Caros leitores,
O contexto geopolítico global, com a imposição de sanções em face da Rússia, trouxe diferentes efeitos práticos em diferentes escalas das Relações Internacionais. Um dos marcos desta é justamente a aproximação entre nações e o Governo Russa, tal como é o caso da Índia.
Diante disso, trazemos hoje uma análise acerca da posição indiana frente ao Brics nos últimos tempos, fruto principalmente de uma percepção equivocada do país acerca dos interesses chineses no bloco, em uma história que é naturalmente conturbada. Os efeitos, de fato, afetam as próprias perspectivas futuras para o Brics.
Esperamos que gostem e compartilhem!
Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).
A conversa por telefone entre o primeiro-ministro indiano Modi e o presidente russo Putin na última sexta-feira, 1°de julho, foi um importante sinal no dia seguinte ao lançamento do novo Conceito Estratégico da OTAN, que chama a Rússia de "ameaça mais significativa e direta da aliança”. Na leitura de Moscou e na de Nova Délhi está presente a determinação das duas lideranças em avançar na cooperação econômica, apesar das sanções ocidentais contra a Rússia.
Ironicamente, as "sanções do inferno" do Ocidente acabaram por dar grande estímulo às relações comerciais entre Índia e Rússia, dando-lhe um dinamismo que nunca se suspeitaria que seria recapturado na era pós-soviética.
A ligação de sexta-feira foi combinada durante a cúpula do Brics (23 a 24 de junho). Curiosamente, ela acontece em um momento em que as potências ocidentais intensificam seus esforços para criar discórdia entre os países membros do Brics, e tentam fazer uma lavagem cerebral especificamente com a Índia, para que se juntem ao seu movimento nas novas condições da Guerra Fria. A Índia, claro, se movimenta pelo mais vantajoso, mais ardilosa que nunca nesse circuito multilateral - UE, G7, QUAD.
A relação entre Índia e Rússia foi um elemento motivador da visita de Modi ao Japão, em abril, (parcialmente), e as três visitas a Europa em maio, e, também, das duas reuniões com o presidente dos EUA, Joe Biden, nesse mesmo período (em grande parte). Nos cálculos do Ocidente, China e Índia estão dando à Rússia o que analistas chamam de "profundidade estratégica", o que poderia mitigar os efeitos do esforço frenético de "apagar" a Rússia. Vale observar que as tentativas do Ocidente de criar paranoias na mente Indiana acerca dos laços estreitos entre a Rússia e a China não estão tendo mais o efeito desejado, de tornar Delhi desconfiada das intenções da Rússia. A Índia vê, pelo contrário, grandes oportunidades de explorar a inclinação da Rússia para com a região Ásia-Pacífico em parcerias econômicas.
Sem dúvida, a Índia está "se equilibrando" entre Washington e Moscou e a cúpula do Brics foi uma ótima ocasião para monitorar essa corda bamba. Um jornal notoriamente pró-Ocidente de Delhi previu que Modi atuaria como um sentinela do Presidente dos EUA, Biden, bloqueando qualquer declaração do Brics crítica aos EUA. Seja isso verdade ou não, Modi fez um discurso bastante moderado na Cúpula do Brics.
Putin, por outro lado, afirmou em seu discurso na cúpula que "considerando a complexidade dos desafios e ameaças que a comunidade internacional está enfrentando e o fato destes transcenderem as fronteiras, precisamos encontrar soluções coletivas. Os Brics podem contribuir significativamente para esses esforços”.
Acrescenta, ainda, que "estamos confiantes, hoje como nunca antes, que o mundo precisa da liderança dos países do Brics na definição de um caminho que o unifique e aponte para a formação de um sistema realmente multipolar de relações entre os Estados [...] Nós podemos contar com o apoio de diversos países na Ásia, África e América Latina que estão em busca de construir uma política autônoma e independente."
Em seu discurso, o Presidente chinês Xi Jinping fez um apelo ainda mais direto aos parceiros do Brics: "nosso mundo hoje está obscurecido pelas nuvens escuras da mentalidade da Guerra Fria e de Políticas de disputa de Poder e assolado por ameaças de segurança convencionais e não convencionais que emergem constantemente. Alguns países tentam expandir alianças militares em busca de uma segurança absoluta, estimulam o confronto entre os blocos coagindo outros países a escolherem lados e buscam o domínio unilateral às custas dos direitos e interesses de outros. Se essas tendências perigosas continuarem, o mundo testemunhará ainda mais turbulência e insegurança.
