Olá alunos,
O texto de hoje, de autoria de Fernando Meneguim, novamente demarca pontos de interseção entre a Economia e o Direito. E é importante sabermos de tudo isso pois como o próprio texto diz: ''uma política de desenvolvimento nacional não passa apenas pelas
variáveis macroeconômicas como inflação, juros ou taxa de investimento''. Confiram no texto outros pontos de influência numa política de desenvolvimento econômico nacional e, claro, participem. Esse artigo pode render bons debates construtivos.
Yuri Antunes Moreira
Monitor da disciplina ''Economia Política e Direito'' da Universidade Federal Fluminense.
As leis e as decisões judiciais, juntamente com os instrumentos que
obrigam todos os cidadãos a cumpri-los (polícia, judiciário,
fiscalização sanitária, Receita Federal, agências reguladoras, etc. ),
fornecem um conjunto de incentivos aos cidadãos e empresas, que têm
reflexos sobre a eficiência das transações econômicas. Uma legislação
que estabeleça impostos muito elevados, por exemplo, representa um
incentivo à sonegação. Uma adequada lei de patentes, que proteja as
inovações tecnológicas e gere lucros aos inventores, por sua vez, será
um incentivo para o desenvolvimento científico.
Há uma série de situações econômicas que não podem ser deixadas ao
livre arbítrio do mercado, precisando ser reguladas por lei e que, por
isso, ficam sob a influência das leis e das instituições citadas acima.
Por exemplo: é preciso impor regras e penalidades para que as fábricas
não lancem nos rios e mares os dejetos gerados durante o processo
produtivo; é preciso criar impostos para financiar atividades que são
importantes para a sociedade, mas que não dão lucro e, por isso, não são
oferecidas no mercado privado (construção de estradas, saneamento
básico, saúde preventiva, preservação de florestas); é preciso oferecer a
toda a sociedade alguns bens e serviços que, se deixados ao mercado,
seriam acessíveis apenas às populações de maior renda (educação, saúde);
é preciso evitar a formação de monopólios e cartéis que prejudiquem a
concorrência e tornem os produtos mais caros e de menor qualidade. Tais
fenômenos são conhecidos pelo termo genérico “falhas de mercado”, que se
refere a situações em que o livre funcionamento do mercado leva a
situações socialmente indesejáveis.[1]
Na prática, as leis e instituições destinadas a corrigir falhas de
mercado têm diversos graus de qualidade. Tanto podem ser eficazes na
redução das falhas de mercado, quanto podem introduzir distorções
adicionais na economia. Nessa situação, há leis editadas com o objetivo
de congelar preços, prejudicando o equilíbrio natural do mercado. O
Plano Cruzado é um exemplo típico, pois, ao promover o congelamento de
preços para combater uma hiperinflação, não permitiu o ajuste dos
valores de mercadorias sujeitas à sazonalidade, gerando um desequilíbrio
de preços. Como resultado disso, vieram o desabastecimento de bens
(ninguém se dispunha a vender com prejuízo ou perder oportunidades de
lucro) e o surgimento de ágio para compra de produtos escassos,
principalmente os que se encontravam na entressafra, como carne e leite.
Outro ponto importante na relação entre a área jurídica e a econômica
é o “direito de propriedade”, conceito jurídico que se refere ao fato
de que o proprietário é livre para usar seus bens como quiser (desde que
dentro da lei) sem a interferência ou intromissão de outros. Direitos
de propriedade que não são perfeitamente seguros desestimulam os
investimentos, reduzindo o potencial de crescimento da economia.
Produtores rurais que se sintam sob ameaça de invasão de suas terras por
movimentos de “sem-terra” reduzirão os investimentos em infraestrutura e
melhoria da terra, pois temem o risco de perder esse investimento no
caso de uma invasão. Países que costumeiramente confiscam investimentos
feitos por estrangeiros ou não pagam suas dívidas externas se tornam
perigosos para os investidores internacionais e deixam de ser atrativos
para empresas que poderiam ali se instalar, produzir e gerar empregos.
