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sexta-feira, 26 de novembro de 2021

O reconhecimento tardio da ciência e da saúde e a possibilidade de uma saída

 


Caros leitores,

A ocorrência da COP26, evento global focado em discutir a realidade climática e a necessidade de maior cuidado para com o meio ambiente, era aguardada ansiosamente por especialistas e ativistas da causa, por juntar líderes globais visando o objetivo em específico de discutir a necessidade da redução de emissão de gases poluentes.

No entanto, conforme a matéria que trazemos hoje, os resultados vislumbrados foram especialmente tímidos, e deixam a desejar em medidas práticas para coibir a emissão de CO2. No entanto, merece destaque a importância conferida à ciência e à saúde pública como meios eficazes de superar os desafios vindouros.

Esperamos que gostem e compartilhem!

Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

O acordo final produzido na COP26 não trouxe muitos motivos para celebrar. Para o representante da Coalização COP26, que reúne as maiores organizações sobre meio ambiente e grupos da sociedade civil do mundo, o acordo final é uma traição inominável aos povos. Para o enviado presidencial para o clima do governo Biden, John Kerry, o resultado era bem-vindo, ainda que imperfeito. Para o presidente da COP26, Alok Sharma, nenhuma palavra parecia capaz de conter as lágrimas de frustração que irromperam. Todos, contudo, davam sinais de que o compromisso alcançado era menor, talvez muito menor, do que a ciência vem recomendando para evitar o desastre ambiental.

É curioso que não se tenha seguido a ciência, pois a redação final do texto celebra, no capítulo “Ciência e urgência”, o reconhecimento da importância da ciência para fundamentar ações efetivas sobre o clima, bem como para a formulação de políticas. A redação compromete os líderes a utilizarem a lente da ciência para guiar as suas decisões. Não é pouca coisa, e o primeiro-ministro Boris Johnson já havia manifestado que, pela primeira vez, o G20 reconhecia o mérito científico da meta de 1,5ºC. No mundo que nos toca viver, com negacionismos e charlatanismos de toda ordem ocupando espaços antes reservados à razão e ao bom senso, esse reconhecimento é algo a ser comemorado, ainda mais quando aquele mesmo capítulo expressa alarme e a mais alta preocupação com as atividades humanas que causaram, até o presente, elevação global de 1,1ºC, assim como com os impactos resultantes que estão sendo sentidos em toda parte.

Não é usual que textos negociados em foros multilaterais contenham termos dramáticos como “urgência” e expressões excessivas como “mais alta preocupação”. O fato de terem sido admitidos no sanctum sanctorum das negociações diplomáticas revela algum grau de consciência por parte dos líderes com a gravidade da situação.

O principal ponto de discordância entre os que queriam mais e os que queriam menos foi a redação do capítulo “Mitigação” do documento final. No meio da espessa floresta de palavras encontra-se o pedido para acelerar a “progressiva diminuição do número de centrais a carvão em operação” (phasedown of unabated coal power) e “eliminar os ineficientes subsídios de combustíveis fosseis” (phase-out inefficient fossil fuel subsidies). Diminuir progressivamente, eliminar subsídios ineficientes. Os que queriam mais clamavam pela eliminação (phaseout) das centrais a carvão, à luz da urgência reclamada pela ciência. A redação acabou contemplando necessidades da Índia, que assim ganha um tempo extra. Os que queriam mais tampouco viam, mais adiante naquela redação, a necessidade de adjetivar os subsídios como “ineficientes”, deixando aberta a possibilidade de que existem subsídios eficientes, o que constitui um absurdo, como se verá mais abaixo.

Saúde como área prioritária

Em 6 de novembro, às margens da COP26, a Conferência Global de Saúde e Mudança Climática acontecia. É interessante observar que o tema da saúde foi escolhido como a área de prioridade da ciência pela COP26. A saúde vem ganhando espaço em foros políticos “extra saúde”. Com efeito, sob a presidência italiana do G20, realizou-se a Cúpula Global sobre Saúde, em 21 de maio, em Roma. O mesmo G20 criou, um pouco antes de Glasgow, a Força Tarefa de Ministros de Economia/Finanças e de Saúde, com vistas a adensar o diálogo e o entendimento entre essas duas áreas. Num mundo assolado pela pandemia e por sérias deficiências nos sistemas de saúde, é crucial que os ministros de economia/finanças considerem o impacto que têm as suas políticas sobre a saúde dos povos. E tomar a saúde como área prioritária da ciência é um avanço considerável que deve ser contrastado com a reclusão do tema, até pouco, à Organização Mundial da Saúde (OMS) e a outras agencias especializadas do sistema das Nações Unidas.

Para a COP26 foi importante considerar o que é preciso fazer para criar sistemas de saúde resilientes às mudanças climáticas. Atualmente, segundo a OMS, apenas metade dos países teria planos estratégicos para absorver impactos climáticos sobre os sistemas de saúde. E desses, somente a metade teria grau de implementação alta ou moderada. A pandemia da Covid-19 mostrou as deficiências desses sistemas e a previsão é que outras pandemias aconteçam no futuro. Nesse contexto, preparar-se para outras que virão, identificar fragilidades e saná-las são ações que recairiam sob o capítulo “Adaptação” do documento final.

