Olá alunos,
China,
Índia e Brasil são exemplos recentes de países que tiveram crescimento
expressivo do PIB sem recorrer a medidas neoliberais. A postagem de hoje tem o
intuito de demonstrar as mudanças econômicas que vêm ocorrendo nos respectivos
países, analisando, assim, sua melhoria para o crescimento de tais nações.
Agradecemos a sugestão dessa notícia
que foi enviada pelos alunos Julia Goromar, Amanda Colchete, Isabella Vieira, Natalia
Zanuto e Rafael Sartori da turma P1 do primeiro período, da Faculdade de
Direito da Universidade Federal Fluminense.
Esperamos que gostem e participem.
Joyce Borgatti e Palloma Borges.
Monitoras da disciplina “Economia
Política e Direito” da Universidade Federal Fluminense.
Nos últimos meses, Brasil e Índia anunciaram mudanças
relevantes em suas políticas econômicas. Duas das maiores potências emergentes
do mundo, os países têm adotado abordagem mais favorável ao mercado do que
na década passada. O primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, tem
implementado reformas liberais em tentativa de renovar a confiança do mercado,
aumentando investimento externo direto no país. A nação asiática também
afrouxou algumas restrições ao capital estrangeiro no setor de segurança, além
de dar mais independência ao sistema bancário. Em dezembro, o governo
brasileiro adotou regras mais rígidas para a obtenção do seguro-desemprego,
com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, constantemente defendendo ajustes fiscais,
controle de gastos públicos e suspensão de subsídios.
Se essas medidas levarão a maior
crescimento econômico é questão para um futuro próximo. É possível argumentar,
entretanto, que os resultados positivos registrados pelas economias em
desenvolvimento de Brasil, China e Índia nas últimas três décadas são reflexo
de políticas pouco ortodoxas e do fato destes países não adotarem medidas
propriamente “pró-mercado” há algum tempo.
Um argumento
comum entre simpatizantes da globalização é que durante os últimos 30 anos, o
mundo registrou crescimento econômico graças a medidas neoliberais adotadas por
diversos países. Em 2002, o Banco Mundial relacionou políticas favoráveis ao
mercado, como maior engajamento em comércio e liberalização
financeira, com níveis de crescimento mais elevados. No relatório Globalization, Growth and
Poverty, a instituição analisou 92 países para medir seus níveis de
globalização. Após considerar tarifas comerciais entre 1985 e 1997 e volumes de
comércio em relação ao PIB entre 1975 e 1997, o banco concluiu: os três países
tidos como “mais globalizados” tiveram uma média anual de crescimento de 5% no
período, contra apenas 1,4% dos “menos globalizados”. Políticas neoliberais,
sugeriu o relatório, foram positivas.
Esse parecer contribuiu para a visão
de que os países emergentes mais bem sucedidos em décadas recentes têm sido
“pró-globalização”, especialmente quando China e Índia são citados como
exemplos. Esse entendimento, no entanto, pode ser enganoso. O sucesso de alguns
destes países, especialmente China, Índia e Brasil, não está diretamente ligado
a políticas neoliberais, mas ao forte controle do governo sobre a economia.
O relatório
do Banco Mundial é, geralmente, usado para defender que políticas favoráveis ao
mercado resultaram em crescimento econômico e redução da pobreza. No entanto,
analisar participação do comércio no PIB pode não ser a forma
mais eficiente de medir níveis de globalização, uma vez que
o volume de comércio de um país não indica se este adotou
medidas mais ou menos liberais. Logo, é possível a um Estado registrar
participação elevada do comércio no PIB e, simultaneamente, ter uma economia
fechada.
Conforme
destacado por Ray Kiely,
ex-diretor da Escola de Política da Queen Mary, Universidade de Londres, a
relação diretamente proporcional entre grande participação do comércio
no PIB e alto crescimento econômico também não é claro. Alguns dos países
mais pobres do mundo possuem alta participação do comércio no PIB, mas isso não
é necessariamente refletido em seu crescimento.
No período de 1997-98,
comércio representou em média 43% do PIB dos 39 países mais pobres e menos
desenvolvidos do mundo, participação que se assemelha à média global.
Eles deveriam, portanto, ter começado a sair da pobreza devido aos
benefícios do comércio. Isso não ocorreu. Ainda que a maioria destes países
tenha adotado medidas liberais, sua parcela na exportação global foi 47% menor
entre 1980 e 1999. Além disso, considerando apenas comércio e políticas de
investimento em 1997, os países mais globalizados tiveram tarifas médias (em
torno de 35%) mais elevadas que nações consideradas menos globalizadas (cuja
média foi de 20%). A maioria dos países menos desenvolvidos mantém mercados e
regimes de comércio mais abertos que outros Estados emergentes e nações ricas
da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Isso,
entretanto, não os tornou mais desenvolvidos.
Uma parte importante do sucesso de
algumas das principais nações em desenvolvimento está relacionada às políticas
de industrialização por substituição de importações iniciadas após 1945.
Durante décadas, esses países protegeram setores de suas economias da
competição externa para fortalecer a indústria nacional. Para muitos deles, a
exportação de manufaturas se tornou importante a ponto de representar 70%
de seu comércio exterior em 1990, contra 20% na década anterior.
