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sábado, 30 de julho de 2016

Para virar do avesso políticas de Segurança Pública


Olá alunos, 

A postagem de hoje traz uma entrevista com o antropólogo, cientista político e especialista em segurança pública Luiz Eduardo Soares, o qual alerta que as prisões em massa e a violência policial fracassaram no combate ao crime. Nesse sentido, esse seria o momento de gerar uma "polícia cidadã" e de acabar com a guerra às drogas.

Esperamos que gostem e participem.
Palloma Borges, monitora da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense.

O antropólogo, cientista político e especialista em segurança pública Luiz Eduardo Soares é um dos mais notáveis defensores da necessidade de se desmilitarizar a Polícia no Brasil. O coautor dos livros Elite da Tropa 1 e 2 (Que deram origem aos filmes Tropa de Elite) defende uma reforma que em sua avaliação não é simples, mas necessária, para que a polícia brasileira seja menos letal e, ao mesmo tempo, cumpra melhor seu papel. Esta questão está intimamente relacionada à superlotação das prisões e à sua falência em recuperar os criminosos, segundo ele.
Carioca, Soares veio a Porto Alegre para participar do evento “Porto Alegre sem medo – Construindo uma cidade mais segura“, promovido pela pré-candidata à prefeitura pelo PSOL, Luciana Genro, que aconteceu em 21/6 na Assembleia Legislativa. Em entrevista exclusiva ao Sul21, ele fala sobre a questão da desmilitarização da polícia, a necessidade de haver uma carreira única para os policiais e o papel que os municípios podem ter para melhorar a segurança pública. “A ideologia que rege as instituições militares policiais é a da guerra. Cumpre-se um mandado da sociedade para eliminar, liquidar fisicamente os inimigos, o que é absolutamente incompatível à atividade de uma polícia”, afirma. Confira a entrevista completa:
O senhor defende a desmilitarização da polícia como uma possível solução para a violência policial. De que forma isso beneficiaria a sociedade e mudaria a forma como as polícias agem?  
Não necessariamente mudaria, mas é um pré-requisito para que mude. É uma condição necessária, mas não suficiente. Se pensarmos no Brasil, nós temos 56 mil homicídios dolosos por ano, dos quais só 8% são investigados. E a partir daí muita gente deduz que seja o país da impunidade, quando temos a quarta população carcerária do mundo, a que mais cresce desde 2002. Então isso pode parecer um enigma, mas é simples de desvendar. Há uma polícia, que é a mais numerosa, que está nas ruas todos os dias, durante as 24 horas. E essa polícia é proibida de investigar, é a Polícia Militar. Então a polícia que não pode investigar é instada, é provocada a produzir. E qual é a produtividade da PM, como ela define essa efetividade enquanto instituição? Prendendo. E apreendendo armas e drogas. Se ela não pode investigar, está proibida constitucionalmente de fazê-lo, ela é pressionada pelos governos, mídia e população a fazer prisões em flagrante. E quais os crimes passíveis de prisão em flagrante? Os que são acessíveis aos cinco sentidos. Isso significa um filtro seletivo que faz com que a ideia de aplicação da lei seja absolutamente distorcida.
Qual lei é instrumentalmente mais útil para o trabalho da PM? É a lei de drogas, porque é possível identificar os aviõezinhos, aqueles rapazes em geral que se dedicam à comercialização das substâncias ilícitas. E portanto, você encontra nos territórios mais pobres, mais vulneráveis, nas periferias, vilas e favelas, a presença policial que vai à caça de seus presos prediletos: os presos possíveis. Que não por acaso são negros, pobres e jovens, que estão entupidos as penitenciárias, sendo induzidos a buscar um vínculo com uma organização criminosa. Em geral, quando são presos eles não apresentam vínculos sólidos com organizações criminosas, não portam armas e não cometeram violências. Então você está prendendo varejistas do comércio de substâncias ilícitas, entupindo as prisões e arruinando a vida desses jovens por um preço muito alto. Isso tudo por conta de um casamento perverso entre o modelo policial e a lei de drogas.
A lei de drogas também precisaria ser mudada, então?
É, eu estou focalizando num aspecto que é importante, mas não é o único. Porque então pode-se dizer que se deve conceder à Polícia Militar a possibilidade de investigar também. Mas como seria possível para agentes que são organizados hierarquicamente, que seguem o comando superior sem pestanejar – porque a disciplina militar exige isso – aplicar a lei civil, se responsabilizar por investigações? Parece incompatível a natureza militar com esse tipo de prática.
Qual é a melhor forma de organização? É uma pergunta que não pode ser respondida, depende da instituição. A organização adapta uma certa entidade ao cumprimento de suas finalidades. Então começamos identificando o objetivo. O Exército, que é o modelo copiado pela PM, se organiza para cumprir sua tarefa, que é garantir a soberania do território, recorrendo inclusive a recursos bélicos quando necessário. Por isso, se centraliza de forma muito rigorosa, com uma hierarquia vertical muito rígida, porque o seu método de ação para cumprir sua finalidade se define pelo pronto-emprego, que é a capacidade de deslocar grandes contingentes humanos de forma eficiente e rápida. Portanto, se justifica, ainda que tenha havido muitas mudanças, com sofisticação, meios eletrônicos, os exércitos estão mais organizados. Mas de qualquer forma, compreende-se plenamente o formato. Uma polícia só deveria imitar essa estrutura do exército se a finalidade fosse a mesma. Mas não é essa a finalidade. A polícia tem como finalidade a garantia de direitos, prover meios para que se pratique a garantia de direitos. E se é assim, como vai se organizar como se fosse um exército? Claro que há confrontos que são bélicos, mas esses momentos correspondem a um número muito reduzido diante da complexidade e da magnitude das tarefas que se impõem às polícias militares do Brasil. Você não vai organizar uma instituição inteira para atender 1% da necessidade. Poderia ter unidades formadas especificamente para essa finalidade.
E por isso a polícia é tão letal?
Sim, isso nos conduz à questão do comportamento. A violência policial letal é uma tragédia nacional, a polícia do Brasil é uma das que mais matam no mundo, pelo menos entre os países que fornecem essas informações. E os dados são subestimados. No Rio de Janeiro, que talvez seja um dos estados com melhor registro desses fatos, tivemos entre 2003 e 2015, 11.343 mortes provocadas por ações policiais. Policiais muitas vezes morrem também, a situação de enfrentamento bélico é negativa também para eles. A ideologia que rege as instituições militares policiais é a da guerra. E se cumpre um mandado da sociedade para eliminar, liquidar fisicamente os inimigos, o que é absolutamente incompatível à atividade de uma polícia, porque não há inimigos, há cidadãos que são suspeitos ou que estão colocando em risco a vida de terceiros e devem ser contidos a partir da escala das ameaças. Isso nada tem a ver com a guerra propriamente dita, ainda que ações sejam similares. Quando toda a polícia é treinada para eliminar um inimigo, o suspeito passa a ser alvo de um ataque de destruição. Isso é escandaloso. Claro que seria possível tentar mudar essa cultura corporativa tão violenta e tão brutal mesmo sem a mudança estrutural, mas seria muito difícil. Não valeria a pena todo o empenho cujos resultados seriam improváveis mantendo um sistema organizacional que de qualquer forma é incongruente e incompatível às necessidades constitucionais.
A atitude das Polícias Militares em relação às repressões de movimentos sociais também segue essa lógica da guerra?
Sim, tem a ver com a estrutura organizacional, com a militarização. Até porque os policiais na ponta são máquinas de reprodução das ordens superiores, não são agentes treinados para refletir e tomar decisões com alguma dose de autonomia, o que seria o ideal. Eles são instruídos para obliterar o pensamento e agir como máquinas que obedecem e cumprem ordens. Por isso vemos cenas terríveis, tristes, em que jovens, pobres, frequentemente negros, entram em confronto com outros jovens, pobres, frequentemente negros, oriundos dos mesmos territórios vulneráveis, alguns uniformizados. Quando não haveria nenhuma razão para que se matassem mutuamente, sobretudo no campo dos movimentos sociais.
Ao mesmo tempo, o senhor mencionou os homicídios que são poucas vezes desvendados. A Polícia Civil também precisaria passar por uma reforma?

