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sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Como o RCEP, o maior tratado de livre-comércio do mundo, afeta o Brasil e a América Latina


Caros leitores,

A assinatura do RCEP, vitória da China dentro do ambiente multilateral, dispõe de significado ímpar para o ambiente econômico por abarcar países que representam 29% do Produto Interno Bruto (PIB) do planeta. A possibilidade de ampliação do mercado e das relações de comércio dispõem de possibilidade de alteração significativa na cadeia de mercado atualmente constituída.

Nesta matéria, trazemos uma análise dos potenciais efeitos deste acordo para o ambiente regional latino-americano. Ainda, busca-se compreender quais serão os possíveis impactos ao Brasil enquanto exportador significativo de commodities para alguns dos países envoltos no acordo.

Esperamos que gostem e compartilhem!

Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

Depois de uma década em construção, o maior acordo comercial do mundo aconteceu. Líderes asiáticos assinaram no domingo (15/11), em Hanói, o mega-tratado que inclui os dez membros da Associação de Nações do Sudeste Asiático, além de China, Japão, Coreia do Sul, Austrália e Nova Zelândia.

O acordo, Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP, na sigla em inglês), será maior que a União Europeia e o Acordo Estados Unidos-México-Canadá. Os membros somam quase um terço da população mundial e 29% do Produto Interno Bruto (PIB) do planeta.

A Índia também fez parte das negociações, mas desistiu em 2019 por temer que a redução das tarifas prejudicasse seus produtores.

O acordo

O RCEP eliminará tarifas de importação pelos próximos 20 anos. O acordo também inclui dispositivos sobre propriedade intelectual, telecomunicações, serviços financeiros, comércio eletrônico e serviços profissionais.

Muitos dos países-membros já têm acordos de livre-comércio entre si, mas com limitações que podem ser superadas com o atual acordo.

"Os acordos de livre-comércio existentes costumam ser muito complexos em comparação com o RCEP", disse Deborah Elms, da organização Asian Trade Centre, à BBC em Cingapura.

Até agora, as empresas que dependem de cadeias de suprimentos globais podiam ser afetadas por tarifas, apesar de um acordo de livre-comércio, porque seus produtos tinham componentes fabricados em outro lugar. Um produto fabricado na Indonésia que contém peças fabricadas na Austrália, por exemplo, pode estar sujeito a tarifas.

No âmbito do RCEP, entretanto, os componentes de qualquer país membro serão tratados da mesma forma, o que poderia dar às empresas nos países do RCEP um incentivo para fazer parceria com fornecedores da nova aliança regional.

Qual é a sua importância geopolítica?

A ideia do RCEP nasceu em 2012 e foi vista como uma forma de a China, maior importadora e exportadora da região, se opor à influência que os Estados Unidos vinham exercendo ali durante o governo de Barack Obama.

Obama havia promovido a Parceria Transpacífica (TPP, na sigla em inglês), da qual faziam parte México, Chile e Peru, mas não a China.

O interesse pelo RCEP cresceu quando Trump retirou os EUA da Parceria Transpacífico - o país era o arquiteto do acordo e cuja economia correspondia a dois terços do total do bloco.

Na verdade, a guerra comercial entre Estados Unidos e China e a política nacionalista de Trump ("America first") acabaram com a ideia de Obama de olhar mais para a Ásia e serviram para dar força ao RCEP, que é visto como uma oportunidade de Pequim para definir a agenda comercial regional na ausência de Washington.

Como principal fonte de importações e principal destino das exportações da maioria dos membros do RCEP, a China parece ser o principal beneficiário e está bem posicionada para influenciar as regras comerciais e expandir sua influência na Ásia-Pacífico, algo que Obama queria evitar.

A Presidência de Biden mudará alguma coisa?

O comércio internacional esteve muito menos presente na agenda nesta campanha presidencial, e Biden disse relativamente pouco sobre se sua política comercial mudará significativamente ou se vai reconsiderar o retorno à Parceria Transpacífico.

Biden defende retomar uma política de multilateralismo, como durante o governo Obama, mas é prematuro falar em acordos comerciais, dados os enormes desafios que o democrata enfrentará internamente. Além disso, eventuais medidas nesse sentido correm o risco de serem vistas como prejudiciais aos sindicatos que o ajudaram a vencer nos Estados do chamado cinturão da ferrugem (região tradicionalmente industrial dos EUA).

É esperado que suas prioridades comerciais se concentrem em trabalhar com os aliados para pressionar a China e forçar mudanças na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Voltar ao que era à Parceria Transpacífico pode não acontecer no curto prazo.

Os sindicatos e os progressistas que apoiaram a eleição de Biden têm sido céticos em relação aos acordos de livre-comércio, e representantes desses grupos estão presentes em sua equipe de transição. Eles podem defender certas medidas de proteção a indústrias vulneráveis, como aço e alumínio.

Se Biden decidir se reconectar com a Ásia-Pacífico, isso pode funcionar como um contrapeso em relação à China.

Como afeta a América Latina?

O comércio bilateral entre a Ásia e a América Latina tem crescido continuamente nas últimas décadas, mas a integração entre as duas regiões tem muito espaço para avanços e pode sofrer o impacto do novo acordo, afirmam analistas.

"No curto prazo, o RCEP pode causar algum desvio comercial, limitar o crescimento do comércio entre a América Latina e a Ásia", diz Jack Caporal, especialista em comércio do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), com sede em Washington.

"No entanto, as regras comuns tornarão mais fácil para as empresas latino-americanas com presença na Ásia fazerem negócios lá", agrega Caporal. "Uma questão importante para os países latino-americanos é se eles buscarão uma integração com a Ásia individualmente ou em conjunto, como por meio da Parceria Transpacífico ou do Mercosul."

"Desde que o comércio entre a América Latina e a China explodiu, nos anos 2000, liderado quase exclusivamente pelo rápido crescimento da China e sua necessidade de matérias-primas, os países da região buscaram uma maior integração com a Ásia em geral, não apenas com a China, mas em particular com Japão, Coreia do Sul e Índia", diz à BBC News Mundo Cynthia Arnson, especialista do Wilson Center nas relações entre as duas regiões.

Arnson afirma que esse era o espírito da Parceria Transpacífico, agora dizimada na ausência dos Estados Unidos.

"A menos que o governo Biden retorne à Parceria Transpacífico, os países latino-americanos serão atraídos por uma maior participação de mercado na Ásia, que agora está representada pelo RCEP", acrescenta.

Nicolás Albertoni, professor da Universidade Católica do Uruguai e pesquisador associado do Laboratório de Política e Segurança Internacional da Universidade do Sul da Califórnia, acredita que há uma "desvantagem" para os países que não fazem parte desse tipo de mega-acordos.

"É fundamental que os países da América Latina (principalmente do Cone Sul) que não fazem parte batam à porta e peçam para fazer parte desses acordos", opina à BBC News Mundo.

E os efeitos para o Brasil?

O novo acordo deve afetar pouco a exportação de commodities brasileiras para a região, segundo especialistas em relações internacionais e comércio exterior ouvidos pela BBC News Brasil.

O professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Bruno Hendler destaca que o acordo "faz parte de uma disputa maior, entre EUA e China, por processos de integração regional que vão muito além da redução de tarifas comerciais".

Especialista em relações da China com o Sudeste Asiático e com a América Latina, Hendler pondera que os efeitos desse tipo de acordo levam anos para serem sentidos, principalmente porque muitos países tendem a usar salvaguardas para proteger setores econômicos mais frágeis.

"O reflexo mais imediato desse acordo é a tendência de elevação de competitividade dos países asiáticos pela integração nas cadeias globais de valor, que é um processo que vem acontecendo há décadas", diz Hendler.

Para o Brasil, ele diz, o impacto não deve ser tão significativo.

