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domingo, 21 de setembro de 2014

Os emergentes vão liderar?




Olá alunos,

A
narrativa sobre a evolução histórica da economia mundial tem sido dominada pela perspectiva dos países ricos. A postagem de hoje expõe uma entrevista com o economista Deepak Nayyar, que lançou o livro "A Corrida pelo Crescimento" buscando expor uma versão da história econômica a partir do ponto de vista dos países colonizados.

Esperamos que gostem e participem.

Fellype Fagundes e Carlos Araújo
Monitores da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense

A Ásia, a África e a América Latina devem recuperar até 2030 a relevância econômica que tinham no início do século XIX. Em 60 anos, os chamados países em desenvolvimento reverteram parte dos estragos causados pelo colonialismo. Sua forma britânica, em especial na era vitoriana, foi em grande parte responsável pela perda de participação da China e da Índia na economia internacional nos dois últimos séculos. Em 1820, os chineses respondiam por um terço das riquezas globais, mais do dobro da participação atual. Após a Segunda Guerra Mundial, sua parcela caiu para 4,6%. A Índia apresentou queda de 16% para 4,2% no mesmo período. E há 50 anos a contribuição da América Latina para o PIB do planeta permanece estável, próxima de 8%.

O percurso de ascensão, queda e recuperação dos países atualmente chamados de emergentes é descrito com minúcias pelo economista Deepak Nayyar, da Universidade de Nova Délhi, em seu livro A Corrida pelo Crescimento, lançado no Brasil pela Editora Contraponto. Na entrevista a seguir, Nayyar expõe sua busca por uma versão da história econômica a partir do ponto de vista dos países colonizados. Embora lembre que esses jamais terão as vantagens decisivas das antigas metrópoles para se tornar motores do crescimento econômico mundial, elogia ações como a criação do Banco de Desenvolvimento dos BRICS e a postura dos emergentes diante da crise econômica global, além de expor as razões para a queda do crescimento do grupo nos últimos anos. Em relação à economia brasileira, defende a necessidade de uma mudança estrutural para elevar a participação do setor manufatureiro no PIB, mas vê o País forte após a crise. “É preciso moderar, inclusive corrigir, o pessimismo em relação ao Brasil.”

CartaCapital: Em "A Corrida pelo Crescimento", o senhor decide analisar um longo período histórico, entre o século XI e o XXI, para descrever a ascensão, a queda e a recuperação da Ásia, África e América Latina na economia mundial. Quais os motivos para um panorama tão amplo?

Deepak Nayyar: O livro esboça esse panorama amplo, mas o foco está na segunda metade do século XX e na primeira década do século XXI. Foi fundamental essa perspectiva de longa duração para destacar a importância esmagadora desses países no mundo por mais de mil anos. Por muito tempo, a narrativa sobre a evolução histórica da economia mundial tem sido dominada pela perspectiva dos países ricos na Europa Ocidental e na América do Norte. O entendimento convencional desse processo foi quase integralmente eurocêntrico. Este livro oferece uma análise do processo a partir da perspectiva de Ásia, África e América Latina. Ao fazê-lo, expõe uma história não contada. 

CC: Desde 1970, Ásia e África apresentaram um crescimento significativo de seus respectivos setores industriais, enquanto no Brasil e nos demais países latino-americanos houve um processo de desindustrialização. A dificuldade de estimular o setor explica o modesto crescimento na América Latina, se comparado ao de outros emergentes?

DN:  Existem diferenças significativas entre as regiões. A Ásia testemunhou uma mudança estrutural. No mesmo período, a parcela da agricultura no PIB caiu 23%, a da indústria subiu 10% e a dos serviços cresceu 13%. Na América Latina e no Caribe, a parcela do setor primário caiu 6%, mas a da indústria também, com queda de 3%. O setor terciário cresceu 9%. Não é uma surpresa que a região tenha testemunhado uma desaceleração em seu crescimento e tenha experimentado alguma desindustrialização. Minha impressão é de que o Brasil saiu-se melhor em comparação às outras economias latino-americanas e à África, mas não tão bem quanto a Ásia. A moral da história para o Brasil é clara: incentivar uma mudança estrutural que eleve a participação do setor manufatureiro na produção e no emprego, o que permitirá um crescimento produtivo e reforçará o desenvolvimento. 

