Caros leitores,
O Brics foi durante boa parte do início do século uma das prioridades no tratamento diplomático brasileiro, tornando-se símbolo de um momento econômico favorável aos seus membros como um resultado do boom das commodities. Embora o passar do tempo tenha trazido um abandono do tratamento prioritário ao bloco pelo governo brasileiro, este continua sendo um contraponto essencial às potências globais simbolizadas pelo G7.
Diante disso, trazemos hoje uma notícia que apresenta o interesse argentino na adesão ao grupo, movido por um interesse genuíno em buscar os benefícios e a parceria comercial que os Brics poderiam representar. O movimento, identificado desde 2015 pelo governo da Argentina, culminou em sua participação como convidada na 14ª Cúpula do bloco.
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Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).
A14ª Reunião da Cúpula do Brics, realizada em junho, ocorreu em um momento tenso devido à guerra na Ucrânia. O evento, que reuniu os chefes de Estado de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, aconteceu pela terceira vez em formato virtual por causa da pandemia da Covid-19. Mas algo será diferente nessa edição: a presença da Argentina como convidada, país que já demonstrou interesse em fazer parte do grupo.
A cúpula anual do bloco tem como objetivo “promover uma parceria de alto nível entre os países-membros e inaugurar uma nova era para o desenvolvimento global”, de acordo com uma declaração da China, o país anfitrião do encontro deste ano, que deve ter como principais temas a cooperação vacinal e de saúde pública.
A China pediu formalmente aos membros dos Brics que considerassem expandir o grupo de cooperação Sul-Sul, mas não citou países específicos. A proposta foi aceita, de acordo com uma declaração do bloco. Mas os países não estabeleceram prazos para novos membros e mencionaram a necessidade de rever procedimentos de adesão antes de seguir em frente.
O presidente argentino Alberto Fernández dirigiu-se à cúpula dos ministros das Relações Exteriores dos Brics, por carta, em maio deste ano destacando o grupo como uma “alternativa de cooperação a uma ordem mundial que vem trabalhando em benefício de poucos”. Ele também enfatizou que os interesses da Argentina estão alinhados com os do bloco.
A entrada da Argentina seria a segunda adição aos membros fundadores do bloco desde a adesão da África do Sul em 2010. Outros países, como a Indonésia, também foram mencionados como potenciais novos membros, o que ampliaria ainda mais o grupo de potências emergentes do Sul Global.
“A Argentina vê seu futuro não na velha Europa ou no Atlântico Norte, mas no Novo Sul, simbolizado pelos Brics, cujo núcleo está no Pacífico Asiático”, argumentou Jorge Heine, pesquisador da Universidade de Boston, em uma coluna para o jornal estatal chinês Global Times.
Argentina e possível expansão dos Brics
O interesse da Argentina nos Brics não é novo. Desde 2015, primeiro com a ex-presidente Cristina Kirchner e depois com seu sucessor Mauricio Macri, o governo argentino tem enfatizado seu desejo de se juntar ao grupo. Embora nenhum progresso tenha ocorrido além de declarações, especialistas concordam que o cenário atual é diferente.
Esteban Actis, pesquisador da Universidade Nacional de Rosário, argumenta que a invasão russa da Ucrânia provavelmente levará a uma fragmentação da governança global, com menos peso dado a grupos multilaterais como o G20. Em vista disso, a China parece estar interessada em expandir os Brics para tornar o bloco mais robusto e acrescentar novos países para promover seu desenvolvimento.
A questão de saber se a Argentina se qualifica como uma “economia emergente” é discutível. Em novembro passado, a empresa de pesquisa MSCI reclassificou a Argentina como uma “economia autônoma”, em meio a suas dificuldades econômicas persistentes.
“Sempre fui bastante cético quanto à possibilidade de a Argentina aderir, mas as mudanças no cenário internacional podem tornar isso possível”, avalia Actis. “Somado a isso, há o apoio do Brasil e do governo Bolsonaro, anteriormente relutante em expandir o bloco”.
Fontes diplomáticas disseram à Télam, agência estatal de notícias da Argentina, que o processo de adesão será “longo”, mas que o governo já havia recebido apoios não oficiais de Brasil, China e Índia. Acrescentar um novo país aos Brics requer consenso de todos os membros, o que torna o processo ainda mais complexo.
O grupo dos Brics foi formado em 2009 como um fórum para a cooperação política, econômica e comercial entre os países-membros, com o objetivo de equilibrar a influência de organizações financeiras e comerciais internacionais lideradas por países ocidentais, especialmente os Estados Unidos.
À época em que foi criado, diante de um boom de commodities e da crise financeira nas maiores economias do mundo, os Brics se posicionaram como uma força notável em nível global, com potencial de mudar a atual ordem mundial.
Entretanto, o ceticismo em relação ao progresso do bloco e seu significado como um grupo predominam, com até mesmo seus apoiadores mais entusiastas questionando a falta de progresso ou coordenação em políticas substantivas. Apesar disso, o grupo ainda consegue se manter unido.
Para Julieta Zelicovich, doutora em relações internacionais, a heterogeneidade do bloco torna difícil sua ampliação. Embora a China e o Brasil possam concordar com a adesão da Argentina por causa de seus interesses com o país, o mesmo não se aplica para a África do Sul, Índia ou Rússia, que têm poucos incentivos claros para expandir o bloco, avalia.
Em busca de financiamento para infraestrutura
Uma possibilidade mais factível para a Argentina seria aderir ao Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), ou o Banco dos Brics, como é conhecido, já que não é necessário fazer parte do bloco para se filiar. Uruguai, Emirados Árabes Unidos e Bangladesh são os membros mais recentes do NDB.
“O NDB seria um espaço interessante para a Argentina e está alinhado com a ideia do governo [argentino] de participar de organizações financeiras alternativas”, disse Zelicovich.
A Argentina está em meio a uma crise econômica e de dívida soberana, com baixas reservas cambiais em seu Banco Central e acesso limitado a fontes de financiamento. Essa conjuntura atrasou a expansão de seus parques de energia solar e eólica, entre outros projetos, que são necessários para a transição energética do país.
O ministro da Economia do Brasil, Paulo Guedes, disse que apoiará a Argentina como integrante do NDB, após uma reunião em abril com o seu homólogo argentino Martín Guzmán. Para Guedes, sua adesão permitiria uma maior integração entre as economias de ambos os países, especialmente nos setores de energia e agricultura.
Desde sua criação em 2014, o NDB aprovou cerca de 80 projetos em todos os seus países-membros, totalizando aportes de US$ 30 bilhões. Projetos em áreas como transportes, água e saneamento, energia limpa, infraestrutura digital e social e desenvolvimento urbano estão no escopo.
Federico Vaccarezza, professor de relações econômicas internacionais da Universidade Austral, disse que a adesão ao NDB significaria um novo canal de financiamento para a Argentina, especialmente em infraestrutura energética. “Diante de um cenário de falta de dólares no país, o NDB representa uma oportunidade”.
Além de uma possível adesão ao NDB, em 2020 a Argentina aderiu ao Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB), outra iniciativa de financiamento de desenvolvimento liderada pela China, criada em 2015. Um dos objetivos originais do AIIB era o de apoiar investimentos em infraestrutura da Iniciativa Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês), à qual a Argentina aderiu formalmente este ano em visita a Beijing.
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