Olá alunos,
A aproximação entre Cuba e EUA vem gerando especulações sobre como a cultura consumista norte americana pode afetar o modo de vida e a identidade do povo cubano. A postagem de hoje apresenta uma entrevista com o Professor Abel Prieto Jiménez, assessor especial do Presidente Raúl Castro.
A aproximação entre Cuba e EUA vem gerando especulações sobre como a cultura consumista norte americana pode afetar o modo de vida e a identidade do povo cubano. A postagem de hoje apresenta uma entrevista com o Professor Abel Prieto Jiménez, assessor especial do Presidente Raúl Castro.
Esperamos que gostem e participem.
Fellype Fagundes e Carlos Araújo
Monitores da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense
Fellype Fagundes e Carlos Araújo
Monitores da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense
Nascido em 1950 em Pinar del Río, na província ocidental
de Cuba, Abel Prieto Jiménez é uma personalidade conhecida da cultura cubana.
Depois de estudos em Letras Hispânicas na Universidade de Havana, ele foi
professor de literatura por vários anos. Em 1988, foi eleito o chefe da União
Nacional dos Escritores e Artistas de Cuba (UNEAC), se transformando em um dos
presidentes mais jovens da história da instituição.
Durante uma reunião com Fidel Castro em meados dos anos
1990, Abel Prieto relatou ao
líder da Revolução Cubana suas divergências e
declarou seus pontos de vista. Alguns pensaram que a sua carreira seria
irremediavelmente afetada. Semanas depois, Castro decidiu nomeá-lo ministro da
Cultura, em 1997, cargo que ocuparia até 2012. Em março de 2012, Prieto deixou
o Ministério da Cultura para ser assessor especial do presidente Raúl Castro.
Para o ex-ministro, Cuba se beneficiaria de uma
aproximação dos EUA e, por mais que turistas norte-americanos trouxessem a
cultura do consumismo pra ilha, os cubanos não perderiam sua identidade. Ainda
segundo Prieto, o país tem lutado muito, especialmente na área de cultura,
contra a burocracia, que classificou como “praga” que causa “dano
incalculável”.
Opera
Mundi: O senhor foi ministro de Cultura durante quinze anos. Hoje, o senhor é
assessor do presidente Raúl Castro na área da cultura. Qual é seu papel?
Abel Prieto: Minha tarefa consiste em promover a cultura cubana e garantir que as instituições culturais cubanas promovam os melhores talentos do nosso país. Meu trabalho consiste também em vincular a cultura e o povo, desenvolver as relações culturais internacionalmente e defender a política cultural da Revolução.
OM:
A política estadunidense em relação a Cuba, particularmente as sanções
econômicas, tem um impacto na cultura cubana. Qual seu ponto de vista a
respeito?
AP: O impacto econômico é evidente. O presidente Barack Obama permite intercâmbios culturais, mas não comerciais. Muitos artistas, como Los Van Van, Carlos Varela, a Escola Nacional de Ballet e Silvio Rodriguez realizaram turnês pelos Estados Unidos, mas não puderem receber nem um centavo por suas atividades.
O maior mercado do mundo para as artes é o mercado
estadunidense. Nossos artistas, escritores, intelectuais não têm acesso a ele.
Nossas editoras, nossas galerias artísticas e nossas empresas culturais são
proibidas de entrar nos Estados Unidos.
O povo norte-americano perde uma grande possibilidade de
enriquecer com o contato com o nosso povo, por causa de uma política
irracional, absurda e indefensível. Acontece o mesmo com o povo cubano, tão
curioso intelectualmente, tão voraz de um ponto de vista cultural, que se vê
privado de um intercâmbio fecundo com seu vizinho do Norte. Quando esses
intercâmbios acontecem em Cuba, como durante a visita de uma artista
estadunidense, os efeitos são impressionantes.
OM:
Cuba está disposta a se aproximar dos Estados Unidos?
AP: Cuba se beneficiaria muito de uma aproximação dos Estados Unidos. É verdade que uma avalanche de turistas norte-americanos traria a cultura do consumismo, mas acredito que os aspectos positivos superariam amplamente os efeitos negativos. Muitos cidadãos norte-americanos têm muita curiosidade em descobrir “a ilha proibida”, já que é o único país do mundo que não têm direito de visitar. Lembro-me de um encontro com um importante cineasta, no cine Chaplin de Havana, no qual ele se assombrou ao ver a modernidade do lugar, a presença de um Festival de Cinema por ano etc. Isso demonstra até que ponto a imagem de Cuba na sociedade estadunidense não corresponde à realidade. O melhor antídoto contra isso é a mensagem cultural, que tocará com todo seu vigor e autenticidade o povo norte-americano e destruirá os estereótipos.
OM:
Não há riscos nessa aproximação?