Igualmente importante para a COP26 foi tratar do desenvolvimento de sistemas de saúde sustentáveis, com considerável redução das emissões de carbono. O setor de saúde contribui com aproximadamente 5% de todas as emissões globais de gases de efeito estufa.

A Conferência das Partes de agora em diante deverá promover a inserção do tema da saúde nas propostas individuais dos países conforme os objetivos do Acordo de Paris sobre Mudança Climática. Essas propostas dos países configuram as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (CND), posteriormente reunidas e avaliadas pelos técnicos do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC, na sigla em inglês) com o objetivo de situar os esforços coletivos dentro ou fora da curva prevista para manter o aquecimento global abaixo de 1,5ºC. A voz da saúde também passará a ser ouvida nas discussões sobre mudança de clima, tendo em conta o papel central que ocupa na ocorrência de crises globais.

A Conferência Global de Saúde e Mudança Climática usou como referências básicas o Manifesto da OMS, divulgado em maio de 2020, e o “Relatório Especial da COP26 sobre Mudança Climática e Saúde: o argumento da saúde para a ação climática”. Os dois documentos são importantes passaportes de entrada da saúde para o debate sobre mudança de clima.

O manifesto informa que 60% de todas as doenças infecciosas são resultado de saltos biológicos que ocorrem naturalmente quando uma forma de vida silvestre é ameaçada de extinção por conta do desmatamento contínuo e os efeitos de mudanças de clima. Os vírus e os micro-organismos são hóspedes naturais de animais silvestres. Quando estes desaparecem, por conta da ameaça de extinção, aqueles tentam um salto que poderá ou não dar certo dentro da lógica da evolução das espécies.

Outro ponto levantado pelo manifesto é uma espécie de alerta aos políticos no sentido de que investimentos em serviços essenciais, como fornecimento de água, saneamento e energia, oferecem retornos significativos, ademais de contribuir para a melhora do meio ambiente. No mesmo sentido, o manifesto chama atenção para tornar as cidades “habitáveis” – mais humanas seria melhor – com planos diretores de urbanização sustentáveis, explorando o potencial de fontes de energia limpa. O documento também insiste em ter sistemas alimentares sustentáveis e saudáveis. Resta saber se os resultados da Cúpula dos Sistemas Alimentares, realizada em setembro, às margens da 76ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, concordam com essa prescrição da OMS, ou, de maneira mais ampla, com a Agenda 2030 e os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

A última prescrição do manifesto é a que mais facilmente ecoa com a COP26: barrar o uso de dinheiro público para subsidiar a poluição, responsável por grande número de doenças e mortes prematuras. Para se ter uma ideia da dimensão desses subsídios, esses alcançaram a soma de US$ 400 bilhões em uma década. O documento argumenta que se àquele montante fossem contabilizados os custos referentes aos danos à saúde e ao meio ambiente, a cifra alcançaria alguns trilhões de dólares, por ano.

À época do lançamento do manifesto ainda não estava disponível o trabalho do economista Partha Dasgupta, que em fevereiro deste ano publicou estudo intitulado “The economics of biodiversity: the Dasgupta review”. Segundo esse relatório, o custo global anual de todos os subsídios que causam dano ao meio ambiente – agricultura, pecuária, pesca, combustíveis fosseis e água – situa-se entre US$ 4 a US$ 6 trilhões. São cifras impressionantes mesmo diante do total de US$ 68 bilhões que os governos dedicam todo ano a programas de conservação e sustentabilidade.

O relatório especial da COP26, o segundo documento orientador da Conferência Global sobre Saúde e Mudança Climática, foi disponibilizado na segunda semana de outubro. O ponto de partida desse documento é a observação de que o impacto da mudança de clima sobre a saúde é mais severo nos países mais pobres. Com a pandemia as inequidades, que já existiam, explodiram e se tornaram muito maiores. Saúde e equidade são centrais para alcançar as metas do Acordo de Paris. A proteção à saúde, no entanto, exige ações transformadoras que perpassam diversos setores – energia, transportes, sistemas alimentares, finanças, bem como a forma de utilizar os bens e serviços da natureza. O relatório apresenta dez recomendações à COP26 que, se adotadas, podem ser centrais para salvar a saúde e o clima.

Além destes dois documentos basilares, a OMS desenvolveu importante conjunto de documentos, relatórios, recomendações e manuais sobre a questão ambiente e saúde.

Tal como o convite formulado pela COP26, a saúde deve ter de agora em diante um papel preponderante nas discussões e na formulação de políticas de clima. Mais forte, o relatório recomenda situar a saúde e a justiça social no centro do debate sobre mudança de clima nos foros multilaterais. As recomendações são muito semelhantes às prescrições contidas no manifesto. O que deve ser destacado, entretanto, é a “súbita” importância da saúde, que assim alcança condição de estrelato. A pandemia da Covid-19 terá contribuído para essa mudança de perspectiva, afinal há praticamente dois anos que o vocabulário da saúde invade todas as conversas, todas as notícias e todos os sonhos.

