Olá alunos,
a postagem de hoje traz uma entrevista com o advogado e Professor Oscar Vilhena Vieira publicada no site JusBrasil. A notícia originalmente foi postada no site da OAB Maranhão. O Professor Oscar coordena um curso de mestrado a respeito da relação entre Direito e o Desenvolvimento Econômico. E para ele, o advogado seria peça chave para o desenvolvimento do país. Espero que vocês gostem e participem.
Yuri Antunes Moreira
Monitor da disciplina ''Economia Política e Direito'' da Universidade Federal Fluminense.
O advogado é a peça-chave para o desenvolvimento do país. Programas
sociais do governo federal, contratos de fusão entre empresas, regulação
do mercado de ações, em todos os setores da economia e do cotidiano, o
olhar criterioso e detalhista de um advogado tem peso na hora de definir
os rumos do país. Os profissionais do Direito que entenderem também de
economia e administração estarão na vanguarda.
A relação entre o
Direito e o desenvolvimento econômico foi tema de estudos que
culminaram na criação de um programa de Mestrado na escola Direito GV,
sob coordenação do advogado e professor Oscar Vilhena Vieira. Em
entrevista à jornalista Lilian Matsuura, do site Consultor Jurídico ,
o professor discute a posição da advocacia nos grandes debates, a
importância de instituições sólidas para um país e do Judiciário no
Brasil de hoje.
O desenvolvimento que defende, diferente daquele
que é sinônimo pura e simplesmente de crescimento econômico, é aquele
que está ligado ao nível de educação da população, do índice de
mortalidade infantil, do acesso ao saneamento básico e do respeito aos
cidadãos. Ou seja, desenvolvimento não significa apenas aumento na
produção de riqueza, mas principalmente melhoria na qualidade de vida. O
ideólogo desse modo de ver o progresso da humanidade, o indiano Amartya
Sen, ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1998, é o guru de Vilhena.
Sen é o criador do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), que
mudou o conceito de desenvolvimento no mundo, a partir da década de 90. O
novo paradigma foi endossado por instituições internacionais como FMI,
Banco Mundial e ONU e é usado como critério para financiar projetos
sociais e medir o crescimento dos países.
Para Vilhena, essa é
uma virada importante, porque é a partir dela que começam a pensar o
desenvolvimento como sinônimo de ampliação da autonomia das pessoas. É
nesse contexto, diz, que as instituições devem ganhar força para manter a
ordem e a liberdade de cada um. O Judiciário e os advogados ganham
papel de destaque nessa nova ordem mundial, antes mesmo da crise
financeira mundial que veio a colocar em cheque o antigo modelo de
desenvolvimento.
Se antes o debate era técnico e girava em torno
da quantidade de quilowatts necessários para a criação de um parque
industrial, hoje, a questão é saber como financiar o parque industrial,
segundo Vilhena. Se a bolsa de valores é uma fonte confiável de captação
de recursos, exemplifica, são os advogados que vão analisar. Em caso de
conflitos, a Justiça é que deve resolver.
Um fator que ainda
deixa o Brasil distante dos países desenvolvidos, segundo o professor, é
justamente o Judiciário. "O acesso a direitos fundamentais, por meio do
Judiciário, é para quem tem dinheiro para movimentá-lo", afirmou. Isto
é, não tem sido o Judiciário capaz de assegurar o direito dos pobres. "É
muito grande a desproporção entre os recursos da advocacia privada e da
assistência judiciária, prestada pela OAB", diz, indicando um dos
fatores da desigualdade.
Oscar Vilhena acha interessante o poder
nas mãos do Supremo Tribunal Federal, como forma de uniformizar as
decisões e acabar com os casos de vizinhos que entram com processos
iguais, sobre o mesmo problema, sob os mesmos argumentos, mas que obtém
respostas contrárias. Mas vê com ressalvas a criação da Súmula
Vinculante. Para ele, é preciso cautela.
O professor formou-se
pela PUC-SP e desde então não saiu da vida acadêmica. Em 2007, concluiu o
pós-doutorado na Saint Antony’s College, unidade da tradicional
Universidade de Oxford, da Inglaterra, especializada em Relações
Internacionais, política, economia e história. O doutorado foi na
Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São
Paulo, USP, em Ciência Política.
Leia a entrevista
�"Qual o papel do advogado para o desenvolvimento da sociedade atual?