CC: O Brasil e a América Latina devem emular as estratégias de crescimento de China e Índia? 

DN: Cada país tem uma trajetória histórica. Alguns dependem de commodities e recursos naturais como base de seu sistema manufatureiro, caso do Brasil e da Argentina, enquanto outros de uma mão de obra barata, entre eles China e Índia. O Brasil é um país marcado por apoio estatal e abertura moderada ao mercado externo, enquanto a China e a Índia são países intervencionistas, com abertura controlada. O Brasil é diferente em seus contextos geográfico e econômico. Por isso, não deve buscar emular o caminho dos asiáticos. Ele pode aprender com a experiência asiática, mas os asiáticos também podem aprender com a brasileira. 

CC: O setor primário perdeu espaço nas economias latino-americanas, mas o agrobusiness desenvolveu-se no Brasil. Atualmente, corresponde a quase 23% do PIB do País. O foco na exportação de commodities traz riscos? 

DN: É essencial moderar, inclusive corrigir, o pessimismo em relação ao Brasil. Em perspectiva histórica, o que falo torna-se óbvio. Entre 1820 e 1950, a América Latina foi a exceção. A participação da região na economia global pulou de 2,5%, em 1870, para 7,5%, em 1950. É importante notar: durante o século XIX, enquanto os asiáticos eram colonizados, os latino-americanos iniciaram seus processos de independência. A mistura de forças tecnológicas, econômicas e políticas era de tal forma que a América Latina permanecia, no entanto, presa à divisão internacional do trabalho, ao exportar commodities para a Europa e importar bens manufaturados. Desde 1950, a industrialização acelerou-se na região. O Brasil foi importante parte desse processo. O “milagre brasileiro” era visto como uma história de sucesso. Mas essa interpretação ruiu em 1980. O Brasil passou por crises de endividamento e turbulência macroeconômica nas décadas de 1980 e 1990. A recuperação significativa ocorreu apenas a partir dos anos 2000. Em 2010, o Brasil estava entre os cinco primeiros países do mundo em desenvolvimento, em termos de PIB, população, industrialização e engajamento com a economia mundial. Se o agrobusiness constitui um quarto do PIB, é uma boa notícia. É natural que, no Brasil, o setor manufatureiro seja baseado em commodities e recursos naturais. O agrobusiness é uma parte da industrialização e do processo de desenvolvimento. Dependência em commodities não processadas, aí sim, cria risco e vulnerabilidade. 

CC: Em seu livro, o senhor afirma que a menor turbulência dos BRICS após a crise de 2008 deveu-se às condições iniciais, entre elas a estabilidade macroeconômica, o maior controle interno do sistema financeiro, as redes de seguridade social e o potencial de expansão do consumo. A recuperação, por sua vez, teria sido rápida em razão da adoção de políticas expansionistas, anticíclicas. Apesar da resistência inicial dos emergentes à crise, o crescimento tem esfriado consideravelmente desde então. Como podemos explicar essa desaceleração?