Sim, e essa própria distinção entre civil e militar é parte do problema. Toda polícia, como em qualquer parte do mundo, deveria cumprir todas as atribuições. A Polícia Civil enfrenta problemas enormes e é muito deficiente no cumprimento do seu mandato constitucional. Oito por cento de crimes resolvidos significa 92% de impunidade. Qualquer instituição que se proponha a cumprir um objetivo e não consiga em 92% dos casos diria que é preciso parar e começar de novo. Isso não é culpa de uma pessoa, é um problema estrutural. Assim como a brutalidade da Polícia Militar, não é necessariamente passível de atribuição a um ou outro indivíduo, já tem um padrão que vai se reproduzindo independente da vontade do próprio corpo profissional. Portanto, temos, na área da investigação, problemas na relação com a perícia, problemas organizativos, de investimentos, há o problema do inquérito policial, que é burocratizado, não flui. Então temos um desastre, uma falência desse modelo. Prendemos muitíssimo, temos mais de 700 mil presos no Brasil, dos quais só 12% cumprem penas por homicídio, 2/3 estão lá por crimes contra o patrimônio. Não é preciso dizer que, num país racista como o nosso, a maioria é negra, além de jovem e do sexo masculino. Prendemos muito e mal, arruinamos vidas de jovens e abdicamos de controlar a violência letal. E pior, o Estado acaba por reproduzi-la com seus braços institucionais. Então o Estado é parte do problema, assim como as polícias, independente das vontades individuais.
E ainda por cima, há muitos presos que aguardam julgamento dentre os que lotam as prisões, certo?
Exato. Eram 40% até dois anos atrás e houve um esforço muito grande do CNJ, houve uma queda expressiva, embora ainda seja um grande número. Mas a diferença é de classe, o que no caso brasileiro acaba sendo também de cor. Porque quem tem advogado não fica preso, salvo exceções. E as defensorias públicas não existem em número suficiente para atender essa massa de suspeitos, réus, inclusive porque há mais de 300 mil mandados de prisão esperando cumprimento no Brasil.
Existem projetos de lei já pensando em mudar essa questão das polícias militarizadas?
Há dezenas de PECs (propostas de emenda à constitucional) circulando ou tramitando no Congresso Nacional sobre a polícia. Mas, a respeito da desmilitarização, eu acho que são poucas. A mais elaborada, do meu ponto de vista, seria a PEC 51/2013, de autoria do senador Lindbergh Farias (PT-RJ), de cuja elaboração eu até participei. Ela resulta de conversas com profissionais, pessoas das corporações, diálogos e experiências diversas. Não há proposta perfeita, mas essa é talvez a que pode ir mais longe, de forma sistêmica, com o mínimo de resistência. É um meio-termo entre o avanço e a capacidade de agregação. Os pontos principais são a desmilitarização e a realização do ciclo completo com atribuição de todas as instituições policiais. Com a desmilitarização, a PM deixaria de existir e a nova polícia iria investigar, mas de outro modo. A carreira única é outra grande bandeira de agentes e oficiais da Polícia Civil, Federal e de boa parte dos trabalhadores da Polícia Militar [incluída na PEC]. Há alguma resistência na cúpula das instituições, mas, particularmente na Polícia Civil, os oficiais são mais abertos em relação a isso.
Porque hoje, na prática, temos quatro polícias. A Civil se divide em delegados e agentes. Basicamente os agentes, embora tenham várias funções, não podem ascender até se tornarem delegados, que é uma função de comando. E, na Polícia Militar, há os oficiais e praças, são duas entradas diferentes, o que acaba formando castas que viram problemas internos. Esse tipo de arranjo não estimula a coesão interna e barra o acesso às posições superiores de muitos profissionais que poderiam ascender com base no mérito, no tempo de experiência. Quem entra como praça, precisaria fazer um novo concurso para conseguir chegar às posições mais altas. E não se leva em conta na prova a experiência prévia.
Importante também falar que isso não é suficiente. Essas mudanças todas são, a meu juízo e segundo avaliação da maioria dos envolvidos nessa área, indispensáveis, mas não são suficientes, porque podemos ter estruturas organizacionais muito melhores, mais suscetíveis a controles externos, mais permeáveis a políticas de transparência, mais indutoras de políticas de segurança e mais capazes de respeitarem direitos humanos. Mas as estruturas por si mesmas, ainda que facilitem, não garantem que políticas de segurança aplicadas sejam adequadas. Isso depende de autorização política, da formação, do governo do Estado, e depende da autorização popular. A brutalidade policial não existiria sem autorização social.
Sobre essa autorização social, percebe-se que o discurso do “bandido bom é bandido morto” se acentua conforme a violência aumenta. A mudança teria que vir a nível cultural também?
Sem dúvida. Só que devemos pensar nisso tudo como uma realidade pluridimensional, com muitas camadas diferentes. Se nós agirmos em todas as dimensões, cujas temporalidades são muito diferentes, vamos contribuir para que esse processo estabeleça uma química interna e gere um agregado mais favorável. A mudança da sensibilidade da cultura acontece sem que a gente possa controlar, mas se a gente investir em uma educação com sensibilidade para os direitos humanos, vamos estimular esse resultado, embora não possamos garantir. Se a mídia e as linguagens de comunicação incorporassem um pouco mais esses valores, isso ajudaria. Se as escolas constituíssem força de valorização dessas atitudes, avançaríamos numa direção mais positiva. São processos que precisam existir paralelamente. Isoladamente, essas medidas não são suficientes, mas são imprescindíveis e devemos investir em cada uma delas de acordo com as possibilidades e com as resistências que enfrentamos. Esses são processos muito complexos, não podemos resolver em um só momento todos os problemas.
Nesse sentido, o que se pode fazer no âmbito municipal para tornar as cidades mais seguras?
Pergunta fácil essa, né? (Rindo). Na nossa Constituição, no artigo 144, que organiza a segurança pública, os municípios não têm nenhum lugar. Há uma menção rápida de que podem ter uma guarda civil, que podem cuidar dos patrimônios municipais, como parques. E isso inclusive é uma contradição com todo o desenho da Constituição brasileira, que em 1988 estimulou a participação do município como ente federado importante, no cumprimento das grandes políticas sociais, como educação, saúde e assistência. Há uma tripartição de funções e de destinação de recursos, há uma composição articulada no SUS, mesmo na educação, nunca vi esse modelo sendo criticado, foi até modelo de conquista. Isso não se aplica à segurança pública, o município não tem função nesse sentido. A União tem a Polícia Federal, a Rodoviária Federal e ponto final. Isso é muito pouco diante das responsabilidades que poderiam ser atribuídas. Todas as responsabilidades caem nos ombros dos estados. E os municípios não têm responsabilidades do ponto de vista de segurança pública. Não há politica nacional, orientação sobre o que devem ser as guardas municipais. A segurança municipal é uma grande possibilidade da reinvenção da segurança pública no Brasil, a despeito de todos os limites.
A partir de investimentos em assistência social, por exemplo?
Falar em assistência é muito genérico. Para que haja resultados, é preciso que haja diagnóstico. A gente tem que observar cada situação em cada bairro, território, entender que processos estão em curso. Isso exige pesquisa, escuta e diálogo com a comunidade. Por exemplo, por que em determinado lugar as pessoas se armam para vender substancias ilícitas, por que acontece esse crescimento? Temos que descobrir que tipos de trajetória estão tendo esses jovens, quais as características desse processo. Se entender em cada região o porquê de acontecer um crescimento desse tipo de formação armada, pode-se atuar sobre os dispositivos geradores desses processos. O que se obtém no tráfico é reconhecimento, valorização, acesso a recursos simbólicos e financeiros. Isso são condições para que a autoestima se fortaleça, mesmo que essas generalizações sejam complicadas. Jovens que são invisíveis, que não são reconhecidos, vivem um esmagamento da autoestima, enfrentam problemas em casa, familiares, comunitários e vagando pelas ruas se sentem desprezados ou desprezíveis. Quando lhes é oferecida uma arma para que ingressem em um grupo poderoso, percebem que isso é uma espécie de passaporte para a visibilidade e o pertencimento. E a experiência do pertencimento é muito gratificante. Isso tudo explica em parte porque se está disposto inclusive a arriscar a própria vida ingressando ali muitas vezes por pagamentos diminutos. Em geral, o recurso material não é a principal razão.
Se esse diagnóstico foi razoavelmente preciso, podemos extrair que, ao invés de montar uma máquina de guerra e invadir esse território para liquidar essas pessoas, com as implicações desastrosas que estamos cansados de ver, você pode montar um processo paralelo que seja capaz de oferecer a esses jovens o mesmo que o tráfico oferece, com o sinal invertido: reconhecimento, valorização, pertencimento e possibilidade de redefinição dos seus horizontes de vida. Se você monta um dispositivo capaz de competir com essas outras fontes de recrutamento, você pode recrutar aqueles que estão vulneráveis a irem para o tráfico.

