Caros Leitores,
Nas últimas duas décadas, a sociedade global tem acompanhado a ampliação da cooperação entre os países BRICS, processo que engloba aspectos econômicos, ambientais, comerciais, bem como aqueles relacionados à integração regional.
A expansão do bloco é gradual, porém propõe novos paradigmas de desenvolvimento para além do formato proposto pelas organizações tradicionais conduzidas pelo Ocidente.
Para acompanhar esse debate, trazemos nesta semana uma notícia que apresenta a discussão sobre as principais estratégias dos países BRICS e seus desdobramentos tanto nas esferas econômicas, como do ponto de vista jurídico e geopolítico.
Esperamos que gostem e compartilhem!
Fernanda Lima é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise.
O cenário internacional agora é de desordem, confrontos e conflitos. Há um fosso cada vez maior entre os países do Norte e do Sul Global. Para o Sul Global, o capitalismo dominante imposto pelo Norte aumenta a exclusão, concentra renda e riqueza, mas não é mais a única alternativa eficaz em grande escala disponível na atual ordem global.
Mesmo com as fragilidades econômicas enfrentadas por boa parte dos países do Sul Global na década de 1980 e a hegemonia unipolar estadunidense da década de 1990, fortalecendo a subordinação plena dos países às instituições, às normas, ao mercado e à ordem liberais, o Sul Global também ganhou maior espaço no século XXI, sobretudo pelo maior protagonismo de potências emergentes.
As mudanças e realinhamentos na geopolítica mundial criaram espaço para que potências emergentes como China, Índia e Brasil expandissem suas áreas de influência e de cooperação para outros países não industrializados, ao lado da re-emergência da Rússia, ressurgimento da África, países com desenvolvimento nacional na África e América Latina. Além disso, ao longo das décadas, surgiram também diversas iniciativas e organismos regionais ou temáticos com o intuito de reunir países do Sul Global, a fim de facilitar a cooperação e de coordenar posicionamentos, como é o caso do G-77, da Liga dos Estados Árabes, da União Africana, da Celac, da Unasul, do Fórum IBAS, da Opep, entre tantos outros. Também se destacam mudanças nos padrões comerciais e de investimento, havendo expansão de acordos e realização de programas de investimentos entre países da América Latina, da África e da Ásia.
O Brics é um fórum multilateral transcontinental único que reúne cinco grandes países — dois da Ásia (China e Índia), um da Eurásia (Rússia), um da África (África do Sul) e um da América Latina (Brasil). Responde por quase 42% da população mundial, 26% da superfície terrestre e 25% do PIB.
O que o distingue de outros fóruns multilaterais é que (a) serve como um contra-ataque aos países ocidentais liderados pelos Estados Unidos que têm dominado a economia, a política e o desenvolvimento globais até agora; e (b) fornece uma plataforma para expressar as preocupações e aspirações dos países do Sul Global, que superam o Ocidente em termos de população, recursos e, cada vez mais, em sua contribuição para o desenvolvimento global. Assim, o Brics, juntamente com outros fóruns, como a Organização de Cooperação de Xangai (SCO), é um esforço inovador para democratizar a ordem global no século XXI.
O desempenho do mecanismo Brics até agora, desde sua criação em 2006, tem sido um tanto instável. Do lado positivo, proporcionou um fórum para os líderes dos cinco países membros se encontrarem regularmente e trocarem pontos de vista de interesse comum para eles próprios e para o mundo em geral. Do lado negativo, não tem havido cooperação intra-Brics tangível e orientada para resultados, seja no campo econômico ou político. Isso se deve principalmente às relações bilaterais fracas ou tensas entre os países membros – especialmente entre a Índia e a China. Além disso, alguns países (Índia e Brasil) têm laços estreitos com os EUA, que seguem uma política agressiva anti-China e anti-Rússia. Como resultado, o Brics permaneceu um tanto amorfo. Diversas ações prejudicaram os Brics – o golpe no Brasil, a guerra da Otan contra a Rússia, a decisão da Índia de ingressar no Quadrilátero de quatro nações liderado pelos Estados Unidos, juntamente com o Japão e a Austrália para “conter a China”, podendo se desdobrar para uma “Otan asiática”, afetando a paz, a estabilidade e a cooperação na Ásia.
Porém, existem alternativas para fortalecer os Brics. Desde 2013, em todas as Cúpulas anuais do Brics, o país que ocupa a presidência convida alguns países não pertencentes para participar da cúpula como observadores ou dialogar com os membros. Em 2017, durante a Cúpula do Brics em Xiamen, província de Fujian, a China delineou o quadro “Brics Plus”, com o objetivo de promover a cooperação entre os membros do Brics e outros importantes mercados emergentes e economias em desenvolvimento. A estrutura “Brics Plus” incentiva os países convidados a conhecer as regras e o espírito da cooperação do Brics. A proposta da China de expandir o BRICS é do interesse de todos os países em desenvolvimento e visa ajudar a melhorar a governança global, por meio do aprimoramento da cooperação Sul-Sul1. Em suma, o Brics+ é uma nova estratégia de alinhamento Sul-Sul envolvendo países em busca de sinergia e complementaridades.
