Olá alunos,
Hoje exploraremos um tema que diz respeito à abordagem de Direito & Economia: a relação entre justiça e eficiência. O autor do texto elucida como uma categoria essencialmente econômica - eficiência - pode orientar decisões jurídicas.
Esperamos que gostem e participem.
Lucas Dadalto e Silvana Gomes
Monitores da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense
O que a justiça tem a ver com a
eficiência? Aqui pretendo esboçar em poucas linhas os contornos de uma resposta
minimamente satisfatória. Parto de duas ideias. Em primeiro lugar, regras
justas são, em geral, também eficientes. Em segundo, o desperdício de recursos
é no mínimo indesejável, razão pela qual há algo de intuitivo no emparelhamento
entre eficiência (que corresponde à ausência de desperdício) e justiça. Nas
sociedades modernas, a articulação do justo é em boa parte mediada por relações
jurídicas e pela solução de controvérsias pelo Poder Judiciário. Assim,
sustento que o critério eficiência tem uma relação de médio alcance com o
Direito: não é certamente o critério fundamental para definição do justo
jurídico; contudo, também não deve ser visto como uma ponderação irrelevante.
Muitas das nossas intuições sobre
noções de justiça podem ser igualmente explicadas sob a ótica da busca pela
eficiência. Pensemos, por exemplo, no princípio de que "a punição deve ser
proporcional ao crime". Este princípio, além de justo, é também eficiente.
Vejamos o porquê. Dado que a pena máxima no Brasil é de 30 anos de reclusão,
pergunta-se: por que não estabelecer a pena de 30 anos para o crime de roubo?
Afinal, os índices de roubo no Brasil são muito elevados. Não seria, portanto,
eficiente estabelecer a pena máxima a fim de dissuadir as pessoas de praticarem
esses crimes?
A resposta é negativa. Se o roubo
for punido com pena de 30 anos, não será possível estabelecer uma pena adequada
para o crime de latrocínio. Afinal, a pena máxima que se poderá aplicar ao
latrocínio será a de 30 anos. O problema é que se o roubo e o latrocínio
tiverem ambos a mesma pena, o que fará um ladrão após roubar sua vítima?
Possivelmente, uma maior quantidade deles decidirá matar a vítima após a
realização do roubo; afinal, com a "queima de arquivo", diminuirão as
chances de que sejam capturados e condenados. Isso quer dizer que é eficiente –
não apenas justo, mas também eficiente – impor uma pena ao latrocínio que seja
mais alta do que a pena imposta ao roubo. Dito de outra forma: por que as penas
devem ser proporcionais ao crime? Não apenas por uma questão de justiça, mas
também por uma questão de eficiência.
A discussão do eficiente, porém, não
substitui a discussão do justo. Tomemos por exemplo a discussão a respeito dos
custos de preservação de vidas humanas. Nenhuma sociedade, nem mesmo as mais
desenvolvidas sociedades ocidentais, estão comprometidas com a preservação da
vida a qualquer custo. Há muitas atividades (na verdade, a maioria delas) que,
ao menos estatisticamente, certamente causarão a perda de vidas. Para ficarmos
com o exemplo clássico de Guido Calabresi, "construímos um túnel sob o
Mont Blanc porque ele é essencial para o Mercado Comum Europeu e diminui o
tempo de viagem de Roma a Paris, ainda que saibamos que morrerá aproximadamente
um homem por quilômetro construído de túnel".
A noção de que não estamos dispostos
a preservar vidas a qualquer custo é tão perturbadora quanto realista. Usamos
equipamentos relativamente seguros ao invés do equipamento mais seguro
imaginável, porque o mais seguro de todos custa muito caro; e não se trata,
necessariamente, de um mau motivo. Aliás, a própria contratação pelo Estado de
um policial que enfrenta o crime diariamente sugere que a sociedade está
disposta a sacrificar algumas vidas (porque é certo que alguns policiais
morrerão) para atingir alguma forma de paz social (e no fim das contas, para
evitar um número ainda maior de mortes).