terça-feira, 26 de julho de 2016

Falta ao Rio reflexão sobre os problemas locais, diz economista


Olá alunos, 

A postagem de hoje traz uma entrevista com o economista Mauro Osorio, o qual afirma que o clientelismo, os lobbies e a falta de debate local prejudicam a capital do Rio de Janeiro. Vale a pena conferir essa entrevista e refletir um pouco sobre a conjuntura dos problemas que a capital fluminense vem enfrentando.

Esperamos que gostem e participem, 
Palloma Borges, monitora da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense.

O economista Mauro Osorio, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutor em Planejamento Urbano e Regional pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da mesma instituição, é considerado um dos maiores especialistas na metrópole fluminense.
A crise política, econômica e social da cidade tem origem, segundo o economista, na estruturação política e institucional voltada aos problemas do País, causa da debilidade do debate local, acentuada pelo golpe de 1964.
Além de um esforço intensivo para pensar a realidade regional, Osorio propõe uma espécie de Plano Marshall para enfrentar a gravíssima situação da periferia da cidade.
CartaCapital: Quais as causas da crise do Rio de Janeiro?
Mauro Osorio: A falta de reflexão regional, a política econômica muito atrasada nas antigas unidades federativas e, depois do golpe de 1964, uma lógica clientelista a partir do governo Chagas Freitas. Tudo isso gera uma enorme dificuldade para o planejamento de uma estratégia de adensamento produtivo. 
CC: Na origem dos problemas, aponta a sua pesquisa, estaria a constituição tecnocrática e conservadora da cidade nos moldes de Washington, capital dos Estados Unidos. Qual é o peso dessa influência?  
MO: É fundamental. Lá e aqui, procurou-se restringir o espaço da política local, uma condição confirmada, no caso brasileiro, na Constituição de 1946 e na Lei Orgânica do Distrito Federal de 1948.
Definiu-se que o prefeito seria nomeado pelo presidente da República e, ao contrário das demais localidades brasileiras, as leis votadas pelos vereadores da capital e depois vetadas pelo prefeito não retornariam à Câmara Municipal, mas seriam analisadas pelo Senado Federal.
O Rio de Janeiro constituiu-se, portanto, desde a sua fundação, como um espaço de articulação e reflexão nacional, não local nem regional. O seu dinamismo econômico-social deriva, até 1920, da situação de principal porto e centro militar do País e, depois, da condição de capital da República.
Nos anos 1950 e 1960, é o centro cultural, político e econômico do País, polo financeiro e sede de empresas públicas e privadas de atuação nacional e internacional. Tudo isso levou a priorizar o debate nacional. 
CC: Qual o efeito dessa distorção?
MO: É a falta de uma tradição de reflexão sobre os problemas locais e regionais que sempre dificultou a constituição de uma agenda. As universidades de referência são federais, ao contrário daquelas de São Paulo e de Minas Gerais, estaduais.
Até hoje não há um programa de mestrado e doutorado com uma linha permanente de pesquisa em economia regional. Como escreveu Arnaldo Niskier, secretário de Ciência e Tecnologia no governo Negrão de Lima nos anos 1960, o carioca, em relação ao conhecimento local, não passa de um turista apressado. 
CC: Qual a consequência para a sociedade?
MO: A falta de foco nos problemas regionais facilitou o surgimento de lobbies locais, como o da incorporação civil, no setor imobiliário, muito forte desde a época do Rio Capital Federal. Não é o único.
Um espaço importante para o crescimento é o do terminal de contêineres em Itaguaí, na periferia metropolitana, com um porto construído por Eike Batista, mas há um lobbypoderoso contra a expansão da cidade nessa direção. 
CC: Havia um ceticismo quanto à mudança para Brasília. 
MO: A transferência estava definida na Constituição desde 1891, mas a descrença quanto à mudança da capital era tão grande que houve só um debate público sobre os rumos da metrópole após a transferência para Brasília, organizado pelo jornal Correio da Manhã, em 1958.
O jornal O Globo mostrou, no início dos anos 1960, os cariocas comemorando a mudança da capital por achar que Brasília não se consolidaria e eles poderiam, enfim, eleger o seu representante local na nova cidade-Estado, a Guanabara.
A lentidão da transferência mantinha a cidade com a cabeça na órbita nacional. O BNH foi criado depois do golpe, a Previdência só foi para Brasília na segunda metade dos anos 1980, o BNDES e a Petrobras ainda estão no Rio. 
CC: Quando se percebeu o tamanho do problema da transferência da capital?
MO: Isso demorou 20 anos. A crise começa nos anos 1960, mas, entre 1968 e 1970, o Brasil cresceu com o chamado “milagre econômico”. O dinamismo nacional mascarou o declínio local. Não se percebeu, por exemplo, que na década de 1970 o crescimento da indústria no Rio atingiu só 173%, ante 285% no País e 342% em Minas Gerais. O carioca só começa a se dar conta das consequências de não ter estratégias adequadas à transição nos anos 1980. 
CC: Quais os pesos específicos das obras da Copa e da situação do petróleo e da Petrobras na crise?
MO: Houve uma melhora a partir de 2008, mas a estrutura produtiva é oca, principalmente na periferia metropolitana e no interior. Minas Gerais ultrapassou o Rio na arrecadação de ICMS, em 2004, e os royalties do petróleo caíram 45% de uma só vez, descontada a inflação.
O estado ficou muito tempo sem fazer concurso e a máquina pública envelheceu. Nos anos 1980, havia 1,2 mil engenheiros de carreira no serviço público estadual, hoje são 400, quase todos prestes a se aposentar.
O gasto do Judiciário e do Legislativo, em termos per capita, foi 70% maior, em 2014, que em São Paulo e Minas Gerais. Ou seja, com uma desestruturação na distribuição do orçamento, quem tem força acaba empurrando. O quadro fiscal agrava a situação. 