"O grande mercado asiático, que é o chinês, já tem acordo de livre-comércio com países que são concorrentes do agronegócio brasileiro. O novo acordo tende a oficializar uma série de acordos que já existiam - que alguns autores chamam de prato de espaguete, em referência a essas conexões. Vejo esse acordo como um 'upgrade' de uma série de acordos bilaterais e multilaterais que já existiam entre esses países. Então, no curto prazo, acho que o agronegócio brasileiro não será tão impactado porque já tem sido impactado há anos pelo acesso privilegiado que o Sudeste Asiático tem ao mercado chinês."

O presidente-executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, espera um "impacto menor" para a exportação de commodities brasileiras.

"Tínhamos preocupação com o acordo anterior (TPP ou Parceria Transpacífico), em que os EUA, nosso grande concorrente na exportação de commodities, participavam e teriam muita vantagem. No acordo atual, o impacto para o Brasil em termos de commodities muda pouco, e em relação a produtos manufaturados já temos participação muito pequena, que continuará pequena enquanto Brasil não fizer reformas estruturais internas", diz Castro.

Especialista em geografia das relações internacionais, Gustavo Glodes Blum também diz que as correntes de comércio do Brasil com a região Ásia-Pacífico, baseada nas commodities, não serão alteradas. Ele destaca, no entanto, que o Brasil pode sentir efeitos de uma possível perda de mercado dos EUA por lá.

"O efeito mais relevante para nós talvez seja um aprofundamento da disputa por mercado, com os EUA aumentando esforços de penetrar no nosso mercado. A China cria, na prática, um mercado comum na região e isso vai prejudicar circulação de produtos americanos ali dentro", diz Blum.

O ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil Welber Barral, que classifica o acordo como uma vitória da China, avalia que "pode haver algumas concessões tarifárias para países da região, que não vão abranger o Mercosul, e isso faz o Brasil perder vantagens tarifárias na região".

Barral destaca que o Mercosul terá que procurar avançar nos acordos com a Ásia. E também aponta que empresas brasileiras que eventualmente decidam se instalar em algum dos países abrangidos pelo acordo podem se beneficiar de uma plataforma de expansão na Ásia.

'Pouco ambicioso'

Embora o RCEP tenha sido uma iniciativa dos dez países da Associação de Nações do Sudeste Asiático, ele é visto por muitos como uma alternativa apoiada pela China à Parceria Transpacífico, um acordo que exclui Pequim, mas inclui muitos países asiáticos.

Doze nações, incluindo Chile, México e Peru, assinaram a Parceria Transpacífico em 2016, antes de Trump retirar seu país do acordo em 2017.

Sem os Estados Unidos, os demais países assinaram o Acordo Abrangente e Progressivo para a Parceria Transpacífica (CPTPP, na sigla em inglês). Embora inclua menos países, o CPTPP reduz as tarifas ainda mais do que o RCEP e inclui disposições sobre emprego e meio ambiente.

O ex-primeiro-ministro australiano Malcolm Turnbull criticou o novo acordo ao dizer que é desatualizado.

"Haverá alarde sobre a assinatura e entrada em vigor do RCEP, mas é um acordo comercial pouco ambicioso, não devemos nos enganar", disse Turnbull, que assinou a Parceria Transpacífico em nome de seu país.

Ativistas temem a falta de medidas para proteger os trabalhadores e o meio ambiente e que isso prejudique os agricultores e pequenos negócios em um momento em que eles já estão sofrendo devido à pandemia.

Diferenças à parte

Do lado positivo, o RCEP reúne países que costumam ter relações espinhosas, como China e Japão. Além disso, tanto Austrália quanto China estão aderindo ao acordo, apesar de relatos de que a China pode boicotar algumas importações australianas por causa de diferenças políticas.

"Você pode cooperar com alguém ou simplesmente odiá-lo, assim como as pessoas. O RCEP fez um trabalho impressionante ao se separar de outras disputas", diz Elms.

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terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Convite!



Caros leitores,

Viemos convidá-los ao Webinar "Regulação da Saúde na Pandemia: Desafios para um Plano de Vacinação contra a Covid-19", promovido pelo Núcleo Avançado de Pesquisa em Regulação da Saúde (NAPS) e pela Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV). O Evento ocorrerá no dia 16.12.2020 a partir das 18:00 e contará com a presença de:


Moderador:

Flavia Bahia - Professora e Coordenadora do Núcleo Avançado de Pesquisa em Regulação da Saúde (NAPS) da FGV Direito Rio

Palestrantes:

Maria Stella Gregori - Advogada e Consultora para empresas na área do Direito do Consumidor, Direito Regulatório e Direitos Humanos

Edson Alvisi - Professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e Consultor da Organização Pan-Americana de Saúde/ Organização Mundial da Saúde

Hermano Castro - Pesquisador titular da Fiocruz e Diretor da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca - Fiocruz.


Com o início da vacinação ocorrendo em algumas das principais potencias do globo, abre-se caminho para discutir como será o processo em um país de tamanha particularidade como o Brasil, que incluem inerentes desafios a serem resolvidos pelo Poder Público. É neste sentido que o Webinar busca promover seu debate, trazendo consigo nomes renomados no assunto.

Esperamos que gostem e participem!

Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).


Inscreva-se no Webinar aqui!

segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

A China se movimenta no tabuleiro global à espera da chegada de Biden à Casa Branca

Caros leitores,

A eleição de Joe Biden à presidência dos Estados Unidos afetará drasticamente a dinâmica das relações multilaterais, diante de uma realidade de mudança de posicionamento do país na ordem globalizada. E, frente à polarização cada vez mais enfática entre China e EUA, novos questionamentos e debates insurgem nessas relações;

Nesta matéria, trazemos uma análise de como o governo chinês constituiu sua posição diante dessa mudança de quadro, trazendo consigo medidas que visam enfatizar seu protagonismo global; bem como as respostas fornecidas pelos governo norte-americano de forma a contrapor este avanço.

Esperamos que gostem e compartilhem!

Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

Faltando dois meses para a troca de comando na Casa Branca e aguardando pistas sobre os rumos do futuro Governo de Joe Biden, a China já começou a se movimentar no tabuleiro geoestratégico global. Depois da assinatura do maior acordo comercial do mundo, o RCEP, que não tem a participação dos EUA, o presidente chinês, Xi Jinping, quer posicionar seu país como o grande líder do multilateralismo nas cúpulas internacionais que se realizam nestes dias, por videoconferência. Na cúpula da APEC― o fórum de cooperação econômica da Ásia e do Pacífico― o líder afirmou que não haverá o que ele chama de “desacoplamento”: a possibilidade de ruptura econômica absoluta entre a China e os Estados Unidos. Mas a benevolência que mostra nas cúpulas contrasta com a atitude mais áspera em relações mais espinhosas: as tensões com a Austrália, um firme aliado norte-americano, dispararam nesta semana.

No tabuleiro asiático, a ótica e as formas importam ―e muito―na condução das relações internacionais. Na cúpula da APEC, a China somou um novo ponto, depois da vitória obtida com a assinatura do RCEP no último domingo. O contraste entre as duas grandes potências não poderia ser maior. Até o último momento ainda não se sabia se por fim o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, interviria. Finalmente, na sexta-feira, ele participou de uma videoconferência com os outros líderes, mas, ao contrário de Xi, não fez nenhum discurso público. A participação foi sua primeira neste fórum desde 2017, a única ocasião em que compareceu pessoalmente a esta cúpula durante sua presidência.

Por outro lado, Xi pronunciou um amplo discurso no qual alardeou credenciais multilateralistas. “Não mudaremos de rumo nem iremos na direção contrária pela história. Não haverá desacoplamento nem formaremos grupinhos [de países] para excluir outros”, afirmou, em uma deliberada referência aos Estados Unidos. “Abrir-nos para o mundo exterior é uma política nacional primordial e não vamos relaxá-la em momento algum”, prometeu.

Encruzilhada

Esta cúpula acontece em um momento de encruzilhada, quando o panorama econômico mundial é incerto devido aos estragos da pandemia do coronavírus, os países asiáticos ―como o resto do mundo, com a notável exceção da própria China―assistiram a um declínio em sua atividade econômica e Pequim finaliza os detalhes dos planos que até 2025 devem transformar a China em um país de renda alta e, até 2035, em uma potência desenvolvida.

