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quinta-feira, 26 de março de 2020

Rumo ao colapso

 

Olá alunos,

A nossa situação econômica já não vinha de um crescimento muito, expressivo. Com a pandemia de Covid-19, a tendência é de piora. A notícia de hoje traz mais detalhes.

Esperamos que gostem e participem!
Lucas Pessôa é membro do Grupo de Pesquisas "Estados Instituições e Análise Econômica do Direito"


Basta ligar dois pontos para desenhar uma reta. No caso da economia brasileira, são muitos pontos numa mesma direção, apesar de que as autoridades insistam em desconhecê-los, iludindo-se com a ideia de uma “retomada” que nunca existiu e nunca esteve no horizonte. Tudo isso muito antes e independentemente da epidemia de coronavírus, da guerra de preços do petróleo e da recessão mundial que deverá ocorrer, uma soma que irá piorar bastante a situação.

Hoje, a única dúvida que nos resta é se o desastre à frente assumirá a forma de uma estagnação prolongada, acompanhada da destruição da indústria e de seu mercado de trabalho, ou a forma pura e simples de um colapso, com a desintegração progressiva da infraestrutura, dos serviços públicos e do próprio tecido social.

Tudo isto se reflete no crescimento pífio do PIB brasileiro dos últimos três anos, mas muito mais ainda no declínio continuado da taxa de investimento da economia, que era de 20,9% em 2013, e que hoje é de 15,4%, a despeito do golpe de Estado, da reforma trabalhista, da reforma da previdência e das privatizações. Ao contrário do prometido, a economia não só não cresceu, como aumenta a cada dia a “fuga de capitais”, que nos últimos três meses já é maior do que em todo o ano de 2019.

A esperança depositada nos investidores internacionais também esmaeceu com a notícia de que, em 2019, o Brasil simplesmente desapareceu do Índice Global de Confiança para Investimento Estrangeiro, da consultoria americana Kearney, que indica os 25 países mais atraentes para os investidores internacionais. O mesmo índice em que o Brasil ocupava a 3a posição nos anos de 2012 e 2013, tendo caído para o 25º em 2018, e do qual foi simplesmente eliminado na hora das grandes reformas ultraliberais de Paulo Guedes, que supostamente iriam atrair os grandes investidores internacionais.

Este quadro só tende a piorar com a nova crise econômica mundial que se anuncia, com o avanço da pandemia do coronavírus e com o início de uma nova guerra de preços na indústria do petróleo. As agências financeiras privadas e os organismos internacionais já estão prevendo uma redução do investimento global na ordem de 15%, e uma queda do PIB mundial na ordem de 1,9%, com a possibilidade de uma recessão mundial no primeiro semestre de 2020, que pode prolongar-se no segundo semestre, tanto na Europa como nos Estados Unidos. Neste momento, o que predomina é o pânico e a incerteza, mas o pior ainda pode estar por vir.

Tudo isso coincide com o período das eleições presidenciais norte-americanas, na qual Donald Trump busca a reeleição. Desde agora, bem no início da crise que se anuncia, o presidente americano parece que já está perdendo apoios, segundo pesquisa publicada pelo jornal Financial Times. E é exatamente aqui que pode estar se gestando a grande “tentação” do presidente Trump e que poderá se transformar numa catástrofe para a América Latina nos próximos meses. Afinal, é nessas horas, sobretudo no caso de um presidente americano que busca sua própria reeleição, que é comum a aposta em alguma inciativa de “alto teor” explosivo, como é o caso de guerras ou ações militares que façam esquecer a agenda desfavorável e que sejam capazes de mobilizar o sentimento comum de identidade nacional e patriotismo dos norte-americanos.

O problema é que o “menu de alternativas” à disposição do presidente Donald Trump é bastante limitado, e parece que só existe uma opção capaz de unificar o establishment norte-americano, cooptando inclusive as principais lideranças do Partido Democrata, qual seja, o cerco, o bloqueio naval ou o ataque direto à Venezuela, em tempo de driblar a epidemia, a recessão e a crise de sua indústria do petróleo.E foi exatamente isto que Donald Trump anunciou no seu discurso sobre o Estado da União, frente ao Congresso Americano, mesmo sem entrar em detalhes. Devendo-se anotar que este foi o único momento em que ele foi aplaudido de pé, e em conjunto, por todos os congressistas, republicanos e democratas.

É exatamente aqui, na preparação dessa operação militar americana, que se inscreve a encenação do jantar do presidente Trump na sua casa de praia, com seu vassalo brasileiro, que ele despreza de forma visível, mas que vem lhe entregando sem contrapartida tudo o que lhe é solicitado – inclusive o novo acordo militar RDT&E, que deverá servir de “guarda-chuva” para todas as ações militares conjuntas no futuro próximo, incluindo o tensionamento com a Venezuela. Trata-se de um Acordo que começou a ser negociado logo depois do Golpe de Estado de 2016, pelo Departamento de Defesa dos EUA em conjunto com o Ministério de Defesa do Brasil, e que acaba de ser assinado pelos representantes brasileiros, de forma emblemática, diretamente com o Comandante Craig Faller, chefe do Comando Sul das Forças Armadas dos EUA para a América Latina e o Caribe.

Na ocasião da assinatura, o Almirante Craig declarou: “assinamos um acordo histórico hoje, que abrirá caminho para o compartilhamento ainda maior de experiências e informações. Trabalhamos muito próximos das nações aliadas”, além disso fez referências explícitas à Venezuela e à Bolívia (ver jornal Valor econômico de 08 de março de 2020).

É interessante chamar atenção para o papel do General Braga Neto, que participou das negociações deste Acordo e que depois foi Comandante do Estado Maior do Exército brasileiro, antes de assumir recentemente a Casa Civil da Presidência da República, colocando-se ao lado do general Luiz Eduardo Ramos, que era o Chefe do Comando Militar do Sudeste e hoje ocupa a Secretaria do Governo, como cabeças visíveis de um governo “paramilitar” que já conta com 2.897 integrantes das FFAA, alocados em inúmeros órgãos da administração pública federal, muito mais do que durante toda a ditadura militar de 1964 (segundo noticia o Portal 360).

Além disso, do ponto de vista econômico, merece atenção neste período recente a forma como a política e os gastos da Defesa têm crescido, na contramão da política econômica ultraliberal do Ministério da Economia. Basta dizer que foi exatamente no período recente de 2019-2020 que o Ministério da Defesa brasileiro teve seu maior orçamento histórico, R$ 115 bilhões em média. E só a Empresa Gerencial de Projetos Navais (Emgepron), vinculada à Defesa e à Marinha, foi capitalizada em R$ 7,6 bilhões, passando por um projeto de revisão de sua atuação e escopo que lhe permite coordenar e executar projetos estratégicos não apenas da Marinha, mas também do Exército e da Aeronáutica.

Seguindo esta linha, cabe sublinhar que o próprio acordo RDT&E, parece ter sido apenas um passo a mais de uma estratégia que já passou por outros acordos anteriores com as FFAA norte-americanas, como é o caso do Master Information Exchange Agreement (de troca de informações tecnológicas militares), o Acquisition and Cross-Servicing Agreement (de apoio logístico e de serviços militares) e o Space Situational Awareness (de uso do espaço exterior e aéreo para “fins pacíficos”).

