Nathália Marques e Lucas Thomaz - Monitores da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense.
No mundo globalizado, um punhado de gigantes tecnológicos e seus donos são mais poderosos e ricos do que nações inteiras. São tempos de exuberância para os paraísos fiscais (por volta de 50 territórios em todo o planeta), o segredo bancário, a fraude e a sonegação fiscal das grandes corporações. Em boa parte do mundo, incluindo os países ricos, a sustentabilidade dos sistemas públicos (aposentadorias, saúde, educação) é posta em dúvida; o desemprego, em muitos países, é um drama enquanto a robotização ameaça os trabalhadores. E o sistema tributário atual é incapaz de captar os recursos públicos necessários para dar conta dessas necessidades.
“A enorme complexidade das operações globais das multinacionais, junto com a vontade das big four [KPMG, PwC, Ernst & Young e Deloitte] para criar estruturas que separam a tributação dos lucros dos lugares em que realmente se desenvolve a atividade da empresa, levou a uma situação em que até mesmo o Fundo Monetário Internacional (FMI) reconhece que as leis já não servem”, diz Alex Cobham, diretor do Tax Justice Network, um grupo de ativistas que denuncia os abusos do sistema impositivo internacional. Seus especialistas fizeram contas. A sonegação fiscal das multinacionais deixa perdas de 500 bilhões de dólares (1,85 trilhão de reais) por ano no planeta e acende as luzes vermelhas. A Associação Internacional de Advogados chama essas manobras tributárias de uma violação aos direitos humanos.
Esse é o assunto quando se fala hoje de impostos. Até mesmo o jornal Financial Times – trincheira inexpugnável do liberalismo – mostrou as fraturas do sistema. Um estudo recente do jornal britânico revela que as grandes multinacionais pagam muito menos impostos agora do que antes do crash mundial de 2008. Concretamente, a taxa efetiva (a proporção de lucros que esperam pagar) caiu 9% desde a crise financeira. Uma queda que chega a 13% nas grandes empresas tecnológicas. “Precisamos de um novo paradigma que onere os impostos empresariais e do capital de uma forma mais ampla”, diz Jason Furman, ex-presidente do Conselho de Assessores de Barack Obama. “Com as políticas adequadas podemos conseguir. O ideal seria que fossem negociados e coordenados entre os países. Mas se isso, como parece, for difícil, as nações podem criar sistemas que funcionem em seus próprios territórios”.
Toda essa raiva despertou nos últimos meses as grandes empresas da revolução digital, que encontraram em inúmeros territórios com tributação ínfima (na Europa, países como Luxemburgo, Irlanda, Bélgica e Holanda) seu parque de diversões particular. Os países europeus perderam 5,4 bilhões de euros (23 bilhões de reais) entre 2013 e 2015 em impostos do Google e Facebook, porque diluíram seus lucros através dessas jurisdições. E sempre parece existir um país disposto a oferecer um paraíso fiscal melhor do que o anterior.
Poucas empresas refletem isso melhor do que a Amazon. Em 1994, a empresa de Jeff Bezos, à época somente um vendedor de livros online, procurava sede para seu negócio e a primeira opção foi uma reserva indígena norte-americana. Esses territórios têm generosas isenções fiscais. Mas o Estado da Califórnia se opôs. Depois escolheu Seattle (Washington). Bezos contou que a escolheu porque tinha uma população pequena. Naquela tempo somente os varejistas com presença física em um Estado pagavam impostos. Além disso as vendas a outros territórios com maior população não eram taxadas. Desde então, o sistema fiscal da Amazon é uma contínua evasão. De fato, o implantou em 2003 em Luxemburgo, um país que o Tax Justice Network chama de “a Estrela da Morte do segredo bancário”. Muitos de seus críticos afirmam que se a Amazon se transformou no maior varejista do planeta é em parte por essa busca de territórios com tributação ínfima. Como estão longe as palavras do jurista norte-americano Oliver Wendell Holmes (1841-1935): “os impostos são o preço que pagamos por uma sociedade civilizada”.
A União Europeia apresentou em março uma proposta para taxar em 3% as empresas de tecnologia com faturamento global superior a 750 milhões de euros (3,3 bilhões de reais) e 50 milhões de euros (220 milhões de reais) na Europa. Mas se calcula que ela não estará vigente até 2020. Os tributos que escapam impedem a construção de uma sociedade mais equitativa. Um trabalho da Royal Society of Arts (RSA) britânica sugere que com as novas taxas que poderiam ser impostas ao Facebook, Amazon e Apple seria possível dar a todos os britânicos menores de 55 anos uma renda básica universal de 10.000 libras (50.000 reais).
Um ensaio (The Role and Design of Net Wealth Taxes) da OCDE explica que hoje os milionários têm mais influência, poder e podem gerar lucros sem trabalhar. “Uma pessoa que trabalha por 20.000 euros (88.000 reais) por ano e outra que recebe o mesmo, mas investindo estão em posições diferentes”, critica o estudo. E acrescenta: “Um aspecto fundamental da acumulação de riquezas é que se retroalimenta: a riqueza gera riqueza”. Por isso o economista Thomas Pikettypropõe um imposto global sobre o patrimônio que taxe em 5% e 10% as fortunas superiores a 10 milhões de euros (44 milhões de reais).
Jorge Pérez é um dos homens mais ricos do planeta. A revista Forbes calcula sua fortuna em 3 bilhões de dólares (11 bilhões de reais). Logo será bem menor, pois se comprometeu com Bill Gates e seu programa de doar a metade para programas sociais. Colecionador de arte e um dos maiores filantropos dos Estados Unidos, reconhece que “pensa muito” em uma ideia: “Os milionários deveriam pagar mais impostos? A resposta não é fácil. O mais razoável seriam maiores taxas aos ricos e uma melhor distribuição, mas isso depende dos Governos, que são ineficientes e muitas vezes corruptos”.
Mas na sociedade cresce a pressão para taxar mais esse 1% que acumula 82% da riqueza da Terra. “Se Mark Zuckerberg prevê ganhar 4 bilhões de dólares (15 bilhões de reais) nesse ano, é melhor que esteja no mesma categoria de alguém que ganha, digamos, 300.000 dólares (1,12 bilhão de reais) ou deveria ser taxado em 90% e ter 3,6 bilhões de dólares (13 bilhões de reais) para hospitais e escolas?”, se pergunta Charles Enoch, professor na Universidade de Oxford. “E o próprio Zuckerberg seria menos ‘feliz’ se aumentasse seu patrimônio somente nesse valor?”. Parece razoável, diz Enoch, que alguém que ganha mais de 100 milhões de dólares (374 milhões de reais) por ano deva pagar pelo menos 90%.
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