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sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

A hora de pagar os pecados



Olá alunos,

Os erros cometidos pela administração Dilma Rousseff, como a falta de sensibilidade em adaptar a política econômica brasileira às novas condições do mercado interno e da conjuntura internacional, já começam a ter seus efeitos sentidos, o que é particularmente importante às vésperas da corrida presidencial de 2014.
Esperamos que gostem e participem.

Juliana Padilha e Silvana Gomes
Monitoras da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense

O purgatório é o lugar de purificação para as almas antes da bem-aventurança. Ou qualquer lugar onde se sofre por algum tempo. Embora uma parte do mercado financeiro, nacional e internacional, tenha a certeza de que o Brasil já queima faz algum tempo nas labaredas do inferno, o purgatório parece mais apropriado para definir o momento da administração Dilma Rousseff. Nos últimos dias, Brasília tem sido punida por seus erros na área econômica. O PIB no terceiro trimestre foi o pior em quatro anos. Em comparação com os três meses anteriores, caiu 0,5%. Em relação ao mesmo período de 2012, apresentou uma expansão de 2,2%. O resultado levou os analistas a rebaixar novamente as expectativas de crescimento em 2013 e 2014, ano de eleições presidenciais.
Ao mesmo tempo, a indefinição de um modelo de reajuste dos combustíveis, aliada a um aumento da gasolina (4%) e do diesel (8%) considerado insuficiente pelos investidores, provocou uma queda recorde de 10,37% das ações da Petrobras, movimento que deprimiu o índice da Bolsa de Valores de São Paulo. Não bastasse, o governo esteve a ponto de recorrer a uma nova peripécia contábil para melhorar as contas no ano, uma triangulação de empréstimos a envolver a Caixa Econômica Federal, a Eletrobras e o Tesouro Nacional semelhante a artifícios inventados em 2012 pelo secretário Arno Augustin. Diante das críticas, o Ministério da Fazenda interveio e abortou a operação a tempo de evitar uma nova onda de apostas contra o Brasil.
O conjunto de notícias ruins soterrou a safra de boas notícias produzida nas últimas semanas. Na quarta-feira 4, a presidenta e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, tentaram comemorar, sem muito entusiasmo da plateia, mais uma leilão de infraestrutura bem-sucedido. O desconto na tarifa do pedágio nos trechos das rodovias BR-060, BR-153 e BR-262 chegou a 52% do preço máximo estabelecido. A oferta partiu do consórcio Triunfo. Uma semana antes, a BR-163, entre Cuiabá e Sinop, em Mato Grosso, foi arrematada por um grupo liderado pela Odebrecht, que ofereceu uma redução idêntica na tarifa. Em 21 de novembro, o repasse à iniciativa privada dos aeroportos do Galeão, no Rio de Janeiro, e Confins, em Belo Horizonte, arrecadou 20,8 bilhões de reais, ágio de 251%.

Há um consenso de que o governo demorou a entender a mudança na economia internacional e o papel dos investimentos públicos e privados no novo ciclo de desenvolvimento, em substituição ao estímulo ao consumo. Essa conversão, acredita Antonio Correa de Lacerda, professor de Economia da PUC de São Paulo, deveria ter começado em 2011. “O governo insistiu em usar instrumentos cuja eficácia tinha se esgotado, a exemplo do incentivo ao consumo. Como o endividamento das famílias era elevado, não houve crescimento da demanda e a desoneração de impostos para estimular a indústria comprometeu a receita fiscal, na ótica conservadora do mercado, focado no superávit das contas públicas. Provavelmente, o governo cometeu um erro de avaliação.”
Acrescente-se que o incentivo ao consumo não se tornou um fator de incremento industrial. “Ao contrário, devido às péssimas condições de competitividade sistêmica, apesar de uma ociosidade média de 20% na utilização da capacidade instalada da indústria, grande parte do aumento do consumo tem sido abastecida via importações”, destaca.
A informação de que o superávit primário acumulado até outubro totalizara 33,4 bilhões de reais, 48% abaixo daquele obtido em 2012 no mesmo período, provocou ansiedade compreensível no setor financeiro e entre empresários. 

