Caros Leitores,
No mês de fevereiro, completou-se um ano desde o início do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, trazendo o debate, em âmbito internacional, acerca dos prejuízos sociais resultantes das tensões geopolíticas entre essas nações.
Em função desse marco, esta semana, apresentamos uma notícia que aborda o tema das implicações das tensões entre o Ocidente e o Oriente na Guerra da Ucrânia, buscando refletir sobre a magnitude dos desastres sociais e políticos que têm incidido sobre esses países e suas respectivas populações.
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Fernanda Lima é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito
Para milhões de pessoas na Rússia e na Ucrânia já é comum dizer que a vida se divide entre antes e depois do dia 24 de fevereiro de 2022. Exatamente um ano atrás, Moscou iniciava o que classificou como "operação especial militar" com bombardeios e incursões de suas tropas na Ucrânia.
O mundo assistiu em choque os ataques na capital ucraniana de Kiev e a entrada de tanques russos no país vizinho. Passado um ano do conflito, a crise entre os dois países só se agravou e o mundo tem em um horizonte ainda mais nebuloso pela frente.
De acordo com os dados da ONU, mais de 8 mil civis morreram e 13.287 ficaram feridos por conta da guerra. A organização reforça que esses números podem ser muito maiores, considerando que, em condições de guerra, as informações sobre mortos ou feridos são recebidas com grande atraso. Além disso, mais de 13 milhões de pessoas na Ucrânia foram forçadas a deixar suas casas.
Se, por um lado, a Rússia busca garantir o controle de regiões do leste da Ucrânia, realizando novas ofensivas militares no país, o Ocidente reforça o apoio militar à Ucrânia.
Enquanto as partes parecem firmes em sustentar uma escalada do conflito, ao menos do ponto de vista retórico, a mudança da estratégia russa – ou a falta de clareza dela – ao longo dos últimos 12 meses reforça ainda mais o impasse para uma possível trégua.
Especialistas apontam que somente uma mudança da dinâmica no campo de batalha pode criar condições para forçar um lado a aceitar concessões. Entenda as fases da guerra que moldaram o atual cenário de impasse.
Da blietzkrieg fracassada à anexação
Inicialmente, o presidente russo, Vladimir Putin, anunciou que os objetivos da operação militar russa eram a "desnazificação" e a "desmilitarização" da Ucrânia, além de reivindicar o afastamento da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) de suas fronteiras, declarando repetidamente que o Ocidente não deveria cruzar o que o Kremlin classificou como suas "linhas vermelhas".
A incursão de grande escala nos arredores da capital Kiev nos primeiros dias da guerra, combinada com a superioridade da força militar russa em relação à Ucrânia, levou grande parte das análises a crer que se tratava de uma guerra relâmpago, que poderia levar a uma rápida tomada da capital ucraniana e uma derrubada do governo do presidente Volodymyr Zelensky, freando, assim, o alinhamento da Ucrânia com a Otan.
Como avaliou o analista-sênior do International Crisis Group para a Rússia, Oleg Ignatov, Putin não estava se preparando para uma guerra total, considerando que as tropas executariam uma operação militar rápida. Ao Brasil de Fato, o pesquisador disse que o objetivo inicial era realizar uma "operação de intimidação" para forçar uma mudança de regime na Ucrânia.
No 9º dia da guerra, em 4 de março, autoridades russas chegaram a afirmar falsamente que Zelensky teria fugido da Ucrânia. "Zelensky deixou a Ucrânia. Os deputados da Verkhovna Rada [o Parlamento ucraniano] disseram que não poderiam alcançá-lo em Lviv. Agora ele está na Polônia", disse o presidente da Duma, câmara baixa do Legislativo russo, Vyacheslav Volodin, na ocasião.
No entanto, a "intimidação" russa não teve êxito. Pelo contrário, o amplo apoio à Ucrânia e a adoção de sanções contra a Rússia sem precedentes por parte da comunidade internacional, junto com a continuidade do presidente ucraniano no cargo, frustraram os planos iniciais russos e forçaram Moscou a recuar e mudar a estratégia.
Seus objetivos se voltaram para o controle da região de Donbass, no leste da Ucrânia, que possui grande parcela da população de nacionalidade russa. Esse movimento levou a uma espécie de congelamento da linha de frente, com poucas alterações na tomada de territórios.