Na abertura da Conferência Global de Saúde e Mudança Climática, o diretor geral da OMS, Tedros Adhanom, dirigiu mensagem de vídeo aos participantes do evento em Glasgow. Para o ele, as recomendações do relatório são como elementos de uma receita para construir um mundo mais saudável, mais justo e resiliente ante a ameaça conjunta da pandemia e da mudança de clima. O reconhecimento da ciência e da saúde como lentes definidoras da realidade é muito importante. Os resultados ficaram muito aquém, mas talvez agora, com esse reconhecimento, possa ser possível fazer um cavalo de pau e evitar o desastre.

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quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Convite - Seminário América Latina na Política Internacional da China


Caros leitores,

Gostaríamos de convidar a todos a participar do Seminário "América Latina na Política Internacional da China", promovido pelo Laboratório de Financiamento e Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (LACID). 

A série de palestras ocorrerá nos dias 24 e 25 de novembro, à partir das 9:30 no primeiro dia e das 9:00 no segundo dia, sempre no horário de Brasília, buscando discutir sobre as relações entre a China e a América Latina no cenário contemporâneo e sobre a atuação chinesa na América Latina e sobre de que maneira essa estratégia se insere nas grandes disputas globais atuai

Segue abaixo a programação:


Dia 24 de novembro:


1) Abertura - 9:30 às 10:00

2) Mesa 1 - América Latina entre China e EUA | 10:00 às 11:30;

3) Mesa 2 - China, América Latina e Brasil: investimentos e seus percursos | 15:00 às 16:30;


Dia 25 de novembro:


1) Mesa 3 - Transição Energética na América Latina e a Contribuição Chinesa | 09:00 às 10:30;

2) Mesa 4 - Qual a Proposta da China para o Futuro? | 10:30 às 12:00


Inscreva-se pelos links abaixo:


24 de novembro


25 de novembro


Esperamos que gostem e participem!

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Convite - Série de Webinars GPEIA - Novembro

Caros leitores,

Gostaríamos de convidar a todos para mais um encontro da Série de Webinars do Grupo de Pesquisa Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF) no Google Meet.

Neste webinar conversaremos sobre "Awkward Powers: entendendo o Brasil e sua atípica inserção internacional" com Lucas Pereira Rezende, que é cientista político e Professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Teremos como debatedora Carolina Moulin, que é Professora e Pesquisadora do CEDEPLAR, ligado à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

O webinar será realizado no dia 24 de Novembro, às 18h (Horário de Brasília).

Inscreva-se no link a seguir: 

 

Inscreva-se aqui!

 

Participe conosco e traga seu ponto de vista sobre essa discussão!

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Convite - Pandemias, Direito e Judicialização: Lançamento do Dossiê Direito e Práxis

 


Caros leitores,

Gostaríamos de convidar a todos a participar do lançamento do dossiê "Direito e Práxis: Pandemias, Direito e Judicialização", fruto dos trabalhos promovidos pela CEPEDISA/USP.

O Evento ocorrerá no dia 17 de novembro, às 16:00 no horário de Brasília, e busca compreender a delicada relação entre a pandemia da COVID-19 e suas mudanças normativas, tendo como plano de fundo a atuação do Poder Judiciário na conciliação dos conflitos decorrentes desta. 

Para além dos autores dos capítulos, o Evento contará com a participação de:


                         1) Vera Paiva - IP e IEA/USP;

                         2) Deisy Ventura - FSP e IEA/USP;

                         3) Carolina Vestena - Editora;

                         4) Bruna Baraglia - Editora;

                         5) Octavio Ferraz - King's College


Para maiores informações e acesso ao lançamento, acesse o link a seguir:


Maiores Informações


Esperamos que gostem e participem!

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

José Luis Fiori: a ascensão da China e o Brasil em parafuso

 

Caros leitores,

A ascensão da China na geopolítica global e o aumento de sua influência trouxe consigo diferentes questões importantes a serem debatidas, no qual se busca analisar especialmente o papel do Brasil nesta relação, especialmente em face do antagonismo existente entre a potência e os EUA.

Nessa relação, trazemos hoje uma entrevista com o Professor de Economia Política Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) José Luis Fiori, em que este reflete sobre aa participação chinesa no jogo global e os possíveis efeitos a serem sentidos nacionalmente falando.

Esperamos que gostem e compartilhem!

Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

São indiscutíveis os impactos que a ascensão da China causa no mundo. Independentemente do que representa seu sistema econômico e político, o que, por si só já conforma todo um debate, a China lança desafios novos ao jogar as regras do jogo e, com isso, o conseguir proeminência. Como você entende o papel dos chineses nessa relação de hostilidade política e militar e de complementaridade/concorrência econômica com os EUA, bem como na atual parceria estratégica com a Rússia?

Uma coisa parece que já está consolidada: o novo núcleo central da geopolítica mundial do século XXI estará composto, pelo menos, por EUA, China e Rússia, três grandes gigantes territoriais e populacionais que controlam sozinhos cerca de um terço e um quarto do território e da população mundiais, respectivamente. Mas ainda não está claro se a Europa conseguirá recuperar sua posição de grande potência, e tampouco está claro o lugar que será ocupado pela Índia neste novo núcleo do poder mundial. Parece irreversível, entretanto, a ascensão do Irã no Oriente Médio, numa relação cada vez mais estreita com China e Rússia.

