não-intervenção do Estado na economia. Assim, os governos da região, entre eles o de Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil, conseguiram estabelecer a redução da desigualdade social como uma prioridade. Em segundo lugar, os países da região, também incluindo o Brasil, foram muito beneficiados pelo rápido crescimento econômico provocado pela existência de um mundo faminto por commodities.

Há, entretanto, inúmeras dúvidas a respeito da sustentabilidade do modelo latino-americano de redução da desigualdade, especialmente quando a economia começar a desacelerar, situação em que o Brasil já se encontra. Como notou o colunista Vladimir Safatle em edição de dezembro de CartaCapital, o capitalismo de Estado do governo Lula promoveu um processo de oligopolização e cartelização da economia, o que favorece a concentração de renda nas mãos de pequenos grupos. Ao mesmo tempo, Lula não fez, e Dilma Rousseff não dá indícios de que promoverá, a universalização e qualificação dos sistemas públicos de educação de saúde. Sem essas reformas, a classe média seguirá gastando metade de sua renda com esses dois serviços básicos e os pobres continuarão com acesso a escolas e hospitais precários. Os ricos, por sua vez, não terão problemas. A desigualdade de renda poderá cair ainda mais, mas a desigualdade de oportunidades vai perseverar, e a imensa maioria dos pobres continuará pobre.

Para fazer essas reformas, e outras potencialmente capazes de reduzir a desigualdade, como a taxação de grandes fortunas e de heranças e reformas estruturais, o Brasil e outros países latino-americanos enfrentarão as mesmas questões do mundo desenvolvido. Em grande medida, a política latina foi sequestrada pelo “dinheiro organizado”. Levantamento do repórter Piero Locatelli mostra que, em 2010, 47,8% das doações eleitorais no Brasil foram feitas por empresas e que apenas 1% dos doadores foram responsáveis por 73,6% do financiamento da campanha.

O resultado disso, seja nos Estados Unidos, na Europa, na Índia ou no Brasil, é uma grave crise de representação. O cidadão não consegue participar da vida pública e ter seus anseios ouvidos pelo governantes. Os partidos, à esquerda e à direita, caminham cada vez mais para o centro e, como diz o filósofo esloveno Slavoj Zizek, fica cada vez mais difícil diferenciá-los. A esquerda, supostamente contrária aos absurdos do liberalismo econômico, ou aderiu a ele e também tem suas campanhas financiadas por grandes corporações ou não tem um modelo alternativo e crível a apresentar.

Em seu relatório, a Oxfam pede aos governos para tomar medidas que, ao menos, reduzam os níveis atuais de desigualdade social aos de 1990. É bastante improvável que os política e economicamente poderosos resolvam fazer isso do dia para a noite. Estão aí os brasileiros que chamam o Bolsa Família de bolsa-esmola e o ator francês Gerard Depardieu, que preferiu dar apoio a um ditador a correr o risco de pagar impostos de 75%, para provar isso. Talvez apenas o entendimento de que, como diz a ONG britânica, a desigualdade social é economicamente ineficiente, politicamente corrosiva e socialmente divisiva, provoque mudanças. Para isso, no entanto, é preciso que os poderosos entendam os riscos da desigualdade.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Os cuidados com as políticas protecionistas.

Olá Alunos,

A notícia de hoje é bastante correlacionada com a matéria lecionada em sala de aula pelo Professor da disciplina. Seu tema, as políticas protecionistas, foi foco de discussão doutrinária por diversas Escolas Econômicas ao longo dos anos, desde os mercantilistas, passando pelos fisiocratas e pela Escola Clássica. O excelente texto abaixo é de autoria de Luis Nassif e foi publicado no site da Carta Capital. Espero que gostem e participem.

Yuri Antunes Moreira
Monitor da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense.





Política econômica é a arte da escolha de escolher quem ganha e quem perde. Mas sem comprometer o objetivo final, que é o desenvolvimento equilibrado da economia.
Pode-se optar por políticas mais liberais, que privilegiem o capital em detrimento do bem estar dos cidadãos. Ou por política distributivistas que, ampliando o bem estar, comprometam a eficácia da economia.

O cículo virtuoso da economia consiste em criar uma demanda interna, das famílias e das empresas e fortalecer a produção interna. Mais demanda, mais produção, mais demanda, gerando o desenvolvimento auto-sustentável.

