Olá
alunos,
Depois de um ano tão conturbado e
desanimador como foi o de 2015, as aspirações para com 2016 aumentaram
bastante. Porém, vários fatores nos têm feito perceber que o ano que mal
começou tem tudo para ser um alongamento do último. O filósofo e cientista
político, Marcos Nobre relaciona alguns fatores que levaram a essa sensação de retrocesso.
A postagem de hoje pretende ilustrar tais fatores com exemplificações, de
maneira crítica e esclarecedora.
Esperamos que gostem e participem.
Joyce Borgatti e Palloma Borges.
Monitoras da disciplina “Economia
Política e Direito” da Universidade Federal Fluminense.
Neste
ano aconteceu de tudo em Brasília,
mas a sensação quase que geral é de que não saímos do lugar. Segundo o filósofo
e cientista político, Marcos Nobre, três fatores que se auto-alimentam causam
essa sensação: Lava Jato, crise
política e econômica. Por
isso, para começar o próximo ano, ele recomenda cabeça fresca: “O que vimos em
2015, vai se prolongar por 2016”.
Em
entrevista ao EL PAÍS, enquanto acompanhava pelo rádio os votos
dos ministros do Supremo Tribunal Federal sobre os tramites do andamento do
processo de impeachment na Câmara dos Deputados, Nobre definiu o pedido de
impedimento como um mecanismo de autodefesa do sistema político brasileiro e
recomendou cautela com a Justiça. Para o professor da Unicamp, no centro de
todas as decisões, o Judiciário é parte integrante da política e não deve ser
visto como um árbitro externo e desinteressado do jogo.
Pergunta. O
ano passou e a sensação que fica é de que, apesar do ritmo frenético dos
acontecimentos, não se avançou em nenhuma questão de fato. Por quê?
Resposta. Por
causa de uma conjuntura de três fatores que se reforçam em um ciclo vicioso: a Operação Lava Jato,
que torna o sistema político instável, que por sua vez impede a resolução da crise
econômica. Com a Lava Jato em curso, não é possível saber quem está no jogo
político e quem não está, ela impede qualquer acordo minimamente estável.
Enquanto ela não fizer todo seu trabalho, revelando até onde vai, o sistema
político permanecerá em parafuso. Desse modo, solucionar a crise econômica é
impossível. Nesse cenário, em que os acordos políticos são provisórios, durando
meses, semanas, é preciso ter cabeça fria e paciência para suportar um período
longo de instabilidade. O que vimos em 2015, vai se prolongar por 2016.
P. E
o que significaria um afastamento da presidenta Dilma agora?
R. O
impeachment, do ponto de vista do sistema político, é uma estratégia de
autodefesa contra a Lava Jato. Esse é o objetivo. A Lava Jato instaurou uma
desorganização política muito grande, em que cada um está tentando defender
seus interesses. A questão é que essa capacidade de autodefesa é simplesmente a
de ganhar tempo. Como o sistema político não consegue escapar da Justiça, o
impeachment vira uma ferramenta de defesa.
P. Mas
ele também está sendo pedido por uma parcela da sociedade...
O impeachment nunca
seguiu a lógica de quem está na rua. Tanto é que seu acolhimento, feito pelo
Eduardo Cunha e deflagrado justamente quando o PT resolveu votar contra ele no
Conselho de Ética
R. Sim,
é verdade. Mas o impeachment nunca seguiu a lógica de quem está na rua. Tanto é
que seu acolhimento, feito por Eduardo
Cunha e deflagrado justamente quando o PT resolveu votar contra ele no Conselho
de Ética, tomou de surpresa todo mundo. Ou seja, não é um pedido da rua que
se tornou um movimento institucional parlamentar. É um movimento parlamentar se
aproveitando de uma movimentação de rua para defender seus interesses. E as
pessoas percebem isso. Esse pedido de impeachment gera um duplo mal-estar. Quem
defende o afastamento da Dilma não está
confortável com o fato dele ser promovido, provocado e liderado por Eduardo
Cunha. É só ver como as últimas
manifestações pró-impeachment foram fracas. Do outro lado, quem é contra o
afastamento, por acreditar que ele quebra a regra democrática, fica
desconfortável porque isso não significa exatamente defender o Governo.
P. E
o que fez com que as manifestações contra o Governo fossem tão grandes em março
de 2015?
R. Alguns
fatores. O primeiro é a eleição de 2014,
que polarizou o país em questões fundamentais. O segundo é o que eu chamo de
peemedebismo, uma característica fundamental do sistema político brasileiro,
que impede que o desejo das pessoas se expresse de maneira satisfatória no
Congresso. Essa situação de que você tem um país dividido em dois projetos
diferentes e quando chega no Congresso, todo mundo apoia o Governo, seja qual
for o Governo, distorce tudo. O terceiro fator é que a Dilma disse uma coisa em
campanha e passou a fazer outra quando eleita. E o quarto é a
irresponsabilidade do senador Aécio Neves, que estimulou esses movimentos no
que eles têm de mais obscurantista. Por exemplo, existe uma crença
conspiratória de que a urna eletrônica não é confiável. O que fez o Aécio? Foi
e pediu auditoria. Isso só significa uma coisa: dificuldade em aceitar a regra
do jogo democrático, a derrota. Outra coisa importante de dizer é que, em
março, a maior parte das pessoas que foi para a rua não falava em impeachment.