Assim mesmo, não há dúvida de que a grande incógnita que desafia hoje a imaginação dos analistas é que relação se estabelecerá entre China e EUA, ou mais amplamente, entre a China e as grandes potências ocidentais, envolvendo um quebra-cabeça no qual China e EUA aparecem ao mesmo tempo como dois grandes Estados nacionais e duas grandes economias capitalistas, competitivas e complementares, que seguem as velhas regras estabelecidas pela Paz de Westfália de 1648, mas que ao mesmo tempo são a “cabeça” de dois grandes universos civilizatórios. A China não tem hoje a capacidade, nem o objetivo de substituir os EUA como grande império militar global. No entanto, a China já é hoje uma potência econômica global e é um parceiro comercial e financeiro indispensável para todos os países do mundo. E ao mesmo tempo, os EUA não têm mais como excluí-los da economia capitalista, e por isso terão que conviver e competir com a China segundo as mesmas regras que utilizaram até hoje para impor sua própria supremacia econômica mundial. Além disso, você tem razão, o grande projeto chinês de investimentos em infraestrutura – o Belt Road –, que já envolve cerca de 65 países da Ásia, África, Oriente Médio, Europa e até América Latina, é sem dúvida uma reprodução exponencial do modelo britânico de expansão imperial do século XIX, que avançou liderado pela difusão de suas ferrovias e bases de conexão marítimas, apoiados pelo poder financeiro da City. E isto é talvez o que mais assusta os anglo-americanos que dominaram o mundo nos últimos 300 anos: a rapidez e eficiência com que a China vem reproduzindo seus velhos caminhos, mas utilizando-se de uma diplomacia inteiramente diferente, até porque o chineses não têm nenhum tipo de bandeira religiosa, nem demonstram nenhum tipo de interesse de converter o mundo ocidental aos seus ideais confucianos. Pelo contrário, professam um profundo desprezo pela incapacidade ocidental de compreender sua civilização. Neste sentido, a incorporação da China ao sistema interestatal e seu sucesso na economia capitalista mundial colocam algumas questões ou desafios quase incompreensíveis para a arrogância ocidental e para o fundamentalismo judaico-cristão:

1. Do ponto de vista chinês, o Estado não está a serviço do desenvolvimento capitalista; pelo contrário, é o desenvolvimento capitalista e o próprio Estado chinês que estão a serviço de uma civilização milenar que já se considera o pináculo da história humana.

2. Para os chineses, a democracia ocidental é apenas um fenômeno datado e circunscrito do ponto de vista temporal e territorial. E, portanto, não só não é inevitável, como pode entrar em crise e ser superada ou abandonada muito antes que os ocidentais possam acreditar.

3. A China não parece estar se propondo como um modelo alternativo, mas não há dúvida de que seu sucesso econômico, tecnológico e militar, quando comparado ao dos demais países, transforma-a, inevitavelmente, numa referência para a periferia atrasada do resto do mundo.

4. Por fim, o ingresso do “Estado-civilização” chinês no sistema interestatal capitalista deixa uma pergunta sem resposta no horizonte deste século XXI: a China se submeterá inteiramente ao sistema de Westfália, ou será Westfália que terá que se adaptar ao sistema “hierárquico-tributário” milenar do mundo sinocêntrico?

Deste ponto de vista, aliás, não seria um total absurdo imaginar um futuro em que o mundo eurocêntrico acabasse abandonando aos poucos suas convicções “westfalianas”, aceitando cada vez mais o modelo “hierárquico-tributário” chinês, e neste caso, que o sistema mundial acabasse adotando no futuro a forma de dois ou três grandes “impérios do meio”, com algumas réplicas inferiores.

Como você vislumbra o Brasil nessa encruzilhada?

Entre 2003 e 2014, o Brasil teve uma política externa que procurou aumentar seus “graus de soberania” frente às “grandes potências”, e dentro do sistema internacional como um todo, por meio da sua liderança do processo de integração sul-americana e de alianças estabelecidas fora do continente americano, sobretudo no caso da criação do grupo econômico Brics. Em 2014, o Brasil já havia ingressado no pequeno grupo dos Estados e economias nacionais que exercem liderança nas suas próprias regiões, e foi por isso – entre outras coisas – que começou a sofrer as consequências da sua nova posição na hierarquia mundial, ingressando num novo patamar de competição, cada vez mais feroz, com as grandes potências que lutam permanentemente entre si pelo poder e pela riqueza mundiais.

Esse foi um momento crucial da história recente do Brasil, e para seguir em frente, o que não aconteceu. Pelo contrário, uma parte da elite civil e militar, e da própria sociedade brasileira, decidiu recuar e pagar o preço da sua decisão. Optaram pelo caminho do “golpe de Estado” e depois redobraram sua aposta, numa coalizão formada às pressas, que culminou com a instalação de um governo “paramilitar” e de extrema-direita, que vem se propondo a mudar radicalmente o rumo da política externa do Brasil, em nome de uma cruzada ridícula contra o comunismo e de uma proposta absurda de “salvação da civilização judaico-cristã”. No entanto, o que mais chama atenção no meio da uma grande balbúrdia retórica é o fato de essa coalizão que capturou o governo não conseguir dizer minimamente qual é seu projeto para o Brasil. Os militares, que são a maioria dentro do governo, quando falam, é para agredir ou lançar palavras de ordem desconexas e inoportunas. Os religiosos fundamentalistas recitam versículos bíblicos, e parece que vivem cegados pelas suas obsessões sexuais. Os juízes e procuradores que participaram do golpe e da “operação Bolsonaro” não conseguem enxergar um palmo além do seu nariz provinciano. E, por fim, os financistas e os tecnocratas amigos do ministro da Economia parecem robôs de uma ideia só.