Assim, entre março e agosto, a ofensiva das tropas russas se voltou para o sul e sudeste da Ucrânia, sendo relativamente bem-sucedida com o foco na tomada de controle de regiões como Donetsk, Lugansk, Kherson, Zaporozhye. Em 30 de setembro, Putin oficializou a anexação destes territórios à Federação Russa, movimento que não obteve reconhecimento internacional.
"As pessoas que vivem em Lugansk e Donetsk, Kherson e Zaporozhye se tornam nossos cidadãos. Para sempre", disse o presidente russo na ocasião.
No entanto, ao mesmo tempo que a Rússia constitucionalmente incorporou regiões ucranianas ao seu território, Moscou não possui pleno controle sobre elas, com intensos combates ocorrendo nessas cidades.
Em 9 de novembro, o ministro da Defesa da Rússia, Serguei Shoigu, chegou a ordenar que as tropas do país se retirassem da cidade anexada de Kherson e assumissem linhas defensivas na margem oposta do rio Dnieper. O movimento representou um dos recúos mais significativos das forças russas durante a guerra.
Para o historiador e especialista em estudos da Rússia pela USP, Angelo Segrillo, o apoio "uníssono" do Ocidente possibilitou que a Ucrânia estabelecesse uma espécie de “empate técnico” no conflito, que se estende até hoje. Ao Brasil de Fato, o analista reforça que a Rússia não consegue alcançar a capitulação total da Ucrânia, e nem a Ucrânia consegue retomar aqueles territórios que foram tomados pela Rússia.
Ao mesmo tempo, a ocupação dos territórios ucranianos e a anexação formal de Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporozhye, dá a Putin a possibilidade de usar a ameaça do uso de armas nucleares no conflito para repelir um maior apoio ocidental a Kiev, pois, segundo a doutrina militar russa, se um território russo é atacado, Moscou pode lançar mão de um ataque nuclear tático para defender seu território.
Semana de simbolismos
Às vésperas do aniversário de um ano da guerra da Ucrânia, a semana começou com uma visita surpresa do presidente dos EUA, Joe Biden, à capital ucraniana de Kiev, onde o líder estadunidense se reuniu com Zelensky. A viagem – primeira de Biden ao país desde o começo do conflito – foi encarada como um gesto simbólico do apoio irrestrito do Ocidente à Ucrânia na luta contra a Rússia.
Putin, por sua vez, logo no dia seguinte, na terça-feira (21) fez um pronunciamento diante da Duma e do Conselho da Federação - duas câmaras do Poder Legislativo russo -, no qual anunciou a suspensão da participação da Rússia no tratado de desarmamento nuclear Novo START.
"Que uma coisa fique clara a todos: quanto maior for o alcance do armamento fornecido à Ucrânia, mais nos veremos obrigados a afastar a ameaça de nossas fronteiras", declarou Putin.
Em discurso marcado por um tom antiocidental, Putin destacou que "o povo da Ucrânia se tornou refém do regime em Kiev e seus senhores ocidentais, que ocuparam o país no sentido político, militar e econômico".
Caminhos para a paz?
O aniversário de um ano da guerra da Ucrânia, nesta sexta-feira (24), começou com a divulgação de um plano de paz elaborado pela China para a retomada das negociações entre Rússia e Ucrânia. O documento é composto por 12 pontos. Entre eles estão os apelos ao fim das hostilidades, à retomada das negociações, ao abandono da mentalidade da Guerra Fria, à redução dos riscos estratégicos e ao respeito à soberania de todos os países.
No entanto, a imediata reação dos EUA ao plano chinês deu o tom das perspectivas de diálogo. "A proposta de Pequim deveria ter terminado após o primeiro parágrafo, que pedia respeito à soberania de todos os países. A guerra pode terminar amanhã mesmo se a Rússia parar de atacar a Ucrânia e retirar suas tropas", disse o conselheiro de segurança nacional dos EUA, Jake Sullivan.
Em showmício realizado na última quarta-feira (22), o presidente russo fez um discurso de caráter nacionalista no qual afirmou que a Rússia vive hoje uma "batalha por suas fronteiras". Considerando que a Rússia entende a incorporação de regiões do leste ucraniano como parte de suas fronteiras, um acordo pode ser difícil.
Para o historiador Angelo Segrillo, é improvável que haja uma negociação de paz duradoura, mas ele destaca que, dado o enorme desgaste de ambas as partes do conflito, um caminho possível é o estabelecimento de uma trégua sem acordo de paz propriamente dito. "Guerras começam às vezes surpreendentemente, mas também às vezes terminam surpreendentemente", completa.
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