web counter free

sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Ocidente: Bem-vindos ao capitalismo de escassez


Caros leitores,

O contexto atual traz consigo um panorama fundamental, em que a vida em grandes potências vem sendo brutalmente modificadas, especialmente dinte do peso inflacionário que afeta a Europa e os Estados Unidos. Essa realidade faz com que surjam discussões sobre a própria ótica capitalista vigente, ao ponto em que já se começa a discutir o que vem sendo chamado de "Grande Reset".

Diante disso, trazemos hoje uma profunda análise do momento atual, tomando como ponto de partida diferentes nações do globol, tendo como prisma essencial o conceito de capitalismo de escassez.

Esperamos que gostem e compartilhem!

Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

Todas as grandes corporações do capital e suas instituições governantes assumem que o sistema-mundo capitalista está em uma fase crítica de mudança e cronificação da crise econômica. Desde o início da pandemia de covid-19, o Fórum Econômico Mundial vem falando de um plano de “Grande Reset” para reconstruir a economia mundial e direcioná-la para um novo ciclo de acumulação.

Essa mudança de paradigma marca a conclusão e o aprofundamento lógico do que podemos chamar, seguindo as palavras do sociólogo Andrés Piqueras, de Segunda Grande Crise de Longa Duração do capitalismo, que começou por volta de 1973 e encontrou sua saída temporária no marco da regulação no modelo financeirizado-neoliberal. O fim desse modelo pode estar nos conduzindo, atualmente, para outra Grande Mutação do modelo de acumulação-regulação capitalista.

No entanto, apesar do canto da sereia difundido no início da pandemia, prevendo um novo modelo de “keynesianismo pandêmico”, sobretudo a partir dos campos políticos progressistas, que se basearia em uma espécie de retorno ao paradigma do Estado redistribuidor, a atual crise inflacionária e bélica demonstra que os rumos da governança capitalista apontam para um modelo de escassez marcado pela crescente pobreza e proletarização. Tudo isto aliado à tentativa de controle da exclusão e seus problemas sociais via políticas estatais de subsistência mínima.

Conforme avalia Giovanni Arrighi, um dos mais destacados autores do paradigma do sistema-mundo capitalista, sempre que acontece uma crise pelos excessos do capital financeiro sobre o produtivo, esta marca o sinal de decadência de determinado modelo de crescimento e da potência que se tornou hegemônica com ele. Estamos nesta fase, a uma década da explosão do sistema financeiro e com crescentes tensões geopolíticas pelo domínio mundial. Apesar de não podermos enxergar todas as características desta nova fase, é evidente que vivemos um período de transição para algo novo, e que claramente não se parece em nada com os “anos felizes” posteriores à Segunda Guerra Mundial.

As mudanças de fase do capitalismo

Como mencionamos, o capitalismo ocidental está em crise há décadas, renomados economistas marxistas e heterodoxos falam de uma longa depressão, ao menos dos anos 1970 até o presente. E os dados estatísticos oficiais demonstram essa tese. Nas últimas décadas, as taxas de reinvestimento e produtividade não pararam de cair, embora se buscou manter viva a demanda agregada via crédito fácil, bolha que estourou com a crise de 2008. Contudo, desta vez, estamos diante de uma nova dimensão da crise, já que o capitalismo se aproxima do que podemos considerar seus limites biofísicos. Portanto, além de seus limites internos, precisa enfrentar os externos: que os recursos do planeta que garantiram sua reprodução ao longo do tempo são finitos.

A Arábia Saudita alertou que já atingiu o seu teto de produção de petróleo e que, apesar de continuar sendo o maior produtor de petróleo do mundo, não terá capacidade adicional para aumentar a produção acima dos 13 milhões de barris por dia que se comprometeu a ter até 2027. O petróleo continua sendo uma peça-chave em todos os processos produtivos e imprescindível para todo o sistema de transportes. A crise não é apenas um buraco pontual, mas trará mudanças que serão instauradas como temporárias, mas que virão para ficar, como a do racionamento de energia em todos os níveis.

Mas, além disso, o sistema capitalista arrasta a habitual contradição entre o valor fictício gerado pela estrutura financeira mundial e a mais-valia e o valor real produzido, o que corresponde a uma estagnação da taxa de lucro que volte a cair em nossos dias. Prova disso é que a produção industrial mundial caiu 2,7% em abril, após ter caído 1% em março.

Concretamente, na Alemanha, a principal potência industrial europeia, o componente de compras prospectivas e inventários manufatureiros medidos pelo índice PMI (Índice de Gerentes de Compras, na sigla em inglês) caiu para os níveis de 2008, sendo provável, então, que a fabricação alemã e a demanda industrial mundial já estejam em recessão.

O fim do ciclo financeirizado centrado nos Estados Unidos está em declínio há mais de uma década, mas, atualmente, nenhuma outra área geográfica do sistema-mundo capitalista demonstra dinamismo suficiente para ser capaz de arrastar o sistema mundial, em seu conjunto, para um novo ciclo de acumulação baseado na produção real de valor e lucro. Além disso, este novo ciclo enfrentaria os limites biofísicos já mencionados.

Diante desse esgotamento de reservas energéticas e primárias vitais, pode surgir um novo modo de regulação e governança capitalista, com a guerra pelos recursos como elemento de regulação a nível externo e a imposição de medidas de racionamento à população a nível interno. De qualquer forma, o impacto e o alcance desse novo modo de regulação capitalista teriam efeitos e formas diferentes na periferia ou no centro do sistema.

