Olá alunos,
Há mais de 70 anos Getúlio Vargas assinou o Decreto-Lei nº 5452, de criação da Consolidação das Leis do Trabalho. A CLT regulamentou o salário mínimo, as férias anuais, o descanso semanal e outros benefícios à classe trabalhadora. Atualmente, entidades empresariais pressionam no Congresso pela aprovação do Projeto de Lei nº 4330, de acolhimento da terceirização
em todas as atividades dos setores privado e público. A postagem de hoje busca analisar os impactos que a aprovação desse Projeto de Lei teria sobre os direitos trabalhistas e a economia.
Agradecemos a sugestão dessa notícia, que foi enviada pelos alunos (Matheus Baldi, Francine Neves, Carolina
Barroso, Heloisa Pacheco, Larissa Luz, Vinícius Sandes) da turma T1 do primeiro período da Faculdade de Direito da UFF.
Esperamos que gostem e participem.
Fellype Fagundes e Carlos Araújo
Monitores da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense
O auxiliar de limpeza Anderson Baptista, pai de três filhos
com idades entre 6 e 15 anos, não quer mais fazer parte de uma empresa
terceirizada, condição de 12 milhões de trabalhadores formais no Brasil, o
equivalente a 25% do total. Uma decisão tomada há três anos, quando foi
contratado diretamente pela administração de um edifício comercial em São
Paulo. Antes, passou por três empresas terceirizadas, além de frigoríficos e
construtoras. “Prefiro fazer bico a voltar para esse mercado”, afirma.
Hoje ganha 1.080 reais (270 reais acima do salário mínimo), mais 400 reais em
benefícios e horas extras por plantões aos sábados. Em 2007, exerceu a mesma
função em uma terceirizada. Recebia um salário mínimo e um vale-cesta de 90
reais, sem possibilidade de fazer horas extras. Sempre havia serviço além do
contratado e o pagamento às vezes atrasava. “Não vale a pena. Além de pagarem
mal, demitem a todo momento.” O novo emprego permitiu-lhe pagar um curso de cabeleireiro
para a esposa, dona de casa e disposta a montar um negócio próprio. Ele pensa
em concluir os estudos, interrompidos no ensino médio, e estudar inglês e
alemão.
A mudança profunda nas suas condições de vida foi possibilitada
pelo seu ingresso na parte que melhor representa o mundo criado pelo presidente
Getúlio Vargas, há mais de 70 anos. Em 1º de maio de 1943, no Rio de Janeiro,
em um Estádio de São Januário repleto de trabalhadores, Vargas assinou o
Decreto-Lei nº 5452, de criação da Consolidação das Leis do Trabalho,
sistematização e unificação da legislação trabalhista a partir de 1930. Um
“inegável avanço em relação ao período republicano anterior, no qual as
relações entre capital e trabalho eram encaradas como uma questão de polícia e
os empregados ficavam à mercê das arbitrariedades dos patrões, sem praticamente
nenhuma legislação que lhes assegurasse os direitos básicos”, escreve o
historiador Lira Neto na biografia Getúlio. A CLT regulamentou o salário
mínimo, as férias anuais, o descanso semanal e outros benefícios à classe
trabalhadora. O instrumento contribuiu para a sustentação política de Vargas e
constituiu o seu “legado simbólico mais eloquente”, até hoje de pé. A
normatização permitiu regulamentar as relações entre o capital e o trabalho em
um período de expansão da indústria e aumento do número de operários e
comerciários a partir da criação das estatais Companhia Siderúrgica Nacional e
Vale do Rio Doce, grandes fornecedoras do setor manufatureiro, às quais se
somaria a Petrobras, instituída em 1951.
Hoje há 48,9 milhões de
trabalhadores formais no País, segundo a Relação Anual de Informações Sociais
do Ministério do Trabalho em 2013. A parcela de 25% de terceirizados recebe
salários inferiores àqueles dos contratados diretos para as mesmas funções, tem
menos benefícios, está mais sujeita a acidentes, à violação de direitos
trabalhistas e ao trabalho em condições análogas às da escravidão. A forte
pressão empresarial para ampliar o uso de terceirizados põe tudo em risco. Para
o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Luiz Philippe Vieira de
Mello Filho, “franquear a terceirização é desconstruir todo o sistema
trabalhista”, parte integrante da democracia brasileira.
