Olá alunos,
A crise em São Paulo é, em parte, consequência da falta de água nas cabeceiras de rios que abastecem o Sistema Cantareira, mas a falta de chuva não explica a história sozinha. A postagem de hoje busca analisar os motivos que levaram a crise e possíveis medidas para soluciona-la.
A crise em São Paulo é, em parte, consequência da falta de água nas cabeceiras de rios que abastecem o Sistema Cantareira, mas a falta de chuva não explica a história sozinha. A postagem de hoje busca analisar os motivos que levaram a crise e possíveis medidas para soluciona-la.
Esperamos que gostem e participem.
Fellype Fagundes e Carlos Araújo
Monitores da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense
Fellype Fagundes e Carlos Araújo
Monitores da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense
Verão de 2015. As filas para pegar água se espalham por
vários bairros. Famílias carregam baldes e aguardam a chegada dos
caminhões-pipa. Nos canos e nas torneiras, nem uma gota. O rodízio no
abastecimento força lugares com grandes aglomerações, como shopping centers e
faculdades, a fechar. As chuvas abundantes da estação não vieram, as obras em
andamento tardarão a ter efeito e o desperdício continuou alto. Por isso, São
Paulo e várias cidades vizinhas, que formam a maior região metropolitana do
país, entram na mais grave crise de falta d’água da história.
O Brasil pede água
A cena não é um pesadelo distante. Trata-se de um cenário
pessimista, mas possível, para o que ocorrerá a partir de novembro. Moradores
de São Paulo sentem, hoje, o que já sofreram em anos anteriores cidadãos
castigados pela seca em Estados tão distantes quanto Rio Grande do Sul, Minas
Gerais e Pernambuco. A mistura de falta de planejamento, administração ruim,
eventos climáticos extremos e consumo excessivo ameaça o fornecimento de água
em cidades pelo Brasil todo. O episódio ensina lições aos governos. E exige
respostas para perguntas que todo cidadão deve fazer a si mesmo e aos
candidatos nas próximas eleições.
COMO A CRISE SURGIU?
A crise em São Paulo é, em parte, consequência da falta de água nas cabeceiras de rios que abastecem o Sistema Cantareira. Trata-se de um conjunto de represas responsável por abastecer 9 milhões de habitantes na Grande São Paulo. Todo esse sistema depende das chuvas do verão. Em anos normais, nos meses secos e frios, de junho a agosto, a precipitação é de menos de 150 milímetros. Isso é, normalmente, compensado no primeiro trimestre, que soma cerca de 600 milímetros. Desde o ano passado, as chuvas não vêm no volume esperado. “A maioria dos meses de 2013 já havia registrado níveis de pluviosidade abaixo da média dos últimos 30 anos”, diz o meteorologista Marcelo Shneider, do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). “A situação ficou pior a partir de outubro e novembro. Foi um clima anômalo em todo o Sudeste, não apenas na Cantareira.” Nos três primeiros meses de 2014, em vez dos esperados 600 milímetros, caíram menos de 300 milímetros.
O governo estadual põe a culpa na falta de chuva, mas ela não explica a história
sozinha. A estiagem deste ano apenas tornou evidente quanto o sistema é
frágil e quão escassa a água é, mesmo num país tropical. O Sistema Cantareira
existe desde a década de 1970. Ele retira água das bacias dos rios Piracicaba,
Capivari e Jundiaí. Em 2004, a Sabesp (empresa de abastecimento da capital e de
outras cidades) fez obras, aumentou o volume do Sistema Cantareira e renovou
sua autorização para administrá-lo. O governo estadual permitiu a retirada de
36.000 litros de água por segundo, a maior parte destinada à Grande São Paulo.
Esse volume de extração, segundo Antonio Carlos Zuffo, hidrólogo da Unicamp,
supera o recomendável para a capacidade das represas. “Quando a outorga foi
renovada, o governo subiu o volume de litros que poderia ser retirado com a
condição de que fossem feitas mais obras para aumentar a capacidade de
armazenamento das represas. E elas não ocorreram no ritmo previsto”, afirma.
A renovação da outorga previa a revisão de estudos hidrológicos, a criação de um plano de contingência para situações emergenciais e ações para reduzir a dependência que São Paulo tem do Sistema Cantareira. Nem todas as ações planejadas foram colocadas em prática. O problema chamou a atenção do Ministério Público. A promotora Alexandra Martins acredita que o poder público não deu a devida atenção ao caso.
A renovação da outorga previa a revisão de estudos hidrológicos, a criação de um plano de contingência para situações emergenciais e ações para reduzir a dependência que São Paulo tem do Sistema Cantareira. Nem todas as ações planejadas foram colocadas em prática. O problema chamou a atenção do Ministério Público. A promotora Alexandra Martins acredita que o poder público não deu a devida atenção ao caso.
“Detectamos uma série de problemas no cálculo
da destinação de água a cada área. A população cresceu muito e o volume não foi
ampliado nos últimos 30 anos”, diz. Questionada por ÉPOCA, a Sabesp respondeu
que fez as obras necessárias.
