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terça-feira, 28 de março de 2023

Novo Arcabouço Fiscal - Jornal dos Economistas

Caros Leitores, 


Desde o início do ano, a questão fiscal no Brasil tem sido um tema de debate relevante entre os economistas, em razão da preocupação em formular um plano que vise harmonizar receitas e despesas no escopo das contas nacionais.


Em sua última edição, o Jornal dos Economistas (JE) traz essa importante discussão refletindo sobre esse ponto através de diferentes perspectivas para o novo arcabouço fiscal, que substituirá o atual teto de gastos.


Confiram esse debate, com a participação de especialistas na área, trazendo diversos pontos de vista para a formulação de um plano nacional no Brasil diante do quadro que se apresenta no âmbito fiscal.


Fernanda Lima é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).


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quinta-feira, 23 de março de 2023

A África que o Brasil precisa conhecer

Caros Leitores,

Ao longo do tempo, o continente africano tem sido visto como símbolo de resistência em relação ao modelo e às fórmulas sociais difundidas pelo mundo ocidental. Contudo, outra perspectiva que muitas vezes não fica em primeiro plano remete à participação da África, por meio de seus diversos movimentos culturais e artísticos, e a contribuição dessa  expressão - o que permite ponderações acerca da relevância de sua riqueza e diversidade em meio aos conflitos presentes na contemporaneidade.


A partir desse contexto, trazemos, nesta semana, uma notícia que apresenta reflexões sobre a influência da arte no contexto africano e como esta foi e continua sendo moldada por suas histórias.


Esperamos que gostem e compartilhem!


Fernanda Lima é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito.

Quando penso em África a primeira palavra que me ocorre é diversidade. A segunda é criatividade. Nenhum outro continente contém tanta variedade humana e tanta riqueza em línguas e culturas. A Cidade do Cabo é um bom exemplo deste esplendor. Nas suas ruas e praças, batidas por um vento agreste e incansável, cruzam-se descendentes de javaneses, seguidores do Islã, que a Companhia das Índias Orientais, da Holanda, trouxe para o país, ao longo do século XVII, na condição de escravos, com os louríssimos tataranetos desses mesmos holandeses; juntam-se a estes as diferentes etnias de origem bantu que constituem a população sul-africana; os descendentes de imigrantes indianos e europeus; os remanescentes das populações originais, khoe-sãn, e todas as suas vertiginosas misturas.

A Feira de Arte da Cidade do Cabo, cuja décima edição decorreu no fim de semana passado, é o mais importante evento artístico do continente, reunindo para cima de uma centena de galerias africanas, europeias e americanas. Saí do enorme pavilhão onde decorreu a mostra pensando na vocação cosmopolita dos artistas africanos. Olhemos, por exemplo, para a biografia de três dos criadores de língua portuguesa com obras expostas em Cape Town: a moçambicana Cassi Namoda, o guineense Nú Barreto e o angolano Pedro Pires.

Namoda nasceu em Maputo, em 1988, filha de uma moçambicana e de um americano, e vive e trabalha entre Los Angeles e Nova York. Nas suas telas, de cores muito vivas, a jovem artista mistura elementos da mitologia africana com referências culturais de todo o mundo. Nú Barreto, que vive em Paris desde 1989, tornou-se conhecido por seus desenhos e instalações, que satirizam as elites africanas corruptas e respectivos apoiadores internacionais. Os seus trabalhos estão hoje expostos em museus e coleções do mundo inteiro. Pedro Pires nasceu em Luanda, em 1978, estudou artes plásticas em Londres, e vive atualmente entre Angola e Portugal. O trabalho de Pedro, que vai da escultura a desenhos com intervenção em papel (tornou-se conhecido pelas suas sombras queimadas sobre papel), reflete sobre questões de memória e identidade.

Nos anos 1990, durante a longa guerra civil angolana, visitei uma pequena cidade, Bailundo, ocupada pela guerrilha. A cidade estava isolada do resto do planeta havia vários anos, de forma que a população era obrigada a fabricar quase tudo, desde a roupa que vestia, até chaves e fechaduras. Lembro-me da impressionante coleção de patinetes inteiramente artesanais, em madeira, que circulavam pelas ruas da cidade. Havia desde patinetes para crianças, a outras enormes, destinadas ao transporte de lenha. Também me lembro de um alfaiate, sentado numa calçada, trabalhando com uma máquina de costura elétrica. Ao lado dele, para gerar eletricidade, um assistente pedalava furiosamente. Séculos de carências e de dificuldades de toda a ordem apuraram a criatividade africana. Esta criatividade expandiu-se para a arte contemporânea e está agora conquistando o mundo.

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segunda-feira, 20 de março de 2023

Semana de 4 dias de trabalho é aprovada por empresas e funcionários no Reino Unido

Caros Leitores,

A gestão da jornada de trabalho tem sido objeto de pesquisas, com o fim de compreender um formato que proporcione maior produtividade possível, bem como contemple o bem-estar dos trabalhadores.

Para discutir esse tema, trazemos, esta semana, uma notícia acerca de uma modalidade que vem sendo implementada no Reino Unido, no qual os funcionários trabalham apenas 4 dias da semana. Como resultado desta experiência, observou-se que 91% das empresas participantes possuem a intenção de manter o modelo de jornada de trabalho.

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Fernanda Lima é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito

O teste da proposta de redução da jornada de trabalho para quatro dias semanais sem diminuição nos salários foi um sucesso no Reino Unido. 91% das empresas que participaram da experiência de seis meses quer manter o modelo. Outros 4% estão inclinados a manter, e apenas 4% das empresas descartaram a continuidade da semana de quatro dias.

O programa piloto no Reino Unido envolveu 61 empresas de diversos setores e quase 3 mil trabalhadores entre julho e dezembro de 2022  O teste foi conduzido pela organização sem fins lucrativos 4 Day Week Global (Semana de Quatro Dias Global, em tradução livre), junto com a campanha 4 Day Week Reino Unido e a organização de pesquisa Autonomy. Além de mais bem estar e tempo livre para os trabalhadores, a proposta pode ajudar a reduzir o desemprego e proteger o meio ambiente.