Segundo levantamento da CUT e do Dieese, em 2010 os
terceirizados recebiam em média 27% a menos do que os contratados diretos para
exercer funções semelhantes, tinham uma jornada semanal 7% maior e permaneciam
menos tempo no mesmo trabalho (em média 2,6 anos, ante 5,8 anos para os trabalhadores
diretos). Em sondagem da CNI, 60% das empresas dizem oferecer aos terceirizados
e aos contratados o mesmo tratamento.
Dos 40 maiores resgates de trabalhadores em
condições análogas à escravidão nos últimos quatro anos, 36 envolviam empresas
terceirizadas, segundo levantamento do cientista social Vitor Filgueiras, do
Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp. Doenças e
mortes entre terceirizados são mais frequentes. Na construção de edifícios, com
mortalidade duas vezes superior à média em acidentes de trabalho, 55,5% dos
óbitos foram de terceirizados em 2013. A causa não seria a terceirização, mas
falhas na fiscalização, dizem os empresários. “A terceirização benfeita evitará
a precarização”, diz Romeu Camargo, assessor jurídico da Federação do Comércio
de São Paulo. Cerca de 75% das empresas dizem fiscalizar o cumprimento do
pagamento de encargos trabalhistas e das normas de saúde e de segurança das
terceirizadas.
Desde 1993, a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho restringe o trabalho temporário
aos serviços de vigilância e limpeza e a funções não relacionadas às principais
atividades das empresas. Descumprir a lei custa indenizações milionárias às
companhias, que reclamam de insegurança jurídica e de falta de clareza na
definição dos conceitos de atividades-fim e meio. Há 17 mil processos contra
terceirizadas em andamento na Justiça do Trabalho. “Existe uma cultura do
‘garantismo’ legal, mas precisamos privilegiar a negociação. Temos uma
legislação fomentadora de conflitos”, diz Alexandre Furlan, vice-presidente da
Confederação Nacional das Indústrias.
A articulação de entidades empresariais para derrubar as
limitações à contratação de terceirizados ganhou força nos anos 1990, com o
avanço do neoliberalismo e das propostas para reduzir custos e desregulamentar
o trabalho. O Enunciado 256 do TST, vigente até 1993, proibia a terceirização
no País e a Súmula 331 foi considerada um retrocesso pelo movimento sindical.
Diante da ofensiva do setor empresarial, hoje os sindicatos lutam para manter a
Súmula e garantir um limite.
Mais de dois terços das
indústrias contrataram serviços terceirizados nos últimos três anos, segundo
sondagem da Confederação Nacional da Indústria. Montagem e manutenção de
equipamentos, logística e segurança são os serviços mais terceirizados e 84%
das empresas pretendem manter ou aumentar o seu uso nos próximos anos.
A batalha para avançar na liberação sofreu
revezes no TST e no Congresso, onde as entidades empresariais tentam aprovar o
Projeto de Lei nº 4330, do deputado peemedebista e empresário Sandro Mabel, de
acolhimento da terceirização em todas as atividades dos setores privado e
público. A sua votação foi suspensa no fim do ano passado por pressão do
movimento sindical e do TST. A proposta provocará uma “gravíssima lesão” de
direitos contra os trabalhadores, argumentaram 19 dos 26 ministros da Corte em
documento enviado ao autor do projeto. Mabel desconsiderou a ponderação dos
ministros e prometeu publicamente ao empresariado colocar o projeto em votação
logo após as eleições.
A terceirização, segundo a CNI,
faz parte de uma tendência mundial e é essencial para o ganho de produtividade
e competitividade. “Nos anos 90, os projetos neoliberais no Brasil falavam em
ampliar as possibilidades de terceirização para gerar empregos. A ampliação não
ocorreu, mas o emprego aumentou. Agora adotam uma nova justificativa, a do
aumento da produtividade. É uma nova mentira”, rebate Magda Biavaschi,
pesquisadora do Cesit e integrante do Fórum Nacional em Defesa dos
Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização. Na América do Sul,
diferentemente do Brasil, a maioria dos países regulamentou a terceirização em
lei e estabeleceu a responsabilidade solidária das empresas contratantes. Aqui,
a responsabilidade é subsidiária e, portanto, recai sobre a companhia
contratada, quando há condenação.
