Olá alunos,
Na atual conjuntura a aprovação ou não da Lei da Terceirização é um debate frequente. Questões como as condições de trabalho, segurança, dentre outros fatores são levadas em pauta. A postagem de hoje busca, a partir de um exemplo chinês, fazer-nos refletir sobre tal lei.
Agradecemos a sugestão dessa notícia, que foi enviada pelos alunos Julia Goromar, Amanda Colchete, Isabella Vieira, Natalia Zanuto e Rafael Sartori da turma P1 do primeiro período da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense.
Esperamos que gostem e participem.
Joyce Borgatti e Palloma Borges.
Monitoras da disciplina "Economia Politica e Direito" da Universidade Federal Fluminense.
No dia 13 de
maio de 2013, Liufu Zong não acordou às sete da manhã para ir trabalhar como
fazia diariamente em sua rotina de trabalho na fábrica Jinchuan Electronics Co
Ltd, na cidade de Dongguan, na China. Seus colegas de dormitório estranharam o
sono estendido e logo perceberam que o menino, de apenas 14 anos, estava morto.
Zong parou de estudar aos 12 anos para ajudar seu pai a sustentar uma família
de dez pessoas. Aos 13, decidiu migrar para a cidade para tentar melhorar de
vida. Em poucos meses de muito trabalho, o menino não resistiu e veio a falecer
por causas não reveladas.
O diretor de
recursos humanos da empresa atribuiu a morte do menino ao seu estilo de vida
"Eu ouvi dizer que ele passava o tempo todo na internet até tarde vendo
conteúdo impróprio” – conforme noticiou aXinhua. O pai de Zong,
entretanto, alegou que seu filho era saudável e estava fazendo cinco horas
extras diariamente, além de trabalhar em um ambiente tóxico. Os representantes
do governo chinês pouco discutiram a ilegalidade do excesso de horas extras.
Eles disseram que a idade do jovem funcionário se justificava porque a
contratação era terceirizada. O diretor da fábrica disse que não tinha como ver
que o menino era tão jovem – o que foi confirmado por uma autoridade da polícia
local em sua investigação, que alegou que “O menino falsificou seus
documentos, a empresa que contratava não tinha como saber sua idade”.
No caso em questão, as responsabilidades
são vagas. As autoridades locais defenderam o empresário, alegando que ele
havia sido enganado e a responsabilidade é transferida para a firma de
contratação, que não sofreu lesão alguma. Quem pagou a conta é o jovem menino,
que saiu do campo para melhorar de vida, mas que teve sua vida e seus sonhos
abortados. Ao chegar à cidade, foi trabalhar em uma fábrica que adota o modelo
predominante de contratação na China, marcado pela terceirização dos contratos
e pela consequente flexibilização de direitos trabalhistas. Seu destino foi
trágico e sua família ficou desamparada – exatamente como outras tantas milhões
de pessoas.
Há mais de uma década, acompanho
diariamente casos como o de Zong, que estão longe de ser exceções. São banais,
na verdade. São números que ultrapassam com facilidade a casa dos sete dígitos:
casos de dedos perdidos em fábricas, mutilações diversas, mortes por
intoxicação por pó metálico, pneumonia e incêndios. O não cumprimento de
direitos e sequer do salário mínimo são problemas rotineiros.
Em um famoso escândalo com um recall
de uma marca global de brinquedos que continha elementos nocivos à saudade da
criança, a corporação culpou o serviço terceirizado da China, que culpou o seu
serviço terceirizado de fornecimento de materiais. O mesmo aconteceu com
remédios de uma multinacional farmacêutica que causou a morte de centenas de
pessoas pelo mundo. A farmacêutica culpou a firma de terceirização, que culpou
a farmacêutica. E assim fica um jogo de empurra-empurra em que todo mundo ganha:
o governo, a pequena firma e a grande corporação. Quem perde é o Zong e o João.
Um dos
maiores problemas acarretados pela terceirização não é precarização dos
contratos em si, mas o que isso resulta: a perda de segurança legal, financeira
e corporal. Isso ocorre simplesmente porque a responsabilidade sobre a
integridade dos funcionários tornam-se vagas. Grávidas são substituídas por
outras mulheres, simples assim. Eu lembro-me muito bem no dia em que perguntei
ao empresário Shang, de uma fábrica de brinquedos no distrito de Pinghu na
China, se ele não se incomodava com as crianças que estavam trabalhando para
ele em um feriado. Ele me respondeu: Crianças? Não, a firma que nos fornece
funcionário respeita a lei chinesa. Eu pensei que eu deveria estar louca
vendo jovens vidas, visivelmente exaustas, que não passavam de dez anos.
Engana-se quem pensa que o problema
da China é a falta de leis. O país passou de um niilismo legal dos tempos
maoístas a uma revolução legal nas últimas décadas. Hoje, a lei conta com 107
artigos e treze capítulos. Diversas outras resoluções e esferas dão respaldo
aos direitos trabalhistas. Desde os anos 1990, implementou-se a Lei da União do
Comércio, a Lei do Contrato do Trabalho e a Lei de Mediação das Disputas de
Emprego, etc. Trinta mil novas emendas surgiram na legislação chinesa nos
últimos anos. O problema da China, portanto, não é a lei fraca. O problema é a
brecha da lei. E a terceirização é decisiva nesse processo que flexibiliza
responsabilidades.
É exatamente
esse o destino que aguarda o Brasil.
Discute-se colocar por água abaixo uma das áreas em que o País é vanguarda e
modelo para o mundo: os direitos trabalhistas. Nos últimos dias, com o debate
sobre a terceirização do trabalho e a recente aprovação da PL 4330 no Congresso
Nacional, muitos têm se questionado se Brasil irá se tornar a China. Estou
convicta que não. Será muito pior.
É evidente
que os problemas trabalhistas da China vão além questão da terceirização, e se
agrava com a imigração ilegal interna, entre aqueles que se situam fora do
sistema do registro doméstico nacional (Hukou), entre outras questões.
Mas a China, por outro lado, goza de crescimento econômico constante que nunca
baixou dos 7%. Já a economia brasileira, depois do milagre dos 7% de 2010, tem ficado nos
minguados 1% ou 2% a cada ano. A grande diferença entre a China e o Brasil,
portanto, é que o primeiro vive um crescimento extraordinário e o Brasil passa
por uma crise social e econômica profunda.
O Brasil,
consequentemente, não vai criar mais empregos com a
terceirização. O que deve acontecer é o alívio do bolso do
empresariado nacional que, em tempos de crise, pressiona o Congresso para
aliviar a carga tributária alta que estrangula o setor. A flexibilização não
deve atrair empresas estrangeiras para o Brasil: o País está com a economia
frágil, apresenta risco para ose possui diversos outros impedimentos
que a China e outros países asiáticos superam com facilidade. Por exemplo, o
preço chinês, que não se baseia somente na exploração da mão-de-obra, mas
também no valor de sua moeda, o Yuan RMB.
A China
explora a classe trabalhadora em tempos de ascensão e abundância, em tempos de
remover milhões de pessoas da miséria e da fome do campo. O Brasil sonda terceirizar o trabalho
em tempos decadência e de crise. E a diferença disso é enorme e os
efeitos serão trágicos: sistemas semiescravos, trabalho intensivo, falta de
oportunidades no horizonte, muita exaustão e pouco dinheiro no bolso do João.
Ao contrário da China, o que está para acontecer no Brasil não é geração de
emprego. O nome disso, é importante ficar bem claro, é arrocho. E quem paga a
conta, mais uma vez, são os trabalhadores. O João. A Maria. Eu e você. A Deus
dará.
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