As empresas adotam uma jornada de 32 horas semanais, que é o equivalente a quatro dias de 8 horas. Os empregadores que aderiram recebem apoio, na forma de oficinas e seminários on-line com especialistas e mentoria direta com organizações que já implementaram a semana de 4 dias de forma bem sucedida.

Em média, as empresas atribuíram uma nota de 8,5 à experiência como um todo, em uma escala de 0 a 10. Produtividade e performance dos negócios receberam nota de 7,5. As receitas cresceram 35% nos meses do teste, quando comparada com período similar do ano anterior. Houve mais contratações e o absenteísmo de funcionários diminuiu.

A pesquisadora responsável pelo teste, Juliete Schor, professora do Boston College, comemora a pouca variação dos dados entre as empresas. "Os resultados são em geral consistentes em locais de trabalho de vários tamanhos, demonstrando que essa é uma inovação que funciona para muitos tipos de organização", afirma. 

"Mas há também algumas diferenças interessantes. Percebemos que trabalhadores de organizações sem fins lucrativos e prestadores de serviços especializados tiveram um aumento maior no tempo gasto com exercícios físicos, enquanto aqueles que trabalham no setor de construção ou indústria tiveram as maiores reduções em casos de burnout (esgotamento) e problemas para dormir."

Tempo com a família

Entre os benefícios para os trabalhadores, a pesquisa registra a diminuição dos relatos de estresse no ambiente de trabalho: 39% das pessoas ouvidas disseram sentir que seu nível de estresse diminuiu, contra 13% que disseram que o estresse aumentou e 48% que não notaram mudanças. Além disso, 48% das pessoas disseram estar mais satisfeitas com seus empregos do que antes do teste. 

Um dos ganhos mais relatados foi no equilíbrio entre o trabalho remunerado e as demandas de trabalho doméstico e de cuidados: 60% das pessoas relataram sentir que estava mais fácil balancear as duas pontas. 

"Você não tem ideia do que isso significa pra minha família - a quantidade de dinheiro que vamos conseguir poupar no cuidado com as crianças", disse um trabalhador de uma organização sem fins lucrativos citado pela pesquisa de forma anônima. 

No mesmo sentido, conflitos entre trabalho e o tempo com a família diminuíram: 54% dos trabalhadores relataram ser menos provável que se sentissem cansados demais para realizar trabalhos domésticos - antes do teste, apenas 10% relataram essa situação. 

A pesquisa também buscou saber se a mudança traria benefícios para a divisão do trabalho doméstico entre os gêneros. De fato, homens relataram ter aumentado mais seu tempo dedicado às tarefas de casa do que as mulheres: 27% contra 13%. No entanto, 68% das pessoas não relataram mudanças na divisão da carga desse trabalho entre homem e mulher em seus lares. 

O novo CEO da 4 Day Week Global, Dale Whelehan, cita outra diferenças de resultado entre os gêneros detectadas no estudo. 

"Homens e mulheres se beneficiaram da semana de quatro dias, mas a experiência das mulheres em geral é melhor. É o caso para burnout, satisfação com vida e trabalho, saúde mental e redução do tempo no transporte. De forma encorajadora, o fardo dos deveres não relacionados ao trabalho fora de casa parece se equilibrar mais, com mais homem assumindo uma parcela maior do trabalho doméstico e do cuidado com as crianças." 

Com o resultado do Reino Unido, a Four Week Global chegou a 91 empresas e aproximadamente 3.500 trabalhadores que participaram de programas piloto ao redor do globo, incluindo países como Irlanda, Canadá, Estados Unidos e Nova Zelândia.

Nas próximas semanas, a organização deve divulgar os resultados do teste que está sendo realizado na Austrália. Também já experimentos em desenvolvimento na África do Sul, Brasil e outros países da Europa, com resultados previstos para os próximos meses. 

Brasil: reivindicação histórica

A redução da jornada de trabalho sem diminuição de salários é uma reivindicação histórica do movimento sindical brasileiro. Ela está presente na Pauta da Classe Trabalhadora, documento aprovado durante a Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), que aconteceu em abril de 2022, convocada por dez centrais sindicais.  Sobre a questão da jornada, a pauta propõe: "Estabelecer a Jornada de trabalho em até 40 horas semanais, sem redução de salário e com controle das horas extras, eliminando as formas precarizantes de flexibilização da jornada".

No formato de redução para quatro dias por semana, a proposta foi incluída na pauta de reinvidicações dos bancários, em sua campanha salarial do ano passado.

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quinta-feira, 16 de março de 2023

Um ano de guerra: entenda impasse que envolve Ucrânia, Rússia e Ocidente

Caros Leitores,

No mês de fevereiro, completou-se um ano desde o início do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, trazendo o debate, em âmbito internacional, acerca dos prejuízos sociais resultantes das tensões geopolíticas entre essas nações. 

Em função desse marco, esta semana, apresentamos uma notícia que aborda o tema das implicações das tensões entre o Ocidente e o Oriente na Guerra da Ucrânia, buscando refletir sobre a magnitude dos desastres sociais e políticos que têm incidido sobre esses países e suas respectivas populações.

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Fernanda Lima é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito

Para milhões de pessoas na Rússia e na Ucrânia já é comum dizer que a vida se divide entre antes e depois do dia 24 de fevereiro de 2022. Exatamente um ano atrás, Moscou iniciava o que classificou como "operação especial militar" com bombardeios e incursões de suas tropas na Ucrânia.

O mundo assistiu em choque os ataques na capital ucraniana de Kiev e a entrada de tanques russos no país vizinho. Passado um ano do conflito, a crise entre os dois países só se agravou e o mundo tem em um horizonte ainda mais nebuloso pela frente.