Essa era uma
estratégia comum até o ajuste neoliberal dos anos 1980. Esse contexto
influenciou nas últimas décadas os níveis de crescimento de China e Índia,
tidas como modelos de globalização. Segundo a visão neoliberal, após adotar
medidas pró-mercado, as duas potências asiáticas aumentaram média
de crescimento anual de 2,9% nos anos 1970 para 5% nos anos 1990. Ambas
beneficiaram-se, de fato, do comércio global, mas o PIB aumentou antes das
medidas de liberalização. Na Índia, poucas mudanças ocorreram nos níveis de
crescimento pós-liberalização dos anos 1990. Além disso, ambos os países ainda
são economias bem fechadas.
China e Índia
realizam controle de capitais e adotam subsídios em diversos setores. Apesar de queda destas
barreiras comerciais em décadas passadas, subsídios podem ser considerados
ainda elevados: tarifas médias de importação na Índia eram de 59% no
início dos anos 1990, tendo caído para 8,2% em 2009. Na China, elas passaram de
32,2% nos anos 1990 para 4,1% em 2011. Ainda assim, há distância considerável
para países, como por exemplo o Peru, que possi economia emergente
associada ao liberalismo, tendo 2010 registrado tarifas de importação de 1,5%.
Por outro lado, Canadá e Chile que também possuem barreiras comerciais baixas,
não cresceram no ritmo chinês e indiano no mesmo período. Logo, pode-se afirmar
que a abordagem liberal não foi a responsável pelo sucesso dos dois países
asiáticos.
Desde os anos
1980, a China tem crescido a uma média anual de 7,15%, mas o fez por meio de
políticas pouco ortodoxas. O país não liberalizou o seu comércio na maior parte
dos produtos até que pudesse competir globalmente naquelas áreas. A transição para uma economia mista foi feita
cuidadosamente com projetos pilotos, como as Zonas Econômicas Especiais nos
anos 1980, que permitiram ao país “experimentar” com o capital estrangeiro.
Isso indica que os países não precisam adotar políticas puramente liberais para
se beneficiar do comércio global, conforme Robert H. Wade,
professor de Política Econômica e Desenvolvimento na London School of Economics
(LSE), argumenta.
Pelo
contrário, esses Estados ainda são adeptos de medidas protecionistas. E até
respondem por algumas delas na Organização Mundial do
Comércio (OMC), na
qual países membros podem reclamar de medidas desleais adotadas por outras
nações. Em 2014, a China respondia por 31 queixas oficiais,
sete delas relacionadas a dumping (geralmente,
quando uma empresa cobra preço menor de um cliente estrangeiro e outro maior no
mercado nacional para recuperar os custos da exportação, levando a competição
injusta).
A Índia
respondia a 22 moções, 10 delas sobre restrições a importações de produtos de
agricultura e industriais, além de itens do setor têxtil. O Brasil, outra
economia que cresceu em ritmo acelerado na década passada, respondia a 15
ações. Destas, quatro estavam relacionadas a subsídios oferecidos ao setor automotivo,
que em 2007 respondia por 5,4% do PIB do país. Motivo pelo qual o governo tende
a conceder benefícios ao setor, afetando a competitividade de automóveis
importados. Esses exemplos mostram como três das economias emergentes que mais
crescem no mundo não são seguem tão à risca a globalização como pode
parecer.
O sucesso
chinês também está relacionado ao forte papel desempenhado por empresas
estatais. Em 1996, essas companhias representavam 75% do emprego urbano no
país. Em 2009, elas ainda respondiam por mais de 30% dos postos de trabalho nas
grandes cidades e pela mesma proporção do PIB. Esses números questionam
seriamente argumentos liberais em favor da privatização de empresas públicas.
Na China, o
governo ainda controla o fluxo de capital estrangeiro, direcionando-o para
áreas chaves aos objetivos de desenvolvimento do país, o que inclui a indústria
de alta tecnologia. O papel do Estado na economia é uma das razões por trás do
contínuo crescimento de China, Índia e Brasil. Na verdade, como a economista Ilene Grabel afirma, essa atuação pode ter trazido
mais estabilidade a esses países. Isso porque o controle de capitais, por
exemplo, permite favorecer tipos “desejáveis” de investimento, como os de longo
prazo e produtivos.
Neste
sentido, em alguns setores da economia o governo chinês obriga empresas
estrangeiras a encontrarem um parceiro local para investir no país por meio de joint ventures.
Essas parcerias possuem limite para o capital de propriedade externa.
Tais mecanismos buscam trazer ao país investimentos que vão criar empregos e
transferir tecnologia, duas das bases de qualquer economia de sucesso. O
Brasil, neste contexto, frequentemente utiliza ferramentas semelhantes para
afugentar especuladores financeiros. Entre 2009 e 2013, por exemplo, o governo taxou alguns tipos de investimento externo
de curto prazo para proteger a economia brasileira.
Logo, é possível afirmar que o
recente sucesso de China, Índia e Brasil, entre outras economias emergentes,
não está inteiramente (ou de forma alguma) associado à adoção de políticas
“pró-mercado”. Pelo contrário, está intrinsicamente relacionado a papel forte
do Estado, medidas protecionistas, controle de capital estrangeiro, entre
outras políticas não liberais. Neste sentido, os atuais governos de Brasil e
Índia deveriam considerar o passado antes de proceder com suas reformas
econômicas.
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