Olá alunos,
Essa postagem surge a partir de um comentário do grande e notório historiador, Eric Hobsbawm, acerca da América Latina. Texto te autoria do Bernardo Ricupero, é carregado de conteúdo político e econômico. Esperamos que gostem e participem.
Yuri Antunes
Monitor da disciplina ''Economia Política e Direito'' da Universidade Federal Fluminense.
Brasileiros têm motivos de sobra para aguardar com ansiedade um futuro
lançamento editorial: How to change the world: tales of Marx and marxism
(Como mudar o mundo: histórias sobre Marx e o marxismo), de Eric
Hobsbawm. O historiador, que está perto de completar 94 anos, ganhou
sólida reputação e grande popularidade desde seu primeiro livro sobre
rebeldes primitivos, seus trabalhos sobre o “longo século 19” e o “curto
século 20” tendo tido um impacto difícil de imaginar para obras de
história.
Numa época de crescente especialização, os livros de Hobsbawm chamam a
atenção pela abrangência, sendo capazes, por exemplo, de analisar com
propriedade tanto as causas da revolução Taiping na China como o
significado da orquestra de Duke Ellington. How to change the world tem
especial interesse entre os 16 livros do historiador, até porque, apesar
de ser conhecido como marxista, não há muitos trabalhos sobre o
materialismo-histórico publicados em inglês. É verdade que esse
não é propriamente o caso no Brasil, onde a monumental História do
marxismo, originalmente aparecida na Itália e da qual Hobsbawm foi
editor, saiu com seus 11 volumes.
Isso talvez ajude a explicar um curioso comentário que o historiador
marxista faz numa recente entrevista dada ao “The Guardian”. Depois de
discorrer sobre assuntos como a crise financeira mundial, a volta de
interesse em Marx e os distúrbios estudantis na Inglaterra, observa:
“hoje, ideologicamente, sinto-me mais em casa na América Latina”.
Explica que o motivo para essa atração é que a “velha língua do século
19 e 20”, do socialismo, ainda ser praticada no continente.
Depois de uma observação como essa, talvez se esperasse elogios a Hugo
Chávez e sua revolução bolivariana ou a Evo Morales e seu Estado
plurinacional, já que ambos são governantes declaradamente
anticapitalistas, mas Hobsbawm prefere focar sua atenção na experiência
reformista do Brasil de Lula. O que lhe chama a atenção no país é uma
presumida semelhança do PT com os partidos social-democratas, surgidos
no final do século 19 na Europa. Mais especificamente, o partido
brasileiro, assim como seus congêneres europeus, impulsionados, em
grande parte, pela ação de sindicatos, teria conseguido formar uma
coalizão que reuniria trabalhadores, intelectuais e pobres em geral.
A sugestão de Hobsbawm sobre a semelhança do PT com os partidos
social-democratas merece ser explorada. Até porque há algumas
interessantes coincidências “formais” entre esses partidos. São partidos
com origem externa, não parlamentar, têm forte ligação com o movimento
sindical e se organizam ou organizaram como partidos de massa. Esses
são, portanto, partidos muito diferentes dos conservadores e liberais da
Europa e mesmo do PMDB e PSDB brasileiros, partidos de notáveis, cuja
ação basicamente se restringe ao Parlamento. Mais importante, os
partidos socialdemocratas e o PT foram, nos seus respectivos países,
fundamentais para a incorporação política das classes subalternas.
Pode-se inclusive argumentar que o PT dos primeiros tempos, ao buscar
organizar autonomamente a classe trabalhadora, procurava tanto romper
com a tradição da esquerda brasileira como se aproximar da história da
esquerda da Europa, lócus clássico da representação de interesse. Não
por acaso, a crítica ao chamado populismo foi decisiva nos anos heroicos
do petismo. A imagem que o partido sugeria sobre si era de uma novidade
radical, que poria fim a anterior manipulação dos trabalhadores que
teria marcado o país.
É evidente, porém, que os mais de cem anos que separam a experiência
inicial da social-democracia do PT criaram ambientes sociais e politico
muito diferentes. O mundo do computador e da internet dificilmente seria
entendido por homens e mulheres da época da ferrovia e da indústria
pesada. Além do mais, pouco tem em comum países que começavam a ser
imperialistas com um que ainda faz parte da periferia capitalista.
Não menos significativo, a experiência do PT no governo tem se
aproximado, em alguns pontos, do populismo. O que ocorre tanto no
“estilo” da relação do líder com as massas, como em políticas que buscam
arbitrar interesses conflitantes. Getúlio e Lula frequentemente
interpelavam diretamente seus seguidores, além de, em seus governos,
terem sido criados órgãos para que ocorra a representação de diferentes
setores sociais no interior do Estado.
Ou seja, há tanto semelhanças como diferenças notáveis entre os partidos
socialdemocratas europeus do final do século 19 e o PT brasileiro. Até
porque os contextos sociais e históricos em que eles aparecem são muito
diferentes. Mas isso o grande historiador que é Eric Hobsbawm sabe
melhor do que ninguém…
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