Brasília vê exagero. Segundo Marcio Holland, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, as avaliações com viés pessimista sobre a questão fiscal brasileira estão erradas. O superávit primário brasileiro aumentou entre 2003 e 2012 e atingiu, em média, 3,1% do PIB. No período anterior, de 1995 a 2002, a média havia sido de apenas 1,5% do PIB. A dívida bruta do governo, alvo de atenção das instituições financeiras, teve um comportamento estável em comparação ao que aconteceu no resto do mundo. Oscilou entre 56% e 59% do PIB de janeiro de 2006 a agosto de 2013, período que inclui as crises de 2008 e 2011. “Em outros países, a oscilação foi de 20% a 30% do PIB”, compara.
A situação fiscal, vista desse modo, não teria o poder de abalar os investimentos em infraestrutura, decisivos para reduzir o chamado custo Brasil e elevar a produtividade. Ocorreria, ao contrário, um aumento da aposta no setor desde o resultado dos leilões dos aeroportos do Galeão e Confins. Lances elevados, disputa acirrada e a participação da administradora do mais eficiente aeroporto do mundo, o de Cingapura, mostraram uma percepção favorável à realização de negócios de longo prazo no País.
A manifestação do presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas, Eduardo Sanovicz, transcrita no site da entidade, sintetiza a repercussão da concessão dos aeroportos: “É um dia de celebração. Ativos de primeira linha foram passados a empresas de primeira linha por um ágio de primeira linha”.  

Ao leilão do Galeão e de Confins seguiu-se o da BR-163. A outorga consolidou o critério de modicidade tarifária, no qual vence o consórcio disposto a conceder o maior desconto sobre o teto definido pelo governo. O indicador de sucesso, portanto, não mais é o máximo de arrecadação para o Tesouro, como no passado e ainda hoje em alguns estados, mas o menor pedágio possível para o usuário das estradas. Por falta de clareza do governo, por muito tempo esse mecanismo foi encarado como uma tentativa de querer determinar o lucro do setor privado. O ruído, ao menos nesse quesito, parece eliminado.
Crítico das ações do governo na área de infraestrutura, o engenheiro Cláudio Frischtak, presidente da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios, do Rio de Janeiro, diz que os leilões dos aeroportos e da BR-163 foram, “sem dúvida, bem-sucedidos” e demonstram, “de uma forma cabal, que o governo estava redondamente enganado antes, ao tentar fixar a taxa de retorno dos projetos”. Frischtak considera “uma coisa positiva” o anúncio, pela ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, da convocação das empresas privadas para elaborar os projetos com vista a licitar o melhor deles e ressarcir as demais participantes dos custos da elaboração dos estudos. O modelo passou a ser utilizado nas concessões de rodovias e o será também naqueles de ferrovias.
Uma parte importante do êxito dos leilões mencionados deve-se precisamente ao encaminhamento dado ao problema crítico da qualidade dos projetos. O governo fez chamadas para apresentação de estudos e aceitou os da Estruturadora Brasileira de Projetos, constituída pelos bancos BNDES, Banco do Brasil, Itaú, Bradesco, Santander, HSBC, Citibank, Votorantim e Espírito Santo. A mudança da postura pública procura responder às críticas justificadas da iniciativa privada quanto à qualidade dos estudos oficiais e do processo de contratação dos investimentos em infraestrutura.
Projetos ruins, falta de informações básicas sobre o tipo de solo e embargos judiciais de desapropriações, entre outros entraves, têm paralisado inúmeras obras e gerado pedidos de extensão de prazos e de aditamento de preços, aponta o presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva (Sinaenco), José Roberto Bernasconi. “O que vemos hoje são as consequências do empobrecimento dos quadros técnicos do governo. Houve um enorme enfraquecimento da máquina pública brasileira. Isso vale para estados, municípios e União.”  