O câmbio deveria ser o grande instrumento de aumento ou piora da competitividade sistêmica da economia. Sua função é definir o grau geral de competitividade em relação a outras moedas.
Mudar o câmbio, no entanto, traz inúmeras consequências indesejáveis, das quais a principal é a pressão sobre os preços e a redução do poder aquisitivo, trazendo distúrbios políticos de monta.

Sem a ferramenta câmbio, há um arsenal conhecido de medidas protecionistas, aumento da defesa comercial do país, ampliação do conteúdo nacional nas compras públicas, desonerações fiscais.
Mas não se tem escolhas indolores. Ao movimentar uma peça, afetam-se várias casas, fortalecendo algumas, enfraquecendo outras. Se não tomar cuidado, esse hiperativismo da Fazenda pode trazer consequências bastante indesejáveis.

Há que se ponderar os seguintes pontos:

1. O risco de proteger insumos em detrimento do produto final.
Quando se protege o país da entrada de produtos finais, as consequências ocorrem apenas no bolso do consumidor: pagará mais caro pelos similares nacionais. Pode-se privilegiar mais o consumo ou mais o emprego, mas os desdobramentos da decisão são conhecidos.

Quando são insumos, o jogo é mais complicado. Quais os efeitos sobre a cadeia produtiva e o produto final? Há situações em que a proteção do insumo nacional pode tirar a competitividade do produto final, prejudicando toda a cadeia produtiva.

2. A análise acurada do similar nacional.
A proteção do produto nacional é importante, mas há que se ter limites. Ela é virtuosa quando indutora de aumento da competitividade; perniciosa, quando cria feudos não expostos a nenhuma forma de competição. Para impor conteúdo nacional, tem que se ter certeza de que ele existe e é competitivo ou poderá se tornar competitivo em um prazo razoável.

Além disso, há um prazo para adequar o sistema de compras aos novos fornecedores. Atualmente, há problemas de monta entre empresas brasileiras de máquinas e equipamentos e os sistemistas da Petrobras, para a área de plataformas marítimas. A implantação descuidada dessa política pode matar a capacidade de geração de lucros da empresa.

3. O cuidado com a isonomia.
O ativismo da política econômica tem que obedecer a uma lógica clara para todos os agentes e para a opinião pública. E, de preferência, os benefícios precisam vir acompanhados de contrapartidas claras dos agentes econômicos. A autoridade econômica tem que se impor limites, até como maneira de se defender das pressões dos grupos mais influentes.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Crítica da Razão Econômica

Olá alunos,

A postagem de hoje, se tivesse que classificar em um ranking de interesses, certamente seria a mais interessante. Ela traz uma rica reflexão acerca dos rumos que a humanidade tem tomado, permitindo que cada vez mais a organização de mercados venha interferir nas formas de organização social, tomando como ponto de partida o caso de Ingrid Migliorini, que vendeu sua virgindade. Não obstante a reflexão por si só já ser bastante interessante, ela ainda inclui diversos autores célebres como Kant e o novo fenômeno mundial, direto da Universidade de Harvard, Michael Sandel, autor do livro que eu recomendo: "Justiça, o que é fazer a coisa certa".  Essa reportagem foi publicada na Revista Veja e foi editada em alguns pontos. Espero que gostem e participem.

Yuri Antunes Moreira
Monitor da disciplina ''Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense.


Vender a virgindade e comprar o apoio de partidos políticos são duas atitudes que revelam em seus autores a mesma concepção utilitarista e rasa da vida. Uma deprecia a intimidade. A outra ultraja a democracia", diz a Carta ao leitor desta edição. As duas reportagens que se seguem aprofundam esses conceitos. Ambas tratam dos limites do exercício do poder – sobre o próprio corpo e sobre a sociedade. São questões tão fundamentais quanto antigas. A espécie humana só começou a construir a civilização quando, conquistados o fogo, a agricultura e, posteriormente a escrita, aprendeu a conter o poder dos indivíduos. Foram esses freios que permitiram a constituição de famílias e clãs, que evoluíram para os estágios de tribo, cidade e estado na longa caminhada humana. Portanto, quando se discute hoje se tudo pode ser vendido e comprado, se a tudo é possível atribuir um preço, o que está em jogo são os freios éticos. No século IV antes de Cristo, o grego Aristóteles, refletindo a sabedoria de filósofos que o precederam, assentou a pedra fundamental da catedral de valores éticos e políticos que nos permite hoje condenar a compra de votos pelos mensaleiros do PT. Quase 2000 anos depois de Aristóteles, o alemão Immanuel Kant reagiria ao utilitarismo de Jeremy Benthan e afetaria seu discípulo Stuart Mill com a noção de que, para distinguirem o certo do errado, as pessoas têm a razão, que conecta cada uma delas ao conjunto da humanidade. Nesse contexto, o certo é o ato individual que, se repetido por toda a humanidade, a tornaria melhor. Kant, portanto, condenaria Ingrid Megliorini.

