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segunda-feira, 15 de julho de 2013

O que tem a justiça a ver com a eficiência?


Olá alunos,

Hoje exploraremos um tema que diz respeito à abordagem de Direito & Economia: a relação entre justiça e eficiência. O autor do texto elucida como uma categoria essencialmente econômica - eficiência - pode orientar decisões jurídicas.
Esperamos que gostem e participem.

Lucas Dadalto e Silvana Gomes
Monitores da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense

O que a justiça tem a ver com a eficiência? Aqui pretendo esboçar em poucas linhas os contornos de uma resposta minimamente satisfatória. Parto de duas ideias. Em primeiro lugar, regras justas são, em geral, também eficientes. Em segundo, o desperdício de recursos é no mínimo indesejável, razão pela qual há algo de intuitivo no emparelhamento entre eficiência (que corresponde à ausência de desperdício) e justiça. Nas sociedades modernas, a articulação do justo é em boa parte mediada por relações jurídicas e pela solução de controvérsias pelo Poder Judiciário. Assim, sustento que o critério eficiência tem uma relação de médio alcance com o Direito: não é certamente o critério fundamental para definição do justo jurídico; contudo, também não deve ser visto como uma ponderação irrelevante.

Muitas das nossas intuições sobre noções de justiça podem ser igualmente explicadas sob a ótica da busca pela eficiência. Pensemos, por exemplo, no princípio de que "a punição deve ser proporcional ao crime". Este princípio, além de justo, é também eficiente. Vejamos o porquê. Dado que a pena máxima no Brasil é de 30 anos de reclusão, pergunta-se: por que não estabelecer a pena de 30 anos para o crime de roubo? Afinal, os índices de roubo no Brasil são muito elevados. Não seria, portanto, eficiente estabelecer a pena máxima a fim de dissuadir as pessoas de praticarem esses crimes?

A resposta é negativa. Se o roubo for punido com pena de 30 anos, não será possível estabelecer uma pena adequada para o crime de latrocínio. Afinal, a pena máxima que se poderá aplicar ao latrocínio será a de 30 anos. O problema é que se o roubo e o latrocínio tiverem ambos a mesma pena, o que fará um ladrão após roubar sua vítima? Possivelmente, uma maior quantidade deles decidirá matar a vítima após a realização do roubo; afinal, com a "queima de arquivo", diminuirão as chances de que sejam capturados e condenados. Isso quer dizer que é eficiente – não apenas justo, mas também eficiente – impor uma pena ao latrocínio que seja mais alta do que a pena imposta ao roubo. Dito de outra forma: por que as penas devem ser proporcionais ao crime? Não apenas por uma questão de justiça, mas também por uma questão de eficiência.

A discussão do eficiente, porém, não substitui a discussão do justo. Tomemos por exemplo a discussão a respeito dos custos de preservação de vidas humanas. Nenhuma sociedade, nem mesmo as mais desenvolvidas sociedades ocidentais, estão comprometidas com a preservação da vida a qualquer custo. Há muitas atividades (na verdade, a maioria delas) que, ao menos estatisticamente, certamente causarão a perda de vidas. Para ficarmos com o exemplo clássico de Guido Calabresi, "construímos um túnel sob o Mont Blanc porque ele é essencial para o Mercado Comum Europeu e diminui o tempo de viagem de Roma a Paris, ainda que saibamos que morrerá aproximadamente um homem por quilômetro construído de túnel".
A noção de que não estamos dispostos a preservar vidas a qualquer custo é tão perturbadora quanto realista. Usamos equipamentos relativamente seguros ao invés do equipamento mais seguro imaginável, porque o mais seguro de todos custa muito caro; e não se trata, necessariamente, de um mau motivo. Aliás, a própria contratação pelo Estado de um policial que enfrenta o crime diariamente sugere que a sociedade está disposta a sacrificar algumas vidas (porque é certo que alguns policiais morrerão) para atingir alguma forma de paz social (e no fim das contas, para evitar um número ainda maior de mortes).