De acordo com os dados da ONU, mais de 8 mil civis morreram e 13.287 ficaram feridos por conta da guerra. A organização reforça que esses números podem ser muito maiores, considerando que, em condições de guerra, as informações sobre mortos ou feridos são recebidas com grande atraso. Além disso, mais de 13 milhões de pessoas na Ucrânia foram forçadas a deixar suas casas.

Se, por um lado, a Rússia busca garantir o controle de regiões do leste da Ucrânia, realizando novas ofensivas militares no país, o Ocidente reforça o apoio militar à Ucrânia.

Enquanto as partes parecem firmes em sustentar uma escalada do conflito, ao menos do ponto de vista retórico, a mudança da estratégia russa – ou a falta de clareza dela – ao longo dos últimos 12 meses reforça ainda mais o impasse para uma possível trégua.

Especialistas apontam que somente uma mudança da dinâmica no campo de batalha pode criar condições para forçar um lado a aceitar concessões. Entenda as fases da guerra que moldaram o atual cenário de impasse.

Da blietzkrieg fracassada à anexação

Inicialmente, o presidente russo, Vladimir Putin, anunciou que os objetivos da operação militar russa eram a "desnazificação" e a "desmilitarização" da Ucrânia, além de reivindicar o afastamento da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) de suas fronteiras, declarando repetidamente que o Ocidente não deveria cruzar o que o Kremlin classificou como suas "linhas vermelhas".

A incursão de grande escala nos arredores da capital Kiev nos primeiros dias da guerra, combinada com a superioridade da força militar russa em relação à Ucrânia, levou grande parte das análises a crer que se tratava de uma guerra relâmpago, que poderia levar a uma rápida tomada da capital ucraniana e uma derrubada do governo do presidente Volodymyr Zelensky, freando, assim, o alinhamento da Ucrânia com a Otan.

Como avaliou o analista-sênior do International Crisis Group para a Rússia, Oleg Ignatov, Putin não estava se preparando para uma guerra total, considerando que as tropas executariam uma operação militar rápida. Ao Brasil de Fato, o pesquisador disse que o objetivo inicial era realizar uma "operação de intimidação" para forçar uma mudança de regime na Ucrânia.

No 9º dia da guerra, em 4 de março, autoridades russas chegaram a afirmar falsamente que Zelensky teria fugido da Ucrânia. "Zelensky deixou a Ucrânia. Os deputados da Verkhovna Rada [o Parlamento ucraniano] disseram que não poderiam alcançá-lo em Lviv. Agora ele está na Polônia", disse o presidente da Duma, câmara baixa do Legislativo russo, Vyacheslav Volodin, na ocasião.

No entanto, a "intimidação" russa não teve êxito. Pelo contrário, o amplo apoio à Ucrânia e a adoção de sanções contra a Rússia sem precedentes por parte da comunidade internacional, junto com a continuidade do presidente ucraniano no cargo, frustraram os planos iniciais russos e forçaram Moscou a recuar e mudar a estratégia.

Seus objetivos se voltaram para o controle da região de Donbass, no leste da Ucrânia, que possui grande parcela da população de nacionalidade russa. Esse movimento levou a uma espécie de congelamento da linha de frente, com poucas alterações na tomada de territórios.

Assim, entre março e agosto, a ofensiva das tropas russas se voltou para o sul e sudeste da Ucrânia, sendo relativamente bem-sucedida com o foco na tomada de controle de regiões como Donetsk, Lugansk, Kherson, Zaporozhye. Em 30 de setembro, Putin oficializou a anexação destes territórios à Federação Russa, movimento que não obteve reconhecimento internacional.

"As pessoas que vivem em Lugansk e Donetsk, Kherson e Zaporozhye se tornam nossos cidadãos. Para sempre", disse o presidente russo na ocasião.

No entanto, ao mesmo tempo que a Rússia constitucionalmente incorporou regiões ucranianas ao seu território, Moscou não possui pleno controle sobre elas, com intensos combates ocorrendo nessas cidades.

Em 9 de novembro, o ministro da Defesa da Rússia, Serguei Shoigu, chegou a ordenar que as tropas do país se retirassem da cidade anexada de Kherson e assumissem linhas defensivas na margem oposta do rio Dnieper. O movimento representou um dos recúos mais significativos das forças russas durante a guerra.

Para o historiador e especialista em estudos da Rússia pela USP, Angelo Segrillo, o apoio "uníssono" do Ocidente possibilitou que a Ucrânia estabelecesse uma espécie de “empate técnico” no conflito, que se estende até hoje. Ao Brasil de Fato, o analista reforça que a Rússia não consegue alcançar a capitulação total da Ucrânia, e nem a Ucrânia consegue retomar aqueles territórios que foram tomados pela Rússia.

Ao mesmo tempo, a ocupação dos territórios ucranianos e a anexação formal de Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporozhye, dá a Putin a possibilidade de usar a ameaça do uso de armas nucleares no conflito para repelir um maior apoio ocidental a Kiev, pois, segundo a doutrina militar russa, se um território russo é atacado, Moscou pode lançar mão de um ataque nuclear tático para defender seu território.

Semana de simbolismos

Às vésperas do aniversário de um ano da guerra da Ucrânia, a semana começou com uma visita surpresa do presidente dos EUA, Joe Biden, à capital ucraniana de Kiev, onde o líder estadunidense se reuniu com Zelensky. A viagem – primeira de Biden ao país desde o começo do conflito – foi encarada como um gesto simbólico do apoio irrestrito do Ocidente à Ucrânia na luta contra a Rússia.

Putin, por sua vez, logo no dia seguinte, na terça-feira (21) fez um pronunciamento diante da Duma e do Conselho da Federação - duas câmaras do Poder Legislativo russo -, no qual anunciou a suspensão da participação da Rússia no tratado de desarmamento nuclear Novo START.

"Que uma coisa fique clara a todos: quanto maior for o alcance do armamento fornecido à Ucrânia, mais nos veremos obrigados a afastar a ameaça de nossas fronteiras", declarou Putin.