É importante que os países do Brics se apoiem mutuamente naquilo que for de interesse central, pratiquem o verdadeiro multilateralismo e sejam salvaguarda da solidariedade e do que é justo, repelindo as divisões, ideias de hegemonia e bullying."
De fato, não importa o quão impressionante tenha ficado a Declaração de Pequim da XIV Cúpula do Brics, o fato é que o bloco segue trabalhando muito abaixo de seu potencial real e uma das principais razões para isso é a mentalidade de "soma zero" da Índia em relação à China, o que dificulta o trabalho entre os dois países em quaisquer articulações regionais.
Vale frisar, no entanto, que qualquer desconfiança na mente Indiana de que a China "dominaria" os Brics é injustificada. A Rússia, sem dúvida, ocupa um lugar especial na estrutura dos Brics. Na verdade, o Brics é fruto de uma ideia inicialmente vinda de Moscou e a Rússia foi responsável pelo lançamento desta configuração. A primeira reunião entre Ministérios (no formato BRIC) ocorreu por sugestão de Putin em setembro de 2006, durante a sessão da Assembleia Geral da ONU em Nova York. A ideia de criar o Brics, depois, amadureceu na Rússia.
Em segundo lugar, o Brics é um formato "desideologizado". Não demonstra interesse de agir contra os EUA, embora desafie a hegemonia ocidental sobre a Ordem Política e Econômica internacional. O fato de o próprio governo Manmohan Singh ter recebido a iniciativa BRIC de Putin em um momento tão sensível quanto durante as negociações da Índia para um acordo nuclear com os EUA (de olho no embargo de Washington à transferência de tecnologia) fala por si.
Moscou concebeu o conceito do Brics para o fortalecer a formação de um sistema multipolar de Relações Internacionais e para crescer a cooperação econômica — e de fato contribuiu para o nascimento de um novo sistema econômico, baseado na igualdade de acesso dos países aos mercados e ao financiamento, uma combinação de planejamento estatal e economia de mercado.
A Índia tem um problema para perceber que o paradigma do Brics não está na expansão das capacidades ou ambições dos países membros do grupo, mas na promoção de uma mudança qualitativa no modelo de desenvolvimento econômico do Sul Global. A atitude prepotente da Índia — franzindo sempre a testa e politizando o fórum com questões exteriores aos debates (principalmente para constranger a China) - não faz sentido.
Ao contrário da Índia, a China leva os Brics a sério. A iniciativa chinesa de criar o Centro Brics de Pesquisa e Desenvolvimento de Vacinas está caminhando e a implementação deste projeto em meio à conjuntura atual pode ser uma conquista significativa que impulsionaria toda a concepção do bloco. Idealmente, a Índia deveria cooperar com esse projeto ao invés de se unir a seus parceiros QUAD, que acabou perdendo seu rumo.
Mais uma vez, a inovação na Indústria deve ser uma prioridade para a Presidência chinesa do Brics em 2022. As expectativas são altas para que, durante sua gestão a China traga uma série de iniciativas inovadoras. Agora que a construção da sede do Novo Banco de Desenvolvimento do Brics (NDB) em Xangai terminou, novas propostas são esperadas sobre o desenvolvimento de suas operações, incluindo possivelmente uma expansão do número de acionistas do banco.
Evidentemente, a China promoverá seus próprios projetos, incluindo a Nova Rota da Seda (BRI). Mas há que se notar que é, também, a China que está aportando a maior parte dos recursos financeiros destes projetos. Está na hora de a Índia fazer uma séria reavaliação acerca de seu papel dentro da estrutura do Brics e sobre as mudanças no equilíbrio do poder interno no agrupamento nessas novas condições da Guerra Fria.
O Brics está em uma encruzilhada histórica e essa constatação colocou a possibilidade de um formato "Brics+" no centro das discussões. O lançamento da reunião ampliada do Brics+ com Ministros das Relações Exteriores já ocorreu sob a presidência do Brics de 2022 da China. Os participantes incluíram Egito, Nigéria, Senegal, Argentina, Indonésia, Cazaquistão, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Tailândia.
Durante a reunião entre os ministérios, a China também anunciou planos para abrir a possibilidade de países em desenvolvimento se juntarem ao grupo principal do Brics. A Argentina e o Irã foram mencionados como candidatos à expansão do Brics. Seja como for," Brics+ " certamente estará na agenda da governança global nos próximos tempos.
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