 Crítica da razão econômica

 O mercado é a melhor ferramenta para criar e distribuir riquezas, mas há um enorme perigo em acreditar que se possa pôr um preço em tudo. Valores familiares, ideais e senso cívico são inegociáveis

Nesta terça-feira, 20, em algum ponto entre a Austrália e os Estados Unidos, a catarinense Ingrid Migliorini, de 20 anos, perderá sua virgindade. Seguranças ficarão a postos para garantir que certas regras sejam cumpridas. Não haverá troca de carinhos ou beijos na boca nessa "primeira vez". O encontro terá a duração mínima de uma hora, mas poderá ser prolongado conforme a vontade de Ingrid. Tudo se passará a bordo de um avião, sobre águas internacionais, para escapar do alcance das leis dos países. Ingrid leiloou sua virgindade. O vencedor do leilão, um japonês identificado apenas como Natsu, deu o lance mais alto — 780000 dólares, o equivalente a 1,6 milhão de reais. A saga, digamos assim, de Ingrid está sendo documentada pela rede de televisão australiana que criou o Virgins Wanted (Procuram-se Virgens). Além dela, o russo Alexander Stepanov também participou, mas só conseguiu 2 600 dólares por sua virgindade.

 A ousadia de Ingrid não pode ser entendida apenas como um ato de compra e venda. É mais do que isso. "É um exemplo perfeito para retratar uma era em que todas as relações, sejam emocionais, sejam cívicas, estão tendendo a ser tratadas pela lógica da economia de mercado", diz Michael Sandel, o filósofo-celebridade da Universidade Harvard, nos Estados Unidos Sandel diz que passa da hora de abrir um debate amplo sobre o processo que, nas palavras dele, "sem que percebamos, sem que tenhamos decidido que é para ser assim, nos faz mudar de uma economia de mercado para uma sociedade de mercado". A economia de mercado é o corolário da democracia no campo das atividades produtivas. Não é um regime perfeito, apenas é melhor que todos os outros. Mas o que seria uma "sociedade de mercado"? É uma sociedade qual as adolescentes podem pôr em leilão sua virgindade sem que isso produza mais do que uma simples discussão sobre o preço e as reais condições de inviolabilidade em que o produto será entregue ganhador. É uma sociedade em que valores sociais, a vida em família, a natureza , a educação, a saúde, até os direitos cívicos podem ser comprados e vendidos. Em resumo, uma sociedade em que todas as relações humanas tendem a ser mediadas apenas pelo seu aspecto econômico. Já chegamos a ela? Segundo Michael Sandel, felizmente ainda não, mas estamos a caminho.

 A visão prioritariamente econômica dos fenômenos sociais tem seus méritos. Gary Beefcer, o famoso professor da ; Universidade de Chicago, ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 1992 por suas pesquisas a respeito do fundamento econômico de certas decisões humanas importantes — entre elas o casamento e o divórcio. Outro expoente acadêmico dessa maneira de ver o mundo é o jurista americano Richard Posner. Os dois colaboram em um blog na internet em que, invariavelmente, sustentam que é certíssimo que as pessoas decidam o que fazer pensando apenas nos custos e benefícios de suas opções. A dupla é a favor de que seja posto a funcionar um mercado de órgãos. Eles argumentam que o altruísmo de doadores e suas famílias é insuficiente para satisfazer a demanda.