Capitalismo de escassez na periferia

Está claro que essa possível transição para um modelo de regulação capitalista onde a escassez e o racionamento sejam a norma social não afetará os países do chamado centro do sistema da mesma forma que os da periferia. Uma vez que na periferia a real escassez material foi mais a norma do que a exceção, durante os séculos de modernização capitalista.

No entanto, nesta fase bélica de reconfiguração das relações capitalistas globais, podemos dizer que a chamada periferia de industrialização tardia se verá especialmente atingida pelas interrupções nas cadeias de abastecimento de alimentos, com a possibilidade de fomes em grande escala, como a que já se enxerga pelo bloqueio do trigo ucraniano e a solução que as potências globais tiveram que buscar para o seu desbloqueio provisório.

O trigo da Ucrânia e Rússia é exportado principalmente para o Oriente Médio e o Norte da África. Por sua vez, a Rússia é o maior exportador mundial de fertilizantes, com 15% do fornecimento mundial. Atualmente, dos 195 países do mundo, ao menos 34 são incapazes de produzir seus próprios alimentos devido às limitações de água ou de terra. Destes 34, a maioria está na lista dos principais importadores de alimentos da Rússia e a Ucrânia, localizados na região do Norte da África e Oriente Médio.

Entre esses países, também existem claras diferenças. Os países produtores de petróleo do Golfo conseguem acessar outras vias de fornecimento de alimentos graças aos seus recursos provenientes dos hidrocarbonetos, mas existem outros países africanos que não, pois dependem do trigo russo e ucraniano, mais barato devido à sua menor qualidade proteica em relação a outros exportadores desta matéria-prima.

Por exemplo, o Egito, que até agora obtinha mais de 85% de suas importações de trigo da região do Mar Negro e que precisará encontrar fornecedores alternativos, que serão mais caros. Outros países da região, como o Iêmen e a Síria, estão em uma situação ainda mais grave por causa de sua dependência da ajuda alimentar, pois o Programa Mundial de Alimentos também está com dificuldades para se abastecer. Em uma época em que o índice de preços dos alimentos atingiu recordes históricos, a previsão do Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas é que 2022 será “um ano de fome catastrófica”.

Precisamente, os dados da própria FAO já alertam que a inflação mundial de alimentos aumentou consideravelmente, assim como, no intervalo de um só ano, o número de pessoas em situação de insegurança alimentar, sobretudo na África, América Latina e Caribe. Nesse contexto, os países mais desfavorecidos já optam por uma estratégia de protecionismo alimentar. Uganda e Gana proibiram a exportação de grãos e outros produtos agrícolas. Este último país experimentou um aumento repentino de 27% na inflação e diversos protestos percorreram as ruas do país, no mês de maio, pela situação de fome que começava a se expandir.

Junta-se ao problema da fome, na periferia global, o da dívida e o aumento das taxas de juros, o que dificultará o refinanciamento dos Estados mais fracos e minará sua capacidade de importar alimentos e outros bens básicos. A quebra do Sri Lanka manifestou que o problema de financiamento dos países capitalistas é de máxima atualidade. Segundo uma informação publicada pelo portal de notícias econômicas Bloomberg, há pelo menos 15 países em risco de inadimplência nos próximos meses, com um prêmio de risco acima de 10% (>1000 bps), entre os quais se destacam países como Líbano, Bielorrússia, Ucrânia e Tunísia.

As consequências das turbulências econômicas globais são claras, mais de 260 milhões de pessoas adicionais podem se ver mergulhadas na pobreza extrema, neste ano de 2022, de acordo com um relatório recente da organização Oxfam Intermón. Tal é a situação, que a classe capitalista começou a ser alertada para as possíveis consequências sociais dessa crescente desigualdade. Larry Fink, CEO da BlackRock, manifestou-se alertando que está muito mais preocupado com o aumento nos preços dos alimentos do que com o da gasolina ou outros combustíveis.

Capitalismo de escassez no sistema central

Nos países do centro do sistema-mundo capitalista, como na Europa, a situação não chegará ao extremo de uma escassez tão generalizada, mas, sim, será instaurado um novo regime regulatório no qual os altos preços da energia e a racionalização do seu uso se fixarão como realidades permanentes. Apesar da intervenção que diferentes governos possam fazer na cobrança da conta de luz, na verdade, o tempo da energia barata parece ter terminado.

Por exemplo, e apesar da relativa prontidão para um julgamento absoluto, o teto ao preço da energia imposto pelo governo da Espanha diminuiu o valor da conta de luz, mas segundo dados da Facua, a conta de junho deste ano foi a terceira mais cara da história. O usuário médio pagou 133,85 euros, 65% a mais que um ano atrás.

Em relação à quantidade de gás real que a União Europeia acumula atualmente, no total, os Estados-membros acumulam 597 TWh de gás (terawatt-hora) dos 1.100 TWh de capacidade total que a UE possui, uma quantidade próxima a 55%. Para outubro, a UE espera ter seus depósitos de gás em 90%. Para isso, e porque os gasodutos provenientes da Rússia operam com capacidades muito distantes de seus máximos, a UE já propôs a seus Estados-membros um plano de economia de energia, que começou a ser aplicado em pleno verão, sem esperar o inverno.

O objetivo é que entre famílias e empresas sejam economizados entre 45 bilhões e 30 bilhões de metros cúbicos de gás. No entanto, a economia que uma família pode fazer não é a mesma de um ramo industrial totalmente dependente do gás natural, como é o caso dos fornos de fundição de algumas indústrias. Nesse sentido, o país que mais sofrerá será a Alemanha, pois tem a indústria europeia mais dependente do gás natural russo, devido à sua política de descarbonização e fechamento de usinas nucleares e pouca substituição por outras fontes de energia.