Vários movimentos militares que parecem convergir e coincidir com o documento divulgado recentemente pelas FFAA, no qual elas definem, a partir de seu próprio arbítrio, os cenários da política de defesa brasileira até 2040, com a escolha da França como principal inimiga estratégico do Brasil. Uma escolha que surpreendeu aos menos avisados, mas que parece perfeitamente coerente com o objetivo central e imediato da preocupação das FFAA brasileiras, que é a Venezuela, e agora também a Guiana, devido a sua descoberta recente de imensas reservas de petróleo off-shore.

Além disso, a escolha da França como principal inimigo facilita a provável denúncia futura do acordo de cooperação militar do Brasil com a França, em torno da construção do primeiro submarino nuclear brasileiro, que provavelmente será substituído por um novo projeto conjunto com os próprios Estados Unidos. É dentro dessa mesma perspectiva que se deve enquadrar também o acordo já assinado com os EUA de liberação do lançamento de foguetes e satélites na Base de Alcântara, de venda da Embraer para a Boeing, de transformação do Brasil em aliado preferencial extra-OTAN, o que significa, no limite, a transformação progressiva do Brasil em um “protetorado militar” dos EUA.

Mais ainda, é dentro dessa mesma “ofensiva final” contra a Venezuela, anunciada pelos Estados Unidos e apoiada pelo Brasil, que se pode entender a nomeação do General Mourão para o comando unificado do Conselho da Amazônia, do qual foram excluídos todos os governadores civis da região, que assim ficam afastados de todo tipo de informação e decisão, inclusive na eventualidade de que que o Brasil seja convocado pelos norte-americanos para garantir o cerco amazônico da fronteira venezuelana. Uma situação que parece cada vez mais exequível depois que o Brasil retirou seus diplomatas e cônsules das cidades fronteiriças da Venezuela, e depois que o governo brasileiro notificou vários funcionários e diplomatas venezuelanos de que devem abandonar o território brasileiro no prazo de 60 dias. Uma ruptura diplomática sem precedentes, que só costuma ocorrer em caso de escaladas militares ou de preparação para a guerra.

Dadas as características próprias da sociedade americana, não é impossível que essa ofensiva militar – muito provável – possa “salvar” a eleição de Donald Trump, numa conjuntura de forte recessão econômica. O mesmo se pode dizer com relação ao governo “paramilitar” brasileiro, que poderia passar a governar por “decreto” e por cima do Congresso Nacional, em caso de uma “emergência de segurança nacional” desse tipo. No entanto, se o Brasil quiser obedecer e seguir atrás dos Estados Unidos, os responsáveis por tal insensatez devem ter claro para si que estarão entrando em um tipo de conflito internacional do qual o Brasil nunca participou, envolvendo de forma direta as três maiores potências militares do sistema mundial.

Deve-se ter bem claro, além disso, que o Brasil não dispõe de armamentos, nem de capacidade financeira e logística para enfrentar as forças armadas venezuelanas, a menos que se restrinja ao mesmo papel simbólico, subalterno e pontual que teve ao lado dos Estados Unidos na Segunda Guerra, e na invasão de Santo Domingos, em 1965. Mas, se mais à frente – e isto é muito provável – as FFAA brasileiras receberem e aprenderem a utilizar o armamento americano mais sofisticado que deve lhes ser repassado pelo novo acordo RDT&E, e decidirem utilizá-lo contra um vizinho latino-americano, seria muito importante que esses senhores que pretendem tomar uma decisão de tamanha gravidade, em nome do povo brasileiro, tenham muito claro o que estão fazendo e quais as consequências do seu ato de vassalagem, para o longo prazo da história do Brasil e da América Latina.

Porque eles serão os responsáveis, diante da História, por terem trazido a guerra em grande escala para um continente que foi sempre pacífico, e por terem contribuído com os Estados Unidos para transformar esta região da América do Sul num novo Oriente Médio. Com a diferença que, neste caso, não será concedido ao Brasil o lugar que Israel ocupa na política externa americana. Pelo contrário, o mais provável é que o Brasil se transforme num novo Iraque de Saddam Hussein, que foi usado pelos americanos durante uma década de guerra contra o Irã, e que depois foi destruído pelos próprios Estados Unidos. Quase da mesma maneira com que os Estados Unidos utilizaram os Talibãs na sua guerra contra a URSS, na década de 80, e depois os bombardearam durante 20 anos antes de trazer seus jovens de volta para casa, deixando para trás um Afeganistão completamente destroçado.

segunda-feira, 23 de março de 2020

A vida de pequenos agricultores em terras amazônicas cercadas pela soja

Agricultor familiar tem sua pequena roça cercada pela soja e pelo veneno. 

Olá alunos,

Quais serão as consequências dos grandes plantios de soja para os pequenos agricultores? A reportagem a seguir ilustra essa realidade na região amazônica.

Esperamos que gostem e participem!
Lucas Pessôa é membro do Grupo de Pesquisas "Estados Instituições e Análise Econômica do Direito"

No início dos anos 2000, o terreno ao lado da casa de seu Macaxeira foi comprado por um sulista recém-chegado. De início, seu Macaxeira ficou feliz com o novo vizinho. Era simpático e dizia que vinha trabalhar a terra. Ao se apresentar, falou que queria mesmo vir para um lugar tranquilo, que lá no Sul tinha tido muito atrito com os vizinhos. Deu a impressão de que viera para se estabelecer. Seu Macaxeira havia se mudado em 1999 para a comunidade de Santos da Boa Fé, próximo à Rodovia Curuá-Una, em Santarém (oeste do Pará). Estava contente com sua produção. Plantava mamão, cupuaçu, graviola, batata, maracujá e macaxeira – tanta que lhe rendeu o apelido que leva até hoje, aos 64 anos. Todos chamam Antônio Alves assim: seu Macaxeira. Com seu plantio, sustentava quatro filhos. Sem veneno. Naquele momento, virada do milênio, a soja sequer figurava em seu horizonte.

“Foi um vizinho muito bom, só que aí ele começou a comprar terras”, relembra Macaxeira. Primeiro ele comprou uma terra dos fundos. Depois, a da direita. Já em 2002 começou a derrubar o mato que havia ao redor. Ele prometia àqueles de quem comprava os terrenos que geraria emprego na região. Pouco a pouco, Macaxeira se viu cercado. A tranquilidade prometida não vingou. Os empregos, tampouco. Quando muito na fase de derrubada da mata. Nessa época, era o barulho que mais transtornos trazia. Em seguida, a soja. “Aí comecei a passar muito atrito”, relembra.

Seu Macaxeira observava a reação da aplicação do veneno em seus filhos: “irritava os olhos, irritava a garganta. Era febre diária, era dor na cabeça”. O uso de agrotóxicos pelo vizinho começou a dificultar sua própria atividade profissional. “Eu, que vivia da agricultura familiar, mais da colheita do mamão, da macaxeira, começou a não dar mais. O veneno não deixou.” As plantas passaram a não dar frutos. Ou, quando davam, já não eram frutos tão saudáveis como antes. As folhas murchavam antes de florescer. A saúde e o sustento de sua família estavam ameaçados.

Uma tarde de 2007, no início do verão amazônico, Macaxeira viu mais uma vez o vizinho iniciando a aplicação do veneno. Eram 6 horas da tarde e as crianças estavam em casa. Preocupado, foi conversar sobre a situação com ele. Alguns dias depois, o vizinho veio lhe fazer uma proposta: “Ou o senhor compra a minha área, ou eu compro a sua”.


