Olá alunos,
Os chineses ensaiam cautelosamente a internacionalização do yuan ao ampliar a conversibilidade financeira e multiplicar os acordos de troca de moedas. A postagem de hoje busca analisar as possíveis consequências de uma partilha da liderança monetária entre os EUA e a China.
Os chineses ensaiam cautelosamente a internacionalização do yuan ao ampliar a conversibilidade financeira e multiplicar os acordos de troca de moedas. A postagem de hoje busca analisar as possíveis consequências de uma partilha da liderança monetária entre os EUA e a China.
Esperamos que gostem e participem.
Fellype Fagundes e Carlos Araújo
Monitores da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense
Fellype Fagundes e Carlos Araújo
Monitores da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense
Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul firmaram em
Fortaleza um acordo de cooperação financeira e monetária. Esse arranjo está
consubstanciado na criação do Novo Banco de Desenvolvimento e no Fundo
Contingente de Estabilização. O banco conta com capital de 50 bilhões de
dólares e o fundo, com 100 bilhões, poderá mobilizar recursos para defender as
moedas daqueles países em caso de situações de crise de balanço de pagamentos.
O banco tem capacidade de alavancar recursos de outras instituições
financeiras.
Os chamados BRICS anunciam o banco e o fundo no ano do 70º
aniversário da concertação internacional que levou à constituição das instituições
monetárias e financeiras internacionais de Bretton Woods.
Nos trabalhos elaborados para as reuniões que precederam as
reformas de Bretton Woods em 1944, John Maynard Keynes formulou a proposta mais
avançada e internacionalista de gestão da moeda internacional. Baseado nas
regras de administração da moeda bancária, o Plano Keynes previa a constituição
de uma entidade pública e supranacional encarregada de controlar o sistema
internacional de pagamentos e de provimento de liquidez aos países deficitários.
Tratava-se não só de contornar o inconveniente de submeter o dinheiro universal
às políticas econômicas do país emissor, como observamos agora, mas de evitar
que a moeda internacional assumisse a função de um perigoso agente da “fuga
para a liquidez”.
As transações comerciais e financeiras seriam denominadas em
bancor e liquidadas nos livros da instituição monetária internacional, a
Clearing Union. Os déficits e superávits seriam registrados em uma conta
corrente que os países manteriam na Clearing Union. No novo arranjo
institucional, tanto os países superavitários quanto os deficitários estariam
obrigados, mediante condicionalidades, a reequilibrar suas posições, o que
distribuiria o ônus do ajustamento de forma mais equânime entre os participantes
do comércio internacional.
No Plano Keynes, não haveria lugar para a livre
movimentação de capitais em busca de arbitragem ou de ganhos especulativos.
Em 1944, nos salões do hotel Mount Wash-ington, na acanhada
Bretton Woods, a utopia monetária de Keynes capitulou diante da afirmação da
hegemonia americana que impôs o dólar, ancorado no ouro, como moeda universal.
Essas características do arranjo monetário realmente adotado
em Bretton Woods sobreviveram ao gesto de 1971 (a desvinculação do dólar em relação
ao ouro) e à posterior flutuação das moedas em 1973. Na esteira da
desvalorização continuada dos anos 70, a elevação brutal do juro básico
americano em 1979 derrubou os devedores do Terceiro Mundo, lançou os europeus
na “desinflação competitiva” e culminou na crise japonesa dos anos 90. Na
posteridade dos episódios críticos, o dólar fortaleceu-se, agora em obediência
ao papel dos Estados Unidos como “demandantes e devedores de última instância”.
A crise dos empréstimos hipotecários e seus derivativos, que
hoje nos aflige, nasceu e se desenvolveu nos mercados financeiros dos Estados
Unidos. Na contramão do senso comum, os investidores globais empreenderam uma
fuga desesperada para os títulos do governo americano.
A pretendida e nunca executada reforma do sistema monetário
internacional, ou coisa assemelhada, não vai enfrentar as conturbações geradas
pela decadência dos EUA. Vai sim acertar contas com os desafios engendrados
pelas assimetrias de ajustamento provocadas pelo desarranjo da economia
sino-americana, ancorada na força do dólar e no poder dos mercados financeiros
dos Estados Unidos.
Impulsionada pela “deslocalização” da grande empresa dos EUA
e ancorada na generosidade da finança privada do país, o processo de integração
produtiva e financeira das últimas duas décadas deixou como legado o
endividamento sem precedentes das famílias “consumistas” americanas, a migração
da indústria manufatureira para a Ásia “produtivista” e os desregramentos do
endividamento público nos países desenvolvidos.
A interdependência sino-americana não esgota seus efeitos no
desequilíbrio comercial entre os dois países, mas avança suas consequências
para dentro da Ásia manufatureira e estende sua influência à África e à América
Latina, não só como fontes provedoras de matérias-primas, mas como espaço de
expansão de empresas chinesas que iniciam um forte movimento de
internacionalização. Está claro que os chineses ensaiam cautelosa, mas
firmemente a internacionalização do yuan ao ampliar a conversibilidade
financeira e multiplicar rapidamente os acordos de troca de moedas (swaps) com
seus parceiros comerciais mais importantes.
Não vai ser fácil para os americanos partilharem a liderança
monetária com a China. Muitos argumentam que a política de inundação de
liquidez destinada a adquirir, sobretudo, títulos de dívida de longo prazo (quantitative
easing) em nada afetou sua utilização como moeda de denominação das transações
comerciais e financeiras, a despeito do avanço do yuan nos negócios entre os
países asiáticos e, provavelmente, agora, nas transações entre os BRICS.
Seja como for, a crise demonstrou que a almejada correção
dos chamados desequilíbrios globais vai exigir regras de ajustamento não
compatíveis com o sistema monetário internacional em sua forma atual, aí incluído
o papel do dólar como moeda reserva. Isso não significa prognosticar a
substituição da moeda americana por outra moeda, seja o euro, seja o yuan, mas
constatar que o futuro promete solavancos e colisões nas relações comerciais e
financeiras entre as nações.