Olá Alunos,
A matéria de hoje traz a importância da linguagem e as suas relações com o desenvolvimento econômico de um país.
Esperamos que gostem,
Ramon Reis e Caio Malta, monitores da matéria "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense
Se estudada com cuidado a história, percebe-se que, salvo raras exceções de gênios enviados para acelerar o progresso, o pensamento humano e, causa e efeito dele, a sua linguagem, vêm progredindo lentamente. Na medida em que se sente melhor e se racionaliza melhor, é possível criar melhores instituições e políticas para desenvolver a civilização nos seus mais distintos aspectos.
A dificuldade ainda existente de perceber as melhores saídas econômicas decorre do passo moral e intelectual humano, que precisa quebrar as amarras para que seja possível dar saltos.
Já é tema assaz analisado neste blog e em outros textos do autor o de esquerda e direita serem distrações para os sentimentos e para o intelecto. O mesmo acontece com diversas formatações dos problemas em linguagem. Para que os humanos possam analisá-los, é preciso vertê-los em língua. Apenas é possível estudar, entender, discutir sobre algo se é viável explicá-lo por meio de palavras, a chave da interpretação e da comunicação.
Quer-se estressar aqui, com uso de insights e exemplos que parecem irrefutáveis, que é preciso ir além da linguagem comum, buscando se desassociar das palavras para sentir melhor os problemas, pensando em saídas customizadas para eles independentemente da sua classificação.
Quando se discute sobre Estado e mercado, por exemplo, percebe-se que há casos de sucesso e de insucesso a partir da intervenção do Estado. O pensamento mais tradicional humano, que é menos complexo, logo traduz o problema em dicotomias: mais Estado = esquerda e menos Estado = direita. Se, dentro da experiência do que o sujeito entende por resultados de sucesso, estiver mais Estado ou menos Estado, ele se considerará de esquerda ou de direita.
É claro que nem sempre acontece assim pois, muitas vezes, escolhe-se antes ser de esquerda ou direita e depois, quase automaticamente, se a pessoa quer mais ou menos Estado. Isso é só um exemplo para mostrar como o pensamento simplista vai trabalhando entre associações por meio da linguagem. É assim que se ensinou a raciocinar na Idade Moderna, por meio de aproximações chamadas de lógicas. Dado que alguém é Esquerda, e dado que Esquerda = mais Estado, ele deve necessariamente defender mais Estado, seja lá o que isso signifique.
As definições são pobres e as associações lógicas mais ainda. Reduz-se demais as possibilidades, as pessoas não buscam o máximo de experiências e acabam construindo o seu próprio mundo limitado, pensando terem descoberto todas as verdades do planeta.
Aprofunde-se com um caso mais concreto. Diferentes países obtiveram sucesso ou insucesso com políticas protecionistas, o que significa, na linguagem simplista acima, mais Estado e, portanto, esquerda. Mas, como admitir isso, quando se raciocina por ilações lógicas muito simples?
Na cabeça de muitos supostos especialistas brasileiros, sobretudo se têm tendência mais formalista, é clássico encontrar raciocínios do tipo: o protecionismo no Brasil, como no caso dos computadores na década de 80, falhou, o que é óbvio, pois o Estado não sabe intervir na economia e, portanto, a esquerda não entende de economia.
Do outro lado, não é incomum encontrar os que defendam que o protecionismo no Brasil, como no caso da indústria de aviação (ex. Embraer), deu certo, o que é óbvio, pois o Estado precisa intervir na economia e, portanto, a direita não entende de economia.
Antes que o leitor já procure furos em um dos exemplos acima, pois as ideias dos dois últimos parágrafos não podem conviver num raciocínio reducionista/simplista, cite-se exemplos internacionais.
O nacionalismo venezuelano, extremamente mal figurado em políticas, assim como sua tributação e outras instituições é, em geral, um fracasso. O país tem parca indústria – na verdade, tem parca economia – e depende basicamente do petróleo. Se este vai mal, como nos últimos anos, o país vai mal.
