Caros Leitores,
Ao longo do tempo, o continente africano tem sido visto como símbolo de resistência em relação ao modelo e às fórmulas sociais difundidas pelo mundo ocidental. Contudo, outra perspectiva que muitas vezes não fica em primeiro plano remete à participação da África, por meio de seus diversos movimentos culturais e artísticos, e a contribuição dessa expressão - o que permite ponderações acerca da relevância de sua riqueza e diversidade em meio aos conflitos presentes na contemporaneidade.
A partir desse contexto, trazemos, nesta semana, uma notícia que apresenta reflexões sobre a influência da arte no contexto africano e como esta foi e continua sendo moldada por suas histórias.
Esperamos que gostem e compartilhem!
Fernanda Lima é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito.
Quando penso em África a primeira palavra que me ocorre é diversidade. A segunda é criatividade. Nenhum outro continente contém tanta variedade humana e tanta riqueza em línguas e culturas. A Cidade do Cabo é um bom exemplo deste esplendor. Nas suas ruas e praças, batidas por um vento agreste e incansável, cruzam-se descendentes de javaneses, seguidores do Islã, que a Companhia das Índias Orientais, da Holanda, trouxe para o país, ao longo do século XVII, na condição de escravos, com os louríssimos tataranetos desses mesmos holandeses; juntam-se a estes as diferentes etnias de origem bantu que constituem a população sul-africana; os descendentes de imigrantes indianos e europeus; os remanescentes das populações originais, khoe-sãn, e todas as suas vertiginosas misturas.
A Feira de
Arte da Cidade do Cabo, cuja décima edição decorreu no fim de semana passado, é
o mais importante evento artístico do continente, reunindo para cima de uma
centena de galerias africanas, europeias e americanas. Saí do enorme pavilhão
onde decorreu a mostra pensando na vocação cosmopolita dos artistas africanos.
Olhemos, por exemplo, para a biografia de três dos criadores de língua
portuguesa com obras expostas em Cape Town: a moçambicana Cassi Namoda, o
guineense Nú Barreto e o angolano Pedro Pires.
Namoda nasceu
em Maputo, em 1988, filha de uma moçambicana e de um americano, e vive e
trabalha entre Los Angeles e Nova York. Nas suas telas, de cores muito vivas, a
jovem artista mistura elementos da mitologia africana com referências culturais
de todo o mundo. Nú Barreto, que vive em Paris desde 1989, tornou-se conhecido
por seus desenhos e instalações, que satirizam as elites africanas corruptas e
respectivos apoiadores internacionais. Os seus trabalhos estão hoje expostos em
museus e coleções do mundo inteiro. Pedro Pires nasceu em Luanda, em 1978,
estudou artes plásticas em Londres, e vive atualmente entre Angola e Portugal.
O trabalho de Pedro, que vai da escultura a desenhos com intervenção em papel
(tornou-se conhecido pelas suas sombras queimadas sobre papel), reflete sobre
questões de memória e identidade.
Nos anos 1990,
durante a longa guerra civil angolana, visitei uma pequena cidade, Bailundo,
ocupada pela guerrilha. A cidade estava isolada do resto do planeta havia
vários anos, de forma que a população era obrigada a fabricar quase tudo, desde
a roupa que vestia, até chaves e fechaduras. Lembro-me da impressionante
coleção de patinetes inteiramente artesanais, em madeira, que circulavam pelas
ruas da cidade. Havia desde patinetes para crianças, a outras enormes,
destinadas ao transporte de lenha. Também me lembro de um alfaiate, sentado
numa calçada, trabalhando com uma máquina de costura elétrica. Ao lado dele,
para gerar eletricidade, um assistente pedalava furiosamente. Séculos de
carências e de dificuldades de toda a ordem apuraram a criatividade africana.
Esta criatividade expandiu-se para a arte contemporânea e está agora
conquistando o mundo.
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