AP: Nossa identidade sofreria? Creio que temos uma
vantagem. A identidade nacional cubana e a cultura nacional têm um núcleo de
resistência muito forte e, ao mesmo tempo, se nutrem de investimentos
exteriores. Somos descendentes de colonos espanhóis. Também somos o fruto dos
escravos da África e a herança deste terrível genocídio. Somos também o
resultado da imigração chinesa, polaca etc. Cuba é uma cultura mestiça capaz de
absorver tudo sem atentar contra sua natureza profunda.
Então, não creio que perderíamos nossa identidade com uma
chegada massiva de turistas norte-americanos. A cultura americana está muito
presente em Cuba e nos chega por meio do cinema, da televisão, da música, e do
meio milhão de cubano-americanos que nos visitam todos os anos. A cultura
hegemônica associada à globalização está nos afetando e a resposta é de ordem
educativa. Não vemos nossa realidade como o centro do mundo. Nossa vocação é
universalista, como nos ensinaram José Martí e Fidel Castro. Creio que, em termos
de valores, os norte-americanos somente poderiam enriquecer com um intercâmbio
frutífero com os cubanos.
O que nos prejudica é a situação atual que é perversa,
pois nos impede de adquirir medicamentos para as crianças doentes, com uma
autoridade que nos persegue constantemente, que persegue os bancos que têm
relações comerciais conosco. Tudo isso é de uma grande crueldade.
OM: Quais
são os obstáculos para uma plena normalização das relações entre ambas as
nações?
AP: Creio que é necessário voltar ao século XIX para entender a história do desacordo que opõe Cuba e Estados Unidos. John Quincy Adamns elaborou a história da “fruta madura”. Cuba deveria gravitar em torno da órbita estadunidense. Para os estrategistas do Norte, a ilha pertencia à sua zona de influência. José Martí o denunciou com vigor.
Em 1959, Cuba conseguiu sua independência e se tornou uma
grande potência moral que mostra para o mundo que é possível enfrentar o
imperialismo. Cuba é um exemplo de soberania para a América Latina e para o mundo.
Cuba deu prova de uma grande tenacidade na defesa de seus princípios. Penso que
é o que os Estados Unidos não perdoam. Davi pôde resistir a Golias. Ainda que
mudássemos de modelo e adotássemos o capitalismo selvagem que está destruindo a
humanidade, não perderíamos essa afronta. Os Estados Unidos somente aceitam a
subordinação. Não perderam a esperança de fazer de Cuba uma colônia. Veja que
os pretextos para manter a hostilidade contra Cuba mudam de acordo com as
épocas.
Em geral, os Estados Unidos dão prova de pragmatismo em
sua política exterior e é uma característica de sua idiossincrasia. Mas, no
caso de Cuba, essa tradição clássica desaparece em favor de uma atitude
irracional. Os Estados Unidos sabem se mostrar grandes em alguns aspectos. Em
troca, em relação à sua política contra Cuba, se mostram muito pequenos. Sua
atitude é realmente pouco honrada, já que não se obtém nenhuma glória em sitiar
um povo que jamais agrediu os Estados Unidos.
OM: Há
quem diga que as autoridades cubanas usam as sanções econômicas como desculpa
para explicar o fracasso do sistema.
AP: Por que, então, não nos tiram essa desculpa? Não seria mais didático fazer isso? Por que não tiramos esse pretexto para mostrar ao mundo que nosso modelo de sociedade é ineficiente? Isso não quer dizer que não tenhamos cometido erros. Essa Revolução foi edificada por homens e mulheres e não é obra divina. É imperfeita por definição.
OM: Qual
será o benefício para os Estados Unidos em caso de mudança de política?
AP: Nosso presidente Raúl Castro afirmou várias vezes que estamos dispostos a dialogar de igual para igual, sobre todos os temas possíveis e imagináveis, sem atentar contra nossos princípios, nossa dignidade e nossos direitos. Aceitaremos sempre o diálogo respeitoso entre dois países soberanos.
De um ponto de vista econômico, a indústria turística
estadunidense seria a principal beneficiária de uma normalização das relações
entre nossos dois países. Em termos de imagem, isso teria um impacto muito
positivo para os Estados Unidos, que sairiam de seu isolamento. [Seria um
benefício] para os cidadãos dos Estados Unidos, [que] recuperariam seu direito
de viajar para Cuba, de comercializar com a ilha. De uma perspectiva moral,
todas as pessoas dignas que vivem nos Estados Unidos, e são muitas, se
orgulhariam de uma mudança de política em relação a Cuba.
OM: Quais
são os desafios para a Cuba de hoje?
AP: Estamos lutando uma grande batalha contra a burocracia, que é uma praga para nosso país e que nos causou um dano incalculável. Isso concerne à área da cultura. Vejo todos os dias como essa burocracia, devoradora de energias e recursos, desperdiça os fundos, sem nenhuma relação com os processos culturais. Devemos construir um socialismo mais eficiente, mais fluído, menos sectário, mais audaz, mais revolucionário.