Em discurso marcado por um tom antiocidental, Putin destacou que "o povo da Ucrânia se tornou refém do regime em Kiev e seus senhores ocidentais, que ocuparam o país no sentido político, militar e econômico".

Caminhos para a paz?

O aniversário de um ano da guerra da Ucrânia, nesta sexta-feira (24), começou com a divulgação de um plano de paz elaborado pela China para a retomada das negociações entre Rússia e Ucrânia. O documento é composto por 12 pontos. Entre eles estão os apelos ao fim das hostilidades, à retomada das negociações, ao abandono da mentalidade da Guerra Fria, à redução dos riscos estratégicos e ao respeito à soberania de todos os países.

No entanto, a imediata reação dos EUA ao plano chinês deu o tom das perspectivas de diálogo. "A proposta de Pequim deveria ter terminado após o primeiro parágrafo, que pedia respeito à soberania de todos os países. A guerra pode terminar amanhã mesmo se a Rússia parar de atacar a Ucrânia e retirar suas tropas", disse o conselheiro de segurança nacional dos EUA, Jake Sullivan.

Em showmício realizado na última quarta-feira (22), o presidente russo fez um discurso de caráter nacionalista no qual afirmou que a Rússia vive hoje uma "batalha por suas fronteiras". Considerando que a Rússia entende a incorporação de regiões do leste ucraniano como parte de suas fronteiras, um acordo pode ser difícil.

Para o historiador Angelo Segrillo, é improvável que haja uma negociação de paz duradoura, mas ele destaca que, dado o enorme desgaste de ambas as partes do conflito, um caminho possível é o estabelecimento de uma trégua sem acordo de paz propriamente dito. "Guerras começam às vezes surpreendentemente, mas também às vezes terminam surpreendentemente", completa.

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terça-feira, 14 de março de 2023

O que é o capitalismo de “pontos de estrangulamento”


Caros Leitores,

Dentre as consequências advindas do sistema econômico capitalista, uma que vem se destacando, na área da industria cultural, é a asfixia de meios de produção alternativos de mercadorias deste setor, culminando no prejuízo de trabalhadores e na diminuição da heterogeneidade midiática na esfera da cultura.

Ante tal impasse da contemporaneidade, trazemos, nesta semana, uma notícia que aborda diversos fatores sociais que, em detrimento do capitalismo, são responsáveis pela constante mudança na configuração do mercado industrial, no que tange o papel do trabalhador deste campo.

Esperamos que gostem e compartilhem! 

Fernanda Lima é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito.

Em algum momento, disseram que a competição era central para o capitalismo, mas o que estamos vendo são monopsônios. Este é o argumento de Rebecca Giblin e Cory Doctorow no livro Chokepoint Capitalism: how Big Tech and Big Content Captured Creative Labor Markets and How’ll Win Then Back. Em tradução literal, é um capitalismo de “pontos de estrangulamento”, sufocando a concorrência.

A obra aborda especialmente como esses pontos de concorrência tem afetado os mercados e os trabalhadores na área da cultura – ou os chamados “criativos”, focando em empresas como Spotify, Amazon e Youtube. Além disso, oferece possíveis soluções para a área, reconhecendo os limites de cada uma, desde leis antitrustes até plataformas cooperativas.

Rebecca Giblin, uma das autoras e professora de Direito na Universidade de Melbourne, concedeu entrevista a Rafael Grohmann sobre o livro, abordando o conceito de pontos de estrangulamento, o mercado da música, o papel das plataformas e as possibilidades e dificuldades na construção de alternativas genuínas.

Quais as diferenças entre o capitalismo de “pontos de estrangulamento” e outras terminologias em relação ao capitalismo, como capitalismo de vigilância e capitalismo de plataforma? O que há de específico ou novidade aqui?

O que realmente estamos tentando compreender é esse fenômeno em que, embora seja capitalismo, a questão da competição é central. O que vimos nos últimos 40 anos foram declínios nisso, e até mesmo uma lei antitruste vinda dos Estados Unidos que meio que presume que os monopólios são eficientes e benéficos, e que menos concorrência pode ser uma coisa boa. Nós vimos Warren Buffett [um dos principais investidores do mercado financeiro nos Estados Unidos] saindo salivando sobre empresas que têm o que ele chama de “amplos fossos sustentáveis”. E o que ele quer dizer com isso é que elas são capazes de impedir que os concorrentes entrem e reduzam seus lucros. Nós vimos Peter Thiel [investidor de capital de risco] dizendo coisas como “competição é para perdedores”. Essa é a ortodoxia agora ensinada nas escolas de negócios! O que todos eles estão tentando fazer é criar esses pontos de estrangulamento. Então, em vez de ter um fluxo livre entre compradores e vendedores ou entre públicos e criadores, o que eles estão fazendo é tentar criar esses mercados em forma de ampulheta que têm públicos ou compradores em uma extremidade e criadores ou vendedores na outra. Em seguida, eles se agacham de forma predatória no pescoço, onde são capazes de extrair mais do que sua parcela justa de valor. Então, o que queremos é mostrar que isso não é capitalismo. Essa é uma prática predatória cada vez mais comum em praticamente todos os mercados, mas particularmente óbvia nos mercados de trabalho criativos. E eles estão sendo usados para abalar todo mundo.

No livro, vocês discordam que as chamadas plataformas sejam o problema. Por que?