Uma das chaves para atingir esses objetivos é a chamada estratégia de “dupla circulação”, o desenvolvimento do mercado interno ―muito especialmente por meio da inovação tecnológica― para proteger a economia nacional dos efeitos da desglobalização e das tensões comerciais com os Estados Unidos. Embora esse novo modelo tenha gerado temores de que a China possa se dirigir para um sistema mais autárquico, Pequim insiste que um mercado interno mais robusto contribuirá para relações comerciais mais intensas com o resto do mundo. Uma mensagem que Xi reiterou: “vamos reduzir ainda mais as tarifas e os custos institucionais, desenvolveremos uma série de zonas modelo de inovação e promoção das importações comerciais e ampliaremos nossas importações de bens e serviços de alta qualidade de outros países”, disse o presidente chinês.

Pressa

Depois da assinatura do RCEP, na semana passada, a China quer implementá-lo o mais rápido possível. Na quarta-feira, o primeiro-ministro Li Keqiang liderou uma reunião do Conselho de Estado, o Governo chinês, para começar a colocá-lo em funcionamento. “Criar a maior área de livre-comércio do mundo contribuirá para estabilizar as cadeias de suprimento e as cadeias industriais”, declarou Li Keqiang. Por seu lado, o diretor do Instituto de Mercado Internacional do Ministério do Comércio, Bai Ming, destacou que a aplicação do pacto pode acelerar a negociação de outros que Pequim tem nas mãos, incluindo o tratado de investimentos com a União Europeia ou o de livre-comércio trilateral com a Coreia do Sul e o Japão.

No período de transição política nos Estados Unidos, “optar pela liberalização comercial é um grande fator positivo para a imagem da China e provavelmente mais relevante em termos econômicos do que qualquer outra opção mais agressiva”, como gestos a Taiwan ou nas águas em disputa no Mar do Sul da China, diz Alicia García-Herrero, economista-chefe para a Ásia do banco de investimento Natixis, em um comunicado depois da assinatura do RCEP.

Junto da cenoura das promessas de unidade e cooperação com os países parceiros, a China, cada vez mais confortável e assertiva em seu papel de potência em ascensão, também insiste que não hesitará em usar o bastão para defender o que considera seus interesses-chave. Essa vara se agita cada vez mais ameaçadora contra a Austrália, país com o qual as relações já vinham se deteriorando. Neste ano, as exigências de Canberra em relação a uma investigação sobre a origem do novo coronavírus, seu veto ao 5G chinês e uma série de acordos de colaboração militar com outros países da região converteram a deterioração gradual em uma queda livre.

Depois de uma série de restrições de fato às importações de produtos do país oceânico, de lagosta a minério de ferro, esta semana, diplomatas chineses entregaram a vários veículos de comunicação australianos um documento com queixas sobre 14 áreas da relação que Pequim exige que Canberra solucione em troca de por fim às suas pressões comerciais. O documento menciona, entre outras coisas, as atividades críticas contra Pequim por parte de laboratórios de ideias e de meios de comunicação. “A China está irritada. Se você fizer da China uma inimiga, a China será inimiga”, disse um diplomata do país a um repórter do jornal Sydney Morning Herald.

Os EUA também tomam posições

Enquanto isso, o administração Trump, prestes a deixar o poder, ainda move o tabuleiro que Biden herdará nas relações bilaterais. Um documento de 74 páginas divulgado pelo Departamento de Estado considera que a China aspira “revisar fundamentalmente a ordem mundial, colocando a República Popular da China no centro e cumprindo as metas autoritárias e as ambições hegemônicas de Pequim”. O texto, intitulado ‘Os Elementos do Desafio Chinês’, descreve os passos que Washington deve dar para contrariar essas intenções.

O relatório recomenda que os Estados Unidos mantenham as Forças Armadas mais poderosas do mundo “ao mesmo tempo em que melhorem a colaboração de segurança, com base em interesses comuns e uma responsabilidade compartilhada”, com seus aliados. Também enfatiza a necessidade de fortalecer a ordem mundial “livre, aberta e baseada no Estado de direito” criada depois da Segunda Guerra Mundial. Reavaliar e fortalecer seu sistema de alianças, educar os cidadãos norte-americanos sobre os desafios que a China representa e “defender os princípios da liberdade mediante o exemplo” também fazem parte das medidas a serem tomadas.

Como esperado, Pequim reagiu com duras críticas ao documento. Na entrevista coletiva diária do Ministério das Relações Exteriores, o porta-voz Zhao Lijian acusou o relatório de ser “uma mentira antichinesa” redigida por “fósseis da Guerra Fria no Departamento de Estado”.

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quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Webinar - Convite!


Caros leitores,

Viemos convidá-los para o Webinar "Dilemas do Multilateralismo: Desafios para o Brasil", promovido pelo Núcleo de Multilateralismo do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) em conjunto com a Fundação Konrad Adenauer (KAS). O Evento ocorrerá no dia 11 de dezembro a partir as 10:00 e contará com a participação de:


Abertura:

- Luciana Gama Muniz, Diretora de Projetos do CEBRI


- Kevin Oswald, Representante Adjunto da Fundação Konrad Adenauer no Brasil


- Gelson Fonseca Junior, Conselheiro do CEBRI


Debatedores:

- Lia Valls, Senior Fellow do CEBRI e Professora do Programa de Pós Graduação em Relações Internacionais da Universidade doEstado do Rio de Janeiro

- Caetano Penna, Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro

- Maria Regina Soares de Lima, Professora do Instituto de Estudos Sociais e Polítcos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

- Francisco Gaetani. Professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas

- Moderação: Carlos Milani, Senior Fellow do CEBRI e Professor e Vice-Diretor do Instituto de Estudos Sociais e Polítcos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Com os novos desafios para o multilateralismo, abre-se uma nova discussão acerca de como isso afetará o Brasil. Desta forma o Webinar traz consigo nomes especializados na matéria para enriquecer o debate.


Esperamos que gostem e participem!


Lucas Pessoa e Ygor Alonso são membros do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).


Inscreva-se no Webinar aqui!

domingo, 6 de dezembro de 2020

Convite - Live

Caros Leitores,

Viemos convidá-los para a primeira Live da serie realizada pelo GPEIA/UFF no Instagram.

O evento tem como intuito trazer a discussão acerca do tema: “Os Desafios Contemporâneos ao Multilateralismo” e contará com a participação de Gabriel Rached - Professor do PPGSD/UFF e Coordenador do Grupo de Pesquisa Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF) - e mediação de Rafaela Mello, pesquisadora do GPEIA e Mestranda do IRI/PUC-Rio.

O Evento ocorrerá no dia 8 de dezembro a partir as 18:00 no perfil @seminarioestadoeinstituicoes no Instagram


Sigam o perfil para acompanhar o evento. Esperamos que gostem e participem!

Lucas Pessoa e Ygor Alonso são membros do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).


sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Webinar - Convite!

Caros leitores,

Viemos convidá-los para o Webinar da série "Governo Biden: impactos para o Brasil - Espaço cívico e o combate à desinformação", promovido pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI). O Evento ocorrerá no dia 7 de dezembro a partir as 18:00 e contará com a participação de:


- Patricia Campos Mello, Senior Fellow do CEBRI e Repórter Especial e Colunista da Folha de São Paulo

- Ilona Szabó, Conselheira do CEBRI e Cofundadora e Presidente do Instituto Igarapé

- Fernanda Magnotta, Senior Fellow do CEBRI e Coordenadora do Curso de Relações Internacionais da FAAP

- Abertura e moderação: Carla Duarte, Diretora de Relações Institucionais e Comunicação do CEBRI

Com a eleição de Joe Biden para a presidência dos Estados Unidos, abre-se uma nova discussão acerca de como isso afetará o Brasil. Desta forma o Webinar traz consigo nomes especializados na matéria para enriquecer o debate.


Esperamos que gostem e participem!


Lucas Pessoa e Ygor Alonso são membros do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).