domingo, 17 de julho de 2016

É hora de querer tudo!


Olá alunos, 

A postagem de hoje mostra que, na França, a oposição à reforma trabalhista e a ocupação de praças pelo movimento Nuit Debout resultaram na recusa de uma visão estreita da política. Esse pode ser o indício do fim de um ciclo por reivindicações tímidas.

Esperamos que gostem e participem.
Palloma Borges, monitora da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense.

Pedir pouco e esperar muito: dezoito anos após a criação da Ação para uma Taxa Tobin de Ajuda aos Cidadãos (nome original da Attac, hoje denominada Associação para a Taxação daIs Transações Financeiras para a Ajuda aos Cidadãos), em junho de 1998, o desconto de 0,01% a 0,1% sobre as transações financeiras inspirado pelo economista James Tobin para “jogar areia nas engrenagens” dos mercados está demorando a nascer (ler mais nas p. 16 e 17). Sua forma suavizada, negociada sem entusiasmo pela burocracia europeia, renderia uma fração do valor (mais de 100 bilhões de euros) inicialmente calculado.
Mas por que ter colocado a barra tão embaixo? Por que batalhar tanto pela introdução de uma fricção tão leve na mecânica especulativa? O conforto do olhar retrospectivo e os ensinamentos da grande crise de 2008 sugerem que a proibição pura e simples de alguns movimentos de capitais parasitários igualmente se justificaria.
Essa prudência reivindicativa reflete o estado de espírito de uma época na qual o crédito de uma organização militante junto ao público urbano e culto se media por sua moderação. Com o desmoronamento da União Soviética, o fim da Guerra Fria e a proclamação pelos neoconservadores norte-americanos do “fim da história”, qualquer oposição frontal ao capitalismo de mercado se encontrava atingida pela ilegitimidade, não apenas aos olhos da classe dirigente, mas também junto às classes médias, agora colocadas no centro do jogo político. Para convencer, pensava-se, era preciso se mostrar “razoável”.
Claro, a famosa taxa infradecimal (0,1%) apresenta por si só uma virtude pedagógica incontestável: se a ordem econômica se dedica tanto a recusar um arranjo tão módico, é porque ela é irreformável – e, portanto, deve ser revolucionada. Porém, para provocar esse efeito revelador, era preciso jogar o jogo e se colocar no campo do adversário, o da “razão econômica”. A ideia de uma ordem a ser contestada com moderação se impunha na França com mais evidência do que a iniciativa política mudava de campo. Desde a virada liberal do governo de Pierre Mauroy, em março de 1983, não apenas a esquerda deixou de avançar nas propostas que poderiam “mudar a vida”, mas também os dirigentes políticos de todas as orientações derrubaram sobre os trabalhadores uma chuva de reestruturações produtivas, contrarreformas sociais e medidas de austeridade orçamentária. No espaço de alguns anos, a relação com o futuro mudou. Se a revolta dos siderúrgicos de Longwy contra o fechamento das fábricas em 1978-1979 traçara, por sua inventividade, a purificação de uma contrassociedade operária,1 a insurreição, igualmente maciça, de 1984 já não acalentava mais o sonho de transformação social. O despertar dos combates defensivos soou no início dos anos 1980 tanto na França como na Alemanha, após a instalação da oposição extraparlamentar, e em 1985 no Reino Unido, depois do fracasso da grande greve dos mineradores. Tratou-se a partir daí de tornar a vida um pouco menos dura, unir-se para atenuar o ritmo e o impacto das desregulamentações, privatizações, acordos comerciais, da corrosão do direito trabalhista. Indispensável então, a preservação das conquistas sociais ditou sua urgência e se impôs pouco a pouco como o único horizonte possível para as lutas.