 Na visão de Becker e Posner, o mercado viria em socorro dos necessitados de órgãos — seja um rim, seja um pedaço do fígado, que podem ser extraídos ao custo de expor a própria vida a um risco que chega a 50%, A conta deles é irrefutável. Se existisse um mercado de órgãos, as filas nos serviços de transplante acabariam e milhares de mortes seriam evitadas. O jurista da dupla, Richard Posner, advoga também a venda de bebês recém-nascidos pelas mães que não se sintam capazes de lhes dar um lar e uma educação decente. A lógica é a mesma aplicada ao transplante de órgãos. Um mercado de bebês acabaria com as filas para adoção, e isso ainda teria um impacto social altamente positivo, pois aumentaria em muito a chance de um maior número de crianças crescer em meio a famílias abastadas, equilibradas socialmente e que valorizam a educação de qualidade.

 A ideia de um mercado de órgãos e de bebês é perfeitamente defensável quando se analisa apenas o aspecto econômico das proposições. Mas, em se tratando de relações humanas, existem muitas e outras variáveis que não podem ser desprezadas. Entre elas, é claro, o poder do dinheiro. Em pouco tempo, sustentam os adversários de Becker e Posner, os miseráveis seriam fatalmente doadores de órgãos e vendedores de crianças e os ricos, os beneficiados pela solução de mercado. Os dilemas individuais também seriam atrozes. Um deles, muito amargo, seria produzido, por exemplo, por uma mãe que se arrependesse de ter vendido o bebê. Ou, pior ainda, uma mãe que tenha sido obrigada por um marido cruel a vender o filho contra sua vontade. Portanto, o mercado funciona na economia, mas nem todas as relações sociais podem ou devem ser mediadas por sua lógica de compra e venda. Muitos se esquecem, por exemplo, de que os bancos de sangue americanos experimentaram sua maior escassez quando, em 1970, a venda de sangue foi legalizada nos Estados Unidos. Quem doava por altruísmo deixou de doar e não apareceram vendedores de sangue em número suficiente para compensar essa perda.

 O grande adversário dessa linha de pensamento, o filósofo Michael Sandel, está a anos-luz de distância de propor que o mercado é um mal em si. Ele reafirma sempre que, com todos os seus defeitos, o mercado ainda é a forma mais eficiente de organizar a produção e distribuir bens. Reconhece que a adoção de economias de mercado levou a prosperidade a regiões do globo que nunca a haviam conhecido. Sandel enfatiza também que, junto com a adoção da economia de mercado, vem quase sempre o desenvolvimento de instituições democráticas, ambas baseadas na liberdade. Os riscos apontados por Sandel, portanto, são de outra natureza. Ele alerta para o fato de que, por ser tão eficiente na economia, a lógica econômica está invadindo todos os outros domínios da vida em sociedade.

 Sandel se assusta com o fato de, em certas cidades americanas, carros de polícia circularem com placas de publicidade, penitenciárias permitirem que escritórios de advocacia anunciem seus serviços aos detentos logo após a prisão ou, ainda nessa mesma área, cadeias municipais oferecerem, em troca de dinheiro, celas vips confortáveis a quem possa pagar por elas. Ele se assusta também com o fato de que por 500000 dólares qualquer estrangeiro pode se tomar americano, comprando a cidadania. Diz Sandel: "Não acho que colocar no mercado serviços públicos e valores cívicos possa trazer qualquer benefício para as sociedades".

 Ele tem toda a razão. É evidentemente doentia uma sociedade em que seja natural vender o filho recém-nascido, anunciar o próprio rim nos classificados dos jornais, leiloar a virgindade ou comprar votos ou a cumplicidade de partidos políticos e parlamentares. Que pensariam os fundadores dos Estados Unidos, que conquistaram no campo de batalha a independência do país, se soubessem que a cidadania americana está à venda? Colocar certas coisas no mercado sinaliza que elas podem ter preço, mas não têm valor. Nações são erguidas sobre valores.

 Se o mercado de órgãos e bebês é ainda hipotético, há exemplos mais concretos da adoção da lógica econômica em esferas que antes eram impermeáveis a ela. É o caso das empresas especializadas na compra de apólices de seguro de vida de pessoas com doenças graves nos Estados Unidos. Pacientes que não esperam viver muito vendem seu seguro por uma fração do prêmio estipulado e usam o dinheiro para custear seu tratamento ou apenas obter conforto nos último meses de vida. Quanto mais rápido vier a morte, maior será o lucro de quem comprou a apólice. Esses "derivativos da morte" têm até um índice nacional com suas cotações diárias. Se as duas partes envolvidas lucram com os "derivativos da morte" e não há danos a terceiros, por que razão eles seriam antiéticos? Diz Sandel: "Quem sabe o problema moral não esteja nos danos tangíveis, mas no efeito corrosivo sobre o caráter dos investidores".