Mesmo assim, é possível deduzir para onde apontam algumas iniciativas desconexas deste governo a partir do velho sonho das elites liberais-exportadoras do passado de se transformarem numa espécie de dominium econômico ocidental. Roberto Campos já falava do projeto de tornar o Brasil um grande Canadá, mas hoje os Estados Unidos defendem o nacionalismo econômico, praticam uma política altamente protecionista e não se submeteriam jamais a nenhum tipo de acordo que prejudicasse o interesse dos seus produtores nacionais nem muito menos assumiriam a responsabilidade de tutelar um país com as dimensões e o nível de desigualdade do Brasil, ainda por cima com uma economia agroexportadora que compete com a sua.

Do meu ponto de vista, se este governo de extrema-direita e “paramilitar” – que foi instalado no Brasil – insistir em levar à frente, a “ferro e fogo”, esse projeto de autotransformação num dominium, ele deverá destruir quase tudo o que foi feito nos últimos noventa anos da história da industrialização brasileira para se transformar num mero fornecedor de alimentos, de minerais estratégicos e de petróleo para as grandes potências. E se, além disso, também levar à frente seu projeto de “protetorado militar”, estará acorrentando a nação brasileira à humilhação de bater continência para a bandeira estadunidense. Uma traição que deixará uma marca, causando um dano irreparável à autoestima do povo brasileiro, a menos que ele se levante e volte a caminhar com suas próprias pernas. Quando essa hora chegar, será fundamental que algumas decisões fundamentais sejam tomadas e que se tenha em mente um novo projeto de longo prazo para o país, um projeto capaz de se sustentar com seus próprios apoios internos, sem recuar nem esmorecer – lembrando sempre que todos os povos que conseguiram superar grandes catástrofes para chegar a ser grandes nações tiveram primeiro que assumir o controle da sua soberania, para assim poder definir os objetivos e o futuro que desejavam para si mesmos.

Você tem se referido em algumas das suas palestras recentes ao seu novo livro, que se chama A síndrome de Babel e a disputa do poder global.

Sim, com certeza. É um livro que reúne em torno de quarenta ou cinquenta artigos que escrevi sobre a conjuntura nacional e internacional destes últimos cinco anos. Eu uso o mito da Torre de Babel para refletir sobre o comportamento estadunidense, nestes últimos anos em que desceu do alto do seu poder imperial global para destruir a ordem liberal mundial que eles mesmos haviam instaurado. E faço uma analogia desse comportamento com o comportamento de Deus, no mito de Babel, que desce dos céus para destruir a torre que os homens estavam construindo para alcançar o céu e se igualar ao poder divino. Sugiro a hipótese de que os Estados Unidos também estão se sentindo ameaçados pelas suas próprias “criaturas”, e que por isso decidiram abandonar seu “universalismo moral”, e seu velho projeto de “conversão” dos povos, e passaram a atacar o sistema multilateral que haviam criado, se desfazendo das suas velhas alianças e mantendo ativa a divisão entre Estados e nações. Como também jogando os povos uns contra os outros e dissolvendo todo tipo de bloco ou de coalizão dos Estados que possa ameaçar o poder estadunidense, como no caso exemplar da União Europeia, que os próprios Estados Unidos haviam ajudado a criar, e que hoje vem sendo desmoralizada e boicotada sistematicamente pelo governo de Donald Trump, mas também de todas as demais instituições que vêm sendo ocupadas pelas novas potências que crescem rapidamente à sombra da expansão do poder estadunidense.

Mas agora especulando um pouco sobre o futuro, já no início de 2021 e da nova administração democrata de Joe Biden: quais são suas expectativas ou previsões desde o ponto de vista de sua pesquisa teórica e histórica?

Neste ponto, o primeiro que se deve ter claro é que o mundo já não voltará mais atrás, e que as relações que foram desfeitas, as instituições que foram destruídas e os compromissos que não foram cumpridos pelo governo de Donald Trump já não poderão mais ser reconstruídos e refeitos como se nada tivesse ocorrido. Depois de quatro anos, os Estados Unidos perderam sua credibilidade mesmo frente aos seus aliados mais antigos e permanentes. E apesar das declarações calorosas de amizade de Joe Biden, ninguém mais pode ter certeza de que o próprio Trump, ou qualquer outro partidário de suas posições, não será reeleito daqui a quatro anos, retomando o mesmo caminho do antigo presidente. Além disto, pesa sobre a cabeça dos democratas, e sobre o futuro do projeto de liderança internacional do governo de Biden, o balanço do expansionismo agressivo dos Estados Unidos durante as quase três décadas de vigência do poder unilateral e do projeto “liberal-cosmopolita” dos norte-americanos, fosse sob governos republicanos, fosse sob governos democratas. Basta lembrar que da declaração da “guerra global ao terrorismo”, em 2001, os Estados Unidos fizeram intervenções militares em 24 países e fizeram 100 mil bombardeios aéreos sobre países do que chamaram de Grande Médio Oriente.