Definir o que realmente se deseja
Nas vésperas das eleições presidenciais de 1995, até os partidos autoproclamados comunistas se resignaram a não colocar mais em primeiro plano apenas reivindicações como a proibição das demissões, o aumento do salário mínimo e a diminuição da jornada de trabalho sem redução salarial. Levado pela Confederação Geral do Trabalho (CGT) e pela Solidaires, o movimento vitorioso de novembro-dezembro de 1995 contra a reforma da Segurança Social conduzida por Alain Juppé sustentou por um tempo a hipótese de uma passagem de bastão de uma esquerda política sem forças para uma esquerda sindical revigorada. O que aconteceu depois foi marcado pelo surgimento da alterglobalização.
A abordagem internacional do movimento, seu calendário de reuniões e as novas maneiras de militar repousavam sobre um princípio ao mesmo tempo diferente dos enfrentamentos ideológicos pós-1968 e das indignações morais estilo “solidárias”: o conhecimento específico, apoiado em análises sérias e bem-feitas para convencer os simpatizantes mais familiarizados com os anfiteatros do que com as cadeias de produção. Com seus economistas e sociólogos, suas siglas em porcentagem e seus números, seus antimanuais e suas universidades de verão, a Attac se colocava como missão popularizar uma crítica especializada da ordem econômica. A cada decisão governamental que enfraquecia os serviços públicos, a cada acordo de livre-comércio elaborado discretamente pelas instituições financeiras internacionais, surgiam como resposta argumentos impecáveis, dezenas de livros, centenas de artigos.
Quer se tratasse de desigualdades, política internacional, racismo, dominação masculina ou ecologia, cada setor de contestação exibia seus pensadores, universitários, pesquisadores, na esperança de dar credibilidade às suas escolhas políticas pela unção da legitimidade intelectual. Essa crítica, conjugada à degradação das condições de vida, permitiu que se mobilizassem populações politicamente desorganizadas, mas que se descobriam vulneráveis a uma globalização cuja violência se concentrava até então no mundo operário. 
O movimento, ao qual o Le Monde Diplomatique foi estreitamente associado, convenceu a todos sobre sua seriedade, conquistou vitórias no mundo intelectual, nos livros, na imprensa e chegou até mesmo aos jornais televisivos. Passou um tempo infinito repetindo evidências, enquanto seus adversários, sem escrúpulos e sem descanso, colocavam em ação suas “reformas”. Como tinha sugerido a onda contracultural dos anos 1970, uma ordem política de direita se acomodou muito bem com os best-sellers de esquerda. Opor sua boa vontade sábia à má-fé política do adversário sem dúvida tornou a crítica mais audível. Mas não mais eficiente, como comprovaria a amarga experiência, em 2015, do ministro das Finanças grego, Yanis Varoufakis, cujos raciocínios acadêmicos homologados em nada pesaram diante da fúria conservadora do Eurogrupo.2
No afresco ideológico que cobre o período 1995-2015 coexistem dois elementos contraditórios. De um lado, uma repolitização efervescente, depois fervilhante, que se traduziu por uma sucessão de lutas e de movimentos sociais maciços: 1995, 1996 (sans papiers), 1997-1998 (desempregados), 2000-2003 (auge da onda da alterglobalização), 2003 (previdência), 2006 (estudantes em situação precária), 2010 (previdência de novo), 2016 (direito trabalhista), rejeição aos megaprojetos inúteis (em particular desde 2012). Por outro lado, instituições de contestação fragilizadas: forças sindicais em cima do muro, movimentos sociais que se voltaram para a especialização, partidos de esquerda radical presos na areia movediça de um jogo institucional descreditado. O fôlego, as esperanças, a imaginação e a revolta de uns não ressoam nos slogans, livros e programas dos outros.
Tudo se passa como se trinta anos de batalhas defensivas tivessem tolhido das estruturas políticas sua capacidade de propor, fosse na adversidade, um objetivo a longo prazo desejável e entusiasmante – os “dias felizes” imaginados pelos resistentes franceses no início de 1943. Em um contexto infinitamente menos obscuro, diversas organizações e militantes se resignaram a não mais almejar o impossível, mas a solicitar o aceitável; a não mais ir para a frente, mas a desejar impedir os retrocessos. À medida que a esquerda construía sua estratégia com modéstia, o teto de suas esperanças baixava até o limite da depressão. Diminuir o ritmo dos retrocessos: tarefa necessária, mas perspectiva cada vez menos encorajadora porque faz o “outro mundo possível” se parecer com o primeiro, apenas um pouco menos degradado. Símbolo de uma época, a precariedade exerceu uma influência sobre o combate ideológico – “precário”, do latim precarius: “obtido pela prece”...