Sitiado por um terreno maior que o seu, ambientalmente degradado pela derrubada da floresta e acúmulo de veneno, e com suas economias debilitadas pela atividade do vizinho, Macaxeira não tinha como comprar a área. “Não tivemos mais como ficar no terreno em que eu morava na época. Ninguém mais conseguiu sobreviver respirando soja, com aquele veneno. E eu fui obrigado a vender.”


Macaxeira se mudou para outro local da mesma Santos da Boa Fé, o ramal do Jacaré, onde fizemos esta entrevista. A partir de 2005, a soja tomou conta da comunidade e de outras tantas na região conhecida como Planalto Santareno, composta pelos municípios de Santarém, Belterra e Mojuí dos Campos. “O veneno obriga a pessoa a entregar seu lote. Não é mais o preço”, resume.

Manoel Edivaldo Santos Matos é o Peixe. Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santarém, ele narra a chegada da soja à região. Entre o final dos anos 1990 e o início dos anos 2000, o prefeito da cidade convidou produtores de soja de outras regiões do Brasil, especialmente do Mato Grosso, para fazer uma experiência, um teste, em 1 hectare de terra. Antes, relembra Peixe, não havia soja. Na área se plantava arroz, feijão, frutas, macaxeira. “E deu bem, a soja deu porreta na área aqui.”

O agricultor ingressou na diretoria do sindicato em julho de 2002, momento em que se iniciava a venda de terras para os sojeiros. Em outubro daquele mesmo ano, fizeram um levantamento rápido para entender o impacto da nova situação: “Seiscentos agricultores já haviam vendido suas terras”. Foi aí que iniciaram a primeira campanha “Não Abra Mão da Sua Terra”: “Deu uma freadinha, mas muito pouco, porque o lobby para comprar a terra era muito grande”, lamenta Peixe.

Em seguida veio o porto da Cargill. “Tudo de acordo com o projeto deles. Mete soja aqui, faz o porto aqui, para receber a soja do Mato Grosso e daqui também”. A então presidente do sindicato, Ivete Bastos, foi para a Europa denunciar o que estava acontecendo na região, mostrar aos compradores de soja europeus o impacto da monocultura na região: “Naquela época nem se falava tanto no impacto do veneno. Era a expulsão dos agricultores. Eram igarapés sendo soterrados pela derrubada”.
Porto da Cargil em Santarém (PA)

Foi nesse contexto que teve início a negociação para a Moratória da Soja. Para Peixe, a moratória foi um acordo que envolveu produtores, consumidores e organizações ambientalistas. “Era o acordo de que a Europa só ia comprar soja de área que fosse legalizada, que não tivesse expulsão de agricultor, que não tivesse impacto ambiental, como os igarapés etc., e que não fosse derrubada mais nenhuma árvore de floresta primária para plantar soja, só em áreas alteradas ou degradadas, como eles dizem. Mas isso depois descumpriram, e a coisa avançou.”
O sindicalista mostra-se cético em relação às promessas do setor de agronegócio, de que portos, ferrovias e rodovias melhorarão a situação do município: “Essa história não vale mais. Porque a gente sabe que, onde existe isso, tem aqueles que se dão bem, e muito bem. Mas a maioria da população é afetada negativamente, ou seja, aumenta a pobreza, aumenta a miséria, aumenta a fome, a insegurança pública, a violência. Concentra renda, concentra terra e aumentam os impactos negativos na área social, principalmente na área da saúde”.

Peixe cita de cabeça uma fala do médico neurologista santareno Erik Jennings sobre o futuro que se vislumbra para a saúde da população da região: uma população doente pela ingestão de peixe contaminado de mercúrio e pela exposição ao agrotóxico. Em abril de 2019, o médico participou de uma audiência pública na Câmara dos Deputados, em Brasília. Lá, fez uma apresentação para deputados e indígenas sobre o impacto do mercúrio no Tapajós: “Tenho uma tese de que o homem amazônico está mais doente e mais ameaçado que a floresta”.

Ciro de Souza Brito é advogado e trabalha na Terra de Direitos, ONG que presta assessoria jurídica para comunidades rurais e quilombolas afetadas pela soja na região do Planalto Santareno. “A soja não vem sozinha, como commodity. Ela traz diversos problemas. Ela vai desterritorializar, ela vai adoecer, ela vai criminalizar, ela vai marginalizar.”

O advogado analisa a expansão da cadeia da soja na região com base nos impactos em quem vive junto à terra: “À medida que se expande, a soja desterritorializa as comunidades e aumenta a necessidade de escoamento dessa produção. E por onde vai sair? Aí entra a questão do Maicá. Do Lago do Maicá. As comunidades entendem que é um criadouro de peixes, inclusive nas palavras do Dileudo, e os estudos apontam que é um santuário de peixes”.

Presidente da associação de moradores do Quilombo do Bom Jardim, Dileudo Guimarães dos Santos conhece como poucos a realidade do Lago do Maicá. Ele vive os impactos tanto da expansão da plantação de soja como da construção da infraestrutura que a exportação do grão demanda.

O Quilombo do Bom Jardim fica em um local de difícil acesso, entre o Lago do Maicá e o pé de uma serra. Para chegar até ele, vindo da Rodovia Curuá-Una, é preciso embrenhar-se em ramais tomados pela soja, passar ao lado do terreno de seu Macaxeira e descer uma baixada íngreme e escorregadia. Para Dileudo, a localização do quilombo é estratégica: “O povo que vinha para cá, que veio para cá como escravo, se localizava nas áreas aqui debaixo, mas tinha gente que ficava, durante o dia, na área da serra. E alguns trabalhavam também lá. Porque facilitava ter uma visão de quem chegava pela água, né? Então já avisava as pessoas: ‘Olha, tá chegando, tal e ali’”.

No interior do Pará, a história se repete de modo curioso. Ela parece inverter a célebre frase usada por historiadores: em terras tapajônicas, a história surge primeiro como farsa e só depois como tragédia. Justamente por conta dessa geografia estratégica, que uma vez favoreceu aqueles que fugiam da escravidão, hoje o quilombo recebe água com veneno das plantações de soja que ficam no topo da serra. Um lixão da cidade de Santarém, instaurado na parte mais alta, também traz água contaminada para eles. Apesar do avançado processo de titulação do quilombo, grileiros avançam sobre a área dos comunitários, plantando soja dentro do território, enquanto os quilombolas mesmo… “Poucos têm terra pra trabalhar”, lamenta Dileudo.

Além da qualidade da água, outra de suas preocupações é com o peixe. “Aqui é água do Tapajós, a água do Amazonas é mais branquicenta. A gente percebe que essa água tem mudado um pouco de cor. E já foram encontrados peixes mortos. A gente pensa que é pela contaminação da água. E a gente sabe que a contaminação da água vai diminuir a quantidade de peixe.”
Dileudo teme que a construção dos portos e o fluxo de grandes embarcações possam vir a aterrar o Rio Maicá, o que implica um problema maior para a segurança alimentar dos quilombolas. Com o desmatamento demandado pela soja, a caça já diminuiu. Castanheiras e abacabeiras, de onde tiravam parte de seus alimentos, também foram derrubadas.