A Comissão Europeia deixou claro, no momento, que esta economia de energia não responde diretamente a nenhuma política climática, o objetivo é atenuar a situação de emergência que acarretaria uma paralisação na indústria alemã por falta de energia e que levaria a um “momento Lehman” de desmoronamento para toda a economia europeia.

É por isso que os Estados-membros já estão aplicando políticas de economia de energia. Desde o controle das temperaturas dos aparelhos de ar-condicionado e aquecedores em locais públicos até recomendações para banhos mais curtos ou manter todos os eletrodomésticos desligados quando não estiverem em uso. As medidas são variadas, mas, sem dúvida, está claro que este inverno será mais escuro e frio do que os países ocidentais se acostumaram.

O alcance do racionamento de energia dependerá de dois fatores: o primeiro, o clima, já que um inverno rigoroso e frio pode disparar a demanda por gás natural para aquecer as residências. O segundo fator é a demanda internacional de gás. Se países com um grande consumo industrial, como a China, recuperarem seu consumo pré-pandemia, poderemos enfrentar uma situação na qual o fluxo de gás russo aumentará para o sudeste asiático em detrimento da Europa.

De qualquer forma, uma interrupção total do fornecimento da Rússia para a Europa parece impossível, pois significaria um grande desarranjo nas receitas do governo russo, dado que, hoje, os países europeus são os maiores clientes do gás russo. Uma situação que não pode ser revertida, a curto prazo, por conta de todas as infraestruturas que precisariam ser construídas em pouco tempo.

Consequentemente, independente do alcance que o racionamento de energia finalmente tiver, o que já se nota é que deste inverno a classe trabalhadora europeia sairá notavelmente mais empobrecida, já que ao longo do ano de 2022 a maioria da população europeia vem enfrentando índices de inflação próximos a 10%. Ao contrário, como exemplo paradigmático, segundo dados do Ministério do Trabalho espanhol, os salários aumentaram em média 2,36% no primeiro trimestre, longe dos valores assinalados pelo IPC, sempre superior a 6%.

Portanto, a narrativa da economia de energia também tem consequências psicossociais, no sentido de que grande parte da população percebe que suas poupanças diminuíram, mas agora há uma narrativa a favor da economia e de uma vida mais austera, justificada pelo cenário bélico. Neste contexto, a taxa de poupança das famílias espanholas ficou negativa no primeiro trimestre, pela primeira vez em três anos, o que pressupõe que a as economias acumuladas durante a pandemia não eram tão grandes como a narrativa oficial pressupunha. O índice de confiança dos consumidores na zona do euro também caiu para seus níveis mais baixos, desde 2012, em plena crise do euro.

Este cenário de capitalismo de escassez terá repercussões nas legislações nacionais, que preparam um cenário de maior punição para controlar uma população mais pauperizada. O Congresso dos Deputados espanhol deu luz verde, em junho, para uma reforma do Código Penal que prevê punir pequenos furtos com prisão em caso de reincidência. Tudo isso com o objetivo de estigmatizar aqueles que serão mais afetados por este aumento do custo de vida. Como menciona o juiz Ramiro García de Dios Ferreiro, em regra geral, de 23 julgamentos destacados entre o conjunto dos tribunais, 20 são exclusivamente de tentativa de furto de produtos de valor inferior a 400 euros nas lojas.

Outros estados europeus também preparam um endurecimento de sua normativa legal no campo trabalhista. A Noruega, um dos principais substitutos exportadores de gás e petróleo em detrimento da Rússia, interveio no direito à greve dos trabalhadores da empresa estatal de energia, no final de junho, por temer que as reivindicações grevistas dos trabalhadores por aumento salarial pudessem diminuir em 13% o fornecimento de gás do país.

Conclusões políticas

Não é a primeira vez na história do sistema capitalista mundial que uma crise energética e uma crise inflacionária coincidem, pois o mesmo cenário foi vivido nos anos posteriores à conhecida crise do petróleo de 1973. No entanto, naquele momento, a economia capitalista mundial estava apenas iniciando o longo declínio que sofreria nas cinco décadas seguintes, com a concatenação incessante de crises de maior ou menor extensão, apenas suavizadas via crédito e crescimento artificial, ao menos no polo europeu-estadunidense.

Observem que o cenário, mesmo que de escassez, não quer dizer que as grandes empresas oligopolistas que administram essa escassez deixarão de ter lucros extras, já que o preço em alta as favorece, como demonstram as contas recordes das principais empresas de energia.

Além disso, ao contrário dos anos 1970, não existe hoje um movimento operário fortemente organizado na maioria dos países ocidentais. Coincidindo com a crise inflacionária dos anos 1970, a maioria dos empregadores vergaram a classe operária organizada impondo pactos de renda bem abaixo da inflação, no estilo dos Pactos de Moncloa. No entanto, o que se destaca no contexto atual é a existência de uma grande camada da população excluída temporária ou permanentemente dos circuitos do trabalho assalariado, o que a faz ainda mais dependente dos auxílios estatais de subsistência mínima que podem ser oferecidos.

Após o shock pandêmico, que já introduziu novas modalidades na regulação social, sob o cenário bélico podemos avançar ao que pode ser claramente caracterizado como um capitalismo onde o consumo de energia e de certos recursos será o primeiro objetivo social a regular. Bem-vindos ao capitalismo de escassez.