Neste momento, uma coisa é certa e tem que ser considerada ao se calcular o futuro imediato da proposta internacional de Joe Biden: o mundo mudou demais e não voltará mais atrás, e não por culpa dos extraordinários erros do governo de Donald Trump. O projeto “liberal-cosmopolita” já não tem mais o mesmo apelo do passado; a utopia da globalização já não exerce o mesmo atrativo nem tem capacidade de prometer a mesma felicidade da década de 90; o Ocidente já não tem mais como eliminar ou submeter a civilização chinesa. Somando tudo, o que se pode prever com razoável grau de certeza é que o governo Biden será um governo fraco, e que o mundo atravessará os próximos anos sem ter mais um líder arbitral. Com tudo isto, o futuro do governo Biden, e de certa forma, da própria humanidade, dependerá muitíssimo da capacidade do governo americano e de todas as grandes potências ocidentais, de entender e aceitar o fato de que acabou a exclusividade do sucesso econômico liberal do Ocidente; e o que é talvez ainda mais importante e difícil de aceitar: que acabou definitivamente o monopólio moral da “civilização ocidental”.

Por fim, professor titular, aposentado, mas ainda muito ativo, qual seria o balanço da sua vida e obra?

Me aposentei como professor universitário, mas não me aposentei nem me aposentarei jamais como intelectual. Sempre pensei comigo mesmo que o intelectual é um ser que nasce e vive movido por uma eterna curiosidade e paixão pelo conhecimento, como a que que tiveram, por exemplo, os gregos e os renascentistas, para dar apenas dois exemplos. Agora, bem, com relação ao balanço que me pedem que faça da “minha vida” e da “minha obra”, prefiro pensar que “minha vida” é a que estou vivendo neste momento e “minha obra” é a que gostaria de escrever no futuro.

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segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Convite - Webinar "O que esperar dos mais ricos do mundo em saúde global e planetária?"


Caros leitores,

Gostaríamos de convidar a todos a participar do Webinar "G-20: O que esperar dos mais ricos do mundo em saúde global e planetária?", parte dos Seminários Avançados em Saúde Global e Diplomacia da Saúde, promovido pela Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz). 

O Evento ocorrerá no dia 10 de novembro, às 10:00 no horário de Brasília, e busca compreender os caminhos a serem adotados em matéria de prevenção, preparação e resposta a pandemias, tendo como plano de fundo a última cúpula do G20, ocorrida em Roma .

Segue abaixo os participantes:


                         1) Paulo Buss - diretor do Cris/Fiocruz;

                         2) Jeffrey Sachs - Universidade de Colúmbia;

                         3) Nicoletta Dentico - Geneva Global Health Hub (G2H2);

                         4) Paulo Esteves - professor do IRI/PUC-Rio;

                         5) Pedro Burger - pesquisador do Cris/Fiocruz;

                         6) Santiago Alcazar - pesquisador do Cris/Fiocruz.


Para maiores informações e acesso ao Webinar, clique no link abaixo:


Maiores Informações


Esperamos que gostem e participem!

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Convite - Série de Webinars "China and the World"


Caros leitores,

Gostaríamos de convidar a todos a participar do Evento "China and the World Webinar Series", promovido pelo Asia-Europe Peoples Forum em parceria com o The Transnational Institute (TNI). 

A série de Webinars ocorrerá entre os dias 10 de novembro e 15 de dezembro, geralmente às 09:00 pelo horário de Brasília, buscando discutir temáticas relevantes relacionadas à realidade chinesa e sua inserção no cenário internacional através de eventos gratuitos e virtuais, que serão realizados em inglês.

Segue abaixo a programação:


                         1) Life In China - 10 de novembro;

                         2) China's Economic System - 17 de novembro;

                         3) China's Political System - 24 de novembro;

                         4) China's Social Movements - 1 de dezembro;

                         5) China and The Word - 8 de dezembro;

                         6) China and The Planet - 15 de dezembro.


Inscreva-se pelo link abaixo:


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Esperamos que gostem e participem!

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Na contramão do mundo, Brasil aumentou emissões em plena pandemia

Caros leitores,

A discussão sobre a emissão de gases poluintes é cada vez maior, conforme se denota pelo acontecimento de eventos como a COP-26, promovida pela Organização das Nações Unidas. O comprometimento com a adoção de uma política ambiental positiva consiste em uma das principais metas do Evento, que ocorre em meio ao contexto de pandemia, com uma natural queda da taxa de CO2 em decrrência da limitação de circulação.

Com isso, trazemos hoje uma notícia que demonstra a realidade nacional, que foi na contramão do ocorrido nas principais potências por se vislumbrar um aumento de emissão de gases nocivos no contexto pandêmico.

Esperamos que gostem e compartilhem!

Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

As emissões brasileiras de gases de efeito estufa em 2020 cresceram 9,5%, enquanto no mundo inteiro elas despencaram em quase 7% devido à pandemia de Covid-19. A alta no desmatamento no ano passado, em especial na Amazônia, pôs o Brasil na contramão do planeta e o deixa em desvantagem no Acordo de Paris. É o maior montante de emissões desde 2006. Com o aumento da emissão e a queda de 4,1% no PIB, o Brasil ficou mais pobre e poluiu mais.

