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segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Nova lei das estatais brasileiras abre brechas para escândalos de corrupção






Olá alunos, 

A notícia de hoje discute alguns aspectos relativos à nova lei das estatais brasileiras, segundo a qual, nem todas as obras licitadas precisarão ter projeto completo de engenharia. De acordo com especialistas, isso abriria margem para um esquema de corrupção semelhante ao descoberto pela Operação Lava-Jato. 

Esperamos que gostem e participem.
Palloma Borges, monitora da disciplina “Economia Política e Direito” da Universidade Federal Fluminense.

Há quase um mês, uma lei similar ao malfadado regime diferenciado de contratação, que resultou em boa parte da corrupção na Petrobras e em desvios de obras da Copa do Mundo, foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente interino Michel Temer. A Lei das Estatais (a de número 13.303/2006) foi criada como uma das maneiras de moralizar o serviço público, pois impede que cargos de diretorias sejam ocupados por políticos sem experiência comprovada para a função. O problema é que alguns artigos dessa legislação flexibilizaram as regras para a contratação de obras por meio de empresas estatais ou de economia mista de todo o Brasil. Ou seja, dentro de um projeto que tinha um importante fator moralizante, foram inseridos jabutis, como se costuma dizer no Legislativo brasileiro quando uma lei discorre sobre assuntos que não estavam inicialmente previstos.
Desde 1º de julho, qualquer uma das 220 estatais brasileiras (incluindo as dos governos estaduais e do federal) podem licitar obras sem um prévio projeto executivo ter sido elaborado pela empresa contratante. Na prática, segundo especialistas, isso significa que a empreiteira responsável pela construção de uma rodovia, por exemplo, tocará todas as etapas para a conclusão dela, desde o projeto básico até o acabamento, sem uma cobrança efetiva com relação aos prazos. É a figura denominada contratação integrada. “Licitar uma obra sem um projeto completo é se aventurar. Sem o projeto não se sabe se a obra vai durar um, seis ou 24 meses. Os aditivos aos projetos também acabam virando uma rotina. É um convite para se rasgar dinheiro público”, alertou Haroldo Pinheiro, o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU-BR), uma das diversas entidades contrárias à legislação recentemente aprovada.
Desde 2011, ainda durante o Governo Dilma Rousseff (PT), organizações que representam profissionais de engenharia, arquitetura e urbanismo já entregaram uma série de manifestos e documentos ao governo brasileiro e ao Congresso Nacional criticando as mudanças legais. Até agora, não houve nenhuma sinalização favorável. Em um deles, os especialistas afirmam que a “modalidade de ‘Contratação Integrada’ para obras públicas é o melhor caminho para o aumento dos custos, para a diminuição da qualidade e para a consagração da corrupção nos contratos de obras”.
Estudiosos do assunto, como Pinheiro, vão além e afirmam que se a nova lei não for modificada, novas tramas como a identificada pela operação Lava Jato poderão surgir. Um dos motivos para a série de desvios da Petrobras (que ultrapassaram os 20 bilhões de reais, segundo estimativas dos investigadores) foi que as regras para a contratação de empresas eram mais flexíveis do que as dos demais órgãos públicos.
Um levantamento feito pelo Sindicato da Arquitetura e Engenharia (SINAENCO), pela Associação Brasileira de Consultores em Engenharia (ABCE) e pelo CAU-BR apontou as principais obras do país em que o regime diferenciado de contratação foi usado e que os resultados estão longe de serem benéficos aos cofres públicos. Todas foram abarcadas pelas leis que beneficiavam as obras feitas pela Petrobras ou entraram no âmbito da lei 12.462/2011, que tratou principalmente das obras para o Mundial de Futebol.
As que mais chamam a atenção são a da refinaria Abreu e Lima, da Petrobras, e a do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) de Cuiabá, uma das construções que deveria ficar pronta para a Copa do Mundo de 2014. Na primeira delas, que é alvo da operação Lava Jato, o projeto inicial previa custos de 13,4 bilhões de dólares (43,5 bilhões de reais), mas hoje está na casa de 18 bilhões de dólares (58,5 bilhões de reais). Uma análise feita pelo Tribunal de Contas da União neste contrato já constatou o superfaturamento de 943 milhões de reais. Com relação ao VLT de Cuiabá, a obra deveria ter sido concluída no início de 2014, mas por conta de atrasos e desvios, que já resultaram na prisão de políticos e empreiteiros mato-grossenses, até meados de junho passado não tinha atingido nem os 70% de elaboração.
Outro fato que deixou os especialistas em alerta foi que, após a aprovação da Lei das Estatais pelo Congresso, avançou no Senado uma outra proposta legal que amplia a contratação integrada para outros órgãos. Trata-se do projeto de lei 559/2013. Pelo que está previsto nela, não seriam mais apenas empresas estatais – como a Petrobras, a Eletrobrás ou os Correios – que poderiam contratar obras sem um projeto executivo, mas todos os órgãos, desde prefeituras até ministérios.
Nas audiências públicas em que se debatem essas mudanças legais é raro encontrar algum profissional que as defendam. Geralmente são senadores ou deputados que foram financiados por grandes empreiteiras que fazem esse trabalho. Eles costumam alegar que, com a contratação integrada, as obras são concluídas em um prazo menor e que haveria uma economia aos cofres públicos, já que o Executivo não precisaria gastar com os custos do projeto completo (algo que custa cerca de 5% de toda a obra). Na semana anterior ao recesso parlamentar uma audiência pública para discutir o projeto 559/2013 foi desmarcada, sem que houvesse um novo agendamento.
Nas próximas semanas, as instituições que são contrárias às regras que flexibilizaram a contratação de empreiteiras deverão intensificar o contato com parlamentares para tentar convencê-los a não apoiar a figura da contratação integrada. Se não houver resultados, elas não descartam recorrer ao Supremo Tribunal Federal.