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quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Ataques do governo à agricultura familiar colaboram com alta dos alimentos

Caros leitores,

É marcante que, nos últimos tempos, viveu-se um aumento expressivo de alguns dos principais componentes da cesta básica, tendo o preço dos alimentos em um contexto geral subido em meio ao conturbado cenário pandêmico, que por sua vez já afeta diretamente os provimentos de inúmeras famílias.

Nesta matéria, trazemos para análise a forma segundo a qual o Governo Federal incorreu, direta ou indiretamente, nesta inflação no gênero alimentício através de medidas normativas no decurso do tempo. Traz-se, ainda, atos que podem agravar ou perdurar essa realidade em um futuro próximo.

Esperamos que gostem e compartilhem!

Lucas Pessoa e Ygor Alonso são membros do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

O aumento atípico dos preços dos alimentos nas últimas semanas resulta da pandemia e de fatores econômicos conjunturais, mas não deixa de retratar os ataques do governo à agricultura familiar e à pequena propriedade, responsáveis por 70% da produção alimentar no País.

O aumento atípico dos preços dos alimentos nas últimas semanas resulta da pandemia e de fatores econômicos conjunturais, mas não deixa de retratar os ataques do governo à agricultura familiar e à pequena propriedade, responsáveis por 70% da produção alimentar no País.

Um exemplo é o desmanche, por Bolsonaro, do sistema de preços mínimos e de estoques reguladores centralizados na Companhia Nacional de Abastecimento, recurso dos governantes anteriores para achatar picos de preços. A escalada inclui várias medidas provisórias que incentivam a grilagem das áreas de agricultura familiar pelos grandes fazendeiros do agronegócio voltado para a exportação.

O conjunto da obra põe em risco a segurança alimentar, que requer, segundo a FAO, que “todos, em todos os momentos, tenham acesso físico e econômico a alimentos suficientes, seguros e nutritivos que atendam às suas necessidades dietéticas e preferências alimentares para uma vida ativa e saudável”.

As altas dos preços dos alimentos pesaram no avanço de 0,24% do IPCA de agosto, sob influência da ampliação da demanda externa, do dólar caro, do auxílio emergencial e da inexistência de estoques estratégicos do governo. O preço do arroz acumula uma elevação de 20% e o do feijão, de até 30% neste ano.

As variações foram seguidas de temores quanto ao aumento da inflação, mas repasses de choques de preços de alimentos no atacado para o consumidor, sublinha José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, não são automáticos, muito menos proporcionais e não contaminam os preços em geral.

“A taxa Selic e os juros de mercado caem sistematicamente desde meados de 2016, graças à queda da inflação, mesmo com choques de preços de alimentos”, destaca Gonçalves em relatório da instituição.

“Fica difícil afirmar que a alta dos preços no atacado vai perdurar e que será repassada para o IPCA. Dado o peso de tais itens, sua contribuição é grande, mas, se as famílias compram por preço maior, sua renda real cai e não compram outros itens, exercendo pressão baixista sobre seus preços.”

O pico de preços evidenciou a fragilização da capacidade de atuação do Estado. Entre as medidas consta a demolição da Conab com base apenas no fervor pró-mercado. Fundada em 1990, a empresa pública unificou a Companhia de Financiamento da Produção (CFP), criada em 1943, no governo Getúlio Vargas, a Companhia Brasileira de Alimentos (Cobal) e a Empresa Brasileira de Armazenamento (Cibrazem), instituídas em 1962 e 1963, no governo Jango Goulart.

A missão da Conab é gerenciar as políticas agrícolas e de abastecimento alimentar, para atender às necessidades básicas da sociedade, de modo a preservar e estimular os mecanismos de mercado, por meio de garantias de preços para os agricultores e programas limitados de compras. Em 2000, no governo Lula, a estatal começou a trabalhar com foco na agricultura familiar e em programas sociais.

“A crise alimentar de 2008 sinalizou um papel cada vez maior para a Conab de garantir estoques alimentares suficientes para mitigar os aumentos de preços globais e manter a demanda suficiente para a produção da agricultura familiar e o consumo das famílias”, chama atenção Fábio Veras Soares, do Ipea, coordenador de estudo sobre o assunto publicado pelo Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo da ONU. Esta estrutura, diz, “é crucial para implementar e estender a cobertura de políticas de demanda estruturadas para muitas populações vulneráveis e marginalizadas em todo o País”.

No ano passado, o governo anunciou, entretanto, a venda de 27 das 92 unidades armazenadoras da Conab. No auge das compras públicas para formação de estoques reguladores, em 2012, a aquisição de alimentos beneficiou 128,8 mil agricultores. No ano passado, foram apenas 9,7 mil. O pior momento ocorreu no governo FHC, que reduziu de modo drástico a capacidade de armazenagem da Conab, destaca a newsletter especializada O Joio e O Trigo.

O ataque à agricultura familiar incluiu a Medida Provisória 910, da regularização fundiária ou da grilagem, assinada em dezembro por Bolsonaro. A MP flexibiliza a regularização fundiária e concretiza duas demandas estratégicas dos ruralistas, facilitar a transferência para o mercado do estoque de 88 milhões de hectares das terras públicas da reforma agrária e ampliar de quatro para 15 módulos fiscais o tamanho dos imóveis passíveis de legalização por simples autodeclaração dos requerentes, que são grandes proprietários e grileiros. Em julho, o presidente decidiu acelerar a titulação com vistoria indireta das propriedades.

“Para regularizar 95% das 97 mil propriedades há legislação, o que falta é estrutura para fazer a titulação para os pequenos proprietários. O que o governo quer legalizar são as grandes áreas públicas que foram griladas e invadidas por fazendeiros e grileiros. Boa parte dessas áreas é habitada por indígenas, quilombolas, trabalhadores sem-terra, posseiros, ou seja, se ele pretende fazer a titulação só com base em imagens aéreas sem verificar no local o povoamento e eventuais disputas, aumentará ainda mais o conflito no campo e ampliará o problema ambiental”, dispara o deputado Nilto Tatto, da Frente Ambientalista do Congresso.

A desnacionalização do petróleo e o desmanche da Petrobras, que, após privatizar gasodutos e a distribuidora BR, quer vender também as suas refinarias sem aprovação do Congresso, ameaçam a autossuficiência em derivados de petróleo e gás, uma preocupação crescente diante da perspectiva de risco energético em 2025 com a possível insuficiência da oferta de petróleo para atender à demanda mundial, prevê a geóloga Patrícia Laier, diretora do Sindipetro do Rio de Janeiro. Os motivos incluem o declínio de descobertas e da produção dos campos convencionais. Os preços dos derivados de petróleo, vale lembrar, têm grande peso na cotação dos produtos alimentícios.

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segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Convite

Caros leitores,

Viemos convidá-los ao Webinar "O ambientalismo após a eleição de Joe Biden", promovido pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI). O Evento ocorrerá no dia 25 de novembro, a partir das 18:00 e contará com a participação de:

Thomas Lovejoy, Fundador e Presidente do Amazon Biodiversity Center e do Biological Dynamics of Forest Fragments Project e Senior Fellow da United Nations Foundation;

Sergio Amaral, Conselheiro do CEBRI e ex-Embaixador do Brasil em Washington D.C.;

Izabella Teixeira, Senior Felow do CEBRI, ex-Ministra do Meio Ambiente e Co-Chair do Painel Internacional de Recursos Naturais da ONU Meio Ambiente (IRP/UNEP);

Julia Dias Leite, Diretora-Presidente do CEBRI.

Diante dos resultados das eleições presidenciais dos Estados Unidos, vislumbra-se um cenário de novo tratamento dado pelo país em matéria de meio ambiente, o que por sua vez traz possíveis consequências na forma de lidar com a questão internamente, especialmente no que tange à Amazônia. 

Para debater tais questões, o Webinar propõe jogar luz a esse debate, trazendo consigo nomes de grande relevância na matéria.

Esperamos que gostem e participem!