O dado vem da nova estimativa do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa), do Observatório do Clima, que todo ano calcula quanto o Brasil gerou de poluição climática. Em sua nona edição, lançada nesta quinta-feira (28/10), o SEEG calculou em 2,16 bilhões de toneladas de gás carbônico equivalente (GtCO2e) as emissões nacionais brutas no ano passado, contra 1,97 bilhão em 2019. É o maior nível de emissão do país desde 2006.

Descontando as remoções de carbono por florestas secundárias e áreas protegidas, as emissões líquidas do país no ano passado foram de 1,52 GtCO2e, o que representou um aumento de 14% em relação a 2019, quando elas foram de 1,34 GtCO2e (veja box).

Dos cinco setores da economia que respondem pelas emissões do Brasil, três tiveram alta, um teve queda e um permaneceu estável.

O setor de energia, que respondeu por 18% das emissões do país no ano passado, teve uma queda forte, de 4,6%. Isso ocorreu em resposta direta à pandemia, que nos primeiros meses de 2020 reduziu o transporte de passageiros, a produção da indústria e a geração de eletricidade. Com 394 milhões de toneladas de CO2e, o setor energético retornou aos patamares de emissão de 2011.

“O setor de energia foi aquele que apresentou a maior queda percentual de emissões em 2020. Esse resultado é um claro reflexo da diminuição de atividades emissoras devido à pandemia de Covid-19, quando foi necessário que as pessoas evitassem se deslocar. Destaca-se a diminuição de emissões nos transportes de passageiros. O consumo de combustível na aviação caiu pela metade. A demanda por gasolina e etanol também diminuiu de maneira relevante”, comenta Felipe Barcellos, pesquisador do Iema (Instituto de Energia e Meio Ambiente), que estima as emissões para os setores de energia e processos industriais.

As emissões da agropecuária, que abarcaram 577 milhões de toneladas de CO2e (27% do total nacional) em 2020, também sofreram uma alta, de 2,5%. É a maior elevação desde 2010 num setor cujas emissões nos últimos anos vêm oscilando pouco. Isso ocorreu em parte por uma razão contraintuitiva: a crise econômica diminuiu o consumo de carne, com uma redução de quase 8% no abate de bovinos. O rebanho nacional aumentou em cerca de 3 milhões de cabeças, o que, por sua vez, aumentou também as emissões de metano por fermentação entérica (o popular “arroto do boi”).

“O setor agropecuário atingiu a maior emissão de gases de efeito estufa de todos os tempos, mesmo em ano de pandemia. Embora seja visível o crescimento da implementação de técnicas de agricultura de baixo carbono no Brasil, inclusive com o cumprimento de grande parte das metas do Plano ABC, esse crescimento ainda está aquém dos patamares necessários para que possamos ver a trajetória de emissões do setor ser modificada e demonstrar o real potencial que o Brasil possui em se ter uma agropecuária sustentável e de baixo carbono”, explica Renata Potenza, coordenadora de projetos do Imaflora, organização responsável pelo cálculo das emissões da agropecuária.

No setor de resíduos as medidas de quarentena também possivelmente (ainda há incertezas sobre o efeito) aumentaram as emissões, principalmente pela disposição de lixo em aterros sanitários e lixões (já que estimativas não oficiais indicam que a geração de resíduos sólidos municipais aumentou cerca de 10% no ano de 2020) e de esgoto doméstico. O crescimento no setor foi de 1,8%, saindo de 90,4 milhões para 92 milhões de toneladas de CO2e.

"Esse setor foi historicamente o que cresceu de forma mais acelerada no Brasil desde 1970, acompanhando a população e a urbanização. No entanto, responde pela menor fatia do total, contribuindo com apenas 4% das emissões nacionais”, afirma Iris Coluna, analista de projetos do ICLEI América do Sul, que calcula as emissões do setor.

Os processos industriais, representados sobretudo pela fabricação de aço e cimento, atividades altamente emissoras, permaneceram estáveis em suas emissões mesmo na pandemia. O setor oscilou de 99,5 milhões para 99,7 milhões de toneladas de 2019 para 2020, representando 5% das emissões totais do Brasil.

Aumento em plena pandemia 

Para surpresa de ninguém, quem puxou a curva para cima e tornou o Brasil possivelmente o único grande poluidor do planeta a aumentar suas emissões no ano em que o planeta parou foi o setor de mudança de uso da terra. Representadas em sua maior parte pelo desmatamento na Amazônia e no Cerrado (que, somados, perfazem quase 90% das emissões do setor), as mudanças de uso da terra emitiram 998 milhões de toneladas de CO2e em 2020, um aumento de 24% em relação a 2019 (807 milhões).

Num cenário de desmonte da fiscalização ambiental e de descontrole sobre crimes como grilagem, garimpo e extração ilegal de madeira no governo Bolsonaro, o desmatamento na Amazônia em 2020 sofreu uma alta expressiva, atingindo 10.851 km2 segundo os dados do sistema Prodes/Inpe. O SEEG utiliza nas suas estimativas os dados do consórcio MapBiomas, que mede também o corte de florestas secundárias e usa uma série temporal diferente da do Inpe (o MapBiomas considera janeiro a dezembro e não de agosto a julho, como faz o Prodes). No entanto, a tendência apontada é similar em ambos os sistemas.