terça-feira, 23 de agosto de 2016

A relação entre esfera pública, informação e o direito



Olá alunos,

A postagem de hoje debate alguns dos reflexos do advento dos meios de comunicação de massa e da industrialização da cultura no século XX, relacionando esses acontecimentos com o Direito, vez que este não deve dispensar o jornalismo, instituição importante para tornar mais transparente o exercício do poder.

Esperamos que gostem e participem. 
Palloma Borges, monitora da disciplina “Economia Política e Direito” da Universidade Federal Fluminense.

O filósofo alemão Jürgen Habermas é sempre lembrado nos cursos e estudos sobre jornalismo e comunicação, especialmente por suas obras-primas Mudança estrutural da Esfera Pública e Teoria da Ação Comunicativa. Em resumo, a primeira é um estudo sociológico e filosófico sobre o surgimento de espaços de comunicação e expressão entre cidadãos privados reunidos em públicos desde o século 17, no início da fase concorrencial do capitalismo na Europa. Os suportes principais desses públicos eram os recém-criados jornais, a imprensa, sua instituição por excelência, e seu produto, a opinião pública, tornar-se-iam o fundamento último da lei no Estado democrático. Isso significa que a imprensa incorpora para Habermas o princípio da esfera pública, que deveria garantir a proteção da esfera privada e a publicização do poder, ou seja, a separação entre sociedade civil e Estado por meio dos direitos humanos e da soberania popular. Porém, com o advento dos meios de comunicação de massa e a industrialização da cultura no século 20, ocorre a decadência da esfera pública. A notícia teria se tornado mercadoria e a opinião pública transfigurada em opinião publicada e aclamação. Depois dessa desilusão com o princípio da esfera pública, de um lado tornada propaganda, de outro, medição estatística de pesquisas de opinião, Habermas se distanciou do jornalismo e dos meios de comunicação como espaços em que poderia identificar uma comunicação voltada para o exercício das liberdades de comunicação e do respeito às competências comunicativas de cada indivíduo. Por isso, Teoria da Ação Comunicativa é um estudo sobre a constituição linguística do mesmo tipo de comunicação que pode ser identificado em Mudança Estrutural da Esfera Pública, mas que Habermas então atribui a toda relação humana que se utiliza das trocas discursivas voltadas à comunicação orientada pelo melhor argumento, e não pelo auto interesse, a reputação ou o lugar social do discurso. Mais ainda, estaria presente em toda comunicação em que indivíduos e grupos se reúnem para discutir e decidir sobre a verdade dos fatos, a validade das normas e a sinceridade e a autenticidade das expressões individuais e culturais. Com essa guinada para a filosofia e mais em seguida para a teoria da moral e do direito, Habermas só retomaria mais sistematicamente o jornalismo e os meios de comunicação como objetos de análise, quarenta anos depois da primeira publicação de Mudança Estrutural. Ao que parece, preocupado com as condições de uma esfera pública transnacional a partir da formação da União Europeia e o papel dos meios de comunicação nessa questão. Mas, apesar dessa mudança de objeto de pesquisa, do debate público democrático para a qualidade do procedimento jurídico deliberativo como espaço de legitimação do direito, como veremos, o jornalismo e os meios de comunicação continuaram a aparecer nos diagnósticos e nas propostas teóricas da trajetória intelectual de Habermas. “Desavenças de juventude” É possível comparar a relação de Habermas e o jornalismo com a de velhos amigos de infância que perderam contato depois de algumas desavenças de juventude, mas que décadas depois se reencontram mais maduros, já que nunca deixaram de compartilhar os mesmos valores e interesses. Ainda que tenha deixado de tratar mais detidamente de temas do jornalismo e da imprensa desde a publicação de Mudança Estrutural da Esfera Pública em 1962, a teoria social e da razão e também do direito de Habermas continuaram a depender de uma imprensa livre, isto é, mobilizada internamente pelas regras do jornalismo, e os direitos de comunicação e participação garantidos constitucionalmente. As razões por trás dessas “desavenças de juventude” entre o pensamento de Habermas e o jornalismo e a imprensa são mais de ordem sociológica do que filosófica. Habermas reconhece no prefácio da edição em inglês de Mudança Estrutural de 1992 que seu diagnóstico da esfera pública, ora romanticamente otimista em termos da origem e fundamentos nos séculos 18 e 19, ora excessivamente pessimista quanto à sua subversão no século 20, havia sido influenciado pelo estudo Student und Politik, realizado no Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt e publicado em 1961 (Student und Politik. Eine soziologische Untersuchung zum politischen Bewusstsein Frankfurter Studenten. Institut für Sozialforschung, Frankfurt am Main, 1961), no qual identificara uma apatia e uma baixa consciência política nos estudantes de Frankfurt no início dos anos 60. Outra abordagem que teria orientado sua visão foi aquela da crítica da indústria cultural ecialmente por suas obras-primas Mudança Estrutural da Esfera Pública, de 1962 da “mistificação das massas”, derivada da totalização do princípio da razão instrumental, ou da autopreservação individual sobre a “sociedade administrada” do capitalismo tardio, feita por Adorno e Horkheimer em Dialética do Esclarecimento. Fragmentos Filosóficos, de 1944 (Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1985). Ao mesmo tempo que denunciara o descolamento dos ideais da esfera pública diante da produção industrializada da opinião pública, tornada estatística e espetáculo e gerando identificação psicológica nas audiências, Habermas deixou de trabalhar esse campo para nos anos 1970 se dedicar ao empreendimento filosófico e sociológico que resultaria nos dois volumes da Teoria da Ação Comunicativa, em 1982.

Para onde foi o jornalismo?

