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segunda-feira, 27 de abril de 2020

Taxar grandes fortunas está no cardápio de projetos do Senado para covid-19

 

Olá Alunos,

Trazemos hoje, mais uma notícia sobre o que está em pauta para conter os efeitos da crise pós pandemia.

Esperamos que gostem e participem!
Lucas Pessôa é membro do Grupo de Pesquisas "Estados Instituições e Análise Econômica do Direito".

Há entre as propostas analisadas por senadores para combater o avanço da covid-19, doença causada pelo coronavírus, 1 projeto de taxação de grandes fortunas. O imposto seria temporário, para pagar os custos da emergência sanitária.

Trata-se do projeto de lei complementar 183 de 2019, do senador Plínio Valério (PSDB-AM). Para ser aprovado, esse tipo de projeto precisa de pelo menos 41 votos no Senado e 257 na Câmara.

O texto está em uma lista de 60 projetos entregue por Antonio Anastasia (PSDB-MG), que ocupa a presidência do Senado na ausência de Davi Alcolumbre (DEM-AP), aos líderes da Casa. No começo da semana que vem serão escolhidos 4 ou 5 para serem votados nas sessões seguintes.

Atualmente, a matéria se encontra na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) da Casa. O Senado está em regime de votação remota, e os colegiados não têm funcionado. Caso o projeto seja apreciado, o mais provável é que pule direto para o plenário.

O prazo de 2 anos foi incluído no projeto pelo relator, senador Major Olímpio (PSL-SP). A alíquota estipulada vai de 0,5% a 1%. Incidiria sobre patrimônios líquidos superiores a R$ 22,8 milhões.

A verba seria repassada para o FNS (Fundo Nacional de Saúde), para o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e para o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza.

A expectativa é que, devido à necessidade de isolamento das pessoas em casa, a pandemia não atinja apenas o sistema de saúde. Trabalhadores informais, por exemplo, sem poderem exercer suas atividades, devem procurar os programas de assistência do governo.

Na 5ª feira (26.mar.2020), por exemplo, a Câmara aprovou auxílio de R$ 600 para esse segmento durante a crise do coronavírus.

sábado, 25 de abril de 2020

Reduzir ou suspender salários é solução para manter emprego?

 

Olá alunos!

Como foi dito na última publicação, haverão fortes impactos econômicos após a pandemia. Para tentar reduzir estes impactos futuros, os governantes e autoridades buscam algumas medidas para mitigar os impactos da crise vindoura. A reportagem a seguir trata de algumas medidas que estão sendo implantadas e outras que também poderão ser efetivas.

Esperamos que gostem e participem!
Lucas Pessôa é membro do Grupo de pesquisas "Estados Instituições e Análise Econômica do Direito".

Um dos pontos cruciais da crise do coronavírus no mundo e no Brasil é a questão da paralisia nas atividades econômicas, algumas mais diretamente afetadas, como bares, restaurantes e comércio em geral, que são fortemente intensivas em trabalho, e outras indiretamente em função da paralisação física parcial da produção, sendo boa parte impactada pela forte queda de demanda por produtos e serviços.

No caso do Brasil, esse quadro se torna mais dramático em função da grande quantidade de trabalhadores informais (mais de 40% da força de trabalho), também popularmente conhecido como trabalhadores “uberizados”.

pós os pronunciamentos iniciais de que o melhor remédio para a crise é a continuidade da agenda de reformas, o ministro da Economia Paulo Guedes e sua equipe vêm anunciando, ainda que timidamente – perante a magnitude da crise econômica e social em curso – medidas para enfrentamento da crise do coronavírus.