Mas será que, sendo baixo o custo em vidas para a construção do túnel sob o Mont Blanc, a sociedade deve considerar justa a autorização de sua construção? Ou, em termos mais abrangentes: será que tudo que é eficiente é também justo? Calabresi propôs como resposta um sonoro "não". A construção do direito sugere uma forma de ética pública, porque o direito está interligado com a justificação de ações tomadas no domínio público. Assim, por exemplo, a discussão sobre a legalização do aborto, das drogas, da clonagem de seres humanos, do casamento homossexual, da pena de morte – enfim, dos grandes dilemas normativos modernos – não se limita ao cálculo dos seus custos e benefícios. Tais dilemas se prestam à determinação política e devem ser decididos por meio dos sistemas políticos adotados pela sociedade.

Conclusão: a questão não é saber se eficiência pode ser igualada à justiça; ela não pode. A questão é saber como a construção da justiça pode se beneficiar da discussão de prós e contras, custos e benefícios, e incentivos postos pelo sistema jurídico. A análise dos incentivos postos pela legislação é onde pode começar a discussão do justo; certamente não onde ela acaba. Grandes dilemas normativos se prestam à determinação política e devem ser decididos através dos sistemas políticos adotados pela sociedade. Contudo, noções de justiça – e construções jurídicas – que não levem em conta as prováveis consequências de suas articulações práticas são incompletas.

O desafio é, portanto, enriquecer o debate jurídico integrando a discussão da eficiência na discussão do justo. Decisões que sopesem vidas humanas e valores culturais contra custos e conveniência não são exclusivamente monetárias; contudo, tampouco são exclusivamente morais. A ética dos meios e a ética das consequências convivem inevitavelmente no seio da formação de consensos políticos modernos. Para o bem e para o mal.

As obras da disciplina chamada "Direito e Economia" (Law and Economics) compreendem a vanguarda do pensamento sobre a relação entre justiça e eficiência. Parcela considerável dos estudantes, profissionais e pesquisadores do Direito que tenha qualquer nível de familiaridade com o Direito e Economia acredita que a disciplina se proponha a dar respostas definitivas para dilemas normativos. Estas pessoas acreditam, erradamente, que a disciplina contenha um conjunto de predicados ( "receitas de bolo") que conduzam necessariamente a modelos do tipo "juízes e legisladores devem adotar a regra X na situação Y, porque esta é a solução eficiente e correta para o problema Z". Guido Calabresi há muito observou que a hipótese de que o Direito e Economia possa dar respostas definitivas para os dilemas normativos é "ridícula".

Ao contrário, os estudos em Direito e Economia servem, dentre outras coisas, para definir a justificativa econômica da ação pública, para analisar de modo realista as instituições jurídicas e burocráticas e para definir papéis úteis para os tribunais dentro dos sistemas modernos de formulação de políticas públicas. A análise econômica desempenha um papel importante, embora limitado, no discurso jurídico. Ainda que longe de ser a pedra de toque para a aferição do justo jurídico, a discussão dos impactos econômicos das posturas, regras e parâmetros jurídicos é uma consideração que está igualmente longe de ser irrelevante.

Todos os profissionais do Direito dão grande importância às consequências práticas da aplicação da lei. Não faz sentido desarticular a construção do direito de suas consequências práticas. Fiat justitia, ruat coelum (faça-se justiça nem que caiam os céus), gritam alguns. Mas parece-me que quem sustenta tal ordem de ideias geralmente está bem certo de que, ao final, os céus ou não cairão, ou cairão apenas sobre as cabeças dos seus adversários.


2 comentários:

  1. É raro que as pessoas saibam relacionar Economia a Direito. Principalmente nós, alunos do primeiro semestre. Mas, cada vez mais, fica difícil desvincular esses dois fenômenos em contextos atuais.
    A ideia da busca por justiça ser paralela à busca por eficiência em algum nível - mesmo que a Justiça seja e mostre ser alvo de pesquisa interminável em suas definição e aplicação - muito me empolga.
    Só gostaria de saber, se possível, se o autor trata do tema com base em referências brasileiras apenas, ou se também é fato que a relação entre eficiência e justiça ainda é negligenciada como fator de pesquisa em outros países. Obrigado.

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  2. O autor aborda o fenômeno da relação entre justiça e eficiência a partir de um prisma comum, não restringindo apenas ao Brasil. Mas, obviamente, alguns países como os EUA estão muito desenvolvidos no âmbito da pesquisa de Direito & Economia, enquanto outros apenas engatinham.

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