Caros leitores,
O contexto pandêmico que vivenciamos traz consigo uma inegável crise econômica, que atinge fundamentalmente todos os setores produtivos, seja em maior ou menor escala. Neste sentido, a América Latina, enquanto região que vislumbrou um cenário conturbado já em momentos anteriores à COVID-19, promete ser uma região drasticamente atingida pelas consequências econômicas do isolamento social e da paralização do comércio e dos serviços.
Nesta matéria, portanto, propõe-se uma reflexão acerca das possibilidades de reconstrução da economia latino-americana sob um ponto de vista do desenvolvimento sustentável, visando uma recuperação célere que seja baseada em dimensões sociais e ambientais.
Esperamos que gostem e compartilhem!
Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).
As marcas deixadas pela pandemia de covid-19 na América Latina não vão desaparecer do dia para a noite, mas, quanto mais cedo estiverem funcionando os motores da recuperação econômica, maiores as são possibilidades de deixar a crise para trás mais rapidamente.
Na região que contabiliza mais de 11 milhões de pessoas contaminadas pela doença causada pelo novo coronavírus — mais da metade no Brasil — e de 400 mil mortos, as projeções mais recentes apontam para uma queda recorde do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020, superior a 9%.
Diante de uma contração dessa magnitude, o desemprego disparou a 11,4% no primeiro semestre deste ano, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O problema, entretanto, é bem mais grave do que parece, porque as cifras da OIT não incluem os trabalhadores informais, que são mais de 50% da força de trabalho na região.
A pergunta que muitos países se fazem agora é como reconstruir a economia diante do aumento da dívida pública e da queda na arrecadação de impostos.
Não há uma receita única que sirva para toda a região.
Ainda assim, pesquisadores da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) propõem alguns caminhos que podem dar um impulso ao que provavelmente vai ser um longo período de recuperação.
"A chave é incluir as dimensões econômica, social e ambiental do desenvolvimento sustentável", disse à BBC News Mundo, serviço em língua espanhola da BBC, Alice Bárcena, secretária executiva da organização.
Entre os possíveis motores identificados pela Cepal estão as energias renováveis, o setor de transportes, a chamada "revolução digital", a indústria da saúde, a bioeconomia e a economia circular. Conheça cada um deles a seguir:
1. Uma nova matriz energética.
A participação das energias renováveis não convencionais (biomassa, solar, eólica, geotérmica e biogás) na produção de eletricidade na América Latina aumentou de cerca de 4% em 2010 para 12% em 2018.
"Se continuarmos 'descarbonizando' (substituindo a energia que tem como subproduto gases poluentes), poderíamos criar sete milhões de empregos em uma década", aponta Bárcena.
Um fator alentador nesse sentido é o fato de que o investimento estrangeiro na área de energia renovável vem crescendo, principalmente por meio de empresas europeias e, em menor medida, chinesas.
No processo de transição para o uso de energia mais "limpa" destacam-se países como Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua, na América Central, e, no sul da região, Brasil, Chile e Uruguai.
Na contramão estão México, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela, que chegaram a reduzir a participação das modalidades renováveis na oferta total de energia.
2. Mobilidade urbana.
A substituição dos veículos que rodam com combustível fóssil tem potencial para criar cerca de 4 milhões de empregos no setor de transportes nos segmentos de operação e manutenção de veículos pesados e outros 1,5 milhão na indústria de veículos leves, de acordo com as estimativas da Cepal.
Ainda que a indústria de carros elétricos seja incipiente, a frota de ônibus elétricos começa a crescer — são cerca de 1,3 mil unidades rodando em 10 países —, especialmente em cidades como Santiago, capital do Chile.
Dois fatores contribuem para o avanço: a redução do custo das baterias, que tornou os ônibus elétricos mais competitivos, e o processo relativamente eficiente de conversão dos veículos convencionais em elétricos, que é barato.
3. A revolução digital.
A pandemia acelerou a digitalização em vários países da região e evidenciou a importância da conectividade para o mundo do trabalho, da saúde, da educação e para o comércio.
Enquanto na Europa e nos Estados Unidos cerca de 40% dos trabalhadores empregados conseguem desempenhar suas funções em home office, na América Latina isso só vale para 21,3% dos ocupados.
No campo da educação, por sua vez, quase metade das crianças com idade entre 5 e 12 anos vive em domicílios sem acesso à internet — o que acabou afetando o processo de aprendizagem de muitas delas no período em que as escolas estiveram fechadas.
O uso de tecnologias digitais também está muito aquém do que se observa em outras regiões quando se fala de cadeia de suprimentos, de processamento e manufatura.
Enquanto 70% das empresas nos países da OCDE utilizam internet em sua cadeia de abastecimento, na América Latina a cifra chega a apenas 37%.
Por isso, especialistas afirmam que os países latino-americanos devem se preparar para a indústria do futuro, especialmente formando mão de obra qualificada, com as novas habilidades que essas tecnologias demandam.
4. A indústria da saúde.
Essa é uma área que engloba diferentes segmentos: a indústria farmacêutica, a fabricação de medicamentos e equipamentos e pesquisa e desenvolvimento.
São setores que costumam criar empregos com boa remuneração, que facilitam o progresso técnico e que, por isso, podem ajudar a dinamizar a economia.
Com a chegada da pandemia de covid-19, as grandes corporações estão mudando suas estratégias para reduzir os níveis de risco de quebra suas cadeias de abastecimento, ainda que isso signifique maior custo de produção.
Na prática, algumas empresas têm tentado levar parte da produção para mais próximo de seus mercados consumidores, o que pode beneficiar países da América Latina, especialmente se a região oferecer alternativas na área de produção.
5. A bioeconomia.
O potencial da bioeconomia ficou ainda mais evidente com a pandemia.
Essa é uma área que busca agregar valor a recursos biológicos de maneira sustentável — e é uma das que tem se beneficiado nesses tempos de crise sanitária.
Ela inclui desde a agricultura e a produção de alimentos à fabricação do produtos biotecnológicos como vacinas, métodos diagnósticos e de tratamento.
6. A economia circular.
Se a economia linear se baseia em produzir, consumir e eliminar, a circular busca um outro caminho: reciclar e reutilizar os produtos em vez de descartá-los.
Um dos seus fundamentos, portanto, é reduzir a geração de resíduos e as emissões de dióxido de carbono para resguardar o meio ambiente.
A Cepal vê uma oportunidade para que a região aposte nessa área por meio de segmentos como a gestão de resíduos sólidos domiciliares, do lixo orgânico a plásticos e eletrônicos.
Retorno aos níveis pré-crise.
Segundo os cálculos da Cepal, caso a América Latina crescesse à taxa média observada na última década, de 1,8%, voltaria ao patamar observado antes da crise causada pela pandemia em 2024.
Se o ritmo fosse o dos últimos 6 anos, de apenas 0,4%, o retorno ao nível pré-crise não chegaria antes da próxima década, acrescenta Bárcena.
Boa parte do futuro da economia da região dependerá de fatores como a evolução da pandemia, o ritmo de recuperação do mundo como um todo, o preço das matérias-primas e os recursos disponíveis no mercado e nos organismos internacionais para financiar o crescimento, além da vontade política de cada governo.
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