Lição: não permitir que as obras parem. Para financiá-las, muitos países definem multas para quem polui ou consome em excesso. A Sabesp defende a isenção de impostos para empresas que invistam na manutenção e expansão do sistema de abastecimento. Parcerias público-privadas podem ser usadas para obras de esgoto e fornecimento de água.
Lição: não permitir que as obras parem. Para financiá-las, muitos países definem multas para quem polui ou consome em excesso. A Sabesp defende a isenção de impostos para empresas que invistam na manutenção e expansão do sistema de abastecimento. Parcerias público-privadas podem ser usadas para obras de esgoto e fornecimento de água.
COMO A CRISE PODERIA SER EVITADA?
São Paulo já passou por momentos climáticos extremos antes.
Em 2004, o nível do reservatório do Sistema Cantareira ficou abaixo dos 30%. A
Sabesp iniciou então um racionamento de água por rodízio de bairros. Fez obras
para acessar o que era, até aquele momento, uma reserva de emergência. Trata-se
da água que fica abaixo do ponto de captação nos reservatórios, conhecido pelo
termo “volume morto”. Nos anos seguintes, por sorte, os reservatórios voltaram
a encher.
Em 2011, experimentamos o extremo oposto. Fortes chuvas
atingiram a região. As comportas dos reservatórios precisaram ser abertas para
liberar o excesso de água. “Havia um nível superior a 100% no sistema, algo
nunca antes registrado”, diz Francisco Lahóz, secretário executivo do consórcio
PCJ (Consórcio Intermunicipal das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e
Jundiaí).
Lição: não
podemos mais desperdiçar chuvas como em 2011. As represas devem ser capazes de
armazenar mais água nos anos de abundância. Os sistemas devem prever alternâncias
mais extremas de chuvas e secas. Construtoras, fábricas e grandes edifícios têm
de adotar coleta da água da chuva.
COMO ENFRENTAMOS A ESCASSEZ?
O consórcio de águas PCJ escreveu os “25 mandamentos da estiagem”, em fevereiro. O documento vem inspirando medidas de reação à seca. Duas cidades, Valinhos e Vinhedos, decretaram racionamento. As regiões de Campinas e Americana adotaram multas para os gastadores. Prefeituras têm cadastrado os caminhões-pipa. “São Paulo ainda tem outras opções de reservatórios, caso o volume morto do Cantareira seque. A região do PCJ não tem”, diz Lahóz.
Em São Paulo, a Sabesp tomou quatro medidas emergenciais
para evitar o racionamento: redução de tarifa para quem reduzir em 20% o
consumo; obras que trazem águas de outras represas (do Sistema Alto Tietê e de
Guarapiranga); a instalação de 17 bombas flutuantes, que extraem água do volume
morto; e uma campanha nas rádios e TVs, para convencer a população a economizar
água. A quantidade de água retirada dos reservatórios do Sistema Cantareira
caiu de 31.000 litros de água por segundo, antes da crise, para 23.000 litros
por segundo, em maio. De acordo com Ivanildo Hespanhol, diretor do Centro
Internacional de Referência em Reúso da Água, as medidas emergenciais são
boas, mas insuficientes para lidar com o problema no longo prazo.
Lição: crises de abastecimento
de água envolvem várias cidades. Elas ocorrerão. Os comitês de gestão de bacias
têm de funcionar de verdade. O “empréstimo” de água entre Estados, como o
solicitado por São Paulo ao Rio em abril, tem de ser regulamentado. O Estado
doador deve ser compensado.
O QUE ACONTECERÁ?
Os modelos de meteorologia não conseguem mostrar, com
precisão, como será o próximo verão nas nascentes do Sistema Cantareira. O mais
provável, pelos dados atuais, é que chova algo abaixo da média.
Nesse cenário,
o volume de água das represas se recupera um pouco, mas não passa dos 40%. Isso
evitará a situação de emergência no próximo verão, mas não afastará o problema
para os anos seguintes. A Sabesp precisará, portanto, manter os bônus para quem
economizar água e talvez aplicar multas a quem desperdiçar. Há também cenários
otimistas. A formação de um El Niño – um aquecimento cíclico das águas do
Oceano Pacífico com efeitos no mundo todo – poderia trazer mais chuvas para a
região. Isso já aconteceu no El Niño de 1982-1983. Mas é pequena a chance de
isso se repetir. Segundo Zuffo, da Unicamp, o Sistema Cantareira tem condições
de se recuperar da seca prolongada se o regime de chuvas normalizar nos
próximos cinco a dez anos. “Se chover, e se o consumo não for maior do que o sistema
aguenta, os reservatórios conseguem se recuperar a uma taxa de 10% a 20% ao
ano”, diz. “Se não chover, o abastecimento será comprometido. Enfrentamos um
risco grande.” E mais: no ritmo atual, em 30 anos São Paulo precisará de mais
25.000 litros de água por segundo – praticamente um novo Sistema Cantareira.
Lição: as
autoridades podem tornar o consumo mais racional por meio de campanhas. É
recomendável dar bônus e descontos que compensem a compra de equipamentos que
economizem água. A conta d’água pode também mostrar aos perdulários que eles
gastam mais que a média das famílias da mesma área ou do mesmo tamanho.
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