 Colega de Sandel em Harvard, o economista Roland Fryer Jr. tomou-se célebre por defender o uso de incentivos e o dinheiro para que alunos façam o dever de casa. Para Fryer, boas notas, é comparecimento em aula e a leitura de livros deveriam ser recompensados com dinheiro. Funcionou por um tempo em algumas escolas. Mas logo os professores começaram a notar que aquilo que deveria ser feito por orgulho de melhorar as notas ou pelo fato de o aluno e sua família darem valor ao estudo passou a ser feito só por dinheiro. Quando a mesada de incentivo cessava, os alunos regrediam ao estágio anterior sem ter aprendido nenhuma lição para o resto da vida. Vão ter de aprender mais tarde que dignidade, autonomia e valores éticos não podem ser medidos pelo seu preço.

 O filósofo que ligou o alarme


 0 filósofo Michael Sandel é uma estrela em Harvard. Seu curso Justiça, que virou livro em 2009, já foi frequentado por mais de 15000 alunos, formou-se um fenômeno na internet. Sua primeira aula teve 4 milhões de visualizações no YouTube. No livro O que o Dinheiro Não Compra, ele discute os limites éticos do mercado. Sandel disse ao jornalista de VEJA Guilherme Rosa que os casos de Ingrid Migliorini e do mensalão são exemplos da aplicação da lógica de mercado em domínios em que ela deveria ficar ausente.

 Em seu livro, o senhor faz uma distinção entre economia de mercado ema sociedade de mercado. Qual a diferença?

A economia de mercado é uma ferramenta valiosa e efetiva para organizar a atividade produtíva. Trouxe prosperidade e riqueza para diversas sociedades ao redor do mundo. Uma sociedade de mercado, no entanto, é diferente. Nela tudo está à venda. É um modo de vida no qual o pensamento econômico invade esferas a que ele não pertence.

 O senhor acha que já vivemos nesse tipo de sociedade em que tudo se vende e tudo se compra, sem limites éticos?

Acho que é uma tendência que vem se desenvolvendo desde o começo da década de 80 do século passado. Hoje, muita gente tem no pensamento econômico como o único instrumento para atingir o bem público. O Freakonomics (livro lançado em 2005, de Steven Levitt e Stephen Dubner) é um símbolo da tentativa de explicar qualquer comportamento humano em termos puramente econômicos. Essa visão isoladamente é limitada e desconsidera os valores morais, as atitudes e as complexidades das relações humanas. Precisamos desafiar essa ideia. 0 mercado produz riquezas materiais, mas sua lógica não pode dominar todas as demais relações entre as pessoas, isso é empobrecedor.

 Em que situações a lógica da economia de mercado pode se tornar perigosa para a sociedade?

Sempre que os mecanismos de mercado são introduzidos em esferas novas da vida, precisamos fazer duas perguntas. A primeira é se a escolha dos indivíduos envolvidos nas transações é realmente voluntária ou se existe um elemento de coerção. No caso da prostituição, precisamos questionar se a pessoa que vende seu corpo é desesperadamente pobre. Sua escolha pode não ser livre de verdade. A segunda pergunta deve ser sobre a degradação e a corrupção de certos valores. Alguém pode se opôr à prostituição dizendo que ela é intrinsecamente degradante. E a tira o valor da sexualidade e torna a pessoa humana em um objeto, um instrumento de uso e lucro.

 Por que o ato de estabelecer o preço de estabelecer o preço de algo altera o seu valor?

Bem, esse é o ponto central de meu argumento. Muitos economistas acreditam que o mercado não altera a qualidade ou o caráter dos bens. Acho absurdo que um estrangeiro possa se tornar cidadão americano apenas por ser rico o bastante para comprar a cidadania. Essa é uma realidade em nosso país.
  Isso ajuda a explicar a repulsa ao leilão de virgindade realizado pela brasileira Ingrid Migliorini?