Lucas Pessoa e Ygor Alonso são membros do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

Inscreva-se no Webinar aqui

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

A covid-19 pode ajudar a acelerar a inclusão no transporte da América Latina


Caros leitores,

A pandemia do novo coronavírus impôs um marcante impacto a diferente setores, no entanto é indubitável que um dos mais afetados frente à contenção da circulação urbana foi o dos transportes públicos. Essa realidade permite analisar e discutir caminhos e possibilidades, inclusive de melhoria no serviço a ser oferecido.

Nesta matéria, trazemos uma entrevista com o Vice-Presidente de infraestrutura do Banco Mundial, em que este debate a realidade da América Latina e como a situação excepcional vivenciada pode trazer uma nova forma de pensar acerca do fornecimento deste serviço, especialmente em termos de democratização e maior segurança às mulheres.

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Lucas Pessoa e Ygor Alonso são membros do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

Quando a covid-19 passar e olharmos para trás, o transporte público se destacará como um dos setores mais afetados. Desde o início, em fevereiro, entre 60% e 90% dos latino-americanos deixaram de usar ônibus, metrô ou trem por causa das medidas de confinamento e distanciamento social.

Contudo, na realidade pós-pandemia, o transporte pode ampliar seu papel de inclusão social e econômica ―inclusive contribuindo com o empoderamento das mulheres―, tornando-o mais sustentável, seguro e acessível, segundo Makhtar Diop, vice-presidente de Infraestrutura do Banco Mundial.

Diop, um senegalês que morou durante quatro anos no Brasil, fala nesta entrevista sobre as oportunidades e desafios que a região enfrentará em seus sistemas de transporte público pós-pandemia; e especialmente como as mudanças trazidas pela covid-19 podem ser uma oportunidade de tornar o setor mais inclusivo para as mulheres.

P. Sabemos que a covid-19 vem tendo graves impactos negativos na saúde e na economia da América Latina e do Caribe. Qual é a importância da infraestrutura na resposta à crise?

R. Ela tem um papel muito importante. A pandemia teve fortes efeitos negativos nos serviços de infraestrutura, exacerbando ainda mais seus impactos sociais e econômicos. Os pobres não conseguem ir trabalhar, frequentar a escola e chegar até as unidades de saúde quando mais precisam. O setor de energia sofreu impactos consideráveis: o consumo per capita despencou abaixo da média global de 2017 e as pessoas e empresas estão tendo dificuldades em pagar suas contas. Repensar os serviços de infraestrutura é fundamental para nos recuperarmos da covid-19, principalmente na América Latina, região que ainda investe relativamente pouco em infraestrutura em comparação ao resto do mundo. Sob as condições certas, os investimentos privados podem ajudar, e há muito o que a região pode fazer nesse sentido. Também precisamos reconhecer que a resposta à pandemia esbarra em limitações fiscais. Por isso, os pacotes de recuperação da covid-19 precisam conter investimentos de alta qualidade em setores como o transporte.

P. Um dos efeitos mais visíveis da covid-19 são as ruas vazias em nossas cidades. Os sistemas de transporte público da América Latina estão prontos para enfrentar os problemas que já existiam e também os novos desafios impostos pela pandemia?

R. Desde fevereiro, o número de usuários do transporte público na região caiu entre 60% e 90%, principalmente pelo medo de os passageiros contraírem o vírus em ônibus, trens ou aviões. Ao todo, isso vem custando às operadoras de transporte público cerca de 380 a 400 milhões de dólares por mês e algumas já faliram.

A covid-19 expôs muitas das vulnerabilidades do setor de transportes, mas também representa uma oportunidade para resolver os problemas e tornar os sistemas mais resistentes. Portanto, o transporte deve ser parte importante dos pacotes de estímulo fiscal relacionados à covid-19 na América Latina e no Caribe. Projetos bem planejados podem resolver antigas limitações e contribuir para o aumento do PIB, ao mesmo tempo mantendo o endividamento sob controle e promovendo uma recuperação verde e inclusiva. Os projetos regionais de manutenção de estradas rurais, por exemplo, têm o potencial de gerar entre 200.000 e 500.000 empregos anualizados diretos para cada 1 bilhão de dólares gasto.

Hoje, os sistemas de transporte de diversos países latino-americanos padecem de acesso precário, serviços de baixa qualidade, custos altos e falta de segurança, principalmente para mulheres e meninas.

P. A mobilidade inclusiva é um dos principais desafios da América Latina e do Caribe. Qual é o panorama real do acesso das mulheres ao transporte na região?

R. Já houve grandes avanços, mas o transporte público na região, em sua maioria, ainda trata mulheres e homens da mesma forma, apesar de suas necessidades diferentes. Se essa questão não for levada em consideração, os sistemas de transporte podem se tornar ambientes hostis para as mulheres. Seis em cada dez mulheres nas principais cidades latino-americanas dizem já ter sofrido assédio físico no transporte público. Um estudo recente do Banco Mundial sobre o sistema de trens suburbanos do Rio de Janeiro indicou que as mulheres estariam dispostas a pagar mais para usar vagões de uso exclusivo. Perversamente, no entanto, a segregação de vagões por gênero também pode aumentar o estigma e o risco de assédio: quase um quarto dos passageiros homens acreditam que as mulheres que não usam os vagões exclusivos são parcialmente responsáveis pelo assédio. O fardo do assédio que recai sobre as mulheres é um fenômeno global: em Nova Déli, na Índia, alunas aceitas nas melhores faculdades preferem frequentar instituições de qualidade inferior só para ter um deslocamento mais seguro.

Também temos de lembrar que não se trata apenas de assédio. As mulheres tradicionalmente precisam usar o transporte durante a gravidez, acompanhadas de crianças pequenas ou carregando compras pesadas. Geralmente, elas precisam caminhar mais ou usar meios de transporte informais por falta de alternativas. Essa situação é ainda mais difícil para as mulheres de baixa renda e sujeitas a diversas vulnerabilidades, como as que moram em áreas remotas, com serviços não confiáveis e ruas desertas e mal iluminadas. Infelizmente, tudo isso contribui para um círculo vicioso de desvantagens que as obriga a trabalhar apenas meio período, com baixos salários ou só perto de casa, ou mesmo a evitar qualquer deslocamento, prejudicando suas chances de conseguir emprego remunerado.

P. O que podemos fazer para oferecer uma maneira mais segura para as mulheres usarem o transporte público na América Latina?

R. O mais importante é incluir as mulheres desde o início na concepção e implementação dos sistemas de transporte. Afinal, ouvir as necessidades de 50% da população é essencial para termos sistemas inclusivos e seguros para todos. Estamos lançando um curso online junto com a ONU Mulheres para capacitar os funcionários do setor de transportes, com o intuito de internalizar as questões de gênero na concepção e gestão dos projetos de transporte.

Outro fator importante é o uso da tecnologia. A América Latina foi pioneira no uso da tecnologia para dar mais segurança às mulheres. Na Cidade do México, por exemplo, um projeto do Banco Mundial introduziu um aplicativo que conecta imediatamente as mulheres à polícia e a serviços oferecidos às vítimas. O projeto inclui treinamento para os usuários sobre como intervir. Em Quito, a iniciativa “Bajale al Acoso” (“Abaixo ao assédio”) inclui um sistema semelhante de mensagens de texto para respostas rápidas. Muitas cidades ―como Bogotá, Buenos Aires, Rio e São Paulo― também fazem campanhas de conscientização e ações de capacitação para envolver a comunidade.

P. O que precisa mudar para que as mulheres tenham acesso a mais oportunidades por meio de sistemas de transporte mais seguros e acessíveis na região?

R. A solução exige que as mulheres tenham um papel central na concepção dos sistemas de transporte e que sejam uma parte representativa dos trabalhadores e dos tomadores de decisão no setor. Também precisamos de dados de qualidade e de uma boa compreensão do problema.