Estaríamos assistindo ao encerramento desse ciclo? A germinação de movimentos observada em diversos continentes desde o início dos anos 2010 fez emergir uma corrente, minoritária mas influente, cansada de implorar por migalhas e só colher vento. Diferentemente dos estudantes de origem burguesa de maio de 1968, esses contestadores conheceram ou conhecem a precariedade de seus estudos. E contrariamente aos movimentos dos anos 1980, eles não temem mais a assimilação do radicalismo aos regimes do bloco do Leste ou ao gulag: todos aqueles que, entre eles, têm menos de 27 anos nasceram depois da queda do Muro de Berlim. Essa história não é deles. Frequentemente vindos de camadas empobrecidas das classes médias produzidas em massa pela crise, eles e elas fazem barulho nas assembleias gerais, nos sites dissidentes, nas “zonas a serem defendidas”, nos movimentos de ocupação de praças e até nas margens das organizações políticas e sindicais – uma música por muito tempo colocada em surdina.
Eles dizem: “O mundo ou nada”; “Não queremos os pobres aliviados, queremos a miséria abolida”, como escreveu Victor Hugo; não apenas empregos e salários, mas controlar a economia, decidir coletivamente o que se produz, como se produz, o que se entende por “riqueza”. Não a paridade homem-mulher, mas a igualdade absoluta. Não o respeito das minorias e das diferenças, mas a fraternidade que eleva ao posto de igual qualquer um que se junte ao projeto político comum. Nada de “ecorresponsabilidade”, mas relações de cooperação com a natureza. Não um neocolonialismo econômico travestido de ajuda humanitária, mas a emancipação dos povos. Em suma: “Queremos tudo”, ambição que transborda tão amplamente o campo de visão político habitual que muitos o interpretam como a ausência de qualquer reivindicação.
Ainda que colocar a barra no céu em vez de no chão não aumente em nada as chances de vitória, esse deslocamento apresenta um duplo interesse. Confinado por enquanto no escanteio da contestação e hostil por princípio à organização política, o ressurgimento radical influencia por consequência os partidos, como a linha que liga o movimento Occupy Oakland – o mais operário desse tipo nos Estados Unidos – e os militantes que trabalham pelo candidato democrata Bernie Sanders dentro de um ambiente institucional da campanha presidencial. Além disso, e principalmente, essa recuperação reforça as batalhas defensivas quando aqueles que as dirigem em condições difíceis podem novamente se apoiar em um objetivo mais amplo, e mesmo que sem um projeto todo amarrado, nos princípios de transformação que iluminam o futuro. Pois querer tudo, mesmo quando não se vai obter nada de imediato, é se obrigar a definir o que realmente se deseja, em vez de repetir o que já não se suporta mais. 
Estaríamos enganados se víssemos nessa mudança uma transformação da ação reivindicativa em um idealismo encantado: ela restabelece, na verdade, a luta em suas bases clássicas. Que a esquerda não evolua mais a não ser em formação defensiva é uma exceção histórica. Desde o fim do século XVIII, os partidos políticos, depois os sindicatos, sempre conseguiram articular objetivos estratégicos a longo prazo e batalhas táticas imediatas. Na Rússia, os bolcheviques atribuíram o papel principal ao partido e confinaram as organizações de trabalhadores em segundo plano. Na França, os anarcossindicalistas integraram “essa dupla necessidade, cotidiana e de futuro”. Por um lado, explica em 1906 a carta de Amiens da CGT, o sindicalismo persegue “a obra reivindicadora cotidiana [...] pela realização de melhorias imediatas”. Por outro lado, “ele prepara a emancipação integral, que só pode se realizar pela expropriação capitalista”. 
Como observava o historiador Georges Duby, “o rastro de um sonho não é menos real do que o de um passo”. Em política, o sonho sem o passo se dissipa no céu enevoado das ideias, mas o passo sem o sonho não sai do lugar. O passo e o sonho desenham um caminho: um projeto político. 
A esse respeito, as ideias aposentadas pela esquerda e reativadas pelos movimentos destes últimos anos prolongam uma tradição universal de revoltas igualitaristas. Em abril, cartazes destinados a coletar propostas dos participantes do Nuit Debout [Noite em pé], na Place de la République, em Paris, proclamavam: “Mudança da Constituição”, “Sistema socializado de crédito”, “Revogabilidade dos eleitos”, “Salário perpétuo”. Mas também: “Cultivemos o impossível”, “A noite em pé vai se tornar a vida em pé” e “Quem tem ferro tem pão”.