Ao aprofundar as questões teóricas e normativas que teria encontrado na origem e fundamentos da esfera pública, Habermas substitui em Teoria da Ação Comunicativa os objetos empíricos da imprensa, do jornalismo e das demais instituições que atuam na esfera pública para encontrar nas características pragmáticas da linguagem e da comunicação cotidiana e especializada aquele tipo de racionalidade identificado na origem da esfera pública burguesa: ao lado da, e mais abrangente que, a razão e a ação instrumentais denunciadas por Adorno e Horkheimer e outras críticas clássicas da modernidade, como as de Marx e Weber, haveria uma razão comunicativa que resiste, ainda que soterrada pela industrialização da cultura e a instrumentalização das relações sociais. A razão comunicativa é aquela que motiva a ação orientada pelo entendimento entre sujeitos que se reconhecem como falantes competentes em diversas esferas da vida. Ou seja, das conversações mais rudimentares às comunicações mais especializadas da política, da moral, e mesmo da crítica de arte, da ciência e da economia, as pessoas assumem constantes de “compromissos discursivos de ação social” determinados por regras culturalmente construídas. Estaria então na linguagem humana, e não mais nos espaços de comunicação promovidos pela imprensa, o lugar de identificação da razão comunicativa, capaz de dar ignição à ação comunicativa. Somente ela produziria a solidariedade social capaz de garantir a formação de personalidades, da cultura e da própria sociedade na era contemporânea. É assim que a imprensa, o jornalismo e os meios de comunicação tomariam posição periférica nos estudos de Habermas a partir dos anos 1980, e a esfera pública dá lugar à teoria da ação comunicativa como ao mesmo tempo uma teoria da razão e do discurso, uma teoria social, uma teoria da modernidade. Ainda assim, a partilha dos valores e interesses de Habermas com os ideais da imprensa livre não a faz desaparecer por completo em Teoria da Ação Comunicativa. Com a substituição dos conceitos de esfera pública econômica, literária e política, e de públicos formais e informais por um modelo binário de análise da sociedade em que o “mundo da vida” (reino das ações comunicativas e tradicionais) é colonizado pelo “sistema” (reino das ações instrumentais e estratégicas), os meios de comunicação não assumem totalmente o lado do sistema, mas sim uma posição ambivalente: são “formas generalizadas de comunicação”, suscetíveis à lógica instrumental, embora sempre constituídas a partir das interações linguísticas das audiências e seus panos de fundo culturais. Ou seja, Habermas confere um status menos instrumentalizado para os meios de comunicação de massa e a imprensa do que no processo de mudança estrutural da esfera pública, e comprova isso ao buscar estudos empíricos sobre televisão de autores como Kellner e Singlewood para destacar ambivalências da tese do unilateralismo midiático. Resumi essas ambivalências, que ainda continuam válidas, em um estudo publicado em 2008 (“Mídia e Cidadania: Contribuições de Leituras Habermasianas da Comunicação de Massa para a Retomada da Esfera Pública em Sociedades Complexas”. Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación www.eptic.com.br, vol. X, n. 2, May-Ago., 2008): A variabilidade de fatores e consequências da produção de informação e a evolução técnica dos meios de comunicação; A existência de produções que não somente reafirmam os conteúdos pasteurizados e repetitivos da indústria cultural; A capacidade de crítica e requalificação das informações pelos contextos culturais de recepção; O poder da comunicação oral e cotidiana em se contrapor à influência político-ideológica dos meios de massa. Esfera pública na teoria do direito Apesar de não ter sido notada por teóricos da comunicação política, essa abordagem da comunicação de massa em Teoria da Ação Comunicativa dá início a um retorno de Habermas ao tema da esfera pública, especialmente com sua teoria do direito, publicada em 1992 na Alemanha e em 1997 no Brasil com o título Direito e Democracia: Entre Facticidade e Validade (em 2 vols. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro). Seu diagnóstico, contudo, não parece ir além do que ele mesmo teria feito caso reescrevesse Mudança Estrutural nos anos 1990: oferecer uma abordagem menos pessimista da capacidade dos meios de comunicação de massa em contribuir para uma publicidade crítica e uma abordagem teórica que saísse de arranjos de princípios contrastantes. Por isso que podemos falar num retorno incompleto da esfera pública, e, portanto, da influência dos meios de massa na teoria do direito. Apesar de reconhecer as plataformas de comunicação eletrônica como as únicas capazes de fazer circular as informações e argumentos entre fóruns especializados e espaços informais de formação da vontade política, seu diagnóstico de um atravessamento por interesses econômicos e políticos e grupos de pressão ainda é muito generalista e impreciso. Em vez de reconstruir os princípios específicos da esfera pública em casos concretos, como as liberdades de informação, comunicação e imprensa, além da transparência do poder público, Habermas mantém os ideais de uma esfera pública, agora mais “assujeitada” em fluxos de informações e argumentos, como “ficções metodológicas” a serem contrastadas com seus desvios e vícios em casos concretos. Ele próprio viria a considerar essa necessidade de reconstrução dos princípios da esfera pública internamente ao direito, em debate em curso sobre direito internacional em Heidelberg, no início de 2013. Embora infiltrados por esses imperativos, os meios de comunicação de massa e a imprensa são tomados, ao lado do direito, como “formas generalizadas de comunicação” que guardam ligação tanto com o sistema quanto com o mundo da vida, ocupando esse lugar de “ponte” entre os interesses individuais e a formação coletiva da opinião e da vontade políticas. Apesar do diagnóstico ainda negativo e impreciso da esfera pública, Habermas destaca alguns papéis a serem desempenhados pela imprensa na democracia: monitoramento, agenda-setting “significativo”, e espaço para opiniões diversificadas mecanismos sociais e institucionais de responsabilização de autoridades independência de pressões econômica, política, moral e cultural promoção de educação, participação e respeito às audiências como membros conscientes e capazes de fazer sentido de seu ambiente político e participar de espaços midiáticos de discussão pública.

