Olá alunos,
A postagem de hoje traz uma entrevista com o economista Mauro Osorio, o qual afirma que o clientelismo, os lobbies e a falta de debate local prejudicam a capital do Rio de Janeiro. Vale a pena conferir essa entrevista e refletir um pouco sobre a conjuntura dos problemas que a capital fluminense vem enfrentando.
Esperamos que gostem e participem,
Palloma Borges, monitora da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense.
O economista Mauro Osorio, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutor em Planejamento Urbano e Regional pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da mesma instituição, é considerado um dos maiores especialistas na metrópole fluminense.
A crise política, econômica e social da cidade tem origem, segundo o economista, na estruturação política e institucional voltada aos problemas do País, causa da debilidade do debate local, acentuada pelo golpe de 1964.
Além de um esforço intensivo para pensar a realidade regional, Osorio propõe uma espécie de Plano Marshall para enfrentar a gravíssima situação da periferia da cidade.
CartaCapital: Quais as causas da crise do Rio de Janeiro?
Mauro Osorio: A falta de reflexão regional, a política econômica muito atrasada nas antigas unidades federativas e, depois do golpe de 1964, uma lógica clientelista a partir do governo Chagas Freitas. Tudo isso gera uma enorme dificuldade para o planejamento de uma estratégia de adensamento produtivo.
CC: Na origem dos problemas, aponta a sua pesquisa, estaria a constituição tecnocrática e conservadora da cidade nos moldes de Washington, capital dos Estados Unidos. Qual é o peso dessa influência?
MO: É fundamental. Lá e aqui, procurou-se restringir o espaço da política local, uma condição confirmada, no caso brasileiro, na Constituição de 1946 e na Lei Orgânica do Distrito Federal de 1948.
Definiu-se que o prefeito seria nomeado pelo presidente da República e, ao contrário das demais localidades brasileiras, as leis votadas pelos vereadores da capital e depois vetadas pelo prefeito não retornariam à Câmara Municipal, mas seriam analisadas pelo Senado Federal.
O Rio de Janeiro constituiu-se, portanto, desde a sua fundação, como um espaço de articulação e reflexão nacional, não local nem regional. O seu dinamismo econômico-social deriva, até 1920, da situação de principal porto e centro militar do País e, depois, da condição de capital da República.
Nos anos 1950 e 1960, é o centro cultural, político e econômico do País, polo financeiro e sede de empresas públicas e privadas de atuação nacional e internacional. Tudo isso levou a priorizar o debate nacional.
CC: Qual o efeito dessa distorção?
MO: É a falta de uma tradição de reflexão sobre os problemas locais e regionais que sempre dificultou a constituição de uma agenda. As universidades de referência são federais, ao contrário daquelas de São Paulo e de Minas Gerais, estaduais.
Até hoje não há um programa de mestrado e doutorado com uma linha permanente de pesquisa em economia regional. Como escreveu Arnaldo Niskier, secretário de Ciência e Tecnologia no governo Negrão de Lima nos anos 1960, o carioca, em relação ao conhecimento local, não passa de um turista apressado.
CC: Qual a consequência para a sociedade?
MO: A falta de foco nos problemas regionais facilitou o surgimento de lobbies locais, como o da incorporação civil, no setor imobiliário, muito forte desde a época do Rio Capital Federal. Não é o único.
Um espaço importante para o crescimento é o do terminal de contêineres em Itaguaí, na periferia metropolitana, com um porto construído por Eike Batista, mas há um lobbypoderoso contra a expansão da cidade nessa direção.
CC: Havia um ceticismo quanto à mudança para Brasília.
MO: A transferência estava definida na Constituição desde 1891, mas a descrença quanto à mudança da capital era tão grande que houve só um debate público sobre os rumos da metrópole após a transferência para Brasília, organizado pelo jornal Correio da Manhã, em 1958.
O jornal O Globo mostrou, no início dos anos 1960, os cariocas comemorando a mudança da capital por achar que Brasília não se consolidaria e eles poderiam, enfim, eleger o seu representante local na nova cidade-Estado, a Guanabara.
A lentidão da transferência mantinha a cidade com a cabeça na órbita nacional. O BNH foi criado depois do golpe, a Previdência só foi para Brasília na segunda metade dos anos 1980, o BNDES e a Petrobras ainda estão no Rio.
CC: Quando se percebeu o tamanho do problema da transferência da capital?
MO: Isso demorou 20 anos. A crise começa nos anos 1960, mas, entre 1968 e 1970, o Brasil cresceu com o chamado “milagre econômico”. O dinamismo nacional mascarou o declínio local. Não se percebeu, por exemplo, que na década de 1970 o crescimento da indústria no Rio atingiu só 173%, ante 285% no País e 342% em Minas Gerais. O carioca só começa a se dar conta das consequências de não ter estratégias adequadas à transição nos anos 1980.
CC: Quais os pesos específicos das obras da Copa e da situação do petróleo e da Petrobras na crise?
MO: Houve uma melhora a partir de 2008, mas a estrutura produtiva é oca, principalmente na periferia metropolitana e no interior. Minas Gerais ultrapassou o Rio na arrecadação de ICMS, em 2004, e os royalties do petróleo caíram 45% de uma só vez, descontada a inflação.
O estado ficou muito tempo sem fazer concurso e a máquina pública envelheceu. Nos anos 1980, havia 1,2 mil engenheiros de carreira no serviço público estadual, hoje são 400, quase todos prestes a se aposentar.
O gasto do Judiciário e do Legislativo, em termos per capita, foi 70% maior, em 2014, que em São Paulo e Minas Gerais. Ou seja, com uma desestruturação na distribuição do orçamento, quem tem força acaba empurrando. O quadro fiscal agrava a situação.
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