Esperanças de convergência
Para além dos socialismos europeus, utópicos, marxistas ou anarquistas, um pontilhado temático liga os radicais contemporâneos ao grupo das silhuetas insurgidas que assombram a história das lutas de classes, da Antiguidade grega aos primeiros cristãos, dos cármatas da Arábia (fim do século XI) aos confins do Oriente. Quando o camponês chinês Wang Xiaobo tomou em 993 a direção de uma revolta em Qingcheng (Sichuan), ele declarou que estava “cansado da desigualdade que existia entre ricos e pobres” e que queria “nivelar em proveito do povo”. Os rebeldes aplicariam esses princípios. Quase um milênio depois, a revolta dos Taiping, entre 1851 e 1864, conduziria à formação temporária de um Estado chinês dissidente, fundado sobre bases análogas.3 Assim como no Ocidente, essas insurreições faziam convergir os intelectuais utopistas, opondo novas ideias à ordem estabelecida, e pobres revoltados decididos a impor a igualdade com golpes de forquilha.
A tarefa, hoje em dia, se anuncia certamente menos rude. Um século e meio de lutas e de críticas sociais clareou as questões e impôs ao coração das instituições pontos de apoio sólidos. A convergência tão desejada entre classes médias cultas, mundo operário estabelecido e precários de bairros abandonados não acontece em torno de partidos social-democratas moribundos, mas junto a formações que se dotam de um projeto político capaz de fazer brilhar novamente o “sol do futuro”. A moderação perdeu suas virtudes estratégicas. Ser razoável, racional, é ser radical. 

quarta-feira, 6 de julho de 2016

Como as medidas de Temer vão impactar a economia?


Olá alunos,

A notícia de hoje mostra que o governo Temer vem anunciando uma série de medidas cujo objetivo principal é destravar a economia. Entretanto, seria interessante discutir como essas medidas podem de fato impactar a economia, para então chegar a uma decisão sobre a aplicação dessas propostas.

Esperamos que gostem e participem.
Palloma Borges, monitora da disciplina “Economia Política e Direito” da Universidade Federal Fluminense.

