Olá alunos,
Em tempos de crise política como é o que vivemos, as discussões sobre
om possível impeachment da presidenta
Dilma tornam-se recorrentes. O debate sobre a questão já tomou o caminho
errado. A democracia está em risco sem obediência à constituição. Com isso, a
postagem de hoje pretende criar um clima de debate sobre esse momento tão
delicado, buscando esclarecimento, opiniões e possíveis respostas.
Esperamos que gostem e participem.
Joyce Borgatti e Palloma Borges.
Monitoras da disciplina “Economia Política e
Direito” da Universidade Federal Fluminense.
Formulamos,
recentemente, parecer tendo por objeto os requisitos jurídicos para a cominação
do impeachment da
presidente da República, expressão vulgarmente adotada para referir-se ao
mecanismo de controle voltado para apurar e julgar a infração político-administrativa que
a Constituição chama de crime de responsabilidade.
Com efeito, a
qualificação de político para esta infração representa, exclusivamente, o
afastamento da compreensão literal e isolada dos artigos 85 e 86 da
Constituição e o acolhimento de uma interpretação da mesma à luz da noção de
função política do Estado, dos princípios republicano e democrático e do nosso
modelo presidencialista de governo. A expressão função política, portanto, não
representa uma permissão para que o Legislativo adote juízos alheios aos fins e
processos estipulados pela ordem jurídica.
Com relação,
especificamente, aos requisitos jurídicos para cominação da infração
político-administrativa dita impeachment, os artigos citados
referem-se à prática de conduta típica e à culpabilidade estrita, a
caracterizar dolo.
A conduta
típica compreende uma ação ajustada a um modelo de atuação proibida,
consubstanciada no artigo 85. Portanto, a primeira condição disposta pela
Constituição é de que haja um ato praticado no exercício da função pública.
Exige-se, assim, uma conduta
ativa ou ao menos o que se possa chamar de omissão comissiva. Não basta,
portanto, a simples omissão, mas que o presidente da
República tenha participado diretamente da produção do ato ou, então, tenha
assumido, conscientemente, suas consequências ilícitas. Daí, não ser possível
atribuir ao presidente da República a responsabilidade por atos praticados por
outros agentes da administração pública. Além disso, como a sanção é a perda do
mandato, a conduta deve ocorrer no atual e não no anterior. A temporariedade é
uma das principais dimensões do princípio republicano. Ela se traduz na
realização de eleições periódicas. Em nada se confunde o dogma republicano da
periodicidade – que é de quatro anos – com a possibilidade de reeleição para um
período subsequente.
Para os
chamados agentes políticos, não se aplica a regra da continuidade
administrativa, incidente apenas para os agentes públicos que possuem vínculo
profissional com o Estado. Para eles, a habilitação técnica os qualifica a
entreter relação que se prolonga no tempo, sem qualquer descontinuidade. Não se
pode falar, portanto, em responsabilidade político-administrativa do presidente
da República por ato pretérito, praticado no primeiro mandato.
A culpabilidade revela-se como a intencional violação de um
dever. Afere-se, assim, o dolo, já que a modalidade culposa incide apenas
quando houver expressa previsão normativa, o que não há na Constituição. Pela
conjunção do presidencialismo com o regime democrático, impõe-se a exigência de
gravidade da conduta, o que afasta a culpa, ainda que grave. A mera maioria
ocasional não é capaz de promover a interrupção da vontade procedimentalizada
da soberania popular. Romper com referida vontade, mesmo que pelo Legislativo,
só se justifica se houver gravidade, isto é, uma infração intensa à ordem
jurídica. Também por essa razão é que se exige que o presidente da República
tenha desejado o resultado ou assumido o risco de produzi-lo.
O
presidencialismo não é regido pelo ocasionalismo. A cominação de infração
político-administrativa de impeachment ao presidente da
República está inserta no Direito sancionatório. Não se sujeita, portanto, a
juízos de conveniência e oportunidade, como no parlamentarismo, no qual o voto
de confiança, não necessariamente lastreado em alguma ilicitude, é que define o
impedimento.
Por essa razão, possíveis ilegalidades de pouca intensidade,
que não tenham implicado desvio de dinheiro público ou apropriação privada em
benefício pessoal ou de terceiros, mas praticadas à vista do interesse público,
ainda que possam ensejar eventual responsabilidade em outras searas, não são
capazes de levar à cominação da infração político-administrativa de
impeachment.
Quanto aos
requisitos formais para a cominação da infração, dentre eles é fundamental que
detalhemos o exame de admissibilidade realizado pela Câmara dos
Deputados. Caso seu presidente rejeite a acusação, não é cabível recurso
ao plenário da casa, uma vez que não seria oportunizado ao presidente da
República o direito à defesa. Além disso, a antecipação do exame de admissibilidade
vulneraria a regra da maioria qualificada a que se refere o artigo 86 da
Constituição, onde se exige não a mera maioria simples, mas o quórum de dois
terços.
O descumprimento desses
requisitos materiais e formais para a comissão do impeachment seria
afrontosamente inconstitucional e traria consequências irreparáveis para o
exercício da função pública democraticamente atribuída ao presidente da
República, com gravíssimas consequências para a segurança social e política. É
fundamental, portanto, que o debate público em torno do tema seja regido
exclusivamente pela vontade política obediente à Constituição. Apenas ela é
capaz de definir as possibilidades e o futuro da nossa sociedade.
*Pedro Estevam Alves Pinto Serrano é professor de Direito
Constitucional da PUC-SP e Anderson Medeiros Bonfim é especialista em Direito
Econômico pela FGV-SP.
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