Do ponto de vista econômico, o empoderamento das mulheres faz todo o sentido. De acordo com estimativas, se as mulheres tivessem a mesma participação que os homens nos mercados de trabalho, a economia mundial receberia um influxo de 28 trilhões de dólares até 2025. Nos países em desenvolvimento, o maior obstáculo para que as mulheres trabalhem é a falta de transporte adequado, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho. Por esse motivo, a probabilidade de trabalhar fora de casa é quase 17% menor para as mulheres. Uma combinação de fatores estruturais ―incluindo o assédio, mas também a participação desproporcional das mulheres nas responsabilidades domésticas― acabam por restringir as mulheres a empregos mais próximos de casa. Vimos isso em estudos em Buenos Aires e na Cidade do México, por exemplo; embora o tempo de deslocamento das mulheres seja igual ao dos homens, sua esfera de deslocamento é muito mais limitada, reduzindo seu acesso às oportunidades.

Com a crise da covid-19, muitos países e cidades latino-americanas estão repensando seus sistemas de transporte para torná-los mais inclusivos para todos, inclusive as mulheres. O Banco publicou recentemente um importante relatório (“Por que ela se move? - Um estudo da mobilidade das mulheres em cidades latino-americanas”) apresentando as complexidades que as mulheres de baixa renda na América Latina e no Caribe enfrentam diariamente ao se deslocar. O objetivo é ajudar as cidades a “reconstruir melhor”. A recuperação pós-covid-19 precisa trazer o gênero para o primeiro plano e sanar os diversos desafios que as mulheres enfrentam no transporte público. Investimentos de qualidade e que promovam a inclusão aumentarão as oportunidades de emprego para mulheres e homens, e estimularão o crescimento verde. Tenho certeza de que a América Latina continuará liderando esse esforço.

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quarta-feira, 18 de novembro de 2020

China e outros 14 países da Ásia e Oceania assinam o maior acordo comercial do mundo

Caros leitores,

Em meio a um momento de acirramento do embate existente entre as duas principais potências econômicas do globo - EUA e China - e diante de um momento político de questionamentos por parte do primeiro ao que consiste na ordem multilateral, novas possibilidades fizeram-se possíveis.

Nesta matéria, trazemos a assinatura daquele que consiste no maior acordo comercial do mundo, que abdica da participação dos norte-americanos e traz consigo a busca pela China de firmar-se na ordem multilateral, encabeçando planos audaciosos de integração que envolvem principalmente o oriente.

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Lucas Pessoa e Ygor Alonso são membros do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

Quinze países da Ásia e da Oceania assinaram no domingo (15) um acordo para formar a maior associação comercial do mundo, em uma grande vitória para a China, principal promotora do projeto desde que ele começou a ser negociado, em 2012. A Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP, na sigla em inglês) exclui os Estados Unidos, mas reunirá 2,1 bilhões de consumidores e 30% do PIB mundial.

China, Japão, Coreia do Sul, Austrália e Nova Zelândia assinaram o pacto, juntamente com os dez países que compõem a Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean) ―Indonésia, Tailândia, Singapura, Malásia, Filipinas, Vietnã, Myanmar, Camboja, Laos e Brunei― ao fim da reunião de cúpula desta organização, realizada neste ano por videoconferência devido à pandemia. A Índia, que decidiu abandonar as negociações no ano passado devido ao temor de que produtos chineses baratos inundem seu mercado, terá a possibilidade de se incorporar à RCEP no futuro, se quiser.

Como a reunião foi por videoconferência, a assinatura do acordo seguiu um protocolo próprio, adaptado às circunstâncias da pandemia. Cada país realizou sua própria cerimônia, na qual o respectivo ministro do Comércio firmou o documento sob o olhar de seu chefe de Governo ou de Estado.

“Estou muito satisfeito porque, depois de oito anos de negociações complexas, finalmente concluímos hoje de forma oficial as negociações da RCEP”, afirmou o primeiro-ministro vietnamita, Nguyen Xuan Phuc, cujo país preside atualmente a Asean.

Impulso

O sucesso das negociações e a assinatura do acordo representam um impulso econômico e político para Pequim. Como principal propositor dessa iniciativa, a China consolida sua influência na Ásia, em detrimento dos Estados Unidos. Envia a mensagem de que é Pequim, e não Washington, o Governo que está realmente interessado na região. Ela poderá desempenhar um papel-chave no desenvolvimento das regras comerciais do continente. O pacto abre ainda novos mercados para suas exportações, em um momento de incerteza sobre a evolução da economia global. E reforça as credenciais que o país busca como defensor global do multilateralismo, em meio a uma tendência à desglobalização que foi acelerada pela pandemia de covid-19.

O pacto é uma alternativa ao TPP, o Acordo Transpacífico de Cooperação Econômica. A administração do ex-presidente americano Barack Obama via o ambicioso acordo entre países dois lados do Pacífico, do qual a China estava ausente, como um pilar econômico para sustentar a influência dos Estados Unidos na Ásia. Quando chegou à Casa Branca, o presidente Donald Trump ordenou a retirada americana do pacto, que outros 11 países ratificaram.

A saída americana foi um golpe quase fatal para o TPP e reforçou os argumentos de quem afirmava que a maior potência mundial não tem interesse em se envolver realmente na região. A decisão de Trump reavivou as negociações para a RCEP, que se arrastavam havia anos. O interesse dos Governos regionais de encontrar formas de estimular suas economias, afetadas primeiro pela guerra comercial e tecnológica entre EUA e China e depois pela pandemia, fez o resto.

Para o primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, “nas atuais circunstâncias mundiais, [o acordo] traz um raio de luz e de esperança em meio às nuvens escuras” deixadas neste ano pela pandemia e pelas tendências desglobalizantes. A RCEP, acrescentou, “mostra claramente que o multilateralismo é o caminho correto e representa a direção adequada para a economia mundial e o progresso da humanidade”.

“Acreditamos que a RCEP, como o maior acordo de livre comércio do mundo, é um importante passo rumo a um marco ideal de comércio global e regras para o investimento”, assinalaram os países signatários em um comunicado. É um grupo muito diverso, que inclui algumas das economias mais avançadas do mundo, como o Japão; a “socialista com características chinesas” em Pequim; e algumas das mais pobres do planeta, como Laos e Camboja.

Diferenças

A RCEP e o TPP são muito diferentes. Enquanto o TPP se concentrava na redução de barreiras não tarifárias (proteção do meio ambiente, padrões para investimento estrangeiro), a RCEP dá ênfase principalmente às tarifas, sem a preocupação com proteções dos direitos trabalhistas, oferecidas pela tratado promovido originalmente pelos EUA.

A aliança elimina tarifas sobre mais de 90% dos bens trocados entre os membros. O acordo também inclui proteções sobre propriedade intelectual e capítulos sobre investimentos e comércio de bens e serviços. Além disso, estipula mecanismos para a resolução de disputas entre os países.

No total, a RCEP reduz tarifas e estabelece regras em cerca de 20 áreas. Entre outros, elimina impostos sobre 61% das importações de produtos agrícolas e pesqueiros da Asean, Austrália e Nova Zelândia, juntamente com 56% da China e 49% da Coreia do Sul.

Com a assinatura do acordo, aumenta a pressão sobre o presidente eleito dos EUA. Joe Biden, para demonstrar o compromisso de seu futuro Governo com a região que acumula o maior potencial de crescimento nos próximos anos. Biden afirmou no ano passado que tentará renegociar o TPP para que os Estados Unidos se reincorporem ao pacto, o que não parece ser uma tarefa fácil.

As próprias negociações iniciais para levar adiante o pacto promovido pelos EUA já se mostraram muito espinhosas, e é possível que economias como a japonesa exijam condições mais rígidas. O próximo inquilino da Casa Branca também terá de lidar com um Congresso muito mais reticente em relação a grandes acordos comerciais. À medida que a campanha eleitoral foi avançando, Biden foi se mostrando menos enfático sobre suas aspirações de retomar o TPP, e já declarou que prefere se concentrar primeiro na recuperação econômica e na luta contra a pandemia.

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segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Convite!