Abrimos nossa economia para a empresa privada. No setor
cultural já existia o trabalho por conta própria dos artistas plásticos, que
geram patrimônio com suas obras – e reforçam o tecido espiritual de nossa
nação. Temos muitos artistas que não são empregados do Estado e não se
transformaram em conservadores ou reacionários. Existe certo marxismo vulgar,
que chegou com os manuais soviéticos, que associa o trabalho privado ao
reacionário e que o cataloga como inimigo do povo. Na realidade, acontece o
contrário, já que o pequeno negócio e a cooperativa reforçam o socialismo. Da
mesma forma, nosso Partido Comunista deve se abrir mais para a diversidade, a
análise crítica, à discrepância e ao debate. Deve ser menos dogmático. Nosso
caminho é autenticamente cubano e envolve toda a população. Mas não pretendemos
ser um modelo.
OM: O
que Fidel Castro representa para o senhor?
AP: Eu tinha oito anos quando a Revolução triunfou. Meu pai foi membro do Movimento 26 de Julho, discípulo de José Marti e grande admirador de Fidel Castro. Lembro-me dos longos discursos de Fidel Castro pela televisão. Não entendia muito, já que era muito jovem, mas era uma pessoas que cativava. Lembro-me de Fidel, durante a crise dos mísseis e da valentia das pessoas. Corríamos o risco de ser varridos da face da terra, mas não havia pânico entre a população.
Quando estava na universidade, o vi várias vezes. Conheci
Fidel pessoalmente na Casa de las Américas, nos anos 1970. Havia um curso sobre
jovens escritores e o Roberto Fernández Retamar o apresentou para mim. Lembro
que Fidel brincou com Gabriel García Márquez, que estava com ele e lhe
perguntou: “Você acredita que um deles será Prêmio Nobel algum dia?”
Quando integrei a União de Escritores e Artistas de Cuba
como presidente, tive o privilégio excepcional, durante um congresso, de me
encontrar com Fidel. Lembro que um amigo tinha me dito que Fidel nunca se
interessava superficialmente pelas coisas, e que fazia muitas perguntas. Então,
me preparei e reuni muitos dados sobre os membros da UNEAC, por províncias, o
número de mulheres, a faixa de gerações etc. Decorei tudo. No dia seguinte,
cheguei para a reunião com os nervos à flor da pele. Lembro-me da primeira
pergunta, uma vez que não sabia a resposta: “Quando metros quadrados tem o
pátio da sede da UNEAC?”. Meu secretário me deu uma cifra, evidentemente falsa,
e Fidel começou a rir. Creio que tenho o recorde nacional de equívocos com
Fidel, já que sempre dou dados errados para ele.
Tem sido um grande privilégio porque encontrei um homem
que tinha uma grande visão estratégica com uma paixão pelo detalhe. É capaz de
sintetizar o futuro da humanidade e, ao mesmo tempo, avaliar com grande
precisão cada detalhe.
OM: Qual
é a importância de Fidel Castro para a cultura cubana?
AP: Fidel é um intelectual brilhante, um grande leitor. Retamar me disse um dia que Fidel não lia José Martí, mas o respirava. Há uma grande articulação entre Martí e Fidel, ainda que sejam de épocas diferentes.
Lembro que, em 1994, em pleno Período Especial, com uma
crise econômica gravíssima, Fidel se reuniu conosco na UNEAC e disse: “O
primeiro que temos de salvar é a cultura”. Tinha seis horas de eletricidade por
dia. Foi um momento muito amargo, uma época muito difícil de um ponto de vista
material. Mas a prioridade era a cultura.
Fidel traçou uma política cultural muito diferente do
“realismo socialista” da Europa do Leste, muito aberta, muito unitária, com uma
implicação constante dos artistas de todas as gerações e de todas as
tendências. Essa política cultural nos salvou, já que nossos inimigos nunca
puderam contar com uma quinta coluna na intelectualidade cubana. Jamais houve
uma oposição intelectual em Cuba paga pelos Estados Unidos. O pensamento de
Fidel nos permitiu conceber uma política de cultura distanciada dos dogmas, das
exclusões, uma política cultural de vanguarda. Fidel sempre se aliou a uma
vanguarda intelectual de nosso país, a vanguarda artística de nossa nação.
Também fez com que essa vanguarda trabalhasse a favor da inclusão do povo na cultura.
Não se tratava de uma aliança elitista, mas de uma aliança integradora. Para
Fidel, a cultura é essencial para transformar as pessoas, para a emancipação
humana. Fidel dizia muito o seguinte: “Sem cultura, não existe liberdade
possível.”
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