Em primeiro lugar, há muitas coisas diferentes que são chamadas de plataformas, e também falamos sobre isso no livro. Entendemos que não faz sentido culpar as plataformas porque existem tantos tipos diferentes com tantos recursos diferentes, e todo mundo está falando sobre algo diferente. Se você está falando sobre as principais plataformas de tecnologia como YouTube e Amazon, esses são alguns dos principais culpados na criação de pontos de estrangulamento que eles estão usando para abalar todo mundo, mas também gravadoras, agências de talentos de Hollywood, grandes rádios nos Estados Unidos, que usam seus lucros de monopólio para apoiar esforços de lobby que derrotaram literalmente dezenas de projetos de lei que teriam sido usados para pagar artistas pelo uso de suas músicas no rádio. Os Estados Unidos fazem isso. Apenas um pequeno punhado de países como Irã, Ruanda e Coreia do Norte que não fazem isso. Portanto, é uma maneira muito estreita de ver as coisas dizer que são as plataformas que são o problema e também uma maneira muito ampla de ver isso porque as plataformas abrangem todos os tipos de coisas diferentes. O que queremos atingir é a conduta predatória, a conduta anticompetitiva que está sendo usada para extrair mais do que uma parte justa. E certamente, como explicamos no livro, achamos que essas grandes plataformas de tecnologia são certamente as maiores culpadas no momento.

O que mais te surpreendeu durante o processo de pesquisa para o livro?

Acho que o que nos surpreendeu é que sabíamos que as coisas estavam ruins, mas não sabíamos o quanto. Na verdade, o que estamos ouvindo de um monte de leitores agora que saiu o livro é que, após lerem a primeira parte do livro – em que propusemos a persuadir os leitores de que são os pontos de estrangulamento que são o problema e demonstrar como eles foram construídos em todas essas diferentes indústrias culturais – elas estão incrivelmente cheias de raiva, porque elas não estavam apenas surpresas em relação ao tamanho das coisas, mas com o abalo sistemático que está acontecendo em todas as indústrias criativas. Em qualquer lugar que alguém tenha poder suficiente para abalar os trabalhadores criativos, eles estão fazendo isso, e acho que provavelmente, provavelmente uma das maiores surpresas foi a variedade de setores em que as empresas estão usando exatamente o mesmo manual. Podemos olhar para a Amazon e seu diagrama, descrito como um ciclo virtuoso. Eu acho que esta é uma maneira muito boa de entender o que está acontecendo, mas também a surpresa de estar em todos os lugares. Eles falam sobre ter uma estrutura de custo mais baixo, o que leva a preços mais baixos e melhora a experiência do cliente e gera tráfego, atrai mais vendedores, aumenta a seleção, mas também contribui para essa estrutura de custo mais baixo. É delicioso. Quem pode reclamar disso? É tão eficiente e maravilhoso. Mas estávamos analisando todos esses setores diferentes e analisamos livros, e-books, audiolivros, gravação de música, composição de músicas, streaming de música, venda de ingressos de música, promoção de música e muitos outros. O que vimos é que todos eles estavam usando o mesmo manual, mas não era isso que estava acontecendo. O que realmente estava acontecendo é que não era um ciclo virtuoso, mas anticompetitivo, onde o que todos estão se preparando para fazer é, antes de mais nada, ter tudo quanto é tipo de usuários, o máximo que puderem. Devido à natureza do poder de monopsônio, é um pouco diferente do monopólio, e pode se tornar problemático em concentrações de mercado muito mais baixas. Portanto, 8% ou 10% do mercado já podem dar ao comprador muita capacidade de controlar os termos. Uma vez que eles tenham alguns usuários logados, eles usam isso para bloquear seus fornecedores e, em seguida, usar os lucros disso ou as receitas geradas ou o acesso aos mercados de capitais que eles obtiveram com a perspectiva de poder ter todos presos e, assim, eliminar a concorrência. Uma vez que esse ciclo continua girando, a situação é que eles estão forçando seus trabalhadores e fornecedores a aceitar preços injustamente baixos. A surpresa foi a universalidade do manual, mas talvez não devesse ter sido surpreendente porque, como falei no início, é exatamente isso que está sendo ensinado nas escolas de negócios.

Sobre a indústria da música, quais os novos desafios para músicos, especialmente artistas e gravadoras independentes em um contexto de serviços de streaming como Spotify?

Uma das coisas que falamos sobre a indústria da música é seu contexto histórico e o que está acontecendo agora. Mostramos que uma das grandes razões pelas quais os músicos estão em apuros agora é porque temos três gravadoras que controlam quase 70% do mercado global de música. Eles são donos das três produtoras que controlam quase 60% dos compositores, e essas empresas usaram sua influência descomunal que esses enormes reservatórios de direitos autorais lhes dão para moldar o futuro da indústria, embora não sejam mais tão relevantes e necessários quanto antes, na era pré-digital. E então, o que estamos vendo é que isso resultou em mercados de streaming que foram projetados pelas principais gravadoras para o benefício dela e para exacerbar desproporcionalmente o lema “o vencedor leva tudo”. Isso também está resultando nesses gigantes do streaming. E o Spotify, que é de longe o líder de mercado, também está tentando criar seus próprios pontos de estrangulamento. Ele tem uma fatia muito grande do mercado e fez um bom trabalho em persuadir o público a terceirizar as decisões sobre o que entra em seus ouvidos. Vou para a playlist RapCaviar do Spotify ou vou ouvir isso. Eles trabalharam muito duro para treinar os ouvintes a ir para as playlists em vez do artista. Eles são uma peça muito óbvia e o que estamos vendo isso acontecer agora é usar esse poder para reduzir ainda mais a quantia que vai para os artistas. Por exemplo, já sabemos que as taxas por cada vez que a música é ouvida são incrivelmente baixas. Então, o que o Spotify fez é dizer: entendemos que você realmente não pode pagar para promoção, mas poderíamos aumentar seu alcance, poderíamos te dar uma chance maior de ser incluído nas playlists. Poderíamos te dar mais capacidade de descoberta pelo algoritmo se você quiser obter um desconto adicional na taxa de royalties que obtém. As pessoas estão tão desesperadas para serem descobertas como que muitos deles estão dispostos a aceitar esses negócios, mas é apenas uma corrida para o fundo do poço. Sabemos que os trabalhadores criativos estão dispostos a realizar trabalho criativo por menos do que estão dispostos a realizar outras formas de trabalho. A economia da cultura nos mostra que as pessoas podem estar mais dispostas a pintar um mural por menos dinheiro do que eles estão dispostos a pagar por uma cerca. É por isso que sindicatos como o Screen Actors Guild têm que forçar todo mundo a entrar em uma promessa coletiva de não trabalhar abaixo das taxas mínimas do sindicato e, caso contrário, será punido por todo o grupo se o fizer, porque eles sabem que a tentação é tão forte de trabalhar por muito pouco ou por nada. O Spotify e todas as empresas das quais falamos neste livro tiram proveito disso. Eles buscam transformar a paixão dos criadores em uma arma para facilitar sua exploração. Esse é um dos maiores desafios à medida que essas empresas se tornam mais poderosas, como encontramos maneiras de ampliar esses pontos de estrangulamento para que os trabalhadores tenham uma chance maior de compartilhar de forma justa as recompensas de seu trabalho.