Caros leitores,

Viemos convidá-los ao Webinar "Uma nova relação com a América do Sul?", promovido pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI). O Evento ocorrerá no dia 18 de novembro a partir as 15:00 e contará com a participação de:

Emma Mejía, Ex-Ministra da Educação e Relações Exteriores da Colômbia;

Tom Shannon, ex-Subsecretário do Departamento de Estado para o Hemisfério Ocidental;

Rubens Ricupero, Conselheiro Emérito do CEBRI;

Hussein Kalout, Senior Fellow do Núcleo América do Sul do CEBRI e Pesquisador da Universidade Harvard;

Feliciano de Sá Guimarães, Professor do Instituto de Relações Internacionais da USP.

Com a eleição de Joe Biden para a presidência dos Estados Unidos, abre-se uma nova discussão acerca de como isso afetará o Brasil, bem como a perspectiva de construção de uma nova relação entre EUA e a América do Sul. 

É perante esse quadro que o Webinar propõe seu debate, trazendo consigo nomes especializados na matéria.

Esperamos que gostem e participem!

Lucas Pessoa e Ygor Alonso são membros do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).



quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Democracia e degradação institucional


Caros leitores,

Muito se discute acerca do estado do ambiente democrático nos tempos que vivemos. Transcorridos 32 anos de vigência do texto constitucional, é perceptível uma corrosão cada vez maior dos pilares que sustentam aquilo que é conhecido como Estado Democrático de Direito.

Nesse artigo, discute-se diferentes eventos históricos que incorreram nessa degradação e o perigoso caminho pelo qual estamos indo, bem como as perspectivas - positivas ou não - de futuro da própria democracia brasileira.

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Lucas Pessoa e Ygor Alonso são membros do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

O impeachment de Dilma Rousseff abriu um caminho de degradação institucional muito mais rápido do que seria possível imaginar naquele momento. A partir desse acontecimento e, principalmente, da eleição de Jair Bolsonaro, novos elementos se acrescentam à tendência antidemocrática, tais como o ataque do Poder Judiciário e das instituições de controle do sistema político

Em 2016, alguns meses antes do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, abri meu novo livro, intitulado Impasses da democracia no Brasil, com as seguintes palavras: “O Brasil se encontra hoje no rol das nações com democracias fortes e consolidadas. Por qualquer medida significativa proposta por teorias que medem o estado da arte da democracia, o Brasil se encontra em uma posição boa. Se tomarmos uma perspectiva histórica, por exemplo, o Brasil tem uma democracia mais forte hoje do que ele teve no período 1946-1964, já que não houve desde 1985 nenhuma tentativa dos militares de intervir na política, tal como ocorreu em 1954, 1956 e 1961. Ao mesmo tempo, se tomarmos como medida o número de transmissões de poder, o Brasil, com a posse recente da presidenta Dilma para um segundo mandato, já teve mais transmissões democráticas do poder, neste período, 1985-2015, do que em qualquer outro período. Quando adotamos a perspectiva comparada, percebemos que a democracia brasileira passou por menos percalços do que as democracias dos países vizinhos, em especial as democracias argentina e chilena. No caso argentino, diversos presidentes não conseguiram completar o seu mandato, casos de Alfonsín e De la Rua. Assim, nenhum presidente não peronista completou o seu mandato no país vizinho. Já no caso do Chile a constituição pinochetista continua vigorando e impondo um regime eleitoral que impede a sua mudança constitucional. Portanto, seja na perspectiva internista, seja na perspectiva comparada a democracia brasileira fez importantes avanços”.

Evidentemente essa é uma análise ultrapassada da democracia brasileira. O impeachment de Dilma Rousseff abriu um caminho de degradação institucional muito mais rápido do que seria possível imaginar naquele momento. A partir desse acontecimento e, principalmente, da eleição de Jair Bolsonaro, novos elementos se acrescentam à tendência antidemocrática, tais como o ataque do Poder Judiciário e das instituições de controle do sistema político. Esse ataque permitiu o afastamento, pelo STF, do presidente da Câmara dos Deputados e a tentativa de remoção do presidente do Senado, em 2016. Tais fatos organizaram-se em um crescendo a partir da suspensão de nomeações ministeriais, em especial a nomeação do ex-presidente Lula para a Casa Civil, e da suspensão do indulto natalino, ambas prerrogativas exclusivas do presidente da República. A intervenção no Rio de Janeiro e a tentativa de uso das Forças Armadas na greve dos caminhoneiros em maio de 2018 completaram a equação de violação de direitos e de adesão a uma política de segurança pública anticidadã. O auge desse estado de coisas se evidenciaria com a justificação aberta da violência por candidatos que, não por acaso, acabaria se manifestando explicitamente no atentado contra o próprio Bolsonaro e em ações de seus apoiadores quando indivíduos foram agredidos ou até mesmo assassinados, como no caso do capoeirista Moa do Katendê, esfaqueado em Salvador durante a eleição de 2018. Neste artigo tentarei mostrar, em primeiro lugar, a centralidade do impeachment no processo de degradação institucional no Brasil; em seguida demonstrarei como o Judiciário foi politizado e instrumentalizado por Sérgio Moro, para então mostrar como o bolsonarismo aposta no aprofundamento do processo de degradação institucional.

Impeachment: entendendo o processo

O impeachment da presidenta Dilma representou uma reversão de comportamentos institucionais que tiveram sua origem no início da redemocratização brasileira. A instauração da Nova República, com a retirada dos militares do exercício do poder político e a extinção de seu poder de veto sobre resultados eleitorais, inaugurou uma mudança de perspectiva em relação ao processo sucessório e à democracia no Brasil. As primeiras eleições do período da Nova República foram marcadas por uma mudança de comportamento no que tange ao reconhecimento de resultados eleitorais. Apesar da demora no processo de apuração eleitoral em 1989, todos os atores envolvidos nele esperaram o resultado antes de se posicionar sobre o segundo turno. O mesmo aconteceu nas eleições de 1994, 1998, 2002, 2006 e 2010. Assim, de alguma maneira, é possível argumentar uma mudança no comportamento das elites políticas que sugeria a transformação das eleições democráticas no único jogo na cidade. No entanto, desde o início da Nova República, elementos antidemocráticos estavam presentes em nossa institucionalidade, ainda que atuassem de modo bastante discreto: o impeachment e a possibilidade de intervenção dos militares nas questões de ordem interna.

O impeachment no Brasil não segue o padrão internacional do presidencialismo, de acordo com o qual deve ser um evento muito raro e, para tal, não deve envolver questões administrativas (maladministration) ou de oposição política. Ainda assim, entre os casos de impeachment, o do ex-presidente Collor teve fortes elementos consensuais, envolveu a ideia da remoção de um presidente mal avaliado, mas também incorporou um forte consenso entre as instituições políticas, a ponto de, na votação sobre seu afastamento na comissão especial da Câmara dos Deputados, o presidente ter tido apenas um voto, o do líder do governo. 

O impeachment da presidenta Dilma Rousseff foi baseado em alegações extremamente frágeis, porque a ideia de pedalada fiscal não constituía um diferencial de comportamento em relação a outros presidentes ou governadores.1 Além disso, temos várias evidências posteriores ao impeachment de acordos políticos com o intuito de afastar Dilma. A principal consequência do impeachment recente é um relativismo institucional a partir do qual não existem mais interesses gerais na democracia brasileira e na atuação das instituições. O fato de o processo de impeachment do ex-presidente Michel Temer não ter prosperado, a despeito das evidências de um governo completamente envolvido com a corrupção, acentuou a desconfiança dos brasileiros na democracia. Nas pesquisas que realizamos no Instituto da Democracia da UFMG (www.institutodademocracia.org) foi possível perceber uma intensa degradação  do apoio dos brasileiros à democracia ao longo de 2018, o que abriu espaço para a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro. Assim, é possível dizer que o impeachment da presidenta Dilma foi mais do que um impeachment. Ele foi o destampar de uma panela de pressão que permitiu uma volta ao passado no comportamento das elites não democráticas no Brasil.