O definhamento identificado pelo presidente do Sinaenco tem origem no desmantelamento da capacidade de planejamento do Estado, principalmente na década de 1990. Na área de infraestrutura, havia o Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes (Geipot), fundado em 1965 como órgão interministerial vinculado ao antigo Ministério de Viação e Obras Públicas para coordenar e desenvolver estudos de transportes. A Empresa de Planejamento e Logística (EPL), criada pelo governo há um ano, visa reconstituir capacidades similares àquelas do Geipot, com uma abrangência maior. O presidente da EPL, Bernardo Figueiredo, trabalhou no Geipot. O primeiro projeto do qual participou foi o da malha ferroviária da Região Centro-Oeste. “As ferrovias que hoje fazem parte do Plano de Investimentos em Logística já estavam identificadas naquela época como necessárias”, diz Figueiredo.
O fim do Geipot fez parte do desmonte da máquina pública realizado sob a influência do neoliberalismo e do Consenso de Washington, que pregavam a redução do tamanho do Estado e a livre condução da economia pelo mercado. O governo federal não foi o único atingido. Os departamentos de obras públicas dos estados, detentores de conhecimento técnico para testar especificações, foram extintos. A capacidade de planejamento dos municípios atrofiou-se. Entre 30% e 40% dos projetos apresentados hoje por prefeituras aos ministérios são rejeitados por falta de qualidade técnica, segundo estudo da Associação Brasileira de Municípios. “É muito difícil elaborar projetos em condições de aprovação pelo governo federal, e sem eles não há dinheiro”, diz o presidente da ABM, Eduardo Tadeu Pereira.
Em 2003, iniciou-se um trabalho de recomposição do funcionalismo. Na administração pública federal, o total de servidores, que havia sido reduzido de 561 mil para 486 mil entre 1996 e 2002, foi elevado para 571 mil entre 2003 e 2011. “As carreiras priorizadas estão ligadas à necessidade de reestruturar o País”, diz a secretária de Gestão Pública do Ministério do Planejamento, Ana Lucia Brito. Apesar do aumento do efetivo, o gasto com pessoal caiu de 4,8% do PIB em 2002 para 4,6% do PIB em 2011, segundo dados do Ministério do Planejamento.
A reconstituição do quadro público, mostram alguns dados, começa a produzir resultados. “A redução significativa da quantidade de obras com indícios de problemas graves e recomendação de paralisação por parte do TCU mostra um aperfeiçoamento da gestão pública”, diz Rafaelo Abritta, diretor do Departamento de Assuntos Extrajurídicos da Advocacia-Geral da União. O total de obras nessas condições, de acordo com o Tribunal de Contas da União, caiu de 80 em 2005 para sete em 2013. 