Enquanto isso, os projetos de expansão da soja não param. Ciro acompanha a construção da Ferro Grão e do projeto de hidrovia Teles Pires-Tapajós. O advogado aponta para a relação entre o desenvolvimento da infraestrutura de escoamento da soja do Centro-Oeste e o incentivo para a produção no Planalto Santareno: “O Lago do Maicá tem um projeto para construção de seis portos, terminais de uso privado. Além de escoar a produção já existente, ele vai vir como um incentivo para os produtores locais ou de fora virem produzir aqui”.

Para Ciro, houve um forte lobby para a alteração do plano diretor de Santarém. “Essa região do Lago do Maicá é de uma área de preservação ambiental. Você não podia fazer nada ali. Então, quando foi para mudar o plano diretor municipal, houve todo um ano de participação pública, consultas, audiências. As comunidades, os movimentos sociais e demais organizações apontaram a necessidade de manter essa área como uma área de preservação. E foi o texto passando assim. Então a gente achava que no final, quando fosse aprovada a lei municipal que continha o plano diretor, ficasse como uma área de preservação”, conta Ciro. Ele prossegue: “Então houve um lobby por trás, e em dezembro, quando todo mundo estava feliz, a Câmara e a Prefeitura aprovaram uma redação que na verdade autorizava essa área como expansão portuária”. Outra alteração no plano diretor diz respeito à soja diretamente. Praticamente todas as áreas que não sejam de preservação ambiental foram transformadas em áreas onde a monocultura poderá se desenvolver.

Por não terem tido seus protocolos de consulta respeitados, os quilombolas entraram na justiça, que suspendeu temporariamente a construção dos portos de soja. Porém, outro projeto, um terminal portuário de combustível, com as devidas autorizações municipais e estaduais, está sendo construído e, com ele, toda a infraestrutura logística: “O porto está avançando, está se consolidando, estão terminando de construir”, afirma Ciro.

Chegamos à Escola Municipal Vitalina Motta, em Belterra, pela tarde. As crianças estavam em pleno horário de aula, e um trator vermelho no campo de soja defronte às instalações escolares trabalhava livremente.

Heloíse Rocha, professora indígena, trabalha há cinco anos na região do Trevo de Belterra: durante três anos foi professora em uma escola vizinha, também rodeada pela soja, e há dois está na Vitalina Motta. Ela conta que nunca foi feita uma negociação com os sojeiros, para evitar a borrifação em horário de aula das crianças. “Não houve negociação. Nenhuma gestão da escola fez essa negociação. Não que faltassem reclamações dos professores e funcionários. Eu oficialmente pedi: ‘Temos de fazer alguma coisa. É necessário que a gente proteja as crianças e nos proteja’.”

Existe também receio quanto à possível contaminação da água da escola, que é de poço artesiano e passa pelo filtro. “A gente sabe que o agrotóxico vai pro lençol freático.” Entretanto, inexistem estudos sobre a qualidade da água. A falta dos estudos, aliás, é um dos problemas maiores na relação da população do Planalto Santareno com o veneno. Simplesmente se desconhece o impacto.

Heloíse desabafa: “A gente se sente refém na escola. É um consenso entre todos os funcionários que trabalham aqui de que a gente está sendo contaminado. A gente, aos poucos, está sendo envenenado”.

A Secretaria Municipal de Educação de Belterra, procurada pela reportagem, não respondeu às perguntas.

Morador da região há 28 anos, seu Macaxeira não hesita: “O objetivo deles hoje é acabar a comunidade”. A história de Antônio Macaxeira é a história de pessoas sujeitas à fria lei da concorrência do mercado. Existem frequentes acusações de grilagem na região – como denuncia Dileudo, do Quilombo Bom Jardim. Mas, em muitos outros casos, o processo de compra de terras é feito de acordo com a legislação vigente, assim como a aplicação do veneno. Não incorrer em ilegalismos, porém, não significa que esse não seja um processo violento. A cada metro comprado, a cada terreno com mata que dá espaço à monocultura de grãos, a cada borrifada de veneno, os pequenos agricultores rurais se sentem cercados. Fogem para a cidade. Aos poucos, são desterrados. Ou ficam como o caju cultivado em meio à soja, apáticos, sem dar fruto, fora de lugar na terra a que pertencem.

sábado, 21 de março de 2020

No Brasil informal com coronavírus, domésticas dependem de altruísmo de patrões para evitar contágio

Pessoas fazem fila para entrar no ônibus nesta segunda-feira, 16 de março, no Rio de Janeiro. 

Olá alunos,

As palavras de ordem das últimas mudanças trabalhistas sempre giravam em torno de "flexibilizar direitos e garantias para criar empregos". Criou-se empregos, primordialmente informais, que agora faz com quem trabalhe nessa condições tenha que escolher entre o trabalho ou a proteção da quarentena. Mesmo nesse quadro, são poucas as medidas dos Governantes para aparar essa parte da população. Mais detalhes na notícia a seguir.
 
Esperamos que gostem e participem!
Lucas Pessôa é membro do Grupo de Pesquisas "Estados Instituições e Análise Econômica do Direito" 


Uma crise serve para fazer um país se olhar no espelho. A pandemia do coronavírus que agora atinge o Brasil vem mostrando, entre muitas outras coisas, como trabalhadores informais ou temporários, além de moradores de favelas, se perfilam a serem as principais vítimas da Covid-19 —pelo aspecto da saúde ou pelo lado econômico. Pessoas sem contrato formal de trabalho representam quase metade da força produtiva do país. E as opções se tornam quase sempre escassas: em plena crise, a maioria precisa escolher entre trabalhar e se expor ao vírus ou seguir as recomendações de quarentena e não ter dinheiro no fim do mês. Para aqueles que vivem em comunidades com becos fechados, sem saneamento básico ou com abastecimento irregular de água, lado a lado com centenas de vizinhos em igual situação de exclusão social, manter distanciamento e seguir as orientações de higiene são tarefas difíceis. A imagem que o Brasil projeta no espelho nem sempre é a mais agradável de se ver.

A situação de trabalhadoras domésticas —são mais de sete milhões de mulheres nessa ocupação— é bastante representativa desse quadro. As que fazem bico como diarista eram 31,7% do total em 2015, segundo a OIT, mas há indícios de que essa cifra aumentou com a recessão econômica, acompanhando a tendência geral de aumento da informalidade. “Ela [a empregadora] disse que eu tenho o livre arbítrio para vir ou não, e que se eu quisesse ir de carro poderia deixar na sua garagem. Ela me deixou à vontade, mas se eu não vou, não recebo", explica a diarista Ana (nome fictício). "Em outro lugar que eu trabalho, nas segundas e sextas, falaram que vão me dispensar. Mas disseram que não tinham como me pagar”, acrescentou.