Um fato novo aumentou a esperança dos
empresários na liberação da terceirização. Pela primeira vez, o assunto está
nas mãos do Supremo Tribunal Federal, encarregado de apreciar o recurso da
fabricante de celulose Cenibra, de Minas Gerais, contra a decisão da Justiça do
Trabalho de condená-la a pagar 2 milhões de reais por terceirização ilegal. A
condenação baseou-se em uma denúncia do Ministério Público do Trabalho e do
Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Extrativas de Guanhães, de
terceirização nas atividades de florestamento e o reflorestamento, ligadas à
operação principal da empresa.
O ministro Luiz Fux, relator, no início
rejeitou o recurso da Cenibra e a decisão foi mantida em agravo regimental. Em
seguida, após apreciar embargos declaratórios, modificou radicalmente o seu
entendimento e acolheu o recurso empresarial. O assunto seguiu para exame da
existência de repercussão geral (indispensável ao julgamento dos recursos
extraordinários), situação em que a decisão a ser tomada pela Corte deve ser
aplicada a todos os casos em tramitação na Justiça. A maioria dos ministros
considerou existente a repercussão geral, com votos contrários de Rosa Weber,
Teori Zavascki e Ricardo Lewandowski. O processo aguarda parecer da
Procuradoria-Geral da República e mobiliza, de um lado, inúmeras entidades de
classe e sindicais preocupadas com os efeitos de uma possível aceitação
definitiva do recurso e, na posição oposta, entidades empresariais, como a CNI,
interessadas na ampliação das hipóteses de terceirização para reduzir os custos
salariais.
Em reforço à ofensiva empresarial contra os direitos trabalhistas, foi proposta a Arguição
de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 324. Nela, a Associação
Brasileira do Agronegócio pede a suspensão do andamento de qualquer processo em
curso na Justiça do Trabalho em que se discuta a legalidade da terceirização
empreendida por empresário. Caberá ao ministro Luís Roberto Barroso a relatoria
da ação, contestada pela Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho e à
espera de um parecer da Procuradoria-Geral da República.
“O que está em debate é a destruição ou a
preservação de tudo o que construímos nos últimos cem anos de lutas trabalhistas
no Brasil”, diz a secretária da CUT Maria das Graças Costa. Entidades
sindicais, organizações de juristas do trabalho e instituições acadêmicas
solicitaram uma audiência pública que deve ser agendada nas próximas semanas.
Marina Silva foi a única entre os candidatos à Presidência a
defender de modo explícito a posição empresarial. “A terceirização de
atividades leva à maior especialização produtiva, à maior divisão do trabalho
e, consequentemente, à maior produtividade das empresas... Há no Brasil um viés
contra a terceirização”, lê-se em seu programa de governo. Em 1998, o então
presidente Fernando Henrique Cardoso, do partido do candidato Aécio Neves,
enviou ao Congresso um projeto de lei para acabar com as restrições ao trabalho
terceirizado, engavetado em 2003, na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva. A
candidata à reeleição, Dilma Rousseff, em encontros recentes com sindicatos,
manifestou-se contrária à retirada de qualquer conquista trabalhista, mas a CUT
cobra uma formalização do compromisso.
Para a pesquisadora Magda Biavaschi, a
proposta de Marina Silva é radical e prevê a retirada da responsabilidade da
Justiça do Trabalho para arbitrar sobre as normas das relações entre
empregadores e empregados. Marina defende a fiscalização do cumprimento das normas
pelos sindicatos, “mas com a terceirização sem limites, os patrões escolherão
com quais sindicatos vão negociar”.
No setor público, o maior
problema está relacionado à inadimplência das terceirizadas com os
trabalhadores ao fim do contrato. A exigência da licitação pelo menor preço
leva à contratação de empresas frágeis financeiramente. De acordo com o
Sindicato dos Vigilantes da Bahia, em um caso há mais de 5 mil trabalhadores
que reclamam uma dívida do governo do estado, de 15 mil reais por funcionário.
Para coibir os calotes, o Distrito Federal, a Bahia e o governo federal
assinaram medidas para obrigar a retenção dos valores relacionados ao pagamento
dos direitos trabalhistas em uma conta que a terceirizada não pode movimentar
sem a autorização do contratante.
Amado e combatido há mais de meio século, o legado getulista
está nas mãos dos ministros do STF.