Um dos principais desafios da segunda parte do livro é como construir alternativas genuínas. Quais são potencialidades, armadilhas e limites que você vê na propriedade coletiva no setor criativo?

Vou falar primeiro sobre a estrutura do livro. Eu e Cory Doctorow estávamos realmente determinados a não ser mais um daqueles livros que, de 11 capítulos, há 10 capítulos contando sobre como tudo é terrível, e no final um capítulo que é meio que acenando com as mãos com algumas soluções muito vagas. Na primeira parte do nosso livro, falamos sobre o problema que é essa concentração corporativa, esses pontos de estrangulamento. E então, toda a segunda metade é desviada para soluções em que realmente mergulhamos em algumas soluções bastante detalhadas para ampliar esses pontos de estrangulamento. Isso significa construir soluções compensatórias que constroem poder compensatório em trabalhadores e produtores criativos na regulação direta do poder de mercado e no incentivo sua entrada.

Há um potencial realmente interessante na propriedade coletiva. Um dos maiores desafios é a falta de acesso ao capital para começar. É muito caro começar algo assim. E esses custos são aumentados pelo fato de que os acordos de licenciamento de música são incrivelmente caros. E isso cria outro ponto de estrangulamento. Então, o Spotify reclama do quão complicadas são as práticas de licenciamento, mas é capaz de tirar vantagem disso porque tem dinheiro suficiente para fazer isso, enquanto os novos entrantes não. E assim, embora possa preferir que seja mais barato entrar em um novo mercado, ele prefere que eles possam fazê-lo e outras pessoas não. Isso aumenta o custo de capital necessário para entrar no streaming de música em qualquer tipo de grande escala. A grande escala é o que você precisa fazer para obter os efeitos de rede e trazer um número substancial de pessoas para seus servidores. Nós nos aprofundamos bastante no licenciamento de música e em algumas das soluções que poderíamos ter, como reconceituar as licenças em estatutárias ou compulsórias, para que atuem como um piso em vez de um teto. Isso poderia ser uma forma de direitos mínimos e salários mínimos para trabalhadores criativos. Falamos sobre simplificar os acordos de licenciamento de música e também de licenciamento de vídeo. Como você pode ter plataformas para competir melhor com o YouTube? Falamos também da necessidade de definir o dinheiro onde ele existe. Portanto, há uma enorme quantidade de vazamento nas receitas de streaming de música e isso é, em grande parte, problemas com metadados e bancos de dados. É extraordinário que cada país tenha seu próprio banco de dados ou bancos de dados e eles tenham todos os tipos de problemas com eles. Muitas vezes você terá uma cobrança e nem consegue identificar Beyoncé para pagá-la. Ou pode apenas imaginar como é difícil para todos os outros e, novamente, como se os incentivos não estivessem certos. Eles não são incentivos para que esse dinheiro corresponda a artistas individuais. Nós realmente buscamos soluções práticas, possíveis, como soluções tecnologicamente possíveis, que realmente colocariam mais dinheiro nos bolsos dos artistas.

O que é interoperabilidade radical e como isso pode ser uma boa solução para trabalhadores criativos?

Isso se torna relevante porque uma das ferramentas que empresas como a Amazon em particular têm usado para prender clientes é o gerenciamento de direitos digitais para prender clientes e fornecedores. Esses são os bloqueios digitais que são colocados nos arquivos, aparentemente para evitar a violação de direitos autorais. Mas a lei impede que você remova ou destrave a fechadura e não está restrita a circunstâncias em que isso impediria a violação. O que temos é, por exemplo, a Amazon insistindo em ter gerenciamento de direitos digitais em tudo em sua plataforma audível. Não é possível ter um audiolivro sem tê-lo embrulhado em formato DRM. E o que isso significa é que as pessoas que investiram em uma biblioteca de audiolivros ao longo do tempo se quiserem mudar para uma plataforma diferente que pague melhor aos artistas ou que ofereça recursos diferentes, e muito poucas pessoas querem fazer isso, então vimos os perigos do DRM. Foi assim que a Apple conseguiu dominar o mercado de download de música com o iTunes e as gravadoras acabaram percebendo que isso havia sido uma armadilha terrível porque estavam completamente trancadas e não tinham escolha a não ser ceder às exigências da Apple. A maneira como eles escaparam dessa armadilha foi licenciar sua música para empresas como a Amazon, sem DRM, para que pudesse ser portátil. As editoras de livros não estavam ouvindo quando isso aconteceu. Eles não deram atenção a essa lição e insistiram no DRM. É por isso que tantas pessoas estão presas a uma espécie de Kindle. Você não pode simplesmente mover seus livros, você não pode simplesmente migrar seus livros do Kindle para, digamos, a plataforma cooperativa de um autor, por causa do DRM e das leis em torno disso.