Na semana passada, o colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo, noticiou a solução a que chegaram um empresário carioca e sua esposa, diagnosticados com o coronavírus. Contrariando todas as recomendações dos especialistas, não dispensaram a empregada doméstica, que permaneceu no apartamento “trabalhando de avental, luvas e máscara”. Ao mesmo tempo, surgiu um movimento de pessoas nas redes sociais para dizer como era importante não apenas a dispensa do trabalho como, também, manter a remuneração dessas mulheres quando possível. Foi o que fez Cynthia Saguie com a diarista que trabalha duas vezes por semana em sua casa há muitos anos. “Ela vem de transporte público, então, independentemente de ela ir ou não, vou pagar os dois dias da semana”, conta. Não ter um contrato de trabalho e pouca proteção social significa também depender de solidariedade e generosidade em situações atípicas. O home office é para poucos. Até esta segunda-feira várias continuavam indo trabalhar, apesar de pegar ônibus ou trens cheios, com patrões alheios ao fato de que elas podem ser fonte de contágio ou serem contagiadas — a maioria conta com o sistema público de saúde para uma emergência, ao contrário de seus empregadores.

Uma mulher de 63 anos que trabalhava como doméstica morreu nesta terça-feira no município de Miguel Pereira, no sul do Estado do Rio de Janeiro, com suspeita de coronavírus. Ela teve contato com a patroa, que voltou da Itália e testou positivo para o Covid-19, segundo a Secretaria Municipal de Saúde. Ela deu entrada em estado grave no Hospital Municipal Luiz Gonzaga com sintomas compatíveis ao do coronavírus, mas a causa da morte só será confirmada nesta quarta-feira, segundo a Prefeitura.

Existe quase um consenso entre especialistas e economistas de que é preciso aumentar os gastos públicos para amortecer o impacto entre aqueles que são socialmente mais vulneráveis. Contudo, o pacote de quase 150 bilhões anunciado nesta segunda pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, é direcionado sobretudo para aposentados ou pessoas com contrato formal de trabalho. Inclui, por exemplo, a antecipação do abono salarial (décimo quarto salário pago pelo Governo para aqueles que ganham até dois salários mínimos) para julho; transferências de valores do PIS/Pasep para o FGTS, para que possam ser sacados; ou a antecipação da segunda parcela do décimo terceiro de aposentados e pensionistas do INSS para maio.

Um dos obstáculos é o fato de que o sistema de proteção social brasileiro não protege trabalhadores informais. "Ele segue muito vinculado ao mercado de trabalho e supõe condições econômicas normais”, explica o sociólogo Pedro H.G. Ferreira de Souza, pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas (IPEA) e especialista em desigualdade social. “Esse sistema”, continua ele, “não reagiu bem à crise econômica dos últimos anos e não vai reagir bem agora de novo, não havendo nada automático que sirva para diminuir o sofrimento e a vulnerabilidade dos mais pobres e trabalhadores informais”.

A informalidade no Brasil sempre foi alta, mas a Constituição brasileira foi elaborada com a aspiração de formalizar o mercado de trabalho, explica Souza. Algo que nunca aconteceu integralmente. Com a crise desencadeada pelo coronavírus, ele vê uma oportunidade de “tentar construir uma proteção social mais efetiva justamente para os informais, os mais pobres e as crianças”. Nesse cenário, o Bolsa Família é como um “oásis no deserto”, justamente por transferir renda de forma direta e por não estar vinculado a nenhum tipo de contrato formal de emprego. Souza acredita que é possível flexibilizar os critérios para o acesso ao programa e aumentar o valor dos benefícios —algo que ele já defendia mesmo antes da pandemia.

A curto prazo, contudo, não há como escapar do arroz com feijão. Souza cita medidas básicas como acabar com a fila do INSS e do Bolsa Família —Guedes anunciou o reforço ao programa, com a inclusão de mais um milhão de beneficiários, o que poderia acabar com a fila de espera que voltou ao programa. “Acredito que de concreto teria que ser algo que aproveite a estrutura do que já existe, porque não dá tempo nem temos condições de inventar nada muito diferente no curto prazo em meio à crise”, afirma o sociólogo.

Prevenção nas favelas

O impacto da pandemia do coronavírus também varia de acordo com o CEP e a cor da pessoa. Nesta segunda-feira, a hashtag #COVID19NasFavelas trazia relatos e análises sobre a vulnerabilidade de moradores —negros em sua maioria― de favelas. Como agravante, muitas dessas favelas são constantemente visitadas por estrangeiros, grande parte deles provenientes dos países mais infectados pelo coronavírus. Na Rocinha, onde vivem mais de 70.000 pessoas, a associação de moradores pediu que a entrada de turistas fosse vetada.

O ativista Raull Santiago, fundador do coletivo Papo Reto e também morador do Complexo do Alemão, explicou por meio de seu Twitter que “as dicas sobre prevenção e tentativas de evitar a proliferação do covid-19 são muito importantes, mas falhas, quando não contemplam a realidade de uma grande parte da população do país". Sobre lavar bem as mãos, lembra que a água não está disponível sempre. “Nós economizamos água não apenas por consciência, mas também por sobrevivência. Lavar a mão o tempo inteiro, não é uma possibilidade. Ah, na minha casa são seis pessoas. Ainda lutamos pelo direito à água aqui”, conta. Sobre quarentena, diz ser impossível: “É parede com parede, tem casa de dois, três cômodos com seis pessoas morando. Como faz? Qual o caminho? Para onde seguir com essas dicas de prevenção?”, questionou.

“Muitos moradores do Complexo do Alemão estão reclamado que estão sem abastecimento de água e por isso não estão conseguindo se prevenir contra o novo coronavírus. Não há álcool em gel nas farmácias e mercados”, relatou o jornalista Rene Silva, fundador do Vozes das Comunidades, em seu perfil do Twitter. Uma vizinha, Renata Trajano, respondeu com outro relato: “Onde eu moro só cai [água] duas vezes por semana à noite e com ajuda da bomba. Como faz para lavar as mãos? Álcool em gel não encontrei em lugar algum, tenho uma mãe de 80 anos e precisamos manter tudo higienizado.”

quinta-feira, 19 de março de 2020

As cinzas da democracia

 

Olá alunos,
 
Não há nada mais grave para a segurança da democracia do que o enfraquecimento de suas instituições. A notícia de hoje trata sobre isso. Embora já esteja um pouco desatualizada no que diz respeito a popularidade do presidente, vale a pena a leitura!

Esperamos que gostem e participem!
Lucas Pessôa é membro do Grupo de Pesquisas "Estados Instituições e Análise Econômica do Direito"

O país foi dormir apreensivo no último dia de carnaval. As revelações da jornalista Vera Magalhães confirmaram o que já se suspeitava: o “Foda-se” é articulado diretamente pelo Palácio do Planalto.

Depois de o general Heleno agredir o Congresso, o presidente espalhou pelas redes a convocação para a manifestação do próximo dia 15 de março. Seu alvo? O Congresso Nacional.

As primeiras reações na oposição foram de espanto e repúdio. No calor da emoção, o impeachment voltou a circular. Há correlação de forças na sociedade para derrubá-lo?

As últimas pesquisas convergem em duas questões. A aprovação do Capitão subiu, pela primeira vez superando sua reprovação. E a imagem do Congresso continua na lona.

Não existe na história do país caso de presidente impedido gozando de razoável apoio popular. Collor e Dilma estavam com suas popularidades esmagadas quando foram depostos.

Qual o estopim da atual manobra? A ofensiva de deputados e senadores pra cima do orçamento, ampliando sua rigidez e garantindo vultosas emendas impositivas para suas bases eleitorais. A convocação da manifestação diz que eles estão assaltando o país em 30 bilhões.