Link original

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

O que causa mais danos, inflação ou recessão?

Caros leitores,

Tem sido extramemente perceptível, nos últimos tempos, os efeitos práticos da inflação no ambiente social, com um aumento em série de preços em produtos básicos da cesta básica, afetando até mesmo a própria dificuldade do cidadão manter sua subsistência. O fenômeno, que é refletido em diferentes países, acende um alerta em termos econômicos.

Diante disso, trazemos hoje uma notícia que traz a comparação direta entre a realidade inflacionária e de recessão, tendo como plano de fundo o contexto atual de diferentes países através do globo, e a forma que encontram para enfrentar essa realidade.

Esperamos que gostem e compartilhem!

Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

É preciso apagar o fogo antes que ele fique fora de controle.

Esse parece ser o lema dos países atingidos pela gigantesca inflação que assola o mundo — e que recentemente bateu recordes de décadas.

A Alemanha está com o nível mais alto de inflação em quase meio século — e lida com uma crise energética derivada da guerra na Ucrânia. Os Estados Unidos e o Reino Unido alcançaram o aumento de preços mais elevado dos últimos 40 anos. A América Latina, por sua vez, também está sob pressão devido à escalada do custo de vida.

No Brasil, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerado a inflação oficial do país, teve queda de 0,68% em julho, após ter registrado alta 0,67% em junho. Com isso, o país registrou uma deflação - inflação negativa -, a primeira depois de 25 meses seguidos de alta de preços.

No ano, porém, a inflação acumulada é de 4,77%. No acumulado nos últimos 12 meses a taxa desacelerou para 10,07%, contra os 11,89% registrados nos 12 meses imediatamente anteriores.

Ou seja: os "bombeiros" da economia estão correndo para conter esse fogo antes que ele se torne incontrolável. Os especialistas encarregados pela política fiscal e monetária dos países tentam buscar uma solução, mas não podem se descuidar de outra fonte de perigo: a recessão.

Mas o que a inflação alta tem a ver com a recessão econômica? Quando a inflação é desencadeada, os bancos centrais aumentam as taxas de juros (o custo do crédito) para desencorajar a compra de bens ou serviços. É uma política que busca reduzir o consumo, com a esperança de que os preços caiam.

Com esse mecanismo, a inflação fica mais controlada, mas, ao mesmo tempo, o crescimento econômico é desacelerado.

Se a desaceleração for muito grande, porém, a economia paralisa e as chances de o país entrar em recessão aumentam. Diante desse dilema, as autoridades têm que trabalhar numa verdadeira corda bamba e se perguntar a todo momento: até quando é possível aumentar os juros sem sufocar demais a economia?

Esse equilíbrio precário entre inflação e recessão é o que faz os economistas tentarem apagar um incêndio sem jogar mais combustível no outro.

Daí vem a pergunta: a inflação é pior do que a recessão econômica?

O mal menor

"Não é tanto o que é pior, mas o que é a primeira coisa a ser enfrentada. Acredito que um país que quer manter a estabilidade macroeconômica não pode arcar com uma inflação alta", argumenta Juan Carlos Martínez, professor de economia na IE Business School, na Espanha.

"Uma recessão é um mal menor do que uma inflação persistente na economia", avalia o especialista, numa entrevista à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC para a América Latina.

Benjamin Gedan, vice-diretor do Programa Latino-Americano do Wilson Center e professor da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, também defende que a redução do custo de vida é uma prioridade.

"As duas coisas são ruins, mas a inflação é mais difícil de superar em muitos casos", aponta.

A inflação alta crônica, acrescenta, impõe muitos custos à sociedade — o que não está relacionado apenas à crise econômica.

"Isso também cria tensões sociais, pois os trabalhadores exigem aumentos salariais recorrentes, os proprietários impõem aumentos de aluguel e os comerciantes decidem aplicar repetidas elevações de preços", exemplifica Gedan.

José Luis de la Cruz, diretor do Instituto de Desenvolvimento Industrial e Crescimento Econômico (IDIC) do México, entende que o controle da inflação pode levar muitos anos, enquanto as recessões, pelo menos nos últimos anos, têm sido superadas com mais rapidez.

"Neste momento, é fundamental conter a inflação porque as experiências dos últimos 50 anos nos mostram que uma espiral inflacionária acaba por desencadear uma recessão", lembra o economista.

"Você pode enfrentar uma recessão sem que isso implique em inflação, mas, no outro caso, a inflação acaba levando a uma crise."

Os Estados Unidos, por exemplo, "estão pagando o preço de um erro", avalia de la Cruz, porque as autoridades deixaram passar muito tempo antes de aumentar os juros para controlar o consumo e o investimento.

Dessa forma, a demanda permaneceu alta e os preços continuaram subindo, sem eliminar os incentivos para continuar gastando, analisa o especialista.

O que acontece na América Latina?

Assim como em outras partes do mundo, a América Latina também sofre com a onda inflacionária.

Em países como o Chile, a inflação atingiu a marca histórica de 13,1% (a maior em quase três décadas), seguida por Brasil e Colômbia, onde essa taxa supera os dois dígitos.

Países como Peru e México, onde a espiral inflacionária é um pouco menor, também sofreram as consequências de preços elevados, que estão deixando marcas profundas nos setores mais vulneráveis da sociedade. A Argentina, que apresenta um problema crônico de inflação, tem uma ferida aberta com um aumento de 64% no custo de vida anual.

