Olá alunos,
Numa tentativa de incrementar a competitividade produtiva do Brasil e, assim, fomentar o crescimento da economia, o governo promoveu a redução das tarifas de energia elétrica. Entretanto, tal ação traz consigo, além de benefícios, uma série de problemas.
Esperamos que gostem e participem.
Lucas Dadalto e Silvana Gomes
Monitores da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense
Seguindo
um diagnóstico de que o aumento do investimento é condição necessária para o
país enfrentar os recentes desafios impostos pela crise mundial de 2008 e,
assim, iniciar um novo ciclo de crescimento, o governo tem adotado uma
estratégia de incentivo ao investimento privado e de “aumento” da
competitividade do setor produtivo nacional. No entanto, as diversas ações
tomadas ao longo de 2012 não confirmaram as expectativas de crescimento da
economia. No início do ano, a previsão era de um crescimento acima de 4% – já
os últimos dados apontam para um número abaixo de 1,5%.
Diante desse quadro, o governo viu
na alternativa de antecipar para 2013 a prorrogação de uma parte importante dos
contratos do setor elétrico (20% da capacidade instalada de geração e 67% do
total de linhas de transmissão do país) a possibilidade de “viabilizar a
redução do custo da energia elétrica para o consumidor brasileiro, buscando,
assim, não apenas promover a modicidade tarifária e a garantia de suprimento de
energia elétrica, como também tornar o setor produtivo ainda mais competitivo,
contribuindo para o aumento do nível de emprego e renda no Brasil”.1
A fórmula para alcançar esse
objetivo foi definida pela polêmica Medida Provisória 579, de 11 de setembro de
2012, que dispõe sobre a redução das tarifas de energia elétrica e a
prorrogação de concessões de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica.
Em síntese, a medida, inovadora,
antecipou para o início de 2013 a possibilidade de prorrogação dos contratos de
concessões que terminariam nos próximos sessenta meses, exigindo como
contrapartida tarifas de geração e receitas de transmissão menores. O governo
reduziu alguns encargos setoriais, que por muito tempo estiveram embutidos no
preço final da tarifa, e se comprometeu a fazer, por meio do Tesouro Nacional,
um aporte anual de R$ 3,3 bilhões para manter parcialmente os programas
custeados por esses encargos.
A intenção pode ser boa...
O resultado esperado é uma redução
média de 20% na tarifa final em 2013, variando entre 16% para o consumidor
residencial e 28% para a indústria. Caso essa expectativa se confirme, a
redução do preço da energia elétrica permitirá um aumento do poder aquisitivo
da população, estimulando, portanto, o consumo, a produção e o emprego, ao
mesmo tempo que reduzirá o custo de produção do setor industrial, podendo levar
ao aumento da produção e à diminuição do custo dos produtos finais.
Outro efeito esperado, mas pouco
divulgado, é o impacto na inflação do ano que vem. De acordo com o Conselho de
Política Monetária (Copom), a estimativa de redução nas tarifas de energia
elétrica alterou a projeção de reajuste dos preços administrados por contrato e
monitorados de 4,5% para 2,4% em 2013.2 Ou seja, se viabilizada, a redução do
preço da energia elétrica poderá ter um efeito expressivo na inflação do
próximo ano, aumentando dessa forma o grau de liberdade da política monetária,
um dos principais instrumentos utilizados pelo governo para estimular o
investimento e o consumo no país.
A medida também permitiu que uma
parte importante do setor elétrico continuasse sendo operada por empresas
estatais, uma vez que 98% das concessões de geração, 77% das de transmissão e
91% das de distribuição são de estatais. Como se sabe, essas empresas têm tido
um papel estratégico, sobretudo na manutenção e expansão da matriz energética
nacional.
Mas os fins justificam os
riscos?
Se a intenção da medida é
indiscutivelmente boa, pelos resultados esperados tanto para a população como
para a indústria, além de segurar os preços no próximo ano, a forma pela qual o
governo resolveu reduzir as tarifas e seus desdobramentos tem gerado algumas
dúvidas.
As tarifas finais permanecerão
“baixas” nos próximos anos? Pois, apesar de a medida resultar na redução do
preço da energia elétrica, deve-se considerar que outros fatores poderão
continuar a pressionar a tarifa, tais como os custos com perdas de energia na rede
elétrica e os recursos para a indenização das usinas térmicas, como as que
estiveram ligadas durante a estiagem registrada em 2012. Logo, o aumento nesses
custos poderá anular ou compensar a redução anunciada?
Quanto às concessões, as novas
receitas definidas pela União implicarão um forte e rápido ajuste de custos
para as empresas estatais que aderiram à prorrogação (grande parte do Grupo
Eletrobras). Qual é o impacto de um ajuste apoiado em milhares de demissões,
conforme já anunciado, na capacitação e manutenção da memória técnica dessas
concessões e na capacidade de melhorias em seus ativos? Ele poderá comprometer
a modicidade tarifária?
Além disso, enquanto todas as
concessões de transmissão aceitaram os termos de prorrogação, um grupo de
empresas estaduais de geração – Cemig, Cesp, Copel e Celesc –, que representa
cerca de 30% da potência total a ser renovada, optou por não prorrogar suas
concessões. Nesse caso, tais empresas continuarão praticando as atuais tarifas
até o final de seus contratos. Em torno da disputa política causada por essas
decisões, encontram-se mais dois questionamentos. Qual será o impacto dessas
decisões no alcance do percentual de redução anunciado pelo governo? E qual
será o destino dado para essas concessões após o vencimento de seus contratos?
