Olá
alunos,
A
notícia de hoje aborda o tema da crise política no Mercosul. Diante do atual
cenário econômico e político nos países que integram o bloco, é possível
afirmar que a diplomacia comercial brasileira pode estar prestes a render
pautas muito mais complexas e interessantes que as dos últimos anos.
Esperamos
que gostem e participem.
Palloma
Borges, monitora da disciplina “Economia Política e Direito” da Universidade
Federal Fluminense.
A crise política do
Mercosul foi um dos poucos temas quentes da economia, na primeira semana de
agosto. Do lado interno, as bondades fiscais do governo ocuparam boa parte do
noticiário. As condições impostas aos governos estaduais, na renegociação das
dívidas com a União, serão menos severas do que pretendia o Executivo federal.
Algumas categorias terão maiores vantagens salariais, graças a uma alteração do
projeto enviado ao Congresso. Deputados pressionaram o presidente interino
Michel Temer e ele aceitou.
Depois de algumas
iniciativas, como a proposta de um teto para a elevação do gasto público,
sobrou pouco espaço para ações efetivas do governo provisório. No meio desse
quase marasmo, dificilmente superável até a conclusão do processo de
impeachment, com ou sem afastamento definitivo da presidente Dilma Rousseff, o
impasse no bloco regional acabou sendo uma das pautas mais importantes.
Com o fim do mandato
uruguaio, a presidência rotativa do Mercosul deveria ser transferida, por um
semestre, para a Venezuela. A sucessão é feita por ordem alfabética. O governo
do Uruguai entregou o cargo no prazo, mas os governos brasileiro, argentino e
paraguaio opuseram-se à transferência. Não houve surpresa.
Tanto no Brasil quanto
na Argentina a diplomacia tem sido menos simpática ao bolivarianismo e menos
tolerante à demora em cumprir o protocolo de adesão. As autoridades paraguaias
dão ênfase a essas formalidades, mas, além disso, têm contas a ajustar.
Afinal, o ingresso da
Venezuela ocorreu quando o Paraguai foi suspenso, em 2012, depois da cassação
do presidente Fernando Lugo pelo Congresso. As presidentes Dilma Rousseff e
Cristina Kirchner conseguiram a adesão do colega uruguaio José Mujica,
inicialmente hesitante, à tese de golpe. A oposição do Senado paraguaio era o
último obstáculo à participação venezuelana. Com a suspensão temporária, esse
entrave foi removido.
O governo brasileiro
havia proposto, recentemente, a extensão do mandato uruguaio até agosto. Até lá
se discutiria uma solução para o impasse. As autoridades uruguaias discordaram
da proposta e desocuparam a presidência na sexta-feira 29/7. Em carta enviada
aos demais membros do bloco, o governo venezuelano logo se declarou no exercício
da presidência.
O chanceler paraguaio,
Eladio Loizaga, rejeitou imediatamente a decisão venezuelana, classificando-a
como unilateral e alegando ser necessário o consenso dos membros do
Mercosul. Como sempre havia ocorrido, só
uma reunião de chanceleres e de chefes de governo poderia sacramentar a
transferência, argumentou.
Serra e a Venezuela
A reação de Brasília
foi conhecida na segunda-feira e rendeu a manchete do Estado de S. Paulo no dia
seguinte: “Brasil rejeita Venezuela na presidência do Mercosul”. O chanceler
José Serra explicou a posição brasileira em carta aos ministros de Relações
Exteriores da Argentina, do Paraguai e do Uruguai.
A Venezuela, segundo
ele, deixou de cumprir “disposições essenciais” – 102 normas – para a plena
participação no bloco. Além disso, segundo o ministro, faltou o consenso
necessário à passagem da presidência.
Como seu colega paraguaio, ele negou o caráter automático da sucessão.
“Serra ignora troca de chefia no Mercosul” foi o título da reportagem publicada
no mesmo dia no Valor.
Em cadeia de TV, na
quarta-feira à noite, o presidente da Venezuela, Nicolas Maduro, revelou
talento para o trocadilho, jogando com as palavras “demacrado” (debilitado,
enfraquecido, em espanhol) e Macri. “Agora nos persegue a oligarquia paraguaia,
corrupta e narcotraficante”, disse Maduro. “Agora nos persegue o demacrado
Macri da Argentina, fracassado, repudiado por seu povo. E agora nos persegue a
ditadura imposta no Brasil”.
Nesse pronunciamento,
Maduro reforçou os comentários feitos poucos dias antes por sua ministra de
Relações Exteriores, Delcy Rodríguez. Segundo a chanceler, a Venezuela era
perseguida pela “tríplice aliança de torturadores da América do Sul”, formada
por Argentina, Brasil e Paraguai. Grandes jornais brasileiros continuaram dando
ênfase ao conflito, mas desperdiçaram a fala de Maduro.
Na quinta-feira, em
Montevidéu, diplomatas brasileiros, argentinos, paraguaios e uruguaios
discutiram a possível formação de um comando compartilhado para o bloco, mas o
encontro terminou sem acordo. “Mercosul ficará ao menos mais duas semanas sem
chefia”, informou na edição de sexta-feira a Folha de S. Paulo. Os quatro
governos ofereceram a Caracas uma semana, até a sexta-feira seguinte, para
mostrar o cumprimento das condições legais para a adesão plena ao bloco.
“Se os quatro quiserem
que [o Mercosul] funcione, vai funcionar”, disse o subsecretário geral do
Itamaraty para América do Sul, Central e Caribe, Paulo Estivallet, citado em
reportagem do Estadão. Em Brasília, o ministro Serra insistiu na formação de um
conselho informal para tocar provisoriamente os negócios do bloco.
Neste momento, o
assunto externo mais importante do Mercosul é a negociação do acordo comercial
com a União Europeia, um empreendimento iniciado nos anos 90 e ainda sem
solução. Além disso, os governos do
Brasil e da Argentina têm mostrado interesse em mudar a pauta seguida pelos
governos do PT e dos Kirchner, concentrada na Rodada Doha e na integração com
países emergentes e em desenvolvimento.
A grande rodada murchou
e as negociações multilaterais foram retomadas, a partir da reunião ministerial
de Bali, com ambições menores. Mas a pauta do Mercosul poderia ser muito mais
ambiciosa, com maior empenho em negociações com grandes mercados e maior
participação na multiplicação de acordos internacionais. Paraguaios e uruguaios
(antes do governo Mujica) haviam defendido a ampliação dos objetivos do bloco.
Também as condições de funcionamento do bloco, prejudicadas por barreiras
internas, serão provavelmente rediscutidas.
Se a mudança de rumo do
Mercosul se confirmar, a diplomacia comercial do Brasil poderá render pautas
muito mais complexas e interessantes que as da última década. Isso poderá exigir uma reavaliação das
condições de cobertura da política econômica externa.
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