Era um descontentamento contra o Governo, mas sem essa palavra de ordem.
P. E
junho de 2013 também não entra nessa conta?
R. Também. Junho
de 2013 ocupou a rua contra um sistema político que tinha se blindado
contra a sociedade. Como o sistema estava blindado, quem saiu na rua, saiu com
todo tipo de opinião possível. Era gente de direita, de esquerda, de todos os
lados. A eleição de 2014 começou a organizar essa rua em duas calçadas. Botou
uma calçada para lá e outra para cá. Assim, março de 2015 é junho de 2013 da
mesma maneira que as manifestações contra o impeachment, ou a ocupação das
escolas em São Paulo, também são. Junho não é de ninguém. Ele é de quem quiser
se apropriar dele. É
um evento histórico que está sendo disputado conforme as narrativas. Isso
mostra que aquela energia liberada em junho, não vai voltar para a garrafa.
Inclusive, acredito que o trabalho da Lava Jato, por exemplo, surge na esteira
desse sentimento generalizado de insatisfação popular. Como o sistema político
não foi capaz de dar uma resposta, a Justiça está dando na forma de lavação. O
problema é que o Judiciário só pode desmantelar, não pode construir.
Março de 2015 é junho de
2013 da mesma maneira que as manifestações contra o impeachment, ou a ocupação
das escolas em São Paulo, também são.
P. Não
é responsabilidade demais para um só poder?
R. Sim.
Uma indicação disso é que dos três poderes, a Justiça é o menos democrático.
Por exemplo, o Conselho Nacional de Justiça tem apenas 10 anos. Imagine que
antes de 2005 não se sabia sequer o número de processos ou de funcionários que
o Judiciário tinha. Ou seja, há de tudo na Justiça: setores super transparentes
e outros muito retrógrados. O que acontece é que, com Executivo e Legislativo
desacreditados, a Justiça ganhou uma posição de destaque como se ela fosse o
representante do povo diante de um sistema político corrompido. Só que essa
posição do Judiciário é muito perigosa, porque não existe um sistema político
do qual ele não faça parte. A ideia de que ele é externo é mentirosa. O risco,
por exemplo está em decisões como a de prender
o banqueiro André Esteves. Ser citado em uma gravação é grave? Pode ser,
mas é só um indício. Lá tinha citação a ministros do STF,
ao vice-presidente, ao Romário. Por que só o Esteves foi preso? É uma decisão
política.
P. E
o caso do senador Delcídio do Amaral?
R. Também
achei a prisão equivocada. Prender um senador em exercício de mandato é
algo gravíssimo. Pode ser que ele tenha culpa no cartório? Pode. Para alguém
que diz aquela quantidade de coisas que ele falou, a chance é alta. Mas por que
não fazer uma investigação policial? Você tem que mostrar que aquilo que ele
falou na gravação não é bravata. Porque gravar alguém falando bravata, pode
acontecer com qualquer um. Não teve trabalho policial algum. É um indicativo de
que o STF está cometendo arbitrariedades. Se um senador em exercício de mandato
é preso, então porque um deputado não é? Em termos de indícios, o que foi
mostrado contra o Eduardo Cunha é muito mais forte. São dois pesos e duas
medidas. Espero que isso seja exercício de autocrítica.
Pode-se dizer qualquer
coisa, o que não se pode dizer é que o Governo Dilma bloqueou a Lava Jato.
P. E
a Lava Jato não incorre no mesmo erro quando se
escora tanto em delações premiadas?
R. Eu
acho que não, porque existe uma diferença muito grande entre a primeira e a
quarta instância do Judiciário. Como juiz de primeira instância, o Sérgio Moro tem
que proceder como procede, agora, cabe as outras instâncias o controle. Se as
decisões estão sendo aceitas, confirmadas, é porque isso está sendo visto como
jurisprudência. O problema é quando o STF, última instância, decide prender
pessoas porque elas aparecem em gravações. Afinal, quem vai controlar o STF?
Tem o plenário do STF, mas é o ponto máximo onde se pode chegar.
P. E
existe Lava Jato sem o Governo atual?
R. Essa
é a pergunta de um milhão de dólares. Pode-se dizer qualquer coisa, o que não
se pode dizer é que o Governo Dilma bloqueou a Lava Jato. Agora, se alguém
disser que ninguém é capaz de bloquear a Lava Jato, não é verdade. Dá pra
atrapalhar muito. Dependendo de quem é indicado para a Procuradoria, por
exemplo, ou de quem é nomeado advogado-geral da União. Outro Governo, um
eventual Temer,
por exemplo, vai obstruir? Não sei, mas o fato do movimento político,
capitaneado por Eduardo Cunha, de deflagrar o impeachment é um sinal de que há
alguma esperança de que, derrubando o Governo, e colocando o vice, seja
possível adiar a prestação de contas com a Justiça. A questão é essa: de um
lado, você tem um Governo que não fez nada para obstruir e, do outro, uma
incerteza que vem junto de uma lógica que traz maus presságios.
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