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segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Banco dos Brics busca alternativa a hegemonia de países ricos



Olá alunos,

Os países membros do Brics criaram um banco de desenvolvimento para financiar obras de infraestrutura em países pobres e emergentes. A postagem de hoje procura analizar os motivos políticos, econômicos e diplomáticos que levaram a criação dessa instituição.

Esperamos que gostem e participem.

Fellype Fagundes e Carlos Araújo
Monitores da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense


Os chefes de Estado dos países membros dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) assinaram nesta terça-feira um tratado para a criação de um banco de desenvolvimento que financiará obras de infraestrutura em países pobres e emergentes.

Batizada de Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), a instituição terá sede em Xangai, na China. A presidência do banco será rotativa entre os membros, e a Índia será o primeiro país a chefiá-lo.

Acredita-se que o novo banco possa representar uma equivalente "emergente" ao Banco Mundial, um órgão internacional tradicionalmente dirigido por um representante dos Estados Unidos, com aporte americano significativo.

O acordo que formalizou a criação do banco foi assinado durante o 6º Fórum dos Brics, em Fortaleza.
Participaram do encontro, além da presidente Dilma Rousseff, o novo premiê indiano, Narendra Modi, e os presidentes Vladimir Putin, da Rússia, Xi Jinping, da China, e Jacob Zuma, da África do Sul.

Alternativa

Pelo arranjo, o Brasil poderá indicar o presidente do conselho de administração do banco. O país pleiteava a presidência do banco, mas acabou cedendo para a Índia.

A Rússia poderá nomear o presidente do conselho de governadores, e a África do Sul sediará um Centro Regional Africano da instituição.

O capital inicial do banco será de US$ 50 bilhões, dividido igualmente entre os membros do Brics.

Em discurso na cúpula, a presidente Dilma Rousseff disse que o banco "representa uma alternativa para as necessidades de financiamento de infraestrutura nos países em desenvolvimento, compreendendo e compensando a insuficiência de crédito das principais instituições financeiras internacionais".

Na reunião, além da abertura do banco, os líderes acertaram a criação de um fundo para socorrer membros dos Brics que passem por riscos de calote.

O fundo, batizado de Arranjo de Contingente de Reservas (ACR), será composto por US$ 100 bilhões: US$ 41 bilhões virão da China; Brasil, Rússia e Índia, entrarão com U$ 18 bilhões cada; e África do Sul, com US$ 5 bilhões.

O NBD e o ACR foram construídos à semelhança do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI), como admitiu recentemente o subsecretário-geral político do Ministério das Relações Exteriores, embaixador José Alfredo Graça Lima.

Mais voz

Os membros do Brics reivindicam mais voz nas duas grandes instituições financeiras globais.

Na declaração da cúpula em Fortaleza, eles se disseram “desapontados e seriamente preocupados com a presente não implementação das reformas do Fundo Monetário Internacional (FMI) de 2010, o que impacta negativamente na legitimidade, na credibilidade e na eficácia do Fundo”.

Para serem concretizadas, as reformas acordadas ainda precisam ser aprovadas pelo Congresso dos Estados Unidos.

Na declaração, os membros do Brics também cobraram o Banco Mundial a democratizar sua estrutura de governança, fortalecer sua capacidade financeira e ampliar o financiamento para o desenvolvimento e difusão do conhecimento.

Os Brics expressaram a expectativa de que o Banco Mundial inicie "assim que possível" trabalhos de revisão acionária que também ampliem o poder de países emergentes na instituição.

'Barganha política'

Segundo Paulo Visentini, professor de Relações Internacionais da UFRGS, e Alcides Vaz, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), a criação do banco faz parte de uma barganha política.

Uma das poucas demandas comuns dos Brics diz respeito à necessidade de reformas em instituições de governança política e econômica globais. Em especial, os cinco reivindicam mais voz no Banco Mundial e também no FMI (Fundo Monetário Internacional) – este, um órgão tradicionalmente comandado por um representante europeu.

"A criação desse banco pode ser um marco histórico importante: se ele de fato sair do papel será a primeira vez que países emergentes criam uma instituição desse porte, com mandato para atuar em diversos continentes", acredita Visentini.

"Com a criação do banco, os Brics estão dizendo que se os Estados Unidos e a Europa não modificarem o perfil dessas instituições, eles vão criar suas próprias instituições", diz ele.

"Há uma tentativa de relativizar mecanismos tradicionais (de atuação econômica e política) e explorar alternativas a esses mecanismos nos quais emergentes não têm muito espaço", acrescenta Vaz.