O presidente da República Jair Bolsonaro editou, na noite do dia 22 de março, a Medida Provisória n.927 ao qual permite a suspensão contratual do trabalho por até quatro meses em comum acordo entre patrão e empregado, podendo o empregador conceder a este ajuda compensatória mensal, sem natureza salarial. A suspensão está vinculada “à participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional não presencial oferecido pelo empregador”. Apesar da revogação do artigo que previa a suspensão do trabalho (ainda não se sabe ao certo qual mecanismo será proposto pelo governo, possivelmente algum tipo de remuneração parcial), a MP ainda estabelece as seguintes possibilidades (algumas razoáveis, diga-se de passagem): teletrabalho (trabalho a distância), antecipação de férias, férias coletivas, banco de horas, antecipação de feriados, adiamento de recolhimento do FGTS, entre outras. A “rationale” por detrás de tais medidas, em especial a suspensão do contrato de trabalho, é aliviar os custos das empresas diante da perda de receitas e com isso atenuar um aumento mais acentuado no desemprego.

Na esteira dessas medidas, vem sendo anunciada, inclusive com anuência do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, a proposta de redução de 25% da jornada e do salário de servidores públicos que recebem acima de três salários mínimos. Em tese, argumenta-se que seria justo que, havendo redução de salários por parte dos trabalhadores privados, que os servidores públicos também venham dar sua cota de sacrifício.

A questão relevante é: quais os efeitos sobre a economia como um todo de tais medidas?

Uma das grandes inovações que o economista inglês Keynes trouxe para os estudos da macroeconomia é enfatizar o caráter contraditório entre comportamento microeconômico dos agentes e seus efeitos macroeconômicos, cujos resultados finais podem ser ambíguos ou mesmo contrários ao senso comum.

Esse parece ser o caso das medidas supramencionadas (ou que virão a ser anunciadas): a suspensão ou redução de salários alivia os custos de produção das empresas, mas ao mesmo tempo contribui para reduzir ainda mais a demanda de consumo das famílias perante a queda na renda dos trabalhadores privados e públicos. Qual o fator que prevalece sobre o mercado de trabalho com vistas à manutenção do nível de emprego: redução de custos e queda na demanda?

Muito provavelmente os efeitos da demanda agregada prevalecerão sobre a diminuição nos custos de produção, contribuindo para redução da produção e da renda na economia, podendo, contraditoriamente, ampliar ainda mais o desemprego no país. Isso porque em situações de crise, como a que estamos vivendo, em que os consumidores estão bastante assustados frente a um futuro imprevisível, há uma forte queda no consumo das famílias, que seria aprofundada ainda com as medidas mencionadas.

Mesmo que o empresário tenha um certo alívio pelo lado dos custos, a queda na demanda e logo nas suas receitas poderá inviabilizar os seus negócios, criando um círculo vicioso de queda de demanda, aumento de desemprego e desaceleração econômica, para o qual contribuiria ainda a redução nos salários dos servidores públicos (sobretudo daqueles que têm rendimentos baixos e médios, dada sua maior propensão a consumir).

Acrescente-se, ainda, que abrir a possibilidade de que o trabalhador fique sem salário (o empregador pode forçá-lo a isso) durante o período de calamidade pública, mesmo que compensando com alguma renda, é extremamente desumano, pois pode colocar os trabalhadores em situação de penúria, tal como os trabalhadores informais. Tampouco faz sentido a vinculação da suspensão temporária de contrato a um curso ou programa de qualificação profissional não presencial, não que esta qualificação em si seja ruim, mas simplesmente porque o momento atual requer medidas efetivas que garantam a sobrevivência de parte expressiva dos trabalhadores (formais e informais).

Qual a alternativa? Não há caminhos fáceis perante o “tsumani” que se avizinha, mas uma boa estratégia deve combinar ações imediatas de curto prazo com medidas de longo prazo que permitam uma recuperação econômica sustentada.

Como medidas de curto prazo, o Banco Central deve prover liquidez necessária para que o setor bancário não tenha um problema de falta de liquidez, incluindo aí uma redução no compulsório dos bancos, redução na taxa de juros pelo Banco Central ao menor nível possível, aproveitamento da existência de bancos públicos no Brasil com disponibilidade de linhas de crédito com juros favoráveis para consumidores e firmas (principalmente para pequenas e micro empresas), enfim iniciativas que permitam que as empresas não colapsem por escassez de crédito e ainda evitem uma crise bancária sistêmica.