O Teorema de Coase[2]
ensina que, se não houver custos de transação, basta que os direitos de
propriedade sejam bem definidos para que uma negociação entre os
interessados aconteça e os recursos sejam utilizados da forma mais
eficiente possível. Os custos de transação são os gastos necessários à
realização de um negócio no mercado, como pagamento de taxas, advogados,
corretores, cartórios e outros envolvidos na transação. Assim, para a
literatura de Análise Econômica do Direito, as leis deveriam ser
elaboradas de forma a remover os obstáculos à negociação privada,
reduzindo ao máximo os custos de transação para melhorar o desempenho da
economia. Essa deveria ser uma das principais funções das instituições
de forma geral (regramentos jurídicos, tribunais, etc).
Também relevante é o impacto da ação do Poder Judiciário na economia.
Uma importante distorção da Justiça brasileira consiste no fato de que
as disputas de baixo valor não chegam às mãos dos juízes, pois, se
chegassem, as custas processuais e os honorários advocatícios
consumiriam o crédito a receber. Esse problema foi resolvido em parte
pelos juizados de pequenas causas, mas o problema ainda persiste. Em
regra, a Justiça só é acionada se o valor do litígio for alto ou quando o
litigante possui uma estrutura jurídica permanente, como é o caso das
grandes empresas. Tal situação coloca em desvantagem a camada mais baixa
da sociedade, que vê sua pior condição socioeconômica ser perpetuada
pela maneira de funcionar das instituições.
Além disso, esse alto índice de exclusão judicial tem efeitos sobre
os contratos de crédito e os contratos trabalhistas, pois, como as
empresas sabem da baixa possibilidade de recorrer à Justiça, não se
preocupam com a formalização dos negócios, ou seja, existe um incentivo
para o trabalho precário (informalidade no mercado de trabalho) e para
empréstimos que passam ao largo do sistema financeiro tradicional
(agiotagem).
Outro problema é a morosidade do Poder Judiciário. Em média,
demora-se anos para que se consiga uma decisão final. Essa dificuldade
de receber créditos na Justiça afeta diretamente a conjuntura econômica,
pois propicia uma taxa de juros mais elevada. Como não há segurança
judiciária de que o crédito será recuperado rapidamente, a tendência é
que já se inclua na taxa de juros um adicional para cobrir as perdas com
créditos não pagos. Isso tem consequências extremamente negativas para a
economia: diminuição dos investimentos, crédito mais caro ou, ainda,
restrição ao crédito.
O problema não é privilégio da recuperação de contratos de crédito. A
mesma situação se repete em litígios da área cível como pagamento de
verbas indenizatórias.
No entanto, avanços estão acontecendo. Um exemplo atual pode ser
encontrado no mercado de locação de imóveis. Foram promovidas alterações
na Lei do Inquilinato com a publicação da Lei 12.112, de 2009. O
objetivo foi conceder mais segurança aos proprietários dos imóveis
urbanos. Depois dessa mudança na legislação, é mais habitual que os
locadores tenham sucesso rápido em ações de despejo por falta de
pagamento do aluguel. Essa sistemática traz mais tranquilidade ao
mercado e segurança para quem investe em imóveis para locação, que
resulta em maior oferta de imóveis e redução do valor médio do aluguel,
beneficiando o inquilino que paga em dia suas obrigações.
Em conclusão, uma política de desenvolvimento nacional não passa
apenas pelas variáveis macroeconômicas como inflação, juros ou taxa de
investimento. É importante considerar também o impacto da legislação e
do funcionamento das instituições sobre o comportamento de indivíduos e
empresas. A análise econômica do direito afeta áreas tão distintas
quanto a flexibilidade do mercado de trabalho, o aperfeiçoamento do
mercado de crédito e do sistema financeiro, a melhoria da tributação e
do ambiente de negócios. Todos esses tópicos dependem de aprovação de
leis. Elas é que, se bem desenhadas, fornecerão os incentivos corretos
para que indivíduos e empresas, ao buscarem o melhor para si, também
atuem de forma eficiente.
Por fim, cabe enfatizar a necessidade de redução do custo de
resolução de conflitos. Isso se consegue com uma reforma do Poder
Judiciário. Tal aprimoramento vem sendo realizado paulatinamente, como
os novos Códigos de Processo Penal e Civil aprovados recentemente no
Senado.
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