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quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Os impactos regionais e globais da chegada do Talibã ao poder


Caros leitores,

Um dos assuntos mais discutidos nas últimas semanas foi a retomada do poder no Afeganistão por parte do Talibã. O grupo, que já havia governado sob um regime autoritário de matriz religiosa entre os anos de 1996 e 2001, conta com certa rejeição pelos principais apoios do ocidente, ao mesmo tempo em que recebe indicativos de apoio por parte de Pequim.

Nesse sentido, trazemos hoje um artigo que busca justamente analisar os impactos dessa nova realidade afegã em escala regional e global, inclusive levando em consideração um possível apoio por parte do Governo chinês ao grupo. 

Esperamos que gostem e compartilhem!

Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

A aproximação entre o governo chinês e a liderança talibã, que vem desde 2013 e se intensificou com a retirada americana do Afeganistão, tem implicações para a geopolítica regional e para os mecanismos de governança globais.

A geopolítica regional é marcada por um crescente controle chinês e sua institucionalização. Em 2016, foi assinado um acordo de cooperação de segurança entre China, Tadjiquistão, Afeganistão e Paquistão visando controlar o fluxo de atores não estatais. A Organização de Cooperação de Xangai expressa a preponderância chinesa na Ásia Central, facilitada pela crescente cooperação russo-chinesa.

A relação íntima entre partes do aparato de Estado paquistanês e o Talibã, a porosidade da fronteira entre Afeganistão e Paquistão — onde a identidade pachto é muitas vezes mais relevante do que a nacionalidade — e o nexo entre o apoio dado por Islamabad ao Talibã e o tradicional conflito entre Paquistão e Índia já indicam a natureza regional dos acontecimentos recentes.

A Índia, aliada estratégica dos EUA, encontrará maior dificuldade em avançar sua política para o Afeganistão, onde desde 2001 busca investir em ajuda, educação e infraestrutura. Em 2015, o premier Narendra Modi foi a Cabul inaugurar o prédio do Parlamento presenteado pela Índia. Por outro lado, a aliança indo-americana, forte no campo da defesa, tende a se fortalecer.

A aliança entre Pequim e Islamabad é uma característica estruturante da geopolítica regional. A construção de estradas entre Peshawar e Cabul ou em Wakhan — na região de fronteira entre o Afeganistão e a província chinesa de Xinjiang — é parte crucial de uma visão da geopolítica regional e do projeto Cinturão e Rota, a “nova rota da seda”.

Vai se delineando, como em outras partes do planeta, uma linha divisória mais clara entre as zonas de influência de Washington e Pequim, e nesse caso marcadas por uma história de conflitos, em particular entre a Índia e o Paquistão e a Índia e a própria China.

No que se refere à governança global, chamam a atenção as observações convergentes de Pequim e da liderança Talibã em relação ao direito de decidir sobre normas nacionais e o foco na estabilidade como o principal objetivo de um governo. Estamos longe dos arroubos liberais dos anos 1990 sobre democracia e direitos humanos e mais longe ainda da lógica do intervencionismo humanitário. A questão que se destaca é sobre onde e até que ponto o Estado é de fato soberano. Nesse aspecto, a posição chinesa parece vencedora ao delinear que os temas que podem ser governados no âmbito global são limitados e excluem o debate sobre a natureza de regimes políticos, direitos individuais ou coletivos.

Ainda existe, claro, um enigma acerca do grau de sucesso de um governo do Talibã e há o risco de renovação da guerra civil. Os chineses e os demais atores na região sabem disso.

Os projetos de transformação social do Afeganistão, que embora falhos e sem enraizamento, caracterizaram a presença da Otan e de organizações não governamentais no país desde 2001, tendem a ser substituídos pelo modelo chinês, que envolve investimento em infraestrutura, endividamento e exploração de matéria prima. Acompanhando essa mudança no continente asiático, o debate sobre as obrigações normativas dos governos nacionais torna-se ainda mais rarefeito no campo dos direitos humanos e da democracia.

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