As emendas impositivas têm tudo para virar o próximo escândalo nacional. A Polícia Federal (PF) está “atenta”. Basta o deslize de um prefeito para o carro alegórico da corrupção voltar para a avenida com tudo, atropelando os deputados. Quem vai para a arquibancada defendê-los?

Bolsonaro procura fazer o que muita gente na esquerda defendia que Lula fizesse. Um governo em permanente movimento, com suas bases sociais mobilizadas em torno de uma agenda, pressionando o Congresso e as instituições de fora para dentro.

Além de apoio popular, Bolsonaro possui ao seu lado os homens armados do país. Não é pouco. Toda semana ele frequenta formaturas da tropa nas Forças Armadas. Olavo de Carvalho montou um curso gratuito pelas redes para polícias militares. Que tal?

São estes elementos que dão sustentação à escalada autoritária. Sem sair do palanque, ele mantém inalterado seu posicionamento de “herói anti-establishment”.

É um figurino conveniente. Para qualquer sobressalto em seu governo, uma resposta única: “enfrento a sabotagem permanente de um sistema corrupto e viciado”. Estressar as instituições é parte do plano.

É pouco provável que o jogo tenha algum desfecho no parlamento ou no STF. E será curioso se a esquerda - que acabou de gritar “É Golpe!”- apostar neste caminho.

Já imaginaram Bolsonaro nas manifestações defendendo a vontade das urnas contra os “golpistas”? Um prato cheio para um contragolpe que “resguarde a soberania popular”.

Temos no poder uma extrema direita com base social, apostando na sua força popular. Batalhas deste tipo são decididas nas ruas, na sociedade.

Apesar de ainda incipiente, a construção de uma Ampla Frente em Defesa da Democracia parece ser o único caminho para a oposição.

Na quarta-feira de cinzas, um cheiro ruim ronda o Brasil. É a democracia que está no fogo.

segunda-feira, 16 de março de 2020

Greve: petroleiros paralisam atividades em 15 plataformas e refinarias


 Greve: petroleiros paralisam atividades em 15 plataformas e refinarias

Olá alunos,

A greve dos petroleiros se origina da insurgência dos trabalhadores desta com as inúmeras demissões ocorridas. A notícia a seguir dá mais detalhes a respeito.

Esperamos que gostem e participem!
Lucas Pessôa é membro do Grupo de Pesquisas "Estados Instituições e Análise Econômica do Direito"


Paralisação iniciada neste sábado 1 contesta as mil demissões feitas pela Petrobras na Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados do Paraná

Mais de sete mil funcionários em dez estados participam da greve dos petroleiros, iniciada na madrugada deste sábado 1º, segundo a Federação Única dos Petroleiros (FUP). Esclareceu que os grevistas representam 12% dos 55 mil empregados da Petrobras.

Ainda de acordo com a entidade, a mobilização atinge 15 unidades da empresa e subsidiárias, como a Transpetro, a Refinaria Duque de Caxias (Reduc) e a Refinaria do Nordeste (RNEST).

A Petrobras não confirmou o número de funcionários que aderiram ao movimento, mas informou, por meio de nota, que tomou “as providências necessárias para garantir a continuidade da produção de petróleo e gás e o processamento em suas refinarias, bem como o abastecimento do mercado de derivados e as condições de segurança dos trabalhadores e das instalações”.

A greve, por tempo indeterminado, foi aprovada pelos 13 sindicatos filiados à FUP. De acordo com o diretor da federação, Gerson Castelano, o movimento contesta as mil demissões feitas pela Petrobras na Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados do Paraná (Fafen-PR), sem respeitar o acordo coletivo de trabalho.

O fechamento da Fafen-PR foi anunciado pela Petrobras no último dia 14. As demissões estão previstas para começar no dia 14 próximo.

Castelano disse que os petroleiros estão “cercados de todos os cuidados legais” para que a greve não seja considerada ilegal, como alega a Petrobras.

Outro ponto que levou à aprovação da paralisação foi a mudança, por parte da Petrobras, da tabela de turnos ininterruptos dos trabalhadores com revezamento, em todo o país, sem que houvesse discussão com as lideranças sindicais.

Segundo Castelano, a determinação da Petrobras vai causar prejuízos na rotina dos petroleiros que trabalham no sistema de turnos e que planejam sua vida com base nessa tabela.

“Eles sabem quando vão trabalhar, quando vão folgar e criam sua rotina de vida com base nessa tabela.” Salientou ainda que a Petrobras decidiu implementar uma tabela única a partir deste sábado 1º.

Segundo a entidade, não haverá problemas para a população em decorrência da paralisação. “Os petroleiros, como sempre fizeram, irão garantir o abastecimento da população durante todo o movimento grevista”, afirmou a federação.

Posicionamento da Petrobras

Em nota, a Petrobras informou que considera “descabido” o movimento grevista anunciado pela FUP, “pois as justificativas são infundadas e não preenchem os requisitos legais para o exercício do direito de greve”.

“Os compromissos pactuados entre as partes vêm sendo integralmente cumpridos pela Petrobras em todos os temas destacados pelos sindicatos”, diz o texto.


segunda-feira, 9 de março de 2020

O sonho americano sucumbe diante da destruição do valor do trabalho

 
Foto: Douglas R. Clifford/Tampa Bay Times/Zuma Wire/Fotoarena

Olá alunos,

Nos últimos anos o capital produtivo perdeu prestígio frente ao capital especulativo. Com isso, houve uma precarização do valor do trabalho aumentando a concentração de renda. Dito isso, a reportagem de hoje narra a morte do sonho americano, isto é, a morte da possibilidade de mobilidade social. 

Esperamos que gostem e participem!
Lucas Pessôa é membro do Grupo de Pesquisas "Estados Instituições e Análise Econômica do Direito"


Quase metade dos trabalhadores dos EUA com idade entre 18 e 64 anos labuta em empregos de baixa remuneração

Dias antes do feérico pronunciamento de Donald Trump em Davos, o jornal The New York Times publicou um texto comovente do articulista Nicholas Kristof. Da boca e garganta de Trump ribombaram celebrações do desempenho da economia dos Estado Unidos. Da pena de Kristof ecoam lamentos e lamúrias dos habitantes de Yamhill, uma pequena cidade do Oregon. A história de Kristof recua para a década de 70 do século passado e registra a algazarra que reinava diariamente no ônibus escolar no 6. Nick viajava todos os dias na companhia de seus vizinhos da família Knapp, Farlan, Zealan, Rogena, Nathan e Keylan. Filhos da classe trabalhadora, os meninos e meninas sonhavam “em meio a travessuras, bravatas e otimismo”.

O pai dos meninos tinha um emprego firme e bem remunerado como instalador de dutos. A família explodiu em felicidade quando adquiriu a casa própria e a alegria foi intensa no dia em que Farlan ganhou um Ford Mustang ao completar 16 anos.

“Hoje, cerca de um quarto das crianças do ônibus no 6 estão mortas, vitimadas por drogas, suicídio, álcool ou acidentes causados por imprudência. Dos cinco filhos da família Knapp, Farlan morreu de insuficiência hepática por bebida e drogas, Zealan queimado até a morte em um incêndio em casa, desmaiado e bêbado, Rogena morreu de hepatite ligada ao uso de drogas e Nathan explodiu-se ao cozinhar metanfetamina. Keylan sobreviveu porque passou 13 anos em uma penitenciária estadual.”