Meios e mercados

No texto “Meios e Mercados e Consumidores”, publicado no Süddeutsche Zeitung em 2007, Habermas define a imprensa de qualidade como aquela orientada pelo interesse público, como condutora da esfera pública. Se quality papers são a “medula óssea” da esfera pública, deduzimos que os meios eletrônicos são sua espinha dorsal. Do mesmo modo, no texto Political Communication in Media Society (Communication Theory 16(4):411-426, outubro de 2006), uma esfera pública independente é vista como pressuposto do Estado democrático de direito: um dos fundamentos da democracia e da solidariedade cidadã, ao lado dos direitos humanos e da soberania popular. Isso implicaria aos jornais contribuir para a circulação da comunicação entre centro e periferia da esfera pública, numa função de “lavagem” do “barro” dos conjuntos de opiniões públicas caóticas e informais, organizando-as de modo a permitir o julgamento informado pelos espaços mais generalizados e formais, como em votações populares e no Parlamento. Mas diante da crise econômica da imprensa de qualidade, impactada especialmente pelos efeitos de fragmentação e personalização dos fluxos de comunicação na internet, o “caos da esfera pública” estaria instaurado (“O Caos da Esfera Pública”. Caderno Mais! Folha de S.Paulo, 13/08/2006). Os intelectuais que antes se moviam como peixes na esfera pública subitamente seriam afogados com o excesso de possibilidades de informação e comunicação, e a necessidade de se autorrepresentarem visualmente a fim de obter legitimidade para seus discursos. Nesse momento Habermas faz uma proposta ousada, e que pode soar contraintuitiva aos incautos: se o Estado provê energia elétrica, dado que é uma necessidade básica de sobrevivência na sociedade, por que ele não deveria garantir também a energia comunicativa que é gerada com um meio ambiente informacional independente de anunciantes ou flutuações do mercado? Enfim, é possível ter apoio público e manter a independência? Os modelos de comunicação pública e de fundos autossuficientes estão aí para provar que sim, como o caso da BBC e do Scott Trust, do Guardian Group, ainda que sofram pressões com o avanço tecnológico e a descentralização das fontes de produção e circulação de informação. No caso, além de discutir a fonte de renda em taxa obrigatória ou assinatura facultativa como base de recursos, a constituição do corpo dirigente do meio teria de ser formado por representações equitativas e respeitadas da área, com proteções contra a ingerência política ou de outra ordem em suas gestões.

Interdependência com o direito

Além das dependências estruturais da imprensa, se entendemos que a comunicação política atual contribui de alguma forma para o cinismo em relação à política e a desconfiança nas instituições, numa última cartada com desdobramentos metodológicos, Habermas diz que não devemos procurar no estado passivo da sociedade as causas para essa alienação política, e sim nos conteúdos de uma comunicação dominada por imperativos externos, como na colonização da esfera pública por imperativos do mercado. Nesse momento, a crítica à concentração econômica e política estrutural dos meios de comunicação passa a ser acompanhada de uma crítica à redefinição de categorias políticas por categorias de mercado que se faz visível nos conteúdos dos discursos jornalísticos e outros, que levam à invasão do discurso político por elementos do entretenimento, como a personalização, a dramatização e a supersimplificação de questões complexas. A polarização de conflitos políticos promove o que Habermas chama de “privatismo cívico” e um ambiente de “antipolítica”. Antes de ver esses fenômenos como degradações necessárias da esfera pública, Habermas abre uma porta para análises dos discursos sobre os direitos de comunicação, em grande parte os direitos e deveres ligados à imprensa, como forma de identificação de tendências de legitimação da democracia. Ao final, a relação do jornalismo com o pensamento de Habermas é análoga à relação entre esfera pública e o direito. Enquanto o jornalismo como instituição social não pode se misturar com o Estado, e dele precisa de distância e independência para exercer sua crítica, o direito não pode dispensar o jornalismo como instituição capaz de tornar mais transparente o exercício do poder. Ao mesmo tempo, o jornalismo independente depende de garantias constitucionais para existir e se manter. Um não pode dispensar o outro, sobretudo os direitos e deveres envolvidos nos códigos e práticas do jornalismo e da imprensa livre. Como é a manutenção daquela amizade antiga com que, embora distante e às vezes com desavenças, você sabe que sempre pode contar.

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