Na hipótese de uma nova licitação e
eventual privatização, os efeitos sobre o emprego no setor poderão ser os
mesmos do processo de desestatização de cunho neoliberal colocado em prática no
Brasil na década de 1990, em que esteve ausente qualquer proteção ao trabalho:
piora dos serviços prestados; diminuição de salários; redução de benefícios
sociais; aumento da rotatividade; diminuição da qualificação da força de
trabalho; jornadas de trabalho mais extensas; piora das condições de saúde e de
segurança no ambiente laboral; e, ainda, desorganização da representação
sindical.
No caso específico do setor
elétrico, a ausência de proteção ao trabalho somada ao estímulo à precarização,
garantido pela Lei n. 8.987/95, que permitiu às concessionárias do setor
“contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias
ou complementares ao serviço concedido, bem como implementação de projetos
associados”, fizeram que ao longo dos últimos anos o número de terceirizados
superasse o número de trabalhadores do quadro próprio, passando de 44% em 2004
para 55% do total da força de trabalho em 2010. Nesse particular, a
precarização é tão evidente que cerca de 90% do total de acidentes fatais no
setor elétrico ocorrem com trabalhadores terceirizados.3
Pois bem, parece que restam mais
dúvidas do que certezas sobre qual será o balanço final das mudanças recentes
no setor elétrico brasileiro. Contudo, o esclarecimento para muitas delas pode
passar pela resposta a uma simples pergunta: que papel o governo espera que as
estatais cumpram no desenvolvimento de nosso país?
1 Item 1, da exposição de motivos da Medida
Provisória 579, de 11 de setembro de 2012. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/mpv/579.htm.
2 Cf. ata da 170ª reunião do Copom, out. 2012. Disponível em: www.bcb.gov.br/?ATACOPOM.
3 “Terceirização e morte no trabalho: um olhar sobre o setor elétrico brasileiro”, Estudos e Pesquisas, n.50, São Paulo, mar. 2010. Disponível em:www.dieese.org.br/esp/estPesq50TercerizacaoEletrico.pdf.
2 Cf. ata da 170ª reunião do Copom, out. 2012. Disponível em: www.bcb.gov.br/?ATACOPOM.
3 “Terceirização e morte no trabalho: um olhar sobre o setor elétrico brasileiro”, Estudos e Pesquisas, n.50, São Paulo, mar. 2010. Disponível em:www.dieese.org.br/esp/estPesq50TercerizacaoEletrico.pdf.
Já tornou-se cotidiano encontrar "intenções ocultas" (dito assim parece maquiavélico)nas ações do governo. Dessa forma, resta acreditar que os representantes do povo irão optar pelo que é melhor para a nação. Entretanto, notícias nos levam a pensar: "Melhor para quem?".
ResponderExcluirO autor levanta dúvidas pertinentes no que refere-se a proposta do governo: "As tarifas finais permanecerão baixas nos próximos anos?", "O aumento nos custos com perdas de energia e a indenização das térmicas (...) poderá anular ou compensar a redução?" E a questão mais importante: "Qual o impacto de um ajuste apoiado em milhares de demissões?"
O governo vigente diversas vezes age com pensamento em curto-prazo e opta por sancionar leis e medidas que trarão um impacto momentâneo, midiático e populista, mas que poderão mostrar-se ineficientes no futuro. É dever dos economistas, especialistas e outros profissionais desvinculados ao governo mostrar um outro lado dessas ações governamentais e traze-las a público. Desta forma, medidas como esta poderão ser analisadas com maior senso crítico e os ônus para todos os setores da população serão levados em conta: Quantas demissões serão necessárias para impulsionar um projeto de governo? Haverá impacto ambiental para que haja aumento na produção de energia? Questões essas que deverão ser respondidas a tempo, antes que os resultados tornem-se catastróficos.
Bruno, ótima observação. Acho que o ponto objetivado pelo autor foi devidamente compreendido. Por mais que medidas como essa impactem positivamente no orçamento da população em geral (a curto prazo), é dever dos economistas buscar qual foi o real ganho de eficiência (se houve ganho) e que efeitos isso vai gerar ao longo dos anos.
ResponderExcluirAcho que o texto poderia falar um pouco sobre o impacto ambiental que essa diminuição da tarifa pode causar. Se antes a energia já era desperdiçada.. imagina mais barata ? Não existem meios mais eficientes de promover aumento do poder de compra do trabalhador que não sacrificassem - ainda mais - o já sofrido meio ambiente ? Ainda mais para um governo cuja presidente alegou - em época de campanha, claro - buscar o crescimento sustentável.
ResponderExcluirA redução do custo da energia é fundamental para o aumento da competitividade da indústria nacional. Longe de ser uma medida populista, e mais distante ainda de visar apenas o curto prazo, tem potencial para gerar um círculo virtuoso na economia, beneficiando consumidores residenciais, comerciais e industriais. Não se pode desconsiderar, ademais, a importância do investimento na diversificação de nossa matriz energética, bem como a necessidade de formulação de uma política eficiente de expansão da capacidade de geração de energia.
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