As outras crianças no ônibus não tiveram destino melhor. “Mike suicidou-se, Steve morreu em um acidente de moto, Cindy de depressão que culminou em um ataque cardíaco, Jeff de um acidente de carro, Billy de diabetes na prisão, Kevin de doenças relacionadas à obesidade, Tim de um acidente em trabalhos de construção, Sue de causas indeterminadas. Chris é dado como morto, depois de anos de alcoolismo e sem-teto. Ao menos mais um está na prisão, e outro é sem-teto.”

A pequena Yamhill não é uma exceção na vida contemporânea dos Estados Unidos. As assim chamadas “mortes por desespero” assumiram dimensões assustadoras. Os suicídios apresentam a taxa mais elevada desde a Segunda Guerra. As defunções por abuso de drogas, sobretudo opioides, atingiram índices alarmantes. “O significado da vida para a classe trabalhadora parece ter evaporado”, disse Angus Deaton, economista engalanado com o Prêmio Nobel e autor da expressão Morte por Desespero. Nos rastros da alegria barulhenta e esperançosa do ônibus no 6 restaram as mortes por álcool, drogas e suicídio.

Kristof atribui a avalanche de desgraças individuais à desintegração da classe trabalhadora americana. “Empregos perdidos, famílias quebradas, melancolia – e políticas fracassadas. O sofrimento dos menos favorecidos era invisível para os ricos, mas agora os bilionários aparentam preocupação com os rumos dos Estados Unidos.”

A Faculdade de Direito da Universidade Cornell publicou recentemente um estudo a respeito das mutações no mercado de trabalho local. O propósito da investigação é construir um índice de qualidade dos empregos oferecidos pelo setor privado desde a Segunda Guerra (The U.S. Private Sector Job Quality Index).

O Job Quality Index destina-se a avaliar – em uma base mensal – em que medida os empregos criados nos Estados Unidos correspondem às expectativas dos trabalhadores. O critério adotado compara as vagas que oferecem uma relação salários/horas trabalhadas inferior à desejada com as ocupações que ensejam uma relação satisfatória, ou seja, maior salário, mais horas trabalhadas. Não é difícil descobrir a predominância dos empregos de poucas horas e baixos salários.

Relatório publicado em novembro de 2019 pela Brookings Institution constata que 44% dos trabalhadores americanos com idades entre 18 e 64 anos (em um total de 53 milhões) labutam em empregos de baixa remuneração, com uma renda média anual de apenas 17.950 dólares. Se elevarmos o sarrafo para além dos 64 anos, esses 53 milhões vão sofrer a companhia dos trabalhadores mais velhos, cujo contingente cresce rapidamente.

Os mais idosos voltam ao trabalho por não conseguirem custear as despesas de alimentação, moradia, transporte e saúde quando se aposentam (colapso da poupança pessoal, pensões mínimas e aumento da idade de aposentadoria). Deve-se, portanto, adicionar ao menos outros 5 milhões obrigados a voltar ao mercado de trabalho. Esse contingente de 58 milhões que trabalham em tempo parcial, em contratos de muito curto prazo ou temporários e que ganham 8 dólares por hora, provavelmente compõe a maioria dos americanos que não receberam aumentos salariais no ano passado.

Assim como no caso de seus antecessores, o ciclo de expansão comemorado por Trump fracassa miseravelmente no atendimento das promessas mais caras ao american dream: crescimento da renda e geração de empregos estáveis e bem remunerados.

Muitos compraram a versão da “responsabilidade pessoal” que atira às costas dos indivíduos a culpa por serem pobres. Nesse diapasão liberal, classes trabalhadoras e remediadas nos Estados Unidos ziguezagueiam entre os fetiches do individualismo e as realidades cruéis do declínio social e econômico. A individualização do fracasso não consegue mais ocultar o destino comum reservado aos derrotados pela desordem do sistema social. Na American Business Roundtable de 2019, os bacanas das grandes corporações bateram no peito para purgar os pecados que porventura tenham cometido em nome da eficiência que redundou em baixas remunerações dos trabalhadores e na maximização do “valor do acionista”. O mercado de ações bate recordes, mas a classe trabalhadora prossegue na dura batalha pela sobrevivência.

Joseph Stiglitz reconheceu que a declaração em prol do bem-estar das demais partes interessadas – trabalhadores, fornecedores, clientes – repercute um mal-estar com os desequilíbrios de poder e desigualdade na distribuição de renda. Assinado na mencionada reunião do ano passado por praticamente todos os parrudos integrantes da Mesa-Redonda, o mea-culpa causou grande agitação nos mercados. Desconfiado, o economista recomendou cautela diante das boas inten- ções dos executivos. “Teremos que esperar para ver se a declaração recente da American Business Roundtable a respeito da governança corporativa com base na primazia dos acionistas é para valer ou meramente um golpe publicitário. Se os CEO mais poderosos da América realmente acreditam no que dizem, apoiarão reformas legislativas abrangentes.”

Nos Estados Unidos, entrou em voga nos anos 80 a “economia da oferta” e sua filha dileta, a curva de Laffer, que preconizavam a redução de impostos para os ricos “poupadores” e empresas. Os adeptos da supply side economics decretaram a ineficácia dos sistemas de tributação progressiva da renda, que, segundo eles, promoviam o desincentivo à produção e à poupança geradora de novo investimento. A macroeconomia de Ronald Reagan defendia a tese do “gotejamento”: as camadas trabalhadoras e os governos receberam os benefícios da riqueza acumulada livremente pelos abonados empreendedores sob a forma de salários crescentes e aumento das receitas fiscais.

A enrolação do gotejamento não entregou o prometido. A migração da grande empresa para as regiões de baixos salários, a desregulamentação financeira e a prodigalidade de isenções e favores fiscais para as empresas e para as camadas endinheiradas não promoveram a esperada elevação da taxa de investimento e, ao mesmo tempo, produziram a estagnação dos rendimentos da classe média para baixo, a persistência dos déficits orçamentários e o crescimento do endividamento público e privado. A procissão de desenganos foi acompanhada da ampliação dos déficits em conta corrente e da transição dos Estados Unidos de país credor para devedor. A crise da classe média não é fruto da Grande Recessão, iniciada em 2008, mas um fenômeno de longo prazo. De 1973 até 2010, o rendimento de 90% das famílias americanas cresceu 10% em termos reais, enquanto os ganhos dos situados na faixa dos super-ricos – a turma do 1% superior – triplicaram. Pior ainda: a cada ciclo a recuperação do emprego é mais lenta e, portanto, maior é a pressão sobre os rendimentos dos assalariados.

Os lucros foram gordos para os senhores da finança e para as empresas empenhadas no outsourcing e na “deslocalização” das atividades para as regiões de salários “competitivos”. Barack Obama e seus economistas salvaram Wall Street da derrocada financeira, mas não responderam às demandos da maioria dos americanos atormentados pelas perspectivas de um crescimento pífio do emprego e dos salários. A lenta recuperação da economia não consegue oferecer aos seus cidadãos soluções críveis para atenuar as desgraças da anomia social e da destruição dos nexos básicos da sociabilidade, inclusive os familiares.

Mobilidade do capital financeiro e, ao mesmo tempo, centralização do capital produtivo à escala mundial. Essa convergência suscitou os surtos intensos de demissões de trabalhadores, a eliminação dos melhores postos de trabalho, a maníaca obsessão com a redução de custos.