Oscar
Vilhena �" Hoje, as instituições são fundamentais para os processos de
desenvolvimento. Todos pensam assim. Tanto os que enxergam o
desenvolvimento apenas enquanto crescimento econômico, quanto os mais
progressistas, que entendem o desenvolvimento como ampliação de
autonomia. Nesse contexto, o papel do advogado é mais agressivo no
debate sobre os destinos do país. Ele perdeu o papel de protagonista da
tecnoburocracia. Somos nós que constituímos os grandes contratos de
fusão entre empresas, nós entendemos de regulação de mercado. O Programa
Universidade para Todos (Pro Uni) é uma engenharia jurídica, feita pelo
ministro Fernando Haddad, que é advogado, e pela Paula Dallari,
secretária de Educação Superior e especialista em política pública. É um
projeto que beneficia 480 mil pessoas pobres e vai mudar em grande
medida o perfil do universitário brasileiro.
�"O advogado está em posição de destaque nos grandes debates?
Oscar
Vilhena �" Com pouca modéstia, os advogados retomam no cenário do
desenvolvimento um papel muito mais importante que há 40 anos, quando o
debate era técnico: quantos quilowatts são necessários para montar um
parque industrial?. Hoje, a questão é saber como financiar o parque
industrial. A bolsa de valores é confiável para captar recursos? Os
critérios de governança corporativa e de transparência para empresas
poderem entrar na Bolsa de Valores de São Paulo, por exemplo, foram
todos criados por advogados. O mercado de ações no país foi reformulado
por eles. Com isso, o Direito Comercial brasileiro foi redesenhado. Nós
sabemos o que cria um detalhe ou cria uma disfunção. Hoje, o advogado
tem de entender de economia e precisa ser interlocutor do administrador.
�"Como um consultor?
Oscar Vilhena �" Sim. Ele
não pode ser chamado no último minuto só para redigir o contrato. Um
advogado especialista em Direito Empresarial, por exemplo, tem que olhar
o balanço da empresa e enxergar os possíveis problemas.
�"Por que as instituições são fundamentais para o desenvolvimento?
Oscar Vilhena �" As instituições são importantes porque criam confiança. Não temos medo de comprar roupas, porque o Código de Defesa do Consumidor
nos deu a segurança de que se a peça não servir ou vier com defeito,
poderemos trocar. Você sabe qual é o risco que está correndo. Para que
haja investimentos sustentáveis no país, é preciso que as instituições
funcionem. Estoura a crise nos Estados Unidos, os investidores tiram
dinheiro de países como o Brasil para comprar papéis do tesouro
americano. Qual é a lógica disso? Ele sabe que a democracia nos Estados
Unidos não sofre ameaça. Se o [Barack] Obama foi eleito, ele vai tomar
posse, independentemente do tamanho da crise.
�"O Judiciário tem o papel de garantir que as regras sejam cumpridas.
Oscar
Vilhena �" Em todas as sociedades modernas, ele tem o importante papel
de fazer com que as expectativas criadas pela lei se realizem. Nos demos
conta de que há uma grande diferença entre a letra da lei e, depois, o
modo como ela repercute na vida real. Isso chamou a atenção para o
Judiciário. Se eu desrespeito a lei e não sou punido, percebo que
desrespeitá-la pode ser interessante. Isso cria uma sociedade de
oportunismos. Ou seja, a minha escolha entre a conduta a, b ou c, não
leva em consideração qual é o direito, mas em qual delas vou ganhar mais
e onde correrei menos riscos.
�"O Supremo Tribunal Federal contribuiu para colocar o Judiciário em um papel que ele nunca teve na República?
Oscar
Vilhena �" O Judiciário continua burocratizado, com padrões
pré-modernos de gerenciamento e o sistema recursal privilegiando o
devedor. Quem cometeu o erro costuma ser o beneficiário do sistema. A
teoria mundial de Justiça é o duplo grau de jurisdição. Aqui temos
quatro graus, com todas as intercorrências que o processo permite. O
Judiciário tardou a se dar conta de que estava desatualizado e hoje
vemos movimentos no caminho da modernização. Já o Supremo, durante a
primeira república, teve momentos de grande relevância. Com Getúlio
Vargas quase sucumbe, mas em 1946 volta a ter um papel importante. A
instituição resiste até que são aposentados os ministros resistentes e
nomeados outros que se alinham ao governo.
�"A partir de 88, o Supremo passa por uma mudança radical?
Oscar Vilhena �"Sim. Quando a Constituição é pequena, ele guarda poucas coisas. Quando a Constituição
é enorme, o seu papel acompanha a proporção dos direitos e garantias
assegurados. O Supremo virou o rei da cocada. Hoje não há movimento do
sistema político, por exemplo, que não tenha conteúdo constitucional. A Constituição
é ambiciosa e então o tribunal passa a ser convocado para resolver
muitos tipos de problemas: decide se a reforma tributária é válida, se
está correta a reforma previdenciária, se o amianto pode ser usado no
país, como a prefeitura deve regular os seus funcionários.
�"Até então o acesso ao Supremo era mais difícil?
Oscar
Vilhena �" A configuração do STF era parecida com a da corte americana:
a última instância. Ainda que não fosse geral, o Supremo tinha
discricionariedade temerária na análise do que chegava, que aplicava por
meio da chamada argüição de relevância. A Constituição
de 88 é reativa ao regime militar e abriu as portas para que o Recurso
Extraordinário fosse proposto em qualquer tema que tenha relação direta
com a Constituição. É um requisito objetivo: é preciso demonstrar onde a CF
foi violada para ter o direito subjetivo de acesso ao Supremo. Em 1990,
foram distribuídos 16 mil processos. Em 2007, foram 112 mil.
�"O número de autoridades com competência para propor uma Ação Direta de Inconstitucionalidade também aumentou com a nova Constituição.
Oscar
Vilhena �" Até 1988, só o procurador-geral da República, que era cargo
de confiança do presidente da República, podia chegar ao Supremo. O
artigo 103 abre uma porta muito importante, ainda que meio Getulista.
Hoje, o presidente da Câmara, do Senado, das Assembléias Legislativas,
os partidos políticos, a OAB, sindicatos e confederações de âmbito
nacional também podem. Os governadores são os principais clientes das
ADIs. Eles esgrimam contra os antecessores, as assembléias legislativas,
o governo federal, contra o governador de outro estado que está criando
guerra fiscal. Antes isso não existia, porque era o procurador-geral
que tinha de propor a ação.
�"Os partidos políticos também gostam desse instrumento?
Oscar
Vilhena �" Até 2001, o PT era o partido que mais usava ADI, seguido
pelo PSDB. Se sofro uma derrota no campo democrático, corro para o
Supremo, que se torna quase uma casa de suplicação. Com isso, vira uma
corte constitucional altamente politizada, porque recebe ações de atores
políticos relevantes da sociedade brasileira. Há a possibilidade de o
Supremo se tornar o que eu chamaria de Tribunal de Pequenas Causas
Político. Ou seja, o presidente da República demite para o bem do
serviço público um funcionário de última categoria. Ele entra com
Mandado de Segurança contra o presidente no Supremo. A Mesa do Senado
diz que a sessão de apuração do caso Renan Calheiros é secreta. O
Fernando Gabeira entra com Mandado de Segurança contra o Senado. O
Supremo recebe o pedido às 11h e dá a liminar às 11h45.
�"Tem ainda a análise de Habeas Corpus.
Oscar
Vilhena �" Temos três tribunais funcionando em um só. Os ministros
acumulam função do Judiciário em geral e de mais dois tribunais. A
Emenda 45 reforça os seus poderes de maneira razoavelmente sensata. A argüição de
repercussão geral é um remédio muito bom para conter a demanda. Alguns
juízes não entenderam ainda, mas esse é um mecanismo de fortalecimento
das instâncias inferiores do Judiciário. Depois de analisar várias vezes
a questão, o Supremo rejeita o recurso. Ou seja, o Tribunal de Justiça é
quem vai decidir aquela questão por último. Se os ministros usarem a
sua autoridade corretamente, podem transferir poderes para as instâncias
inferiores, o que é muito saudável para o país. Acaba com essa gincana
que só favorece quem tem dinheiro para permanecer no processo.
�"A Súmula Vinculante também ajuda nesse trabalho de conter a demanda?
Oscar
Vilhena �" É a primeira vez na história do país que a corte tem
supremacia sobre o Judiciário. Até então o juiz podia decidir diferente
do Supremo em qualquer caso. A súmula vinculante veio para regular essa
distorção. Mas não acho que seja o melhor caminho. Os enunciados chegam
como um torniquete para esse problema. A questão é que o STF decide em
relação a todos os outros. Não é o Tribunal de Justiça de São Paulo em
relação à Justiça paulista. Então, se o STF está errado, harmoniza de
forma errada para todo mundo.
�"Um juiz pode deixar de aplicar uma súmula?
Oscar
Vilhena �" Se ele entender que naquele caso concreto aplicar a súmula
pode prejudicar um direito e a pessoa ficará desamparada sem a liminar, o
juiz pode conceder. No Plano Collor, o Supremo declarou constitucional o
bloqueio dos cruzados e disse que cabia entrar com ações ou liminares. O
ministro Sepúlveda Pertence [hoje aposentado] observou que
também é constitucional a obrigação do juiz assegurar o direito do
jurisdicionado. Por casos como esse, o Supremo vai ter que editar com
muita modéstia as súmulas, porque pode sofrer resistência.
�"Qual é o impacto dessas mudanças no Judiciário no desenvolvimento brasileiro?
Oscar
Vilhena �" O desenvolvimento deve ser pensado em sentido mais amplo que
o mero crescimento econômico. Temos que pensar também em distribuição
de renda, respeito aos direitos humanos, acesso aos recursos públicos
pela população mais pobre, liberdade de expressão. A China cresce, mas o
Estado de Direito não é lá grande coisa. No Brasil, podemos dividir
essa situação em duas partes. O acesso a direitos fundamentais, por meio
do Judiciário, é para quem tem dinheiro para movimentá-lo. Não estou
falando de corrupção. Um criminalista de alta qualidade sabe usar a
Justiça, honestamente, para exigir todos os direitos e garantias do seu
cliente. Isso é muito bom. Mas o jovem que foi para a Febem não tem
acesso. O Judiciário não tem sido capaz de assegurar os direitos em
igual medida a todos que têm seus direitos violados.
�"A Constituição não ajudou a mudar essa situação?
Oscar Vilhena �"A generosidade da Constituição , em muitas circunstâncias, só reforça a condição daqueles que já são
privilegiados. É muito grande a desproporção entre os recursos da
advocacia privada e da assistência judiciária, prestada pela OAB. A Constituição
é pouco eficiente para aqueles que estão no andar de baixo. Mas ela tem
mais qualidades que defeitos. O seu texto é desenvolvimentista no
melhor e mais contemporâneo dos sentidos. Nós temos uma Constituição
liberal do ponto de vista econômico. E há um projeto de desenvolvimento
social muito forte, inovador, no sentido de tratar especificamente de
grupos vulneráveis, como os índios, os negros. Ela não trata todo mundo
igual, porque sabe que a vida das pessoas é diferente e muitas precisam
de proteção específica.
�"E quais são os resultados da atuação do Judiciário para o desenvolvimento econômico do país?
Oscar
Vilhena �" Muitos insistem em dizer que a Justiça brasileira é feita
para pobres. Na verdade, as leis são criadas para fortalecer os
hipossuficientes. O juiz do trabalho não julga em favor do pobre, é o
Direito trabalhista que cria circunstâncias onde presume-se o direito do
trabalhador. A mesma coisa acontece com o consumidor. O CDC
inverte o ônus da prova, porque a empresa é muita mais poderosa. Não é
relevante discutirmos se a justiça brasileira é mais de esquerda ou mais
de direita. O Judiciário tem gente de todo jeito. O livro Corpo e Alma da Magistratura Brasileira traça
um perfil dos juízes e mostra que não há uma elite, não há
aristocratas. A justiça é feita de brasileiros que estudam muito e
passam em um concurso. O grande problema do Judiciário é a falta de
harmonia nas decisões.
�"A falta de segurança jurídica?
Oscar
Vilhena �" Pois é. A minha empregada fica confusa: "a minha vizinha
entrou com a mesma ação que eu na vara de Previdência. Ela ganhou, eu
perdi". Esse é um problema central no Estado de Direito, porque a lei se
aplica de maneira desigual. A fragmentação do Poder Judiciário
brasileiro permite que os tribunais inferiores sejam pouco permeáveis
pela autoridade dos tribunais superiores. Cada tribunal decide de um
jeito, o que gera dificuldade para entender qual é a lei n Brasil. Não
adianta ler o Código Penal ou o Código Civil , é preciso prestar atenção às diversas jurisdições.
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