Tais medidas, embora necessárias, são insuficientes. Se, por um lado, a irrigação de liquidez impede uma crise no setor bancário, por outro, os bancos não podem obrigar os agentes a tomar novos empréstimos, na melhor das hipóteses apenas provendo crédito que permita a rolagem das dívidas em condições mais favoráveis em termos de custo e maturidade. Daí a necessidade de uma ação fiscal contracíclica mais incisiva, para se contrapor à forte queda na demanda privada.

Para as empresas o alívio deve ser feito através de linhas de crédito com juros baixos e carência inicial para setores mais afetados e adiamento/redução de impostos em troca da manutenção de emprego. Do lado da demanda, ampliação do programa Bolsa Família (incluindo um bônus provisório extra) e a criação de um programa de renda universal ambicioso, com concessão de um salário mínimo para trabalhador do setor informal durante o período de emergência atuaria que tanto para aliviar a situação financeira crítica desses trabalhadores, como para mitigar a queda na demanda agregada. O governo brasileiro deveria ainda adaptar iniciativas tomadas pelos governos britânico e alemão, de pagar temporariamente parte dos salários dos trabalhadores. Tais medidas contribuiriam para reduzir a queda na receita das empresas, forma mais eficaz para amenizar a redução do emprego no país.

A longo prazo, a sustentação do crescimento deveria ser feita através de um programa de investimentos públicos em infraestrutura econômica e urbana, que têm fortes externalidades para a economia como um tudo.

Como pagar a conta? Como a economia brasileira encontra-se semi-estagnada e com ampla capacidade ociosa, um aumento na dívida pública seria uma opção viável sem que venha causar pressões inflacionárias. Outra opção seria a utilização de recursos da Conta Única do Tesouro, que acarretaria um aumento na base monetária; nas condições existentes hoje no Brasil e no mundo os efeitos colaterais dessa medida seriam mínimos (ver, a respeito, J. L. Oreiro, “Os recursos da Conta Única do Tesouro podem ser usados para o enfrentamento da crise do coronavírus?”). Evidentemente, as regras fiscais poderão ser, ao menos momentaneamente, deixadas de lado. Momentos excepcionais requerem medidas excepcionais.

De todo modo, dado que se propõe a uma política de gastos mais agressiva, seria bem razoável que o “andar de cima” venha ajudar a pagar a conta, não colocando o ônus do ajuste sobre trabalhadores de baixa renda e na classe média. Isso poderia incluir um imposto temporário sobre grandes fortunas, entre outras medidas.

quinta-feira, 23 de abril de 2020

Os efeitos do coronavírus sobre o mercado de trabalho

Veneza sem turistas, em foto do início de março 

Olá alunos,

São muitas as preocupações que o corona vírus traz a saúde pública. Contudo a consequência do isolamento será inevitável. Após a crise de Coovid-19, passaremos por um período de crise econômica que será maior na medida que o isolamento persistir. Reiterando a importância de se respeitar as medidas de isolamento, uma fez que serão mais breves na medida que forem mais eficazes.

Esperamos que gostem e participem!
Lucas Pessôa é membro do Grupo de Pesquisas "Estado Instituições e Análise Econômica do Direito".

A paralisação da economia gerada pela pandemia do novo coronavírus pode erradicar quase 25 milhões de empregos em todo o mundo, afirma a Organização Internacional do Trabalho (OIT). A previsão ultrapassa os efeitos da crise financeira global de 2008-09, que aumentou o desemprego global em 22 milhões de pessoas.

No entanto, de acordo com o órgão da ONU, esse número pode baixar para 5,3 milhões caso as consequências econômicas do vírus forem contidas. A OIT também sinalizou um aumento no subemprego e grandes perdas de renda para os trabalhadores, em até 3,4 trilhões de dólares, já que o impacto econômico da epidemia do novo coronavírus deve causar reduções de jornada de trabalho e salários.