Portanto, a interoperabilidade radical é dizer que reconhece os perigos desse aprisionamento digital e reconhece que essa é outra maneira de criar um truque, de modo que as pessoas continuem com seu serviço não porque é o melhor serviço ou porque querem estar lá, mas porque eles estão presos a ele. O que estamos pedindo são direitos para remover o DRM, sem o objetivo de cometer violação de direitos autorais. Esse movimento tem sido grande e está se tornando cada vez mais poderoso com o direito de reparação e, em particular, porque na verdade o gerenciamento de direitos digitais é muito raramente usado para proteção contra violação de direitos autorais. É usado para proteger contra o que Cory Doctorow chama de infração criminosa do modelo de negócios.

Você afirma que as leis antitruste são vitais, mas não nos salvam. Qual é o papel da lei e da regulação em todo esse contexto?

Devo mencionar aqui que certamente achamos que a lei antitruste é importante para fazer cumprir a lei que existe e reformá-la. Isso é importante, mas o antitruste realmente tem questões. Sofre para responder ao monopólio, realmente luta para responder ao monopsônio, e o monopsônio é o maior problema de que falamos no contexto dos trabalhadores criativos. É aqui que o comprador tem o poder dos vendedores. A Amazon é o comprador quando se trata de editores e autores. As agências de talentos de Hollywood são os compradores quando se trata de talentos. Spotify é um comprador muito poderoso quando se trata de gravadoras menores, embora não seja tão poderoso. Sabemos que a lei antitruste faz um trabalho muito ruim em responder ao monopsônio, em parte por causa da diferença que mencionei anteriormente sobre como se acumula em concentrações de mercado muito mais baixas, e em parte porque as formas de remediação disponíveis em antitruste simplesmente não são adequadas. É por isso que nos concentramos em outras soluções. Regular diretamente o biopoder encorajando novos entrantes nos mercados e construir poder de compensação a fornecedores e trabalhadores. Há muitas e muitas maneiras pelas quais a regulação pode ajudar nisso. Por exemplo, falamos sobre o modelo que foi criado na diretiva do mercado único digital europeu, que possui disposições voltadas diretamente para o apoio aos criadores. Os Estados-Membros, por exemplo, têm de conceder aos artistas e intérpretes os direitos, ou aos autores e intérpretes, direitos de reivindicar os seus direitos autorais quando já não são explorados comercialmente. Eles têm que ter direito a uma remuneração justa e proporcional, e direitos à transparência também, para entender como seu trabalho está sendo usado, quais receitas estão sendo geradas e como seu pagamento está sendo calculado. Fora do direito de concorrência, podemos ver as leis de direito de reparação, por exemplo. As leis de direito de reparo são uma forma de direcionar diretamente o biopoder excessivo e nivelar o campo de jogo. E, novamente, os direitos de remover o DRM para que você possa migrar suas bibliotecas para outra plataforma. Esse é o tipo de condição que permitiria o surgimento de mais plataformas cooperativas de autores, por exemplo. Portanto, estamos muito interessados no potencial de regulações baseadas em evidências que alcancem essas coisas para ajudar a nivelar esse campo de atuação.

O que você vê de diferente na ação coletiva e na organização de trabalhadores no chamado setor criativo e quais são seus rumos futuros?

Uma das minhas partes favoritas do livro é sobre como sete mil roteiristas de Hollywood demitiram seus agentes em uma única semana. Eles fizeram isso porque as quatro grandes agências de talentos estavam manipulando esses mercados de maneiras que significavam que, mesmo nesta era de ouro da televisão, a participação dos roteiristas estava caindo vertiginosamente. Os roteiristas viram quanto perigo havia se eles permitissem que isso continuasse. E todos trabalharam juntos, mesmo muitos deles trabalhando em uma gama tão diversificada de programas e em fases muito diferentes de suas carreiras, incluindo pessoas que fecharam negócios, que tiveram um sucesso incrível no mercado e não precisavam se preocupar com nada disso. Eles permaneceram juntos e resolveram isso por 22 meses até forçarem todas essas agências de talentos a reformar suas práticas e se livrar desses conflitos de interesse. Isso mostra o poder de trabalhar em conjunto. E ninguém poderia ter conseguido isso individualmente, exceto, como eu disse, há pouquíssimas pessoas no topo da árvore, como Shonda Rhimes, além de Krista Bernhoft, a showrunner de Grey’s Anatomy, por exemplo, com carreira enormemente bem-sucedida, mas ela resistiu como parte desse ataque. O que estou tentando dizer aqui é que fomos encorajados ao longo deste último meio século de política econômica cada vez mais neoliberal a nos vermos como ilhas individuais, em vez de parte de uma luta compartilhada, e isso tem sido extremamente bem-sucedido em esvaziar esse sentimento de missão compartilhada. Mas precisamos reconhecer que todos fazemos parte da mesma luta. Quase todos nós. Acho que acabou a hora da individualização e está chegando a hora de entender que fazemos parte de uma luta compartilhada e que não precisamos mais tolerar essas predações.

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segunda-feira, 6 de março de 2023

A nova política eco social


Caros Leitores, 

Diante da intensificação dos impasses ambientais nos últimos anos, a atual gestão brasileira vem apresentando novos direcionamentos quanto às políticas socioambientais, priorizando o equilíbrio entre o desenvolvimento econômico, a sustentabilidade e o bem-estar social.

Para debater esse tema, trazemos nesta semana, uma notícia que apresenta os principais obstáculos nas esferas socioambientais e econômicas, a fim de discutir quais as principais diretrizes do Brasil em âmbito ambiental e quais medidas governamentais poderiam ser benéficas para que seja possível conciliar o equilíbrio entre a plataforma da sustentabilidade e a manutenção do crescimento econômico. 

Esperamos que gostem e compartilhem! 

Fernanda Lima é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito.

“A sustentabilidade não é só econômica, não é só ambiental, ela é também social e é também política.” Essa declaração da ministra Marina Silva na reunião de 16 de janeiro no Fórum Econômico de Davos, na Suíça, demonstra claramente que a nova política ambiental deve perseguir a perspectiva da transversalidade, em um processo dialético entre os diversos setores, desde o agronegócio até a indústria de transformação. O grande desafio é fazer com que os problemas socioambientais e seus equacionamentos conduzam a ações que contribuam para o desenvolvimento econômico com comprometimento socioambiental. Para que isso aconteça, a nova política deve partir da reconstrução de tudo aquilo que foi desmantelado nos últimos anos.

