Olá alunos,
A severa crise econômica que tem abatido a Espanha nos últimos anos acarretou a ocorrência de um fenômeno curioso: o aumento do número de renúncia de heranças. Isso se explica, em grande parte, pelo fato de o herdeiro ter de arcar com todas as dívidas deixadas pela pessoa falecida, que, não raro, possuem valor superior ao do patrimônio.
Esperamos que gostem e participem.
Lucas Dadalto e Silvana Gomes
Monitores da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense
De acordo com um relatório do Conselho Geral de Tabeliões da
Espanha, entre 2007 e 2012 as renúncias a heranças subiram mais de 110% no
país. Apenas no ano de 2012, o aumento em renúncias a heranças chegou a 23%.
Na
Espanha, ao aceitar uma herança, o beneficiário precisa arcar com todas as
obrigações que os parentes arcaram durante a vida. De acordo com a lei
espanhola, uma aceitação de herança (sem condições) implica na aceitação de
suas dívidas.
Uma das
pessoas que decidiu renunciar ao que tinha herdado em 2012 foi Maria N., de 42
anos, que prefere não divulgar seu sobrenome.
A
doença repentina do marido e sua morte deixou Maria viúva com duas filhas
pequenas, uma dívida de US$ 38 mil (quase R$ 78 mil) de cartões de crédito e um
empréstimo pessoal feito para cobrir os gastos com o tratamento médico.
"Minha
economia, que tinha uma certa estabilidade, passou a ser de risco. Isto
significou uma mudança de uma casa para um apartamento pequeno, sem internet
nem telefone fixo, para pagar advogados e todo o resto", afirmou Maria à
BBC Mundo.
A única
herança que o marido deixou foi um seguro de vida no valor de US$ 19.465 (quase
R$ 40 mil), que seria dividido entre os filhos mais velhos dele com outra
mulher, Maria e as duas filhas. Mas as dívidas eram maiores que este montante.
Os
filhos mais velhos fizeram os cálculos e renunciaram a este dinheiro em favor
das irmãs, filhas de Maria. Depois de um ano da morte de seu marido, ela
resolveu aceitar sua parte do seguro de vida e usá-lo para pagar dívidas.
Problema comum
As dívidas familiares são as principais causas das renúncias às
heranças, segundo o porta-voz do Conselho Geral de Tabeliões, Alfonso Cavallé.
"Entre 1995 e 2007 houve
um aumento enorme na concessão de empréstimos e, se levarmos em conta que o
salário médio de uma família não teve um grande aumento, a consequência prática
é que as famílias estão endividadas e é frequente que as dívidas superem os
ativos", afirmou.
Cavallé
disse que as dívidas de hipotecas são as mais comuns nos testamentos, mas
também existem as dívidas como no caso de Maria N.
O
tabelião afirma que entre os que renunciam estão os herdeiros de grandes
patrimônios que se endividaram devido a maus investimentos e também
trabalhadores de classe média que perderam o emprego e não puderam pagar os
empréstimos.
Os
altos impostos que os herdeiros precisam pagar pela herança também levam à
renúncia. Os impostos variam de acordo com o patrimônio e podem chegar a 40% do
valor a receber.
Quando
os herdeiros não têm parentesco sanguíneo, o valor sobe. Em, em algumas regiões
autônomas da Espanha como Galícia e Valência, os impostos podem superar os 90%
do valor total da herança.
Mas,
segundo o advogado José Peinado, outra prática também se popularizou nos últimos
quatro anos devido à crise econômica: como há cada vez mais imóveis nas
heranças em vez de dinheiro, os herdeiros escolhem esperar até aceitar
oficialmente a herança.
O
advogado explicou à BBC Mundo que aceitar este tipo de herança agora
significaria ficar com uma casa que não se pode vender em um mercado
imobiliário em recessão. E arcar com os gastos de tabelião e tributários.
O
Código Civil espanhol não estabelece prazos para aceitar uma herança, e o
Ministério da Fazenda dá um prazo de até um ano para pagar o imposto.
Mas, se
não se registra a escritura do que se herdou, é como se a herança não
existisse, afirmou o advogado. E, depois de quatro anos, o pagamento pendente
prescreve.
Pague o
que puder
Uma
alternativa para aceitar uma herança de acordo com a lei espanhola é assumir as
dívidas que o próprio patrimônio do falecido possa pagar.
Juana
Vacas, uma idosa de uma família pobre de camponeses sem estudos, não sabia
desta opção ao aceitar a herança de sua filha, Purificación.
A herança de sua filha incluía
também uma dívida de hipoteca que se acumulou por cinco anos.
Depois
da morte de Purificación, Juana foi ao tabelião do vilarejo de Torredelcampo,
na província de Jaén (sul da Espanha). O encarregado disse que a filha tinha
deixado para ela parte de um imóvel e 18 euros (cerca de R$ 47), mas não
mencionou que ela também assumiria as dívidas.
"Como
não sabia nada disso, minha mãe disse que sim e acabou aceitando uma herança
pura. Não falaram nada para ela, não leram nada, não explicaram nada",
afirmou Encarnación Armenteros, outra filha de Juana, à BBC Mundo.
Depois
de 20 dias, ela foi avisada que seria executada uma dívida de hipoteca no valor
de US$ 78 mil (cerca de R$ 160 mil). O único bem que Juana poderia usar para
pagar era sua própria casa.
Encarnación
Armenteros garante que sua irmã também não sabia desta dívida, pois quando era
viva Purificación sofria de um problema psicológico e não verificava o que
assinava.
Agora,
ela levou o problema para a imprensa, e o banco anulou a dívida de Juana.
Encarnación
pediu na Justiça a anulação da herança, pois existem outras dívidas relativas
as serviços pendentes, impostos, previdência social etc. Estas dívidas ainda
colocam a casa de Juana em risco.
O pedido
de Encarnación conta com o apoio de milhares de assinaturas em um site na
internet, e o tribunal deve dar sua decisão no dia 26 de junho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário