Olá alunos,
como vocês devem se lembrar, já postamos aqui recentemente um texto a respeito da importância do agronegócio para a economia nacional. Pois bem, nesse texto vamos relacionar o mesmo com o nascente e possível novo Código Florestal brasileiro. O texto é de autoria de Guilherme Delgado, um doutor em Economia pela Unicamp, e é bastante interessante de conteúdo tanto jurídico quanto econômico. Espero que gostem.
Yuri Antunes Moreira
Monitor da disciplina ''Economia Política e Direito'' da Universidade Federal Fluminense
Uma consequência indireta da articulação ruralista-parlamentar para
afrouxamento na legislação ambiental florestal é um tácito relançamento
da questão agrária ao debate público dos grandes meios de comunicação,
mesmo que os publicistas que tratam desses problemas não se dêem conta. O
que está em jogo na discussão do Código Florestal é o controle
público-privado do território, onde os direitos de propriedade fundiária
não podem ignorar o caráter social e público dos recursos naturais que
integram contìnuamente esse território.
Por seu turno, ao reduzir em geral as áreas de mata ciliar (no
entorno dos rios) e dispensar as propriedades com até quatro módulos
rurais – das chamadas Áreas de Preservação Permanente (topos e encostas
de morros e mata ciliar) – ao mesmo tempo em que propõe forte
descentralização estadual municipal para cuidar de biomas nacionais –
Amazonas, Cerrados, Caatinga, Pantanal, etc. (ou plurinacionais), o
relatório do deputado Aldo Rebelo conseguiu a proeza de desunir partes e
peças do agronegócio, até bem pouco coesas e omissas na política
agrária da função social da propriedade rural.
A Embrapa, por intermédio de suas unidades de meio ambiente,
subsidiou fortemente a SBPC e a Academia Brasileira de Ciências
alertando e contestando as pretensões do relatório Rebelo, fazendo
inclusive previsões nada lisonjeiras sobre a perda de biodiversidade e
às consequências desastrosas sobre hidrologia e aumento do efeito
estufa, das ações propostas pelos ruralistas.
A própria mídia televisiva – principalmente Rede Globo – deu destaque
e cobertura jornalística informativa sobre questões levantadas pelo
relatório Rebelo, algo que já vinha sendo feito pela grande mídia
impressa, permitindo aos telespectadores e leitores formarem juízos
sobre ação pública em curso na esfera parlamentar.
Ora, com o tratamento democrático da informação, num campo em que se
lida com interesses classistas muito arraigados – o do agronegócio –
produziu-se um curioso processo de formação de opinião pública, que de
certa forma ameaça a estratégia ruralista original, que é de eliminar
qualquer restrição social e ambiental aos direitos privados absolutos.
O governo federal, que até o presente se manteve na sombra, tem ou
teria uma oportunidade de ouro para alterar as bases de sua aliança
conservadora com os ruralistas, não estivesse ele próprio envolvido nas
tratativas da “reforma” do Código Florestal, urdidas no governo Lula,
sob o escudo do então Ministro da Agricultura Reynold Stephanes.
O que está ficando cada vez mais claro é uma pequena fratura no pacto
do agronegócio, no qual a questão ambiental, seja por pressão urbana
oriunda da intuição dos riscos climáticos associados, seja pela legítima
pressão externa ligada aos impactos do efeito estufa, estariam
recolocando na agenda política os novos componentes da velha questão
agrária. Mas não tenhamos ilusões com a elite do poder, incluindo os
novos sócios, agregados no último decênio. Não está em pauta reverter a
aliança das cadeias agroindustriais, grandes proprietários fundiários e o
Estado brasileiro para exportar “commodities” a qualquer custo, que é
em essência a estratégia do agronegócio brasileiro. Mas talvez não se
deixar engolir pelas extravagâncias deste pacto conservador.
De qualquer forma é muito didática a discussão do Código Florestal
ora em curso. Ela trata indiretamente mas essencialmente dos direitos de
propriedade fundiária , aflorando até mesmo um conceito praticamente em
desuso – o do minifúndio, que é utilizado pelos ruralistas como
argumento para isenção da pequenos imóveis rurais de cumprir a exigência
de APPs (Áreas de Preservação Permanente), tese inteiramente resolvida
há 55 ano no Estatuto da Terra.
Infelizmente o que não está em discussão é a absoluta frouxidão das
políticas fundiária e ambiental de cumprir e fazer cumprir as regras de
direito agrário e ambiental, que são ponto de partida para se conviver
civilizadamente no presente e muito mai ainda no futuro. Mesmo assim, o
relatório Rebelo pretende afrouxar ainda mais, aplicando provavelmente a
estratégia de “por e tirar o bode da sala principal.”
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