Diante desse cenário, os bancos centrais da região têm aplicado aumentos históricos nas taxas de juros para tentar aliviar a pressão (ou diminuir a força do fogo). Em tempos econômicos bons, muitos governos costumavam estabelecer uma meta de inflação na faixa de 2% a 4%.

Porém, com o custo do crédito em disparada, essas metas foram deixadas de lado, pelo menos por enquanto. O Brasil, por exemplo, está com taxas de juros de 13,7%, enquanto no Chile o custo dos empréstimos subiu para um máximo histórico de 9,7%.

Restam poucas opções para as pessoas que aspiravam comprar uma casa com empréstimo bancário, ou para os empreendedores que planejavam renovar equipamentos, expandir as operações ou iniciar novos projetos de investimento.

Claramente, o tempo do "dinheiro barato", ou seja, dos empréstimos mais acessíveis, ficou no passado. O aumento do custo do crédito tem sido tão rápido e profundo que os economistas esperam ver os primeiros resultados disso em breve.

De fato, em países como os Estados Unidos e o Brasil, a inflação deu uma trégua e diminuiu ligeiramente, aumentando as expectativas de que os preços poderiam ter atingindo o patamar máximo.

Quem são os mais afetados pela inflação?

"O pior de tudo é que a inflação tem o efeito de um imposto sobre os pobres, que têm pouca poupança e geralmente trabalham no setor informal, com baixa capacidade de proteger o poder de compra", explica Gedan.

Dada a pobreza generalizada na América Latina e o gigantesco setor informal, os impactos da inflação são particularmente graves na região. Nesse sentido, as autoridades não hesitaram em aumentar as taxas de juros, especialmente devido aos episódios de escalada de preços na América Latina nas últimas décadas.

"Dados os traumas recentes ​​da região com a hiperinflação e o desejo de preservar a credibilidade conquistada com muito esforço dos bancos centrais, não é surpreendente ver uma ação rápida em muitos países para conter os aumentos de preços", diz o especialista.

O debate nos Estados Unidos

Embora a inflação e a recessão sejam duas ameaças econômicas, nos Estados Unidos o debate se concentrou em quanto e com que velocidade o Federal Reserve (o equivalente ao banco central em outros países) deve continuar a aumentar as taxas para impedir a escalada dos preços.

Criticado por não ter agido antes, o órgão embarcou em uma série de aumentos de juros neste ano. E como esses aumentos freiam a economia, a pergunta que muitos estão fazendo é se o país entrará ou não em recessão.

Os EUA já passam pelo que se conhece como "recessão técnica", o equivalente a dois trimestres consecutivos de contração econômica. Mas nos EUA, esses números negativos não representam uma verdadeira recessão, de acordo com os padrões usados pelo país.

Quem define esse estágio econômico por lá é uma organização independente chamada National Bureau of Economic Research (NBER). A instituição conta com a participação dos principais economistas, que se reúnem regularmente e analisam todas as variáveis ​​que podem afetar um processo de recessão.

A definição que eles usam está longe de ser uma fórmula matemática: "[A recessão é] Um declínio significativo na atividade econômica que se espalha por toda a economia e dura mais do que alguns meses."

A abordagem do comitê de economistas é que, embora cada um de três critérios (profundidade, espalhamento e duração) deva ser contemplado individualmente até certo ponto, as condições extremas relacionadas a um critério podem compensar parcialmente as indicações mais fracas dos outros.

Justamente por não ser uma fórmula infalível, há muito debate nos Estados Unidos sobre se o país está realmente caminhando para uma recessão ou se não chegará a esse estágio.

As mais altas autoridades do país (responsáveis ​​pela política fiscal e monetária) têm se mostrado otimistas, argumentando que o mercado de trabalho continua forte. Em julho, a inflação caiu ligeiramente (de 9,1% para 8,5%), dando um certo alívio nas previsões que consideravam inevitável uma recessão no país.

Link original

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

Lançamento livro Coletânea GPEIA/UFF - "Estado e Instituições: Desafios Contemporâneos do Mutilateralismo e Perspectivas no Âmbito da Governança Global"

Caros leitores,

É com muita satisfação que compartilhamos o lançamento do Livro Coletânea “Estado e Instituições: Desafios Contemporâneos do Multilateralismo e Perspectivas no Âmbito da Governança Global”, como resultado dos trabalhos do "II Seminário Internacional sobre Estado e Instituições".


O livro é composto por uma seleção de artigos que se destacaram no Evento, em conjunto com capítulos inéditos, e já está está disponível através do seguinte link:


Livro Estado e Instituições


Encaminhamos o Sumário Expandido com o conteúdo do livro, composto por capítulos escritos por especialistas no tema, e desejamos a todos interessados na área uma boa leitura!


Sumário do Livro Coletânea


Cordialmente,

Comissão Organizadora & Equipe GPEIA

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Convite - Desenvolvimento e Estratégias para a Reconstrução do Brasil

Caros leitores,

É fato que vivemos um momento de delicadeza ímpar quando se trata do cenário econômico nacional, com uma busca enfática de alternativas que possam trazer benefícios, especialmente ao longo prazo, visando uma recuperação plena do ambiente econômico após mais de uma década desde a crise de 2008 e seus reflexos em âmbito nacional, regional e internacional.

Diante disso, convidamos a todos a participar do Evento "Desenvolvimento e Estratégias para a Reconstrução do Brasil", promovido pelo Instituto Brasileiro de Estudos Políticos (IBEP) como parte de seu curso "Pensadores do Brasil"

Contando com exposição do Prof. Marcio Pochmann, ex-presidente do IPEA, a aula ocorrerá no dia 16/09, às 19:00, ocorrendo na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), localizada na Rua São Francisco Xavier 524, Maracanã, auditório 11, 1º andar.