Sim, isso joga luz sobre a degradação envolvida nesse leilão. Essa história é uma ilustração chocante da nossa tendência de colocar uma etiqueta de preço em tudo. Outro exemplo dessa tendência é a compra de votos, Do ponto de vista da lógica do mercado, faz sentido alguém que não se importa com seu voto vendê-lo ao melhor comprador. Mas nós não deixamos isso acontecer, porque não encaramos o voto com propriedade privada, mas como um dever cívico que não deveria estar à venda.



 Como podemos saber em quais áreas a lógica de mercado pode atuar por ser útil à sociedade?


É uma questão muito difícil, e eu acho que uma das razões para isso é que nas últimas décadas nós fomos muito relutantes em debater esse tema publicamente. Não podemos mais evitar a discussão sobre o significado dos valores morais e das circunstâncias nas quais eles se degradam. Todas as visões; sejam elas religiosas ou seculares, deveriam ser convocadas para um debate democrático e amplo sobre esse assunto. Sem dúvida, as respostas serão diferentes para a educação e para a saúde, para a vida privada e para a pública.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Brasileiro gasta mais com plano de saúde do que o poder público

Olá alunos,

a temática de hoje foi sugerida por alguns alunos no questionário de opinião. Uma postagem sobre a saúde do Brasil. Aí nos deparamos com uma contradição: como pode o poder público, com todos os impostos cobrados, ainda assim investir menos na saúde do que o brasileiro, que pagando todos esses impostos, gastar com planos de saúde? Para piorar, os planos de saúde, hoje cada vez mais dominantes, ainda pioram a qualidade dos serviços prestados. Aonde isso vai nos levar? Péssimo serviço público e privado de saúde? A excelente reportagem é de autoria de Viviane Tavares e foi publicado no site Brasil de Fato em 5/12/12. Espero que vocês gostem e reflitam.

Yuri Antunes Moreira
Monitor da disciplina ''Economia Política e Direito'' da Universidade Federal Fluminense. 




Do grupo de países com modelos públicos de atendimento de acesso universal, o Brasil é o que tem a menor participação do Estado

 



Maria precisava de uma consulta médica com um especialista. Embora não fosse um caso de emergência, ela esperou quase dois meses para conseguir uma consulta e o único lugar que tinha tal especialidade era a 50 km de sua residência. A situação fictícia parece ser o retrato do serviço público de saúde mostrado pela grande mídia, mas é, na realidade, o encontrado por usuários da saúde suplementar.



Atualmente, de acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009 - Perfil das Despesas do Brasil do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgada em setembro, os brasileiros gastam 7,2% de sua renda mensal com saúde, entre planos de saúde e remédios. Mas, como explicar um aumento nos gastos com saúde por parte do cidadão, superando os investimentos do poder público, e a qualidade dos serviços de saúde cada vez mais precária?



Para Ligia Bahia, doutora em Saúde Pública e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), esse fenômeno pode ser atribuído ao aumento das mensalidades e não exatamente ao fato de mais brasileiros se vincularem aos planos privados. Apesar do aumento, ela ressalta que a qualidade do serviço prestado não acompanhou a mudança e que essa pode ser a única alternativa para muitos brasileiros.



“A maioria das pessoas que adquire ou se vincula via empresa empregadora a um plano de saúde precário sabe que não pode esperar um atendimento igual ao do patrão ou dos cidadãos brasileiros ricos. A expectativa de aderir a um plano privado é a de escapar de dois grandes problemas do Sistema Único de Saúde (SUS): a demora e a total despersonalização da assistência”, explica Ligia.



Recentemente, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) divulgou que foi de R$ 1,27 bilhão o lucro líquido, no primeiro trimestre de 2012, de cerca de mil operadoras de saúde ativas no país.





Despesa pública x despesa privada



De acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009, a despesa de consumo das famílias brasileiras com bens e serviços de saúde chegou a R$ 157,1 bilhões – 4,8% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2009. Enquanto isso, a despesa da administração pública com esses bens e serviços foi de R$ 123,6 bilhões (3,8% do PIB).



Portanto, como também informa o relatório Estatísticas de Saúde Mundiais 2011, da Organização Mundial de Saúde (OMS), a iniciativa privada fica com a fatia de 56% diante de 44% dos gastos públicos com saúde. “É uma contradição estrutural. O Brasil tem um sistema universal lastreado por um financiamento de sistema segmentado. Ou seja, a expansão do mercado de planos privados só nos distancia da efetivação do SUS”.