Condenação do ex-presidente Lula

Tal como no caso da competição política, o Brasil colocou em prática estruturas fortes de autonomia judicial entre 1988 e 2014. O Judiciário assumiu prerrogativas de independência em relação ao Executivo, mas também em relação à ampliação de direitos, com decisões-chave, como Raposa Serra do Sol e implantação de cotas no ensino superior. Ainda assim, vínhamos de um Judiciário oligárquico, tradição que não foi rompida nem mesmo com a instituição do concurso público, uma vez ele não impediu as famílias de operarem ou pela via do quinto da OAB ou pela via de relações espúrias entre juízes e escritórios de advocacia. Ainda assim, é possível apontar um saldo positivo na maneira como o Poder Judiciário foi adquirindo novas prerrogativas nesse período.

A Operação Lava Jato mudou essa equação, relativizando a estrutura de direitos de defesa no combate à corrupção. Porém, ainda mais grave, ela acabou por fornecer prerrogativas absolutas a um juiz de primeira instância que, como ficou comprovado, tinha projetos políticos e estava disposto a perseguir judicialmente um ex-presidente. Sérgio Moro, no caso do ex-presidente Lula, orientou a delação premiada, aceitou a denúncia, legalizou a posse de um apartamento por provas indiretas e alegou ter fórum para todas essas ações, apesar de o STF só ter lhe concedido foro sobre as ações ligadas à Petrobras. Isso depois de ser censurado pelo ex-ministro Teori Zavascki acerca de vazamentos de gravações que contrariam a lei brasileira sobre o assunto, chegando inclusive a gravar a defesa do ex-presidente.

Vale a pena utilizar dados comparados sobre quando um juiz é impedido de continuar presidindo um julgamento nos Estados Unidos. Ali, o fato de o juiz ter conhecimento prévio do caso ou ter atuado de forma ilegal é, em geral, suficiente para ser impedido de atuar. No julgamento do ex-presidente Lula coube ao próprio Sérgio Moro dizer por que ele continuava sendo um juiz neutro. Cito sua sentença do caso: “No entendimento deste julgador, respeitando a parcial censura havida pelo ministro Teori Zavascki, o problema nos diálogos interceptados não foi o levantamento do sigilo, mas sim o seu conteúdo, que revelava tentativas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de obstruir investigações e a sua intenção de, quando assumisse o cargo de ministro-chefe da Casa Civil, contra elas atuar com todo o seu poder político”. Analisemos o julgamento proferido pelo então ministro Teori nesse caso para ver se de fato o juiz interpreta a censura que recebeu de forma correta. Afirmou Zavascki no ponto 7 de sua decisão: “Ainda mais grave, procedeu a juízos de valor sobre referências e condutas de ocupantes de cargos previstos nos artigos 102 I, b e c”. Ou seja, estamos diante de um juiz que tergiversou em questões processuais, que contou com o apoio da mídia para fazê-lo e que, assim, degradou a imparcialidade do sistema de justiça no Brasil.

A mais grave dessas operações foi a que pautou no STF um caso particular de habeas corpus, o de Lula, antes de uma ação genérica sobre o tema e que determinou a prisão do ex-presidente. São igualmente graves as decisões do ministro Edson Fachin de remeter ações ao plenário, a seu bel-prazer, quando ele está em minoria na segunda turma do STF. Como resultado, coloca-se a questão da ascensão do Judiciário ao papel de força política com poder de veto sobre o sistema político e com elementos muito fortes de privilégio interna corporis. A trajetória anterior do STF de dois pesos e duas medidas e de relativização das regras do estado de direito degradou a democracia ainda antes da posse de Bolsonaro, que aprofundou o processo.

Todos esses elementos sugerem que o Judiciário brasileiro é parte de um itinerário de ascensão do poder das instituições contramajoritárias acima do sistema político. Trata-se de um detour jurídico por meio do qual os membros do Poder Judiciário têm a capacidade não apenas de se expressar para além das regras do estado de direito, como também de se associar a outros atores que o fazem abertamente. Essa postura de enfraquecimento do estado de direito foi aproveitada por Jair Bolsonaro, tornando ambos – a democracia e o estado de direito – ainda mais vulneráveis em nosso país.

Governo Bolsonaro, militares e degradação institucional

O período que teve início em 2016 envolve dois momentos diferentes. No primeiro, uma democracia praticamente consolidada abriu mão de ser uma democracia plena para se tornar um arranjo entre elites conservadoras capitaneadas pelo PMDB e pelo PSDB e associadas às forças do mercado. Degradou-se ali a democracia de forma que talvez pudesse ser revertida em 2018, mas, por causa das intervenções judiciais e militares, não houve reversão. Com a eleição de Jair Bolsonaro passamos a um segundo momento, no qual se agregou em torno do presidente um conjunto de atores com baixas convicções democráticas – se é que possuem alguma. Penso aqui no atual ministro da Justiça, ou na ministra dos Direitos Humanos, que viola direitos de uma criança de 10 anos, ou no Procurador-Geral da República, que desmonta toda a estrutura de direitos construída pela instituição. Com o capitão reformado na Presidência, a degradação deixa de ser uma consequência e passa a ser um objetivo. 

O bolsonarismo degrada as instituições de duas maneiras: em primeiro lugar, por meio de uma rede impressionante de geração de fake news. Graças a ela, consegue atacar o sistema político, o STF e até mesmo o Carnaval do Rio de Janeiro. Esses ataques reduzem a legitimidade das instituições políticas – que já era baixa desde 2014 e tornou-se baixíssima em 2018. Apenas 1% dos brasileiros confia muito em partidos políticos e um número um pouco superior no Congresso Nacional. Ao reforçar o ataque a essas instituições, o bolsonarismo cria um caldo de cultura para que seu fechamento seja defendido abertamente nas ruas, tal como vimos nos meses de abril, maio e junho de 2020. Em relação ao STF, a situação é ainda pior, porque o bolsonarismo vende a ideia de que a democracia se fortaleceria se não houvesse a atuação da corte na revisão de atos do governo. Mas o que mais preocupa no bolsonarismo é que ele não opera com um padrão de bom governo. Pelo contrário, defende a ideia anti-iluminista e antirrepublicana de que o papel da política não está na melhora do governo ou no exercício virtuoso do poder, e sim em sua utilização para a manutenção de um status quo conservador.

Ao mesmo tempo, o bolsonarismo não tem nenhum prurido em rebaixar o nível de atuação de instituições que a princípio entendemos como republicanas. Depois de arrasar as políticas de educação superior e de direitos humanos em 2019, a atenção de Bolsonaro voltou-se para o Ministério da Justiça, a Polícia Federal e o STF. Assim, na medida em que a pauta ideológica de desestruturar as políticas públicas na área de educação superior, direitos humanos e meio ambiente foi alcançada no ano passado, vimos uma nova pauta ainda mais problemática neste ano: a adaptação de instituições do sistema de justiça aos objetivos do clã Bolsonaro. Assim, o objetivo do Ministério da Justiça passou a ser vigiar a oposição, defender o presidente no STF ou tentar indicar diretores da Polícia Federal com o intuito de influenciar processos nos quais os filhos do presidente estão envolvidos. Assim, as instituições políticas cumprem dois papéis no bolsonarismo: deixar o presidente aplicar seu programa político a despeito dos pesos e contrapesos do sistema político brasileiro e ser o lugar da distorção dos objetivos do sistema de justiça. 

O bolsonarismo constitui um tipo raro de associação entre governo não virtuoso e conservadorismo. O conservadorismo no Brasil tentou historicamente se constituir em uma forma envergonhada de defesa do status quo. Desde o período abolicionista até o final da ditadura militar, essa foi a postura hegemônica: ser conservador e tentar passar uma imagem de progressista. Assim, o regime militar se importou com as críticas na área dos direitos humanos, assim como Collor demarcou reservas indígenas e dialogou com forças na área do meio ambiente. O bolsonarismo representa uma nova forma de conservadorismo, um conservadorismo ideológico e anti-institucional que rompe com os padrões normais da democracia e despreza as instituições democráticas. Ou estas colocam fim no bolsonarismo, ou ele poderá comprometer decisivamente seu funcionamento.

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