Não se trata de nenhuma inevitabilidade tecnológica. Foram, de fato, gigantescos os avanços na redução do tempo de trabalho exigido para o atendimento das necessidades, reais e imaginárias, da sociedade. Mas os resultados mesquinhos em termos de criação de novos empregos e de melhora das condições de vida só podem ser explicados pelo peculiar metabolismo das economias capitalistas, sob o império da competição desbragada e das finanças globais desreguladas.


segunda-feira, 2 de março de 2020

Tecnologia e consumidores como aliados contra a escravidão moderna

 Crianças trabalham em construção

Olá alunos,

Mesmo com o avançar dos tempos, a escravidão segue sendo uma dura realidade em muitos locais do mundo. A globalização permitiu que varias empresas multinacionais se aproveitassem desse quadro. A reportagem de hoje trata a respeito disso e como podemos combater essa prática através do consumo consciente.

Esperamos que gostem e participem!
Lucas Pessôa é membro do Grupo de Pesquisas "Estados Instituições e Análise Econômica do Direito"

"Uma criança tem que morrer na África para que alguém tenha um telefone celular; uma criança da Ásia tem que morrer para você poder colocar seu vestido chique", disse Sophie Achieng Otiende no auditório superlotado no auditório de uma escola da cidade suíça de Davos, durante o Fórum Econômico Mundial. O público escutava com atenção fascinada.

Sobrevivente do tráfico humano, a queniana conhece bem demais os horrores do trabalho forçado. Ela foi obrigada pelo tio e sua família a trabalhar como doméstica. Sujeita a abuso físico e sexual quase diariamente durante quase dez anos, ela chegou à beira do suicídio.

Por sorte, a resiliência de Otiende suplantou seus instintos suicidas, e ela conseguiu romper as cadeias da servidão. Hoje trabalha na ONG Awareness Against Human Trafficking (HAART Kenya), sediada em Nairóbi, instilando em outros sobreviventes a noção de "também eles podem viver uma vida plena".

Ela sobreviveu, mas estima-se que 40 milhões – alguns grupos de direitos humanos chegam a falar de espantosos 200 milhões – permanecem escravizados por todo o mundo, muitos deles se extenuando para fazer aqueles jeans baratos que vestimos, ou pescar o peixe que vai parar em nossa mesa de jantar.

Segundo James Cockayne, diretor do Centro de Pesquisa de Políticas da Universidade das Nações Unidas, a escravidão moderna é "resultado de uma falha do mercado": "É o resultado de não darmos um preço aos custos sociais da forma como conduzimos nossas economias e nossas vidas. Significa que não estamos realmente pensando nos reais impactos sociais de longo prazo da nossa exploração ilegal do trabalho."

Difícil combate

Calcula-se que a escravidão moderna gere cerca de 150 bilhões de dólares de lucros a cada ano, em escala mundial, tornando-se o terceiro maior crime global, depois do narcotráfico e do contrabando de bens falsificados.

Trabalhos domésticos, construção e manufatura são os setores com maior incidência de trabalho forçado, mas a gama vai da agricultura e pesca aos serviços pessoais, mineração e mendicância.

A prática ocorre em praticamente todos os países, independente do grau de desenvolvimento econômico. Dos 40 milhões de vítimas da escravidão, 25 milhões fazem trabalhos forçados, enquanto as demais estão em casamentos forçados, e quase três de cada quatro são meninas ou mulheres.

O método primário de escravização no setor privado é o endividamento, em que as vítimas são coagidas a pagar um empréstimo com a própria mão de obra. Na maioria dos casos, elas têm que assinar contratos ilegais, os quais costumam ser apresentados como álibi quando as autoridades intervêm.

"Construímos um ecossistema que promove exploração onde é lucrativo abusar de outros", explica Otiende. "Vamos ter que reverter esse sistema e pensar um novo, em que na verdade as pessoas sejam importantes, não porque haja dinheiro, mas simplesmente porque são gente."

Especialistas defendem que tecnologias como a inteligência artificial (IA) e blockchain podem desempenhar um papel gigantesco no enfrentamento da moderna escravidão – e já se veem alguns brotos dessas iniciativas.

Uma ferramenta desenvolvida para Marinus Analytics, baseada nos Estados Unidos, emprega IA, como por exemplo, reconhecimento facial, para ajudar os agentes da lei a identificarem vítimas de tráfico de pessoas e a desbaratar quadrilhas de crime organizado.

Segundo a companhia, em 2018 a ferramenta Traffic Jam, utilizada por agências policiais nos EUA, Canadá e Reino Unido, ajudou a identificar 3 mil vítimas de tráfico sexual.

A Diginex, sediada em Hong Kong, planeja empregar a tecnologia de blockchain para ajudar a prevenir a exploração de trabalhadores migrantes e promover o recrutamento ético.

A britânica Universidade de Nottingham, por sua vez, utiliza IA para analisar imagens de satélite, mapeando as regiões mais vulneráveis ao trabalho forçado.

"Usando essas técnicas, é mais fácil encontrar os locais de trabalho onde é mais provável a ocorrência da escravidão moderna, permitindo-nos mobilizar nossos recursos de forma mais efetiva para ajudar a essas pessoas", explica Cockayne.

Armadas com dados, as autoridades estão numa melhor posição para punir os infratores. Como exemplo, Cockayne cita o fundo de aposentadoria do governo da Noruega, que se desligou de 33 companhias de óleo de palma, após descobrir que elas recorriam a cadeias de suprimento de trabalho ilegal.

Monitorando a própria "pegada de escravidão"

Ativistas alertam que as novas tecnologias não são uma fórmula rápida para consertar o problema, frisando que a maioria delas está sendo desenvolvida e usada no mundo desenvolvido, onde a escravidão moderna não é tão difundida quanto nos países em desenvolvimento.

"Uma das lacunas que vejo, é os dados serem coletados num lugar, e sintetizados e analisados em outros, e que quem os coleta não dispõe das ferramentas ou da capacidade para coletá-los", critica Otiende.

Essa falha na coleta significa que "os dados que estamos estudando não são corretos". "Portanto precisamos dar poder às comunidades e a quem está realmente cuidando das vítimas do tráfico para que coletem os dados corretos."

Enquanto os governos fazem sua parte, especialistas afirmam que os consumidores – cúmplices desavisados da escravidão – podem desempenhar um papel chave na erradicação da servidão, monitorando a própria "pegada de escravidão".

Há diversos websites e aplicativos que ajudam os usuários a identificarem quantos escravos estão trabalhando para eles, ou quantas "horas de escravos" são necessárias para sustentar seu estilo de vida, ao analisar a cadeia de suprimento dos produtos que usam e consomem, a fim de determinar sua pegada.

"Da mesma forma como perguntamos 'qual é minha pegada de carbono', devemos perguntar 'qual é minha pegada de escravidão'", afirma Cockayne. "Precisamos fazer a mesma pergunta a todas as empresas em que confiamos. Então, quando compramos jeans: o que foi feito com trabalho forçado? Quando compramos ração para nossos cães e gatos: ela inclui peixe pescado por gente escravizada em barcos pesqueiros em alto-mar? Precisamos fazer muito mais para compreender nossa própria pegada de escravidão, antes de começarmos a enfrentar o problema."