Olá alunos,
A operação
Lava Jato, que visa investigar as irregularidades da Petrobrás, denuncia a formação
dos chamados cartéis visando obter vantagens em licitações. Nada melhor para
caracterizar o capitalismo e o livre mercado do que tal prática. Alguns clamam
para o Estado não interferir na economia, mas será que a sua não arbitragem
seria o certo? A postagem de hoje pretende entender tal dinâmica.
Agradecemos a sugestão dessa notícia, que foi enviada pelos alunos Luciane, Lígia, Artur, Renan e Thalita da turma T1 do primeiro período da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense.
Esperamos que gostem e participem.
Joyce Borgatti e Palloma Borges
Monitoras da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense.
As
manchetes da Lava Jato denunciam
a prática generalizada da formação de cartéis para obter vantagens em
licitações. Para não tropeçar em hipocrisias, seria bom compreender a lógica
que move a concorrência entre os grandes blocos de capital na economia dos
tempos modernos, outrora apelidada de capitalismo. Desde o século XIX, com
distintas morfologias, o movimento da grande empresa é articulado pelas forças
dos mercados financeiros e pela busca do controle dos mercados e das fontes de
abastecimento.
Hoje, os mercados promovem a circulação global do
“capital livre e líquido”, organizado sob a forma “coletiva” dos fundos de
investimento, fundos de pensão e hedge funds. O objetivo é diversificar a
riqueza de cada grupo privado, centralizar o controle nas empresas integradoras
que comandam a rede de fornecedores também monopolistas e, assim, ganhar maior participação nos mercados
globais. Na economia movida pelas fusões e aquisições, quem não consegue
engolir o concorrente corre o risco de ser deglutido por ele.
Os
agentes dessas operações são os grandes bancos de investimento . Eles
definem os novos proprietários, os métodos de financiamento, a participação
acionária dos grupos, as estratégias de valorização das ações, antes e depois
das ofertas públicas.
O capitalismo da grande empresa e da alta finança
torna-se ainda mais promíscuo e pegajoso em suas relações com o Estado. Quem
estuda o fenômeno da generalização das práticas ilícitas e ilegais não tem
qualquer dúvida em apontar a infiltração da “ética dos negócios” nos negócios
da política. Enquanto alguns clamam para que o Estado abandone suas pretensões
de interferir na economia, a realidade dos negócios exige que ele passe a
arbitrar e articular os interesses privados. Há quem aposte em fórmulas mágicas
para prevenir o dinheiro mal havido e as práticas ilícitas.
A substituição dos órgãos tradicionais de vigilância e controle
do Estado por Agências Reguladoras não realizou, nem poderia realizar, o milagre da ressurreição da livre-concorrência
livre, limpa e desimpedida. No caso das telecomunicações, por exemplo, a
experiência internacional mostra que, depois de um período breve de
“concorrência”, as empresas tendem a se fundir, provocando uma enorme concentração
do capital e produzindo situações de monopólio. Sem a independência dos
reguladores e a vigilância permanente de um Congresso acima de qualquer
suspeita, os usuários-consumidores vão perder a parada da fixação de tarifas e
do controle da qualidade do serviço.
Os liberais nefelibatas preferiram, no entanto,
refugiar-se na retórica da transparência, da livre concorrência e da igual
oportunidade garantida a todos os interessados. Cascata. “Seria melhor afirmar
a verdade claramente”, diria o saudoso John Kenneth Galbraith.
Não há quem possa negar que a perda da capacidade de
regulação do Estado é a marca registrada da convivência entre o público e o
privado no capitalismo da concorrência monopolista. Os conservadores pretendem
enfrentá-la reinventando o liberalismo e renovando a fé na capacidade de
autorregulação do mercado.
Robert Skidelsky, biógrafo de Keynes, ironizou o temor
de Hayek de que a saúde da democracia pudesse ser afetada pela força excessiva
do Estado. Muito ao contrário, diz Skidelsky, o Estado foi muito fraco para
impedir a invasão, tornando-se dependente e ficando à mercê das “forças
externas” que acabam anulando ou reduzindo a capacidade de gestão econômica.
“Keynes superestimou a possibilidade de uma gestão econômica racional pelos
governos democráticos”, concluiu.
Schumpeter deplorava que a ordem criada pelo
capitalismo individualista pudesse ser devastada pela força avassaladora do
progresso capitalista. “Assim”, dizia ele, “a evolução capitalista arrasta para
o fundo todas as instituições, especialmente a propriedade e a liberalidade de
corporação, que responderiam às necessidades e às práticas de uma atividade
econômica verdadeiramente privada”. A grande corporação, o proprietário de
ações e a importância cada vez maior dos mercados em que circulavam os direitos
de propriedade, os mercados financeiros, significavam a desmaterialização da
propriedade, sua despersonalização. “O possuidor de um título abstrato perde a
vontade de combater, econômica, física e politicamente, por sua fábrica e pelo
domínio direto sobre ela, até a morte se for preciso.” O capítulo XII de Capitalismo, Socialismo y Democracia arrisca uma previsão sobre os destinos
da ordem capitalista fundada na iniciativa individual: “Não sobrará ninguém que
se preocupe em defendê-la”. Enganou-se: é cada vez maior a força das grandes
estruturas capitalistas e de seus métodos de controle na moldagem subjetiva dos
indivíduos.
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