"É realmente uma crise global, não apenas em termos de alcance, mas também em termos de impacto econômico. Todos os setores serão afetados", afirmou Dorothea Schmidt-Klau, da OIT. "Os governos precisam agir em larga escala e de maneira coordenada. Portanto, é necessária alguma coerência política em nível nacional, mas também global."

Mesmo se os líderes globais discutirem ações coordenadas e, enquanto isso, tomarem medidas fiscais individuais, empresas de todo o mundo – que já estão sofrendo com as guerras tarifárias e a desaceleração da econômica global do ano passado – já começaram a demitir funcionários.

Setor de viagens e turismo é o mais atingido

As companhias aéreas são as que mais estão sentindo os efeitos da pandemia de covid-19, já que as proibições globais de viagens para conter o vírus resultaram no cancelamento de milhares de voos. A Air Canada já anunciou a demissão de 5 mil funcionários. A KLM demitiu 2 mil. Outras empresas deram licença a seus funcionários.

Especialistas alertam para mais cortes de empregos, especialmente no fragmentado mercado europeu, que há muito sofre com excesso de capacidade e guerra de preços. As companhias aéreas menores podem ter dificuldade para sobreviver à pandemia, como já aconteceu com a britânica Flybe, que no início de março entrou em insolvência.

A indústria da hotelaria também luta para lidar com as medidas de contenção. A Marriot, maior empresa hoteleira do mundo, e outras grandes redes de hotéis, como Hilton e Hyatt, estão concedendo licenças ou encerrando o contrato de dezenas de milhares de funcionários. Na Europa, o Scandic, maior grupo hoteleiro da Suécia, divulgou que emitirá avisos de rescisão para duas mil pessoas.

"É apenas o começo, veremos grandes indústrias fechando simplesmente porque não conseguem as peças necessárias na cadeia global de suprimentos para produzir o que deveriam produzir. Poderemos ver grandes empresas fechando", lamenta Schmidt-Klau. "O turismo pode ser o primeiro a ser fortemente atingido, mas certamente não será o único."

Situação preocupante nos EUA


O mercado de trabalho dos EUA, que já é o país mais afetado pela pandemia em número de casos confirmados, já mostra sinais ameaçadores. Foram 281 mil pedidos de auxílio-desemprego na segunda semana de março - um aumento de 33% em relação à semana anterior. Os pedidos de auxílio-desemprego aumentaram em dez vezes e atingiram um recorde de 3,3 milhões na semana passada.

Em entrevista ao portal de notícias Bloomberg, o presidente do Banco Central de St. Louis, James Bullard, disse que bloqueios para conter o vírus podem elevar a taxa de desemprego nos Estados Unidos para 30% no segundo trimestre, com uma queda sem precedentes de 50% do PIB.

De acordo com um relatório da Moody's Analytics, 27 milhões de pessoas, ou cerca de 18% do total de empregos nos EUA, trabalham para indústrias "cujas receitas serão severamente reduzidas e estão vulneráveis ​​a demissões, já que as empresas, principalmente as pequenas, vão gastar suas reservas e linhas de crédito". Os serviços de lazer e hospedagem, transporte e prestação de serviços estariam entre os setores de maior risco, e os setores públicos e de saúde entre os menos vulneráveis. Ainda de acordo com o relatório, o número de contratações já diminuiu a níveis vistos durante o auge da crise financeira de 2008-09.

Os baixos preços do petróleo, que já vinham caindo devido a uma diminuição da demanda causada pelos lockdowns e a uma guerra de preços entre a Arábia Saudita e a Rússia, podem levar a mais perdas de empregos na indústria do xisto dos EUA. Vários produtores de petróleo de xisto faliram nos últimos anos, pois não conseguiam lucrar em meio aos baixos preços do petróleo.

Desemprego na Europa

Embora haja divergências entre os economistas quanto à extensão do dano que o coronavírus causará à economia, existe um amplo consenso de que os bloqueios e outras medidas de emergência nas principais economias europeias, como Alemanha, Itália, França e Espanha, arrastarão o continente para uma recessão.

Especialistas afirmam que o colapso pode eliminar milhões de empregos na Europa, mas o impacto em cada país dependerá de como cada governo reagirá à crise.