Uma das singularidades dos Brics é que cada membro também é uma economia líder em seu continente ou sub-região dentro de um acordo de integração regional: Rússia na União Econômica da Eurásia (UEE), Brasil no Mercosul, África do Sul no a Comunidade de Desenvolvimento da África do Sul (SADC), a Índia na Associação de Cooperação Regional do Sul da Ásia (SAARC) e a China na Organização de Cooperação de Xangai (SCO), na Área de Livre Comércio China-ASEAN e na futura Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP). Todos os países que são parceiros dos Brics nesses acordos de integração regional podem formar o que pode ser denominado como o “círculo Brics+” que se torna aberto a modos flexíveis e múltiplos de cooperação (não exclusivamente via liberalização comercial) em bases bilaterais ou regionais.
Uma cúpula do Brics+ que alcance os participantes diretos da cúpula, mas também seus numerosos parceiros regionais, deve produzir um “efeito multiplicador regional”, visando o fortalecimento dos vínculos entre o Brics e seus parceiros do Sul Global.
Algumas nações que a China apoiou a adesão ao Brics+ incluem Argentina, Egito, Indonésia, Cazaquistão, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Nigéria, Senegal e Tailândia, Turquia, Irã, Bangladesh, Nigéria, México, Argentina. Incluí-los no mecanismo Brics+ tornará a plataforma mais representativa tanto regional quanto globalmente. Já a Rússia afirmou que Argélia, Argentina e Irã se candidataram, mas já se sabe que Arábia Saudita, Turquia, Egito e Afeganistão estão interessados, além da Indonésia. Outros prováveis candidatos à adesão incluem Cazaquistão, Nicarágua, Nigéria, Senegal, Tailândia e Emirados Árabes Unidos.
É complexo encontrar os melhores critérios para adesões, pois envolvem interesses geopolíticos regionais de cada membro. Mas a iniciativa Brics+ pode criar uma nova plataforma para forjar alianças regionais e bilaterais entre os continentes, reunir os blocos de integração regional, nos quais as economias do Brics desempenham um papel de liderança. Assim, os principais blocos de integração regional que poderiam formar a plataforma Brics+ incluem o Mercosul, a União Aduaneira Sul-Africana (SACU), a UEE, a SAARC, bem como o FTA China-ASEAN. Ao todo, nesse cenário, 35 países formam o círculo BRICS+:
SACU: Botsuana, Lesoto, Namíbia, África do Sul, Suazilândia;
SAARC (membros da SAFTA) : Afeganistão, Bangladesh, Butão, Índia, Maldivas, Nepal, Paquistão, Sri Lanka;
FTA China-ASEAN: China, Indonésia, Malásia, Filipinas, Cingapura, Tailândia, Brunei, Vietnã, Laos, Mianmar, Camboja;
UE: Rússia, Cazaquistão, Bielorrússia, Armênia, Quirguistão;
Mercosul (membros centrais e membros aderentes): Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai, Bolívia, Venezuela.
Hoje, os recursos financeiros estão fortemente concentrados nos EUA e em alguns países da Europa Ocidental, enquanto o centro de gravidade das forças que impulsionam a economia produtiva mundial (agricultura, manufatura, serviços, trabalho humano e até tecnologia) está se deslocando rapidamente para a Ásia, África e América Latina. A expansão dos Brics é necessária para impulsionar um novo paradigma não-ocidental de desenvolvimento global, que seja equitativo, ambientalmente sustentável e atenda às necessidades socioeconômicas da maioria da população mundial, especialmente dos pobres.
Os Brics podem promover ideias sobre futuras moedas comerciais baseadas em commodities, à medida que o dólar se torna mais armado por meio de sanções contra a Rússia. A expansão dos Brics parece lenta mas seguramente se aproxima de uma realidade. As sanções dos EUA contra a Rússia levaram alguns países a confiar mais em suas moedas nacionais no comércio exterior. Também se fala cada vez mais em esforços para integrar sistemas de pagamento e criar uma alternativa à plataforma de mensagens de pagamento SWIFT. Os bancos centrais dos países do Brics concordaram em conduzir o quinto teste de um mecanismo bancário que poderia permitir reservas conjuntas de “moeda alternativa” para proteger suas economias de choques externos.
A nova presidente do Banco dos Brics, Dilma Rousseff, afirmou que a criação banco “foi uma demonstração da importância de estabelecer uma estratégia e uma parceria, compartilhando as necessidades desses países do Sul, do Sul Global, ou seja, o Sul que é esse Sul que quer emergir e que conta com países do Norte”. Avançar neste sentido é o grande desafio dos próximos tempos.