Esperamos que gostem e participem!

Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Análise | Índia e Brics em condições de Guerra Fria

Caros leitores,

O contexto geopolítico global, com a imposição de sanções em face da Rússia, trouxe diferentes efeitos práticos em diferentes escalas das Relações Internacionais. Um dos marcos desta é justamente a aproximação entre nações e o Governo Russa, tal como é o caso da Índia.

Diante disso, trazemos hoje uma análise acerca da posição indiana frente ao Brics nos últimos tempos, fruto principalmente de uma percepção equivocada do país acerca dos interesses chineses no bloco, em uma história que é naturalmente conturbada. Os efeitos, de fato, afetam as próprias perspectivas futuras para o Brics.

Esperamos que gostem e compartilhem!

Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

A conversa por telefone entre o primeiro-ministro indiano Modi e o presidente russo Putin na última sexta-feira, 1°de julho, foi um importante sinal no dia seguinte ao lançamento do novo Conceito Estratégico da OTAN, que chama a Rússia de "ameaça mais significativa e direta da aliança”. Na leitura de Moscou e na de Nova Délhi está presente a determinação das duas lideranças em avançar na cooperação econômica, apesar das sanções ocidentais contra a Rússia. 

Ironicamente, as "sanções do inferno" do Ocidente acabaram por dar grande estímulo às relações comerciais entre Índia e Rússia, dando-lhe um dinamismo que nunca se suspeitaria que seria recapturado na era pós-soviética.

A ligação de sexta-feira foi combinada durante a cúpula do Brics (23 a 24 de junho). Curiosamente, ela acontece em um momento em que as potências ocidentais intensificam seus esforços para criar discórdia entre os países membros do Brics, e tentam fazer uma lavagem cerebral especificamente com a Índia, para que se juntem ao seu movimento nas novas condições da Guerra Fria. A Índia, claro, se movimenta pelo mais vantajoso, mais ardilosa que nunca nesse circuito multilateral - UE, G7, QUAD.

A relação entre Índia e Rússia foi um elemento motivador da visita de Modi ao Japão, em abril, (parcialmente), e as três visitas a Europa em maio, e, também, das duas reuniões com o presidente dos EUA, Joe Biden, nesse mesmo período (em grande parte). Nos cálculos do Ocidente, China e Índia estão dando à Rússia o que analistas chamam de "profundidade estratégica", o que poderia mitigar os efeitos do esforço frenético de "apagar" a Rússia. Vale observar que as tentativas do Ocidente de criar paranoias na mente Indiana acerca dos laços estreitos entre a Rússia e a China não estão tendo mais o efeito desejado, de tornar Delhi desconfiada das intenções da Rússia. A Índia vê, pelo contrário, grandes oportunidades de explorar a inclinação da Rússia para com a região Ásia-Pacífico em parcerias econômicas.

Sem dúvida, a Índia está "se equilibrando" entre Washington e Moscou e a cúpula do Brics foi uma ótima ocasião para monitorar essa corda bamba. Um jornal notoriamente pró-Ocidente de Delhi previu que Modi atuaria como um sentinela do Presidente dos EUA, Biden, bloqueando qualquer declaração do Brics crítica aos EUA. Seja isso verdade ou não, Modi fez um discurso bastante moderado na Cúpula do Brics.

Putin, por outro lado, afirmou em seu discurso na cúpula que "considerando a complexidade dos desafios e ameaças que a comunidade internacional está enfrentando e o fato destes transcenderem as fronteiras, precisamos encontrar soluções coletivas. Os Brics podem contribuir significativamente para esses esforços”.

Acrescenta, ainda, que "estamos confiantes, hoje como nunca antes, que o mundo precisa da liderança dos países do Brics na definição de um caminho que o unifique e aponte para a formação de um sistema realmente multipolar de relações entre os Estados [...] Nós podemos contar com o apoio de diversos países na Ásia, África e América Latina que estão em busca de construir uma política autônoma e independente."

Em seu discurso, o Presidente chinês Xi Jinping fez um apelo ainda mais direto aos parceiros do Brics: "nosso mundo hoje está obscurecido pelas nuvens escuras da mentalidade da Guerra Fria e de Políticas de disputa de Poder e assolado por ameaças de segurança convencionais e não convencionais que emergem constantemente. Alguns países tentam expandir alianças militares em busca de uma segurança absoluta, estimulam o confronto entre os blocos coagindo outros países a escolherem lados e buscam o domínio unilateral às custas dos direitos e interesses de outros. Se essas tendências perigosas continuarem, o mundo testemunhará ainda mais turbulência e insegurança.

É importante que os países do Brics se apoiem mutuamente naquilo que for de interesse central, pratiquem o verdadeiro multilateralismo e sejam salvaguarda da solidariedade e do que é justo, repelindo as divisões, ideias de hegemonia e bullying."

De fato, não importa o quão impressionante tenha ficado a Declaração de Pequim da XIV Cúpula do Brics, o fato é que o bloco segue trabalhando muito abaixo de seu potencial real e uma das principais razões para isso é a mentalidade de "soma zero" da Índia em relação à China, o que dificulta o trabalho entre os dois países em quaisquer articulações regionais.