Em 2014, o maior desafio do Programa de Investimento em Logística será o equacionamento dos sistemas de portos, com grandes barreiras à entrada de novos competidores, e o de ferrovias, caracterizado pelo monopólio. Wilen Manteli, presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários, entidade representante dos terminais portuários responsáveis pela movimentação de 90% das cargas do comércio exterior, elogia algumas ações do governo e condena atitudes do Congresso, entre elas a resistência à automação dos terminais por temor de dispensa de trabalhadores. A Associação vê avanço na possibilidade aberta pelo governo federal de terminais privados movimentarem cargas de terceiros. Mas o critica por não ter avançado na organização da Companhia Docas, que “vem gerindo mal os portos”. De modo geral, Manteli aponta progressos, mas ressalva: “Vamos ver qual será a postura daqui em diante”.
O governo enviou ao TCU 21 blocos para arrendamento nos portos de Santos e do Pará. Haverá avanço se a base de comparação forem os 11 arrendamentos realizados nos últimos dez anos. “Nós estamos mexendo numa zona de conforto. Muitos dos operadores atuais estão com contratos vencidos e vamos licitar seus terminais. Podem participar da licitação, mas não há garantia de que vão ganhar. É de se esperar que as pessoas atingidas pelas mudanças façam questionamentos”, diz a ministra Gleisi Hoffmann. 
No setor ferroviário, apenas em 2004 começou-se a pensar na necessidade de um marco regulatório, diz o presidente da Associação Nacional do Transporte Ferroviário, Rodrigo Vilaça. A entidade, que reúne as maiores empresas do setor, critica a burocracia, a indefinição regulatória e a lentidão das linhas de financiamento. “Acreditamos que o governo quer resolver as questões que impedem o avanço dos projetos ferroviários. A própria reformulação da Valec, gestora do governo na área de ferrovias, que esteve envolvida em escândalos de corrupção, é uma demonstração de que ele está empenhado em acertar. Mas os desafios são muito grandes e os resultados precisam aparecer logo, para garantir que as concessões saiam do papel.”
“A privatização das ferrovias, concluída em 1999, foi feita do ponto de vista do caixa do Tesouro. É óbvio que quem arrematou uma concessão opera apenas os trechos rentáveis. Isso não quer dizer que os não rentáveis sejam desnecessários”, diz a ministra Gleisi. O Programa de Investimentos em Logística do atual governo prevê a estruturação da rede ferroviária completa necessária ao escoamento da produção nacional, incluídos os ­trechos não rentáveis, que não interessam à iniciativa privada e serão viabilizados pelo setor público.
O ano de 2014 tende a ser decisivo para a economia e convém refletir sobre as principais causas da demora do governo em mudar o eixo da economia, do estímulo ao consumo para o investimento em infraestrutura, a saber: 1. O desmantelamento, principalmente na década de 1990, dos órgãos de planejamento do Estado. 2. A inexperiência no equacionamento da infraestrutura. 3. A insistência nas desonerações de bens duráveis depois da crise de 2008. 4. A determinação, hoje superada, de estabelecer taxas de retorno rígidas para os investimentos. 5. A postura reticente em relação à participação privada na elaboração dos projetos, revertida nos últimos leilões. 

Entre o baixo investimento na economia e as pressões dos agentes financeiros, o governo agora se vê obrigado a uma “guinada conservadora”, como define Lacerda, para buscar um superávit que tranquilize os chamados mercados. A guinada verifica-se também na alta da taxa de juros, hoje em 10% ao ano, depois de ter atingido a mínima histórica de 7,25%.
O ex-ministro Delfim Netto, colunista de CartaCapital, critica as manobras contábeis do passado recente e defende o estabelecimento de metas realistas e o compromisso com o seu cumprimento. Segundo Delfim, na próxima década bastaria uma economia anual de 2% do PIB para a dívida brasileira manter a tendência de redução. O patamar de 60% da dívida bruta, diz, não é catastrófico, mas está longe de confortável (é o maior entre os países emergentes). “Se estabelecer 2% e cumprir, o mercado vai entender. O que tem assustado não é a situação fiscal de hoje, mas a sensação de que ela tende a piorar.”
A confirmação do controle da situação fiscal pelo governo contribuiria para proporcionar benefícios concretos ao País. Os investimentos em infraestrutura, de 183 bilhões de reais em 2011, equivalentes a 4% do PIB, poderiam atingir até 245 bilhões em 2016, ou 6% de todas as riquezas geradas pela economia, segundo a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base.
Antes de 2016, há, no entanto, 2014, ano de muita turbulência no horizonte. Se os Estados Unidos interromperem de forma abrupta o ciclo de estímulos monetários à sua economia e aumentarem os juros e, se ao mesmo tempo as agências internacionais de rating rebaixarem a nota do Brasil, como ameaçam, o País estaria sob risco às vésperas das eleições. Desvalorização da moeda, fuga de capitais e inflação fora de controle seriam possibilidades concretas. Em resumo, o apocalipse.

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