DN: Ela é em parte motivada pela “Grande Recessão” ainda persistente nos países industrializados, como mostra a queda das exportações da China para os Estados Unidos. A desaceleração nos outros grandes países em desenvolvimento foi, porém, motivada em parte por seus próprios erros. Políticas macroeconômicas voltaram a ser pró-cíclicas. Taxas de juro altas sufocaram o investimento privado, enquanto tentativas de reduzir o déficit fiscal espremeram o investimento público e limitaram a demanda interna, o que enfraqueceu o crescimento. Taxas de câmbio altas, para preservar o financiamento dos déficits em conta corrente, afetaram a performance das exportações negativamente.  Em agosto de 2013, o Morgan Stanley definiu o Brasil, a Índia, a Indonésia, a África do Sul e a Turquia como os Cinco Frágeis. Pouco depois, a Fidelity, instituição financeira de Boston, criou um novo acrônimo para países promissores: MINT, relativo a México, Indonésia, Nigéria e Turquia. O interessante é que Indonésia e Turquia estão em ambos os grupos. Tal pensamento, está claro, é enquadrado em uma perspectiva de curto prazo. Não é surpresa, pois vem de analistas do mercado financeiro. Em uma perspectiva de longo prazo, esse pensamento é inapropriado, se não enganoso. Os países em desenvolvimento têm um forte potencial de longo prazo. 

CC: O sistema de Bretton Woods é obsoleto? 

DN: O FMI e o Banco Mundial foram criados 70 anos atrás. O mundo mudou muito desde então. As instituições de Bretton Woods também mudaram, mas para pior. Suas preocupações tornaram-se mais estreitas com a passagem do tempo. As estruturas de governança internacional precisam ser democratizadas, em particular nos sistemas de votação. Além disso, os pares de Breton Woods deviam praticar aquilo que pregam em termos de transparência e confiabilidade. Acima de tudo, as instituições precisam começar a colocar em dúvida sua crença a respeito da mágica do mercado e reconhecer a importância das ações de instituições públicas no processo de desenvolvimento. Tal mudança será possível apenas se os países em desenvolvimento começarem a exercer sua influência em conformidade com sua parcela muito maior no PIB mundial. 

CC: Como o senhor avalia a criação do Banco de Desenvolvimento dos BRICS?

DN: Os BRICS possuem um potencial considerável na articulação de uma voz coletiva para influenciar as instituições multilaterais, entre elas o FMI, o Banco Mundial e a OMC, assim como as Nações Unidas. Tal cooperação ainda não se aprofundou, ou por esses países ainda não terem reconhecido seu potencial para exercer uma influência coletiva ou pela relação entre eles ser caraterizada por rivalidade econômica e política. O espírito de solidariedade entre países em desenvolvimento precisa ser preservado. A decisão recente de criar o Banco de Desenvolvimento é o passo mais importante em direção a esse caminho. Será motivo de celebração se a instituição ofertar linhas de financiamento aos países pobres em termos melhores e diferentes daquelas do FMI e do Banco Mundial. Seria então uma alternativa genuína e não simplesmente um substituto ou um complemento. É essencial para os BRICS preservar a igualdade entre os países fundadores e promover parcerias com os outros emergentes, para que as estruturas e os métodos de governança permaneçam democráticos. Há o perigo de a instituição evoluir da mesma forma que o Banco Mundial e basear seu apoio em mecenato e condições. 

CC: Os países em desenvolvimento, afirma o senhor, não são capazes atualmente de liderar a recuperação da economia mundial. Esse prognóstico também vale para as próximas décadas?

DN: Muitos desses países têm déficits na balança comercial e nas contas correntes. A China é uma exceção. Em teoria, o país poderia estimular o crescimento em outros lugares se forçasse uma redução de seu superávit comercial. Ainda assim, essa transformação não seria suficiente. Está claro que nenhum desses países pode liderar a recuperação da economia mundial nem mesmo como mercado de exportação, muito menos garantir recursos para investimento, financiamento ao desenvolvimento e tecnologias para aumentar a produtividade, como o Reino Unido fez no século XIX e os Estados Unidos no século XX. A recuperação da economia mundial, a médio prazo, depende do ritmo da recuperação no mundo industrializado, particularmente nos EUA. Tomadas em conjunto, as nações em desenvolvimento podem constituir-se um complemento, não substituto, dos velhos motores de crescimento em desaceleração. A longo prazo, a situação pode mudar, especialmente a partir de 2030, quando os emergentes devem se aproximar da importância que tinham em 1820.

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