Vale frisar, no entanto, que qualquer desconfiança na mente Indiana de que a China "dominaria" os Brics é injustificada. A Rússia, sem dúvida, ocupa um lugar especial na estrutura dos Brics. Na verdade, o Brics é fruto de uma ideia inicialmente vinda de Moscou e a Rússia foi responsável pelo lançamento desta configuração. A primeira reunião entre Ministérios (no formato BRIC) ocorreu por sugestão de Putin em setembro de 2006, durante a sessão da Assembleia Geral da ONU em Nova York. A ideia de criar o Brics, depois, amadureceu na Rússia.

Em segundo lugar, o Brics é um formato "desideologizado". Não demonstra interesse de agir contra os EUA, embora desafie a hegemonia ocidental sobre a Ordem Política e Econômica internacional. O fato de o próprio governo Manmohan Singh ter recebido a iniciativa BRIC de Putin em um momento tão sensível quanto durante as negociações da Índia para um acordo nuclear com os EUA (de olho no embargo de Washington à transferência de tecnologia) fala por si.

Moscou concebeu o conceito do Brics para o fortalecer a formação de um sistema multipolar de Relações Internacionais e para crescer a cooperação econômica — e de fato contribuiu para o nascimento de um novo sistema econômico, baseado na igualdade de acesso dos países aos mercados e ao financiamento, uma combinação de planejamento estatal e economia de mercado.

A Índia tem um problema para perceber que o paradigma do Brics não está na expansão das capacidades ou ambições dos países membros do grupo, mas na promoção de uma mudança qualitativa no modelo de desenvolvimento econômico do Sul Global. A atitude prepotente da Índia — franzindo sempre a testa e politizando o fórum com questões exteriores aos debates (principalmente para constranger a China) - não faz sentido.

Ao contrário da Índia, a China leva os Brics a sério. A iniciativa chinesa de criar o Centro Brics de Pesquisa e Desenvolvimento de Vacinas está caminhando e a implementação deste projeto em meio à conjuntura atual pode ser uma conquista significativa que impulsionaria toda a concepção do bloco. Idealmente, a Índia deveria cooperar com esse projeto ao invés de se unir a seus parceiros QUAD, que acabou perdendo seu rumo.

Mais uma vez, a inovação na Indústria deve ser uma prioridade para a Presidência chinesa do Brics em 2022. As expectativas são altas para que, durante sua gestão a China traga uma série de iniciativas inovadoras. Agora que a construção da sede do Novo Banco de Desenvolvimento do Brics (NDB) em Xangai terminou, novas propostas são esperadas sobre o desenvolvimento de suas operações, incluindo possivelmente uma expansão do número de acionistas do banco.

Evidentemente, a China promoverá seus próprios projetos, incluindo a Nova Rota da Seda (BRI). Mas há que se notar que é, também, a China que está aportando a maior parte dos recursos financeiros destes projetos. Está na hora de a Índia fazer uma séria reavaliação acerca de seu papel dentro da estrutura do Brics e sobre as mudanças no equilíbrio do poder interno no agrupamento nessas novas condições da Guerra Fria.

O Brics está em uma encruzilhada histórica e essa constatação colocou a possibilidade de um formato "Brics+" no centro das discussões. O lançamento da reunião ampliada do Brics+ com Ministros das Relações Exteriores já ocorreu sob a presidência do Brics de 2022 da China. Os participantes incluíram Egito, Nigéria, Senegal, Argentina, Indonésia, Cazaquistão, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Tailândia.

Durante a reunião entre os ministérios, a China também anunciou planos para abrir a possibilidade de países em desenvolvimento se juntarem ao grupo principal do Brics. A Argentina e o Irã foram mencionados como candidatos à expansão do Brics. Seja como for," Brics+ " certamente estará na agenda da governança global nos próximos tempos.

Link original

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Argentina, finalmente, parte do BRICS?

Caros leitores,

O Brics foi durante boa parte do início do século uma das prioridades no tratamento diplomático brasileiro, tornando-se símbolo de um momento econômico favorável aos seus membros como um resultado do boom das commodities. Embora o passar do tempo tenha trazido um abandono do tratamento prioritário ao bloco pelo governo brasileiro, este continua sendo um contraponto essencial às potências globais simbolizadas pelo G7.

Diante disso, trazemos hoje uma notícia que apresenta o interesse argentino na adesão ao grupo, movido por um interesse genuíno em buscar os benefícios e a parceria comercial que os Brics poderiam representar. O movimento, identificado desde 2015 pelo governo da Argentina, culminou em sua participação como convidada na 14ª Cúpula do bloco.

Esperamos que gostem e compartilhem!

Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

A14ª Reunião da Cúpula do Brics, realizada em junho, ocorreu em um momento tenso devido à guerra na Ucrânia. O evento, que reuniu os chefes de Estado de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, aconteceu pela terceira vez em formato virtual por causa da pandemia da Covid-19. Mas algo será diferente nessa edição: a presença da Argentina como convidada, país que já demonstrou interesse em fazer parte do grupo.

A cúpula anual do bloco tem como objetivo “promover uma parceria de alto nível entre os países-membros e inaugurar uma nova era para o desenvolvimento global”, de acordo com uma declaração da China, o país anfitrião do encontro deste ano, que deve ter como principais temas a cooperação vacinal e de saúde pública.

A China pediu formalmente aos membros dos Brics que considerassem expandir o grupo de cooperação Sul-Sul, mas não citou países específicos. A proposta foi aceita, de acordo com uma declaração do bloco. Mas os países não estabeleceram prazos para novos membros e mencionaram a necessidade de rever procedimentos de adesão antes de seguir em frente.