"Na Alemanha, por exemplo, o governo subsidiará a redução da jornada de trabalho e, portanto, o aumento do desemprego será menor do que em outros países", disse Angel Dalavera, da Oxford Economics. "Em países como a Espanha, que tem um mercado de trabalho mais reativo, você vê um grande impacto no setor de empregos quando a economia desacelera de forma acentuada".

Na Alemanha, o programa de trabalho de curta duração (Kurzarbeit, em alemão), lançado para minimizar as demissões durante a crise financeira de 2008-09, permite que as empresas que enfrentam dificuldades econômicas reduzam o horário de trabalho de seus funcionários em vez de demiti-los. Assim, o governo alemão concede aos trabalhadores um subsídio para compensar parcialmente a diminuição no salário.

De acordo com o instituto de pesquisas econômicas Ifo, a pandemia poderá eliminar 1,4 milhão de vagas em período integral e colocar mais de 6 milhões em trabalho de curta duração na Alemanha. "A crise está causando amplas distorções no mercado de trabalho, piores do que no auge da crise financeira", disse o presidente da Ifo, Clemens Fuest.

De acordo com economistas do Deutsche Bank, a taxa de desemprego na área do euro pode subir para 13% ou até 19%, bem mais do que a alta de 12% observada após a crise financeira global de 2008.

Resistir à tempestade

Especialistas afirmam que trabalhadores de setores como TI, saúde, telecomunicações, comércio eletrônico e varejo de alimentos têm mais chances de manterem seus empregos.

O jornal Financial Times informou na semana passada que empresas de tecnologia continuavam contratando a todo vapor para se prepararem para um mundo que se desloca cada vez mais para o digital – tendência reforçada pela epidemia do novo coronavírus. Na Califórnia, empresas de tecnologia abriram 15.852 vagas de empregos na segunda semana de março – número um pouco abaixo do da semana anterior, mas quase três vezes acima do número de vagas abertas um ano atrás. O Financial Times cita dados da recrutadora americana ZipRecruiter.

No entanto, especialistas alertam que, se a interrupção causada pelo vírus for além de um período de 6 a 12 meses, até mesmo esses setores poderão ser prejudicados. "No fim das contas, o setor de TI é um setor de serviços e, se não houver serviços a serem prestados, é claro que não haverá manutenção de TI", disse Schmidt-Klau. "No que diz respeito à produção de equipamentos de TI, é um setor muito globalizado. Portanto, novamente, se as cadeias de valor e de fornecimento forem interrompidas, esse setor sofrerá tanto quanto os outros."

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terça-feira, 21 de abril de 2020

Sousa, da Redes da Maré: “Quem só via a favela pela violência, passou a enxergá-la a partir do coronavírus”

Eliana Sousa Silva, fundadora e diretora da ONG Redes da Maré. 

Olá Alunos,

A pandemia de Coovid-19, apesar de ser menos letais do que outros vírus como ebola, cólera e malária, apresenta uma característica que a torna mais preocupante, sua facilidade em se proliferar. Diferente de outras doenças, que quase sempre se restringe a comunidades de maior vulnerabilidade social, o corona vírus pode vitimar a todos, o que nos fazem pensar nas comunidades vulneráveis com outros olhos, nos permitindo uma chance de percebermos como a desigualdade social pode nos custar caro. Sobre isso, trata a entrevista a seguir 

Esperamos que gostem e participem!
Lucas Pessôa é membro do Grupo de Pesquisas "Estados Instituições e Análise Econômica do Direito"