Apenas na Amazônia a emissão por alterações no uso do solo alcançou no ano passado 782 milhões de toneladas de CO2e. Se a floresta brasileira fosse um país, seria o nono maior emissor do mundo, à frente da Alemanha[1]. Somando o Cerrado (113 milhões de toneladas de CO2e) à conta, os dois biomas emitem mais que o Irã e seriam o oitavo emissor mundial.

“Mudança de uso da terra mais uma vez desponta como a principal fonte de emissão do Brasil. Dois mil e vinte foi o ano que tivemos as maiores emissões do setor em 11 anos, um reflexo claro do desmonte em curso da política ambiental, que tem favorecido a retomada das altas taxas de desmatamento”, afirma Ane Alencar, diretora de Ciência do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), organização responsável pelo cálculo das emissões do setor no SEEG.

O descontrole sobre o desmatamento faz com que a curva de emissões do Brasil ainda seja dominada por uma atividade que é majoritariamente ilegal e que não contribui com o PIB nem com na geração de empregos. Também coloca um peso desproporcional na atividade rural sobre as emissões brasileiras: somando-se os 27% das emissões diretas da agropecuária com as emissões por desmatamento, transporte e tratamento de resíduos associadas ao setor rural, o agronegócio responde por quase três quartos (73%) das emissões de gases de efeito estufa do Brasil.

Meta cumprida, com uma grande ressalva

O SEEG também avaliou o cumprimento da lei da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC). Promulgada em 2009, a lei previa que o país cortasse suas emissões em 36,1% a 38,9% até 2020 em relação a um cenário projetado com premissas bastante generosas (como crescimento do PIB de 5% ao ano). De acordo com esses critérios, as emissões brutas do país em 2020, calculadas de acordo com as diretrizes do AR2, o Segundo Relatório de Avaliação do IPCC (o painel do clima da ONU), deveriam ser de no mínimo 1,977 GtCO2e e, no máximo, 2,068 GtCO2e. Convertendo as emissões brutas para os fatores do AR2, o SEEG calculou o número de 2020 em 2,047 GtCO2e. Portanto, o Brasil cumpriu a meta em seu limite menos ambicioso, com 1% de “folga”.

É uma notícia agridoce. “Embora o país tenha cumprido a meta no agregado, e tenha também cumprido a maioria das metas do Plano de Agricultura de Baixo Carbono, o comportamento das nossas emissões não mudou desde a regulamentação da PNMC em 2010”, diz Tasso Azevedo, coordenador do SEEG. Ele lembra que a principal meta da PNMC, a redução de 80% na taxa de devastação da Amazônia, ficou muito longe de ser cumprida: para 2020 era de 3.925 km2 e o desmate ficou em 10.851 km2, 176% maior. “Em relação a 2010, quando foi definida a meta da PNMC, as emissões brasileiras aumentaram 23%. Continuamos com o desmatamento dominando nossas emissões brutas e, o pior, com tendência de alta nas emissões no ano em que deveríamos começar a cumprir as metas do Acordo de Paris.”

“Quem planta desmonte ambiental colhe gás carbônico”, disse Marcio Astrini, secretário-executivo do OC. “O Brasil conseguiu a proeza de ser talvez o único grande emissor que poluiu mais durante o primeiro ano da pandemia. Os dados do SEEG confirmam que os destruidores da floresta, embalados pela antipolítica ambiental de Jair Bolsonaro, não fizeram home office. É mais um golpe na imagem internacional do país, que chegará completamente desacreditado a Glasgow na semana que vem para a COP26.”

EMISSÃO BRUTA X EMISSÃO LÍQUIDA

Embora dê preferência por reportar emissões brutas, o SEEG também estima as chamadas emissões líquidas do Brasil, que consideram as remoções de CO2 da atmosfera por alterações do uso da terra (por exemplo, o crescimento de florestas secundárias no lugar de pastagens) e por manutenção de florestas em áreas indígenas e unidades de conservação. O governo federal prefere reportar às Nações Unidas as emissões líquidas. Num contexto de uma economia que ruma para a “emissão líquida zero” em 2050, que é o que se deseja para o Brasil, o papel das remoções de carbono, em especial por florestas em recuperação ou regeneração, deve ser cada vez mais considerado.

O Observatório do Clima entende, porém, que, embora esse “deságio” da contabilidade das áreas protegidas seja autorizado pela UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), reportar antes as emissões brutas é mais adequado devido às peculiaridades da metodologia de cálculo de remoções no inventário brasileiro, que acaba por não representar a realidade da tendência das remoções no país, que vêm se reduzindo à medida que terras indígenas e unidades de conservação são invadidas e desmatadas.

Considerando as remoções, as emissões líquidas do Brasil foram de 1,52 GtCO2e, o que representou um aumento de 14% em relação a 2019, quando elas foram de 1,34 GtCO2e. O pico de emissões líquidas aconteceu em 2003, quando atingiram 2,65 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente. Desde 2010, quando a PNMC foi regulamentada, o Brasil aumentou suas emissões líquidas em 28% — um aumento proporcionalmente maior que o das emissões brutas. Esse fenômeno ocorre porque as emissões aumentaram mais rápido que as remoções.

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