O presidente argentino Alberto Fernández dirigiu-se à cúpula dos ministros das Relações Exteriores dos Brics, por carta, em maio deste ano destacando o grupo como uma “alternativa de cooperação a uma ordem mundial que vem trabalhando em benefício de poucos”. Ele também enfatizou que os interesses da Argentina estão alinhados com os do bloco.

A entrada da Argentina seria a segunda adição aos membros fundadores do bloco desde a adesão da África do Sul em 2010. Outros países, como a Indonésia, também foram mencionados como potenciais novos membros, o que ampliaria ainda mais o grupo de potências emergentes do Sul Global.

“A Argentina vê seu futuro não na velha Europa ou no Atlântico Norte, mas no Novo Sul, simbolizado pelos Brics, cujo núcleo está no Pacífico Asiático”, argumentou Jorge Heine, pesquisador da Universidade de Boston, em uma coluna para o jornal estatal chinês Global Times.

Argentina e possível expansão dos Brics

O interesse da Argentina nos Brics não é novo. Desde 2015, primeiro com a ex-presidente Cristina Kirchner e depois com seu sucessor Mauricio Macri, o governo argentino tem enfatizado seu desejo de se juntar ao grupo. Embora nenhum progresso tenha ocorrido além de declarações, especialistas concordam que o cenário atual é diferente.

Esteban Actis, pesquisador da Universidade Nacional de Rosário, argumenta que a invasão russa da Ucrânia provavelmente levará a uma fragmentação da governança global, com menos peso dado a grupos multilaterais como o G20. Em vista disso, a China parece estar interessada em expandir os Brics para tornar o bloco mais robusto e acrescentar novos países para promover seu desenvolvimento.

A questão de saber se a Argentina se qualifica como uma “economia emergente” é discutível. Em novembro passado, a empresa de pesquisa MSCI reclassificou a Argentina como uma “economia autônoma”, em meio a suas dificuldades econômicas persistentes.

“Sempre fui bastante cético quanto à possibilidade de a Argentina aderir, mas as mudanças no cenário internacional podem tornar isso possível”, avalia Actis. “Somado a isso, há o apoio do Brasil e do governo Bolsonaro, anteriormente relutante em expandir o bloco”.

Fontes diplomáticas disseram à Télam, agência estatal de notícias da Argentina, que o processo de adesão será “longo”, mas que o governo já havia recebido apoios não oficiais de Brasil, China e Índia. Acrescentar um novo país aos Brics requer consenso de todos os membros, o que torna o processo ainda mais complexo.

O grupo dos Brics foi formado em 2009 como um fórum para a cooperação política, econômica e comercial entre os países-membros, com o objetivo de equilibrar a influência de organizações financeiras e comerciais internacionais lideradas por países ocidentais, especialmente os Estados Unidos.

À época em que foi criado, diante de um boom de commodities e da crise financeira nas maiores economias do mundo, os Brics se posicionaram como uma força notável em nível global, com potencial de mudar a atual ordem mundial.

Entretanto, o ceticismo em relação ao progresso do bloco e seu significado como um grupo predominam, com até mesmo seus apoiadores mais entusiastas questionando a falta de progresso ou coordenação em políticas substantivas. Apesar disso, o grupo ainda consegue se manter unido.

Para Julieta Zelicovich, doutora em relações internacionais, a heterogeneidade do bloco torna difícil sua ampliação. Embora a China e o Brasil possam concordar com a adesão da Argentina por causa de seus interesses com o país, o mesmo não se aplica para a África do Sul, Índia ou Rússia, que têm poucos incentivos claros para expandir o bloco, avalia.

Em busca de financiamento para infraestrutura

Uma possibilidade mais factível para a Argentina seria aderir ao Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), ou o Banco dos Brics, como é conhecido, já que não é necessário fazer parte do bloco para se filiar. Uruguai, Emirados Árabes Unidos e Bangladesh são os membros mais recentes do NDB.

“O NDB seria um espaço interessante para a Argentina e está alinhado com a ideia do governo [argentino] de participar de organizações financeiras alternativas”, disse Zelicovich.

A Argentina está em meio a uma crise econômica e de dívida soberana, com baixas reservas cambiais em seu Banco Central e acesso limitado a fontes de financiamento. Essa conjuntura atrasou a expansão de seus parques de energia solar e eólica, entre outros projetos, que são necessários para a transição energética do país.

O ministro da Economia do Brasil, Paulo Guedes, disse que apoiará a Argentina como integrante do NDB, após uma reunião em abril com o seu homólogo argentino Martín Guzmán. Para Guedes, sua adesão permitiria uma maior integração entre as economias de ambos os países, especialmente nos setores de energia e agricultura.

Desde sua criação em 2014, o NDB aprovou cerca de 80 projetos em todos os seus países-membros, totalizando aportes de US$ 30 bilhões. Projetos em áreas como transportes, água e saneamento, energia limpa, infraestrutura digital e social e desenvolvimento urbano estão no escopo.

Federico Vaccarezza, professor de relações econômicas internacionais da Universidade Austral, disse que a adesão ao NDB significaria um novo canal de financiamento para a Argentina, especialmente em infraestrutura energética. “Diante de um cenário de falta de dólares no país, o NDB representa uma oportunidade”.

Além de uma possível adesão ao NDB, em 2020 a Argentina aderiu ao Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB), outra iniciativa de financiamento de desenvolvimento liderada pela China, criada em 2015. Um dos objetivos originais do AIIB era o de apoiar investimentos em infraestrutura da Iniciativa Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês), à qual a Argentina aderiu formalmente este ano em visita a Beijing.

Link original