Desde que coronavírus aterrissou no Brasil, várias organizações da sociedade civil, ativistas e lideranças comunitárias estão se mobilizando para atuar nas favelas e proteger as pessoas mais vulneráveis da pandemia. Eliana Sousa Silva, fundadora da ONG Redes da Maré, que atua há décadas no Complexo de Favelas da Maré, sobretudo nas áreas de Educação e Segurança Pública, é uma dessas lideranças que vem estruturando ações de enfrentamento ao coronavírus. Em entrevista ao EL PAÍS por telefone, ela explica que a pandemia “está escancarando” a desigualdade social, um tema historicamente negligenciado no Brasil. A partir de uma campanha de arrecadação de recursos, o objetivo é distribuir alimentos e material de limpeza para a parcela mais pobre da população —utilizando, para isso, os comércios e prestadores de serviços locais, afetados economicamente pela paralisia das atividades. “A gente não tem as condições básicas para criar uma prevenção em massa, e isso é anterior ao coronavírus", argumenta. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
Pergunta. A pandemia de coronavírus afeta pobres, classe média e ricos da mesma forma?

Resposta. Não, claro que não. A pandemia de coronavírus está escancarando uma questão, que já sabemos que faz parte do nosso cotidiano, que é a desigualdade social. Isso já a partir do momento em que você precisa estabelecer um distanciamento, um isolamento, e uma quarentena para as pessoas. Mas as pessoas vivem nas favelas em casas muito pequenas, sem ventilação adequada, faltam recursos e infraestrutura de urbanização... Isso falando de coisas básicas. Se vivêssemos em um país onde as pessoas tivessem habitação e as coisas funcionassem bem, já haveria problema. Mas não temos o básico para lidar com a crise. As favelas, periferias e regiões mais pobres que não são providas de serviços públicos estão diretamente afetadas para além do que a própria contaminação trás. Elas já estão muito vulneráveis.

P. Quais são as vulnerabilidades concretas que o coronavírus escancara?

R. São várias questões. A primeira tem a ver com as condições habitacionais e de densidade populacional. Na Maré vivem 140.000 pessoas divididas em 16 favelas. São 47.000 domicílios em 4,5 quilômetros de extensão. Os números são equivalentes a de uma cidade brasileira de médio porte. As pessoas estão muito próximas, as casas são pequenas, sem condições sanitárias, esgoto, água potável... Em algumas favelas você não tem água encanada todo dia. E aqui no Rio ainda tem toda a questão da qualidade da água da Cedae, um elemento que piora as condições. Numa perspectiva ambiental mais geral, você precisa ter espaços arejados e condições mínimas para estabelecer esse distanciamento social, mas a realidade é a de três pessoas morando num quarto. A gente não tem as condições básicas para criar uma prevenção em massa, e isso é anterior ao coronavírus.

P. Muitas familias de classe média vêm fazendo home office, mas nas favelas o trabalho informal é a realidade. Quais são as vulnerabilidades econômicas?

R. É a outra camada do problema. Além da questão estruturante, um país de déficit habitacional e de saneamento, tem as condições de trabalho daqueles que moram em favelas e periferias. Nem todas vão ter condições de trabalhar em casa. São prestadores de serviço ou profissionais autônomos que dependem do trabalho para gerar renda. Se não trabalham, não geram. Além do tipo de trabalho, pelas condições das residências elas nem teriam um espaço para sentar ali em frente ao computador e trabalhar de home office.

P. Que tipo de ação a Redes da Maré vem fazendo nas últimas semanas?

R. A nossa campanha está dirigida para as 6.000 famílias mais vulneráveis. A partir da população da Maré, de 140.000 pessoas, a gente cruzou dados de pobreza para chegar a esse número. Nossa meta é contribuir com recursos materiais para que essas pessoas possam minimamente sobreviver durante essa crise. Estamos buscando recursos para a compra de cestas básicas e material de limpeza, mas nossa proposta é que possamos comprar esses produtos nos comércios da Maré. São quase 4.000 estabelecimentos comerciais, então é também uma forma de girar a economia local e ajudar esses autônomos e prestadores de serviços. Existe um projeto [que envolve mulheres] chamado Maré de Sabores, que presta serviços de buffet, mas todos os eventos foram cancelados. Então estamos mobilizando elas para não deixar sem apoio os usuários de crack. A partir das contribuições da campanha, vamos cozinhar 180 quentinhas a partir de sexta, fazendo escalas de trabalho que garantam a prevenção delas, e entregar de dentro do carro. Estamos buscando recursos financeiros para comprar itens de alimentação e prevenção, mas parte dos recursos vai para essas mulheres, para gerar renda para elas.