O quadro é deplorável e urge agir com fundamentos técnicos e científicos para uma rápida transformação dos indicadores e metas socioambientais. A gestão atual já se inicia com a perspectiva de formular políticas públicas com base nas evidências e fatos da realidade. Os dados apresentados no Relatório de Transição demonstraram que é preciso empreender esforços redobrados para reverter um quadro de destruição de marcos regulatórios, de controle e de participação social nas políticas ambientais. Foi como um tsunami que trouxe consequências nefastas, como 60% de aumento do desmatamento na última gestão, a maior taxa que já ocorreu em um mandato presidencial, desde o início das medições por satélite, em 1988.

Temos diante de nós um robusto repertório de dados que só reforçam a urgência de uma nova política ambiental. Apenas 0,4% do Cadastro Ambiental Rural foi validado, enfraquecendo sobremaneira a aplicação do Código Florestal. E a situação ainda fica mais grave com a escassez de recursos orçamentários e humanos. O Fundo da Amazônia, na gestão passada, teve mais de R$ 3,3 bilhões paralisados e o quadro de servidores do Ministério do Meio Ambiente e de suas autarquias encontrava-se com mais de 2 mil cargos vagos. É patente a necessidade de reforçar a capacidade institucional para que a nova política ambiental consiga atingir níveis satisfatórios de performance.


As mudanças climáticas se destacam cada vez mais como eixo primordial da nova política ambiental e isso ficou claro no discurso da ministra Marina na COP 27, no Egito, e em medidas já adotadas e em andamento, como a nova nomenclatura do Ministério do Meio Ambiente, passando a se chamar “Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima”, bem como a previsão de criação da Autoridade Nacional de Segurança Climática na nova estrutura do Ministério.


A meta do desmatamento zero aliada à criação de uma Secretaria Extraordinária de Controle do Desmatamento e Ordenamento Territorial e Fundiário anunciados pela ministra Marina demonstram o ambicioso e necessário caminho que a política ambiental deve seguir. A postura e a imagem internacional da nova ministra constituem um diferencial nessa empreitada. Seu discurso em Davos sobre o Fundo da Amazônia e os apoios anunciados por diversos países já demonstram a retomada do protagonismo brasileiro na política ambiental em escala global.


A nova política ambiental deve demonstrar que é possível promover o desenvolvimento econômico tendo a dimensão socioambiental como elemento constitutivo de novos modelos nas políticas púbicas e empresariais. A economia de baixo carbono deve ser compreendida como vantagem competitiva, haja vista seu potencial para gerar produtos e serviços com reduzidas emissões de carbono, contribuindo para as medidas de mitigação e adaptação das mudanças climáticas.


Há muito a ser feito e o novo governo já colocou o pé no acelerador inaugurando uma nova forma de fazer política ambiental, com o foco na promoção da infraestrutura para o desenvolvimento sustentável e na transversalidade, dialogando com as diversas políticas setoriais. Isso aconteceu recentemente com a rápida resposta do governo decretando emergência em Saúde Pública para atender os Yanomamis, vítimas de uma política genocida.


Essa perspectiva vai além, alcança uma cooperação coletiva, envolvendo sociedade civil, comunidade científica, servidores públicos e também a cooperação internacional, como foi o caso do uso do Fundo da Amazônia para apoiar a população Yanomami, anunciada pela ministra Marina em entrevista coletiva no dia 30 de janeiro.


De fato, a transversalidade e a cooperação internacional são questões chaves na perspectiva da nova política ambiental. Um dos desafios atuais é a proposição de políticas e ações ancoradas nos chamados Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), da ONU, com os quais o Brasil e mais 192 países membros se comprometeram como signatários. Se no governo anterior essa agenda foi ignorada, é hora de retomá-la com novos paradigmas.


Os ODS são um chamado para a ação com o objetivo de alcançar o fim da pobreza, a proteção da biodiversidade e dos recursos naturais do planeta e garantir paz e prosperidade a todas as pessoas até 2030. Para isso, será necessária a adoção de um plano de ação global composto por dezessete objetivos, com um conjunto de metas que pressupõem a atuação sistêmica envolvendo diversas categorias e finalidades, o que demanda ações integradas e transversais.


Essa nova política socioambiental deve ser pensada, formulada e colocada em prática sob uma ótica que vai muito além da dimensão ambiental stricto sensu. Deve ser concebida a partir de uma visão sistêmica de sustentabilidade, com foco na erradicação da pobreza, na educação e saúde de qualidade, na agricultura de baixo carbono, na igualdade de gênero, na energia limpa e acessível, na produção e consumo sustentável, na redução da emissão de gases de efeito estufa, responsáveis pela crise climática que ameaça a sobrevivência da humanidade. Essa perspectiva exige um esforço de articulação e sinergia entre diversos atores e, com esse objetivo, a ministra Marina já anunciou a criação de um Conselho, ligado ao presidente Lula, com a participação de todos os ministérios, da sociedade civil, além dos estados e municípios.


Lembrando o filósofo Felix Guattari, a crise do mundo contemporâneo só pode ser enfrentada com uma revolução político-social a partir de uma articulação entre as três ecologias: a do meio ambiente, a das relações sociais e a das ideias. O objetivo é reorientar a produção de bens materiais e simbólicos. Como o poder repressivo é introjetado pelos oprimidos, é necessária uma visão transversalizante de sustentabilidade, abrangendo elementos ambientais, sociais e culturais. Ou seja, trata-se de construir uma nova política eco social.


Assim, a nova política ambiental é a busca da sustentabilidade no plano econômico, social, ambiental, político e cultural, com o objetivo de transformar o Brasil num país economicamente próspero, socialmente justo, politicamente democrático, culturalmente diverso e ambientalmente sustentável.