Mas será que, sendo baixo o custo em
vidas para a construção do túnel sob o Mont Blanc, a sociedade deve considerar
justa a autorização de sua construção? Ou, em termos mais abrangentes: será que
tudo que é eficiente é também justo? Calabresi propôs como resposta um sonoro
"não". A construção do direito sugere uma forma de ética pública,
porque o direito está interligado com a justificação de ações tomadas no
domínio público. Assim, por exemplo, a discussão sobre a legalização do aborto,
das drogas, da clonagem de seres humanos, do casamento homossexual, da pena de
morte – enfim, dos grandes dilemas normativos modernos – não se limita ao
cálculo dos seus custos e benefícios. Tais dilemas se prestam à determinação
política e devem ser decididos por meio dos sistemas políticos adotados pela
sociedade.
Conclusão: a questão não é saber se
eficiência pode ser igualada à justiça; ela não pode. A questão é saber como a
construção da justiça pode se beneficiar da discussão de prós e contras, custos
e benefícios, e incentivos postos pelo sistema jurídico. A análise dos
incentivos postos pela legislação é onde pode começar a discussão do justo;
certamente não onde ela acaba. Grandes dilemas normativos se prestam à
determinação política e devem ser decididos através dos sistemas políticos
adotados pela sociedade. Contudo, noções de justiça – e construções jurídicas –
que não levem em conta as prováveis consequências de suas articulações práticas
são incompletas.
O desafio é, portanto, enriquecer o
debate jurídico integrando a discussão da eficiência na discussão do justo.
Decisões que sopesem vidas humanas e valores culturais contra custos e
conveniência não são exclusivamente monetárias; contudo, tampouco são
exclusivamente morais. A ética dos meios e a ética das consequências convivem
inevitavelmente no seio da formação de consensos políticos modernos. Para o bem
e para o mal.
As obras da disciplina chamada
"Direito e Economia" (Law and Economics) compreendem a vanguarda do
pensamento sobre a relação entre justiça e eficiência. Parcela considerável dos
estudantes, profissionais e pesquisadores do Direito que tenha qualquer nível
de familiaridade com o Direito e Economia acredita que a disciplina se proponha
a dar respostas definitivas para dilemas normativos. Estas pessoas acreditam,
erradamente, que a disciplina contenha um conjunto de predicados (
"receitas de bolo") que conduzam necessariamente a modelos do tipo
"juízes e legisladores devem adotar a regra X na situação Y, porque esta é
a solução eficiente e correta para o problema Z". Guido Calabresi há muito
observou que a hipótese de que o Direito e Economia possa dar respostas
definitivas para os dilemas normativos é "ridícula".
Ao contrário, os estudos em Direito
e Economia servem, dentre outras coisas, para definir a justificativa econômica
da ação pública, para analisar de modo realista as instituições jurídicas e
burocráticas e para definir papéis úteis para os tribunais dentro dos sistemas
modernos de formulação de políticas públicas. A análise econômica desempenha um
papel importante, embora limitado, no discurso jurídico. Ainda que longe de ser
a pedra de toque para a aferição do justo jurídico, a discussão dos impactos
econômicos das posturas, regras e parâmetros jurídicos é uma consideração que
está igualmente longe de ser irrelevante.
Todos os profissionais do Direito
dão grande importância às consequências práticas da aplicação da lei. Não faz
sentido desarticular a construção do direito de suas consequências práticas.
Fiat justitia, ruat coelum (faça-se justiça nem que caiam os céus), gritam
alguns. Mas parece-me que quem sustenta tal ordem de ideias geralmente está bem
certo de que, ao final, os céus ou não cairão, ou cairão apenas sobre as
cabeças dos seus adversários.
É raro que as pessoas saibam relacionar Economia a Direito. Principalmente nós, alunos do primeiro semestre. Mas, cada vez mais, fica difícil desvincular esses dois fenômenos em contextos atuais.
ResponderExcluirA ideia da busca por justiça ser paralela à busca por eficiência em algum nível - mesmo que a Justiça seja e mostre ser alvo de pesquisa interminável em suas definição e aplicação - muito me empolga.
Só gostaria de saber, se possível, se o autor trata do tema com base em referências brasileiras apenas, ou se também é fato que a relação entre eficiência e justiça ainda é negligenciada como fator de pesquisa em outros países. Obrigado.
O autor aborda o fenômeno da relação entre justiça e eficiência a partir de um prisma comum, não restringindo apenas ao Brasil. Mas, obviamente, alguns países como os EUA estão muito desenvolvidos no âmbito da pesquisa de Direito & Economia, enquanto outros apenas engatinham.
ResponderExcluir