Desde que começou essa crise, a gente estabeleceu uma parceria com a Fiocruz para validar as informações e o que pode ser feito dentro de uma realidade como a das favelas. Tem nos ajudado a entender inclusive como fazer essas ações se protegendo, já que a gente mobiliza muitas pessoas para entregar as cestas básicas. O interessante é como em cada uma das favelas as pessoas podem buscar soluções locais para criar um processo dinâmico e também positivo de ajudar um ao outro, e também gerar recursos. Vai ser um aprendizado mobilizar a sociedade em torno de causas que são muito emergenciais.

P. Acredita que a crise possa trazer um efeito positivo, que é dar sentido de urgência para todas essas questões históricas?

R. Estamos num momento difícil num ponto de vista objetivo. Mas as pessoas estão em casa, é o momento de refletir e olhar para o coletivo. Todas as dificuldades que vivemos no plano mais básico já está posto no cotidiano. As pessoas que muitas vezes não querem ver, ou só enxergam as favelas a partir da questão da violência armada. Com essa crise, começam a ver que não é só isso. É importante chamar atenção para essas questões, e que não pode ser algo pontual. Para sobreviver a outras possíveis crises que teremos, precisamos resolver essas questões muito básicas.

P. E como os setores de classe média alta podem ajudar?

R. Várias pessoas, organizações e fundações estão mobilizadas para dar uma solução imediata, mas falta muita gente entrar com o que pode contribuir. Uma forma de ajudar é buscando essas instituições que já vinham fazendo projetos sociais antes e já vinham trabalhando em cima dessa desigualdade social. Há diferentes organizações atuando nas favelas que vivem demandando recursos que não conseguimos no dia a dia, e que talvez as pessoas, olhando o tamanho do problema, possam gerar um retorno mais perene. É ter um olhar para investigar onde as pessoas estão mais precisando e buscar pessoas confiáveis que trabalham nessa agenda de urgência.

P. Além do papel dessas organizações, existe o papel do próprio Estado de realizar ações mais abrangentes. O coronavírus se espalha muito rapidamente e o Brasil não tem a estrutura da Itália, onde a situação já é grave. Se o Estado não atua, acredita que os mais pobres serão mais uma vez deixados para morrer?

R. A coisa mais séria é justamente quando o Estado vai realmente entrar na dinâmica de urgência dessa crise. O que tenho percebido são respostas muito imediatas. Mas realmente falta um processo mais estruturante e de aprendizado em torno disso. Um exemplo são as Unidades Básicas de Saúde e as Clínicas da Família. Muitas delas estão em situações muito irregulares, seja do ponto de vista de pessoal ou de estrutura material. Essas estruturas poderiam ser referências importantes para dar suporte e confiança para a população, uma porta de entrada do sistema de saúde para tirar dúvida, prestar esclarecimentos e continuar o atendimento de pessoas mais vulneráveis. E, no entanto, já vinham sendo sucateadas. Os agentes comunitários iam de porta a porta, mas isso vem sendo desmontado. E os profissionais de saúde vêm sofrendo muito com esse desmonte.

Por outro lado, se não houver uma medida urgente de suporte às demandas básicas, e em larga escala isso só pode vir do Estado, a contaminação nessas áreas, com certeza, vai acontecer rapidamente. Vai ser uma coisa massiva, e as unidades de saúde não estão funcionando como deveriam. O que temos que trabalhar neste momento é a prevenção, que é o lugar dessas unidades. Não podemos deixar acontecer. Na Itália não houve clareza sobre como lidar com a pandemia desde o início. Aqui temos de olhar para essa desigualdade que temos e parar de negligenciá-la. Não é hora de dizer que “a favela já está ferrada mesmo, então vamos deixar para lá”. Não, é hora de olhar para essa população, que historicamente é a que mais sofre, é a que sempre é sacrificada.