Mas o novo banco já nasce com uma série de questionamentos – entre eles o temor de que ele se transforme em um veículo para ampliação da influência chinesa e não venha a fomentar o desenvolvimento a que se propõe.

Dúvidas

Para Oliver Stuenkel, professor da Fundação Getúlio Vargas, e Marcos Troyjo, especialista em Brics da Universidade Columbia, nos EUA, existe de fato a possibilidade de que a China tenha uma influência excessiva sobre o banco.

O PIB da China é maior que o de todas as outras economias do Brics juntas e também é o que mais cresce – expandindo-se a uma taxa de mais de 7% ao ano, "Esse novo banco pode permitir a China investir em alguns países em que hoje há receio da ‘invasão chinesa’", diz Stuenkel, explicando que, com envolvimento do banco, os investimentos chineses teriam uma "cara" mais multilateral. 

Stuenkel diz que em uma tentativa de evitar um peso excessivo da China no banco dos Brics, o Brasil teria insistido desde o início do projeto que o seu capital inicial fosse aportado igualmente pelos cinco países do clube emergente – embora os chineses tivessem condições de colocar muito mais dinheiro.

ONGs e movimentos da sociedade civil que fazem um encontro paralelo à cúpula de chefes de Estado em Fortaleza ressaltam a necessidade de garantir que os projetos financiados pelos recursos do banco realmente promovam "desenvolvimento".

"O problema é que, ao que tudo indica, esse banco vai continuar a financiar megaprojetos de infraestrutura que só beneficiam os líderes políticos e as empresas neles envolvidas", diz Carlos Tautz, do Instituto Mais Democracia.

"Ninguém está falando em financiar hospitais, escolas ou saneamento básico para beneficiar diretamente as populações desses países."

Histórico

O projeto do banco dos Brics vem sendo discutido desde 2012.

No ano passado, em Durban, na África do Sul, os cinco países deram sinal verde tanto para essa iniciativa quanto para o ACR.

"Desde Durban, já avançamos muito", disse uma fonte ligada ao Itamaraty. "Há um ano tínhamos pouco mais que uma página em branco."

As duas instituições foram construídas à semelhança do Banco Mundial e do FMI, como admitiu recentemente o subsecretário-geral político do Ministério das Relações Exteriores, embaixador José Alfredo Graça Lima.

"O objetivo não é substituir essas instituições, mas suplementar, apoiando projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável em países do Brics ou em países emergentes, importantes para o Brics", explicou.

O Brasil teria sido o único país que não apresentou uma proposta de sede.

Para Troyjo, da Universidade Columbia, foi uma decisão míope.

"Não pleitear uma sede brasileira só pode ser resultado de uma falta de visão de longo prazo, uma hipertrofia da agenda imediata do país, porque essa pode ser uma instituição multilateral de peso em alguns anos", opina.

Razões

Mas, afinal, para que países como Brasil, Índia e China – que já tem seus bancos de desenvolvimento - precisam de um novo banco para financiar projetos de infraestrutura?

Além da razão política de criar uma alternativa à hegemonia americana e europeia no sistema financeiro internacional, do ponto de vista financeiro, o banco dos Brics poderia receber uma classificação de risco melhor que os países do grupo para captar dinheiro no mercado a custo menor.

Para Troyjo, a escolha dos Brics por uma estratégia de construção institucional também ajudaria a tirar a atenção da questão do crescimento econômico – que motivou a criação do acrônimo Brics - em um momento em que os cinco países estão desacelerando (embora isso para a China signifique uma expansão de mais de 7% ).

Stuenkel, da FGV, concorda que a institucionalização é uma saída para dar relevância ao grupo e garantir a cooperação entre países de interesses econômicos e políticos tão díspares.

"O banco ajuda a assegurar que o grupo continuará existindo. Os cinco países estarão assumindo um compromisso firme, de longo prazo, que exigirá o encontro frequente de suas autoridades."

Vaz enfatiza que os cinco países do Brics nunca tiveram como ambição falar em uma única voz no que diz respeito a temas políticos da agenda internacional.

"Não há programa de integração política: são países politicamente diferentes, com interesses diferentes e culturas diferentes", reforça José Botafogo Gonçalves, ex-ministro de Indústria e Comércio Exterior e ex-embaixador do Brasil na Argentina.

Ainda assim, Gonçalves acredita que essas diferenças não impedem que os integrantes do bloco construam uma agenda conjunta em torno de temas como desenvolvimento sustentável, investimentos em infraestrutura, transporte e energia.

"O banco dos Brics seria um resultado concreto da cooperação. O G7 (grupo das nações mais industrializadas e desenvolvidas economicamente), por exemplo, nunca conseguiram nada nessa linha", opina Troyo.

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