A BBC Brasil consultou analistas de diversas linhas teóricas sobre o tema para explicar as três medidas mais importantes do pacote. Confira:
1 - PEC que limita gastos do governo
Temer e Meirelles anunciaram que apresentarão ao Congresso uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) fixando um teto para os gastos do governo.
Segundo o presidente, a ideia é estabelecer que os gastos só possam crescer o equivalente à inflação do ano anterior.
Eles também deixaram claro que as áreas de saúde e educação não devem ser poupadas nesse processo.
Hoje, as despesas nessas áreas crescem sempre que a receita do governo aumenta porque há regras que estabelecem que uma porcentagem de tudo que é arrecadado deve ser gasto nesses setores.
Segundo Meirelles, é "fundamental" que essas áreas sejam parte da PEC e do "processo de mudança".
A proposta da PEC, porém, divide analistas. Thiago Biscuola, economista da RC consultores, é um dos que avaliam a medida como "positiva".
"Com isso você vai impedir o governo de aumentar muitos os gastos, mesmo se o país estiver crescendo - o que é positivo", opina. "Desde os anos 90, os gastos do governo vêm crescendo mais que a economia e podem continuar a subir se não houver um freio."
Outros analistas, porém, veem na emenda uma ameaça principalmente às áreas de educação e saúde.
"Precisamos saber como vai ser essa desvinculação, porque essas áreas são fundamentais para que possamos manter as conquistas sociais dos últimos anos", diz Luiz Gonzaga Belluzzo, economista e professor da Unicamp. "Trata-se de um sistema de proteção importante para o sujeito que não tem renda."
"Se houver uma redução na provisão desses serviços e em sua qualidade, sofrerão justamente as camadas mais vulneráveis da sociedade", concorda Amir Khair, especialista em gastos públicos e ex-secretário da Fazenda da gestão Luiza Erundina em São Paulo.
As dificuldades que podem ser enfrentadas pelo governo para a tramitação da PEC no Congresso também são um tema que divide opiniões.
Para Biscuola, sua aprovação é uma incógnita. "Espero que o Congresso seja consciente sobre a necessidade de reequilibrar as contas públicas, mas hoje não dá para saber se o projeto passará. Também é possível que sejam sugeridas mudanças", diz ele.
Já Arthur Barrionuevo Filho, professor da FGV-SP , acha que os parlamentares devem passar as medidas, porque hoje têm uma relação mais próxima com o Executivo. Para ele, a aprovação iria firmar essa aliança, compremetendo os parlamentares com um novo projeto para a economia.
2. R$ 100 bilhões do BNDES
No anúncio desta terça-feira, o governo disse que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) deve devolver R$ 100 bilhões ao Tesouro Nacional nos próximos três anos.
Esse dinheiro faz parte da dívida que o banco - que apoia e financia diversos segmentos econômicos - tem com o Tesouro.
Segundo o presidente interino Michel Temer, assim que a medida passar por análise jurídica, para verificar se há alguma irregularidade, serão devolvidos R$ 40 bilhões. Outras duas parcelas de R$ 30 bilhões serão repassadas nos próximos dois anos.
Temer lembrou que o Tesouro injetou mais de R$ 500 bilhões no BNDES nos últimos anos, para que a instituição aumentasse empréstimos a empresas e aquecesse a economia.
De acordo com o presidente interino, além de amenizar o rombo nos cofres públicos, a medida vai permitir economizar R$ 7 bilhões por ano.
A ação divide especialistas.
Para Barrinuevo, ela é acertada porque aproveita recursos que podem estar ociosos no banco para ajudar as contas públicas. Ele explica que, na crise, a demanda por empréstimos do BNDES cai, porque ninguém está investindo.
"É possível que exista uma quantidade de recursos, que pode passar para o Tesouro em caixa ou em títulos. Isso vai diminur a extensão da atuação do BNDES, mas acho positivo. Porque o banco foi descontrolado por um tempo. O governo achava que os empréstimos estatais deveriam controlar o nível de atividade da economia."
Khair discorda. Para ele, os R$ 100 bilhões da instituição não vão fazer diferença, porque todos os meses o governo tem que pagar R$ 50 bilhões só de juros da dívida pública.
"Ou seja, tudo que vai ser pago pelo BNDES representa o que pagamos em juros em dois meses. A dívida não vai ser controlada enquanto a taxa básica de juros da economia não cair para níveis 'normais' do resto do mundo", afirma.
"O problema é que as medidas anunciadas hoje não dão conta do principal problema atual: a alta taxa de juros e suas consequências sobre a dívida. E enquanto você tiver uma equipe econômica liderada por banqueiros, acho pouco provável que esse problema seja resolvido."
3. Fundo do pré-sal
Temer também propôs a extinção do Fundo Soberano, criado em 2008 para ser uma espécie de poupança dos recursos do pré-sal.
A ideia era que o fundo - criado em um momento em que o governo arrecadava mais do que gastava - seria usado em tempos de crise.
"Hoje o patrimônio do fundo está paralisado em R$ 2 bilhões", disse Temer. "Vamos extinguir e trazer esses R$ 2 bilhões para cobrir o endividamento público."
Biscuola, da RC Consultores, diz que a iniciativa é válida, mas os recursos do fundo são pouco significativos dado que só o déficit fiscal do orçamento neste ano deve ser de R$ 170 bilhões, conforme anunciado pela equipe econômica na sexta-feira.
"Na realidade esses recursos já estavam sendo utilizados. Aparentemente sobrou um pouco e o governo vai usar para abater a dívida, mas certamente não são esses R$ 2 bilhões que vão fazer a diferença", diz o analista.