Os exemplos acima revelam o óbvio. O orgulho daqueles que defendem raciocínios simplistas dificilmente permitirá que eles cedam ao ponto de dizer que há algo de bom do outro lado. Esquerda e direita, intervencionistas e liberalistas, se apegam aos labels, às palavras e ideias genéricas a que se referem, fechando suas mentes para um raciocínio mais profundo.
Isso vem do primitivismo humano, de padrões cravados na sua consciência relativos a pertencimento a tribos e ao senso de defesa em relação a inimigos. Ao raciocinar em dicotomias rígidas e se escolher um lado para defender, sobretudo se as paixões estiverem exaltadas, o progresso se trava, pois o diálogo não flui.
Confunde-se os conceitos, generaliza-se tudo, ataca-se o que parece ser contrário e o resultado é escassez de soluções. Qualquer semelhança com o Brasil atual não é mera coincidência.
Se o pensamento, porém, deixar de estar pautado em lados dicotômicos para refletir sobre o que é melhor especificamente para cada país, observa-se que as melhores instituições e políticas mudam em cada caso, apesar de ter certos padrões de sucesso que apenas podem ser apreendidos por um estudo histórico, e nunca lógico-matemático. Aprende-se com os erros e acertos dos demais e, frente a uma situação concreta, decide-se.
Um raciocínio mais dinâmico e complexo revela que a esquerda e a direita podem ter medidas boas ou ruins, a depender do caso, até porque a definição de esquerda e direita varia em cada país, em cada momento e mesmo em cada consciência. Proteção da indústria pelo Estado pode ser feita de infinitas formas. Como dizer que todas elas são ruins ou boas? É simplesmente estúpido.
A política nacionalista industrial pode variar quanto ao tipo (tarifas, subsídios e outras medidas), quanto ao grau de proteção, quanto ao tempo que se mantém protegida, quanto à possibilidade de se fixar um marco final desde o início ou não, quanto à possibilidade de se avaliar periodicamente a medida para ajustes a título de experimentação etc.
A dificuldade hoje encontrada no mundo de entendimento e de progresso gira, portanto, em torno de egoísmo e orgulho de todas partes, mas esses sentimentos ganham espaço na medida em que o debate é linguisticamente confuso. Presos em reduções, dicotomias rígidas, más definições e generalizações, os seres humanos simplesmente não conseguem raciocinar com profundidade e nem se entender minimamente.
Buscando corrigir isso, é preciso um esforço para se desligar um pouco das palavras e pensar em melhores soluções para os problemas. Esse desligamento significa reconhecer que uma palavra pode significar várias coisas, a depender de quem a articule, o que não diminui a sua importância; aliás, pelo contrário.
É preciso se desligar da palavra em si, para efeito de não se prender ao sentido normalmente atribuído por ela pelo próprio indivíduo mas, ao mesmo tempo, é preciso defini-la bem no debate, para que se entenda a qual tipo de esquerda, de direita ou de intervenção do Estado se está falando.
É preciso pensar dinamicamente, analisando a história, os contextos, colocando as palavras dentro deles, dando-lhes diferentes definições de acordo com o tempo, o espaço e os sujeitos.
É preciso reconhecer que nem sempre uma causa leva exatamente ao mesmo efeito e, portanto, um efeito nem sempre decorre de uma mesma causa. A causalidade não é totalmente determinista, mecânica, como se pensava, havendo interrelacionamento de causas, que podem trair a todo momento as consciências mais precipitadas. Isso subverte a lógica formal e eliminar o terceiro excluído, gerando um terceiro incluído, aceitando até mesmo “a” e “-a” em um mesmo discurso, apenas alterando o tempo, o espaço ou outro aspecto da perspectiva do sujeito.
Por fim, é preciso ser honesto e humano. Com aquele que apenas quer ganhar a discussão, que distorce a realidade para se mostrar como certo, nem vale a pena dialogar. É caso, no máximo, de piedade.
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