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quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Quando impeachment é golpe



Olá alunos,
Em tempos de crise política como é o que vivemos, as discussões sobre om possível impeachment da presidenta Dilma tornam-se recorrentes. O debate sobre a questão já tomou o caminho errado. A democracia está em risco sem obediência à constituição. Com isso, a postagem de hoje pretende criar um clima de debate sobre esse momento tão delicado, buscando esclarecimento, opiniões e possíveis respostas.

Esperamos que gostem e participem.
Joyce Borgatti e Palloma Borges.
Monitoras da disciplina “Economia Política e Direito” da Universidade Federal Fluminense.  

Formulamos, recentemente, parecer tendo por objeto os requisitos jurídicos para a cominação do impeachment da presidente da República, expressão vulgarmente adotada para referir-se ao mecanismo de controle voltado para apurar e julgar a infração político-administrativa que a Constituição chama de crime de responsabilidade.

Com efeito, a qualificação de político para esta infração representa, exclusivamente, o afastamento da compreensão literal e isolada dos artigos 85 e 86 da Constituição e o acolhimento de uma interpretação da mesma à luz da noção de função política do Estado, dos princípios republicano e democrático e do nosso modelo presidencialista de governo. A expressão função política, portanto, não representa uma permissão para que o Legislativo adote juízos alheios aos fins e processos estipulados pela ordem jurídica.

Com relação, especificamente, aos requisitos jurídicos para cominação da infração político-administrativa dita impeachment, os artigos citados referem-se à prática de conduta típica e à culpabilidade estrita, a caracterizar dolo.

A conduta típica compreende uma ação ajustada a um modelo de atuação proibida, consubstanciada no artigo 85. Portanto, a primeira condição disposta pela Constituição é de que haja um ato praticado no exercício da função pública.

Exige-se, assim, uma conduta ativa ou ao menos o que se possa chamar de omissão comissiva. Não basta, portanto, a simples omissão, mas que o presidente da República tenha participado diretamente da produção do ato ou, então, tenha assumido, conscientemente, suas consequências ilícitas. Daí, não ser possível atribuir ao presidente da República a responsabilidade por atos praticados por outros agentes da administração pública. Além disso, como a sanção é a perda do mandato, a conduta deve ocorrer no atual e não no anterior. A temporariedade é uma das principais dimensões do princípio republicano. Ela se traduz na realização de eleições periódicas. Em nada se confunde o dogma republicano da periodicidade – que é de quatro anos – com a possibilidade de reeleição para um período subsequente.

Para os chamados agentes políticos, não se aplica a regra da continuidade administrativa, incidente apenas para os agentes públicos que possuem vínculo profissional com o Estado. Para eles, a habilitação técnica os qualifica a entreter relação que se prolonga no tempo, sem qualquer descontinuidade. Não se pode falar, portanto, em responsabilidade político-administrativa do presidente da República por ato pretérito, praticado no primeiro mandato.

A culpabilidade revela-se como a intencional violação de um dever. Afere-se, assim, o dolo, já que a modalidade culposa incide apenas quando houver expressa previsão normativa, o que não há na Constituição. Pela conjunção do presidencialismo com o regime democrático, impõe-se a exigência de gravidade da conduta, o que afasta a culpa, ainda que grave. A mera maioria ocasional não é capaz de promover a interrupção da vontade procedimentalizada da soberania popular. Romper com referida vontade, mesmo que pelo Legislativo, só se justifica se houver gravidade, isto é, uma infração intensa à ordem jurídica. Também por essa razão é que se exige que o presidente da República tenha desejado o resultado ou assumido o risco de produzi-lo.
O presidencialismo não é regido pelo ocasionalismo. A cominação de infração político-administrativa de impeachment ao presidente da República está inserta no Direito sancionatório. Não se sujeita, portanto, a juízos de conveniência e oportunidade, como no parlamentarismo, no qual o voto de confiança, não necessariamente lastreado em alguma ilicitude, é que define o impedimento.

Por essa razão, possíveis ilegalidades de pouca intensidade, que não tenham implicado desvio de dinheiro público ou apropriação privada em benefício pessoal ou de terceiros, mas praticadas à vista do interesse público, ainda que possam ensejar eventual responsabilidade em outras searas, não são capazes de levar à cominação da infração político-administrativa de impeachment.
Quanto aos requisitos formais para a cominação da infração, dentre eles é fundamental que detalhemos o exame de admissibilidade realizado pela Câmara dos Deputados.  Caso seu presidente rejeite a acusação, não é cabível recurso ao plenário da casa, uma vez que não seria oportunizado ao presidente da República o direito à defesa. Além disso, a antecipação do exame de admissibilidade vulneraria a regra da maioria qualificada a que se refere o artigo 86 da Constituição, onde se exige não a mera maioria simples, mas o quórum de dois terços.

O descumprimento desses requisitos materiais e formais para a comissão do impeachment seria afrontosamente inconstitucional e traria consequências irreparáveis para o exercício da função pública democraticamente atribuída ao presidente da República, com gravíssimas consequências para a segurança social e política. É fundamental, portanto, que o debate público em torno do tema seja regido exclusivamente pela vontade política obediente à Constituição. Apenas ela é capaz de definir as possibilidades e o futuro da nossa sociedade. 

*Pedro Estevam Alves Pinto Serrano é professor de Direito Constitucional da PUC-SP e Anderson Medeiros Bonfim é especialista em Direito Econômico pela FGV-SP. 



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