Para Ligia Bahia, esse crescimento dos planos de saúde ainda interfere na universalização do SUS. “Como as interfaces entre o setor privado e o sistema público são muito extensas no Brasil, a existência de um mercado de planos de saúde em expansão representa um obstáculo concreto à universalização do direito à saúde. Os planos de saúde são os principais vetores de desigualdade do sistema de saúde brasileiro”, analisa.



Baseado em dados da OMS, o Conselho Federal de Medicina (CFM) mostra que o governo brasileiro tem uma participação menor do que as suas necessidades e possibilidades no financiamento da saúde pública. Do grupo de países com modelos públicos de atendimento de acesso universal, o Brasil é o que tem a menor participação do Estado (União, Estados e Municípios). Esse percentual fica em 44%, quase a metade do que é investido pelo Reino Unido (84%), Suécia (81%), e muito inferior a países como a França (78%), Alemanha (77%), Espanha (74%), Canadá (71%), Austrália (68%) e Argentina (66%).





O que a nova ‘classe média’ está consumindo?



De acordo com Lígia Bahia, as coberturas dos novos planos para os segmentos de renda C e D são ainda menos abrangentes do que as tradicionais dos planos básicos brasileiros, que já são bem restritas. “O desenho dos planos corresponde à acepção de diferenciação da qualidade da mercadoria de acordo com o preço. O problema é que na saúde tal distinção colide com todas as concepções sobre a igualdade biológica da humanidade”, explica.



A professora lembra ainda que a estratificação social não pode ser transposta para a saúde. “Se fosse assim não seria necessário ter política de saúde. A estratificação origina discriminações e privilégios que estão na origem de filas que não andam e atendimento imediato de autoridades públicas e privadas e, portanto a demora injusta e evitável no tratamento de pacientes graves”, analisa.



Vale lembrar também que o próprio poder público ajuda a financiar a saúde suplementar ao oferecer esse tipo de benefício como parte da remuneração aos servidores. Ligia Bahia entende que falta consciência sanitária aos servidores públicos, inclusive àqueles que atuam em instituições de saúde. Muitos servidores públicos consideram que a saúde pública é para os pobres e que o plano privado de saúde ajuda porque desonera o SUS. O fato de os planos serem financiados com recursos públicos é pouco divulgado e as negociações de contingenciamento de salários em troca de alguns benefícios, que ocorrem nas mesas de negociação, nem sempre ficam explicitadas”, considera.





Mercado da saúde



O enfraquecimento do SUS em detrimento do crescimento dos planos de saúde também pode ser observado em outros aspectos. Um exemplo é a aquisição, anunciada no início de outubro, de 90% da empresa brasileira Amil pela estadunidense United Health. Dependendo da interpretação, o assunto é considerado inconstitucional, uma vez que está previsto na Constituição Federal o veto a “participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no país, salvo nos casos previstos em lei”. No entanto, a Lei nº 9.656/98, conhecida como Lei Geral dos Planos de Saúde, autoriza a participação de capital estrangeiro. A questão, no mínimo, merece um sinal de alerta.



Isabel Bressan, diretora do Centro Brasileiro de Estudos em Saúde, em artigo publicado na página da instituição, analisa a compra e aponta o enfraquecimento do SUS em detrimento do crescimento dos planos de saúde. “Certamente, o investidor americano acredita que caminharemos para ser como nos EUA, onde o governo paga por planos mequetrefes para pobres e idosos, garantindo para as empresas de saúde uma renda imensa gerada pelo subsídio público.



Não por coincidência, há um projeto de lei (PL 489/2011) nesse sentido, de uma deputada federal do Ceará (Ronalba Ciarlini do DEM/RN), que propõe o pagamento de um adicional em dinheiro para quem recebe Bolsa Família, para aquisição de plano de saúde. Há também uma sugestão de representantes das seguradoras de saúde de que o governo complemente o pagamento de planos para idosos como forma de compensar os preços exorbitantes que cobram das pessoas com mais de 60 anos. Tudo com o dinheiro que certamente faltará ao SUS e aumentará o lucro das empresas”, analisa.



De acordo com o artigo, esta transição bilionária é uma nova ameaça à conquista efetiva do SUS. “Conforme destacou um considerado consultor empresarial, a compra da Amil por essa empresa americana deverá forçar a adoção de um novo modelo de saúde no Brasil - o modelo americano”, enfatizou.