Olá alunos,
Visando responder a questão: “Por que o
pré-sal brasileiro está ameaçado?” a postagem de hoje traz uma entrevista com o sociólogo Marcelo Zero, que elenca seis motivos
que ratificam a tese de que não podemos retirar a Petrobrás dos campos do
pré-sal. Nesse sentido, devemos pensar não somente no que seja lucrativo para o
presente do nosso país, mas principalmente visar estratégias que apontem para o
nosso futuro.
Esperamos
que gostem e participem.
Palloma
Borges, monitora da disciplina “Economia Política e Direito” da Universidade
Federal Fluminense.
Projeto de Renan Calheiros e José
Serra extingue “regime de partilha” e afasta Petrobras. Medida provocaria
exploração predatória, em benefício de transnacionais petroleiras
Por Marcelo Zero*, no Dialogo Petroleiro
I-
Porque ter a Petrobras como operadora única garante ao País o controle
estratégico das reservas e da produção do óleo. Sem a Petrobras, perdemos essa
garantia.
A experiência internacional
demonstra que os países que são grandes exportadores de petróleo têm, em sua
grande maioria, robustas operadoras nacionais de suas jazidas.
Hoje, cerca de 75% das reservas
internacionais provadas de petróleo estão nas mãos de operadoras nacionais.
Conforme previsão da Agência Internacional de Energia, a tendência é a de que
essas operadoras nacionais sejam responsáveis por 80% da produção adicional de
petróleo e gás até 2030.
Isso não é casual. Para dominar o
mercado, os países produtores precisam dominar as reservas e controlar o ritmo
e os custos de produção. O primeiro fator é assegurado pelo regime de partilha
e o segundo fator é assegurado pela operadora nacional. A OPEP seria inviável
sem o regime de partilha e sem grandes operadoras nacionais.
A operadora nacional é o
complemento necessário ao regime de partilha. De nada adianta o país ter o
domínio das reservas se a produção é ditada pelos interesses imediatistas de
grandes operadoras multinacionais. Sem uma grande operadora, o país não tem
controle efetivo sobre o ritmo da produção, sobre os seus custos reais e,
consequentemente, sobre a remuneração efetivamente devida ao Estado.
Foi essa realidade que levou os
grandes países produtores, nos anos sessenta e setenta, a nacionalizarem as
jazidas e, ao mesmo tempo, constituírem robustas operadoras nacionais. Com
isso, eles multiplicaram seus rendimentos, passaram a deter as informações
estratégicas sobre as jazidas e os custos de exploração e dominaram o mercado
mundial do petróleo.
Retirar da Petrobras a condição
de operadora do pré-sal significa retroceder à lógica predatória e imediatista
da época na qual o mercado era dominado por sete grandes companhias
internacionais de petróleo. Uma época em que os países produtores sequer
conseguiam saber os custos de produção de suas próprias jazidas. Significa, em
última instância, renunciar à gestão estratégica de um recurso finito e não
renovável.
Sem essa gestão estratégica, o
Brasil poderá se converter em mero exportador açodado de petróleo cru, ao sabor
dos interesses particulares e imediatistas de empresas estrangeiras,
contribuindo para deprimir preços internacionais e deixando de investir em seu
próprio desenvolvimento.
II-
Porque o petróleo ainda será um recurso energético fundamental ao longo deste
século.
Um dos principais argumentos que
motivam os que querem enfraquecer a Petrobras tange ao suposto fato de que o
petróleo deixou de ser um recurso estratégico, pois deverá ser substituído
rapidamente por outras fontes de energia, particularmente as limpas e
renováveis.
Segundo eles, a grande baixa atual
do preço do óleo já reflete essa tendência e deverá ser permanente. Assim,
teríamos de explorar o pré-sal de modo célere, com o auxílio de multinacionais,
antes que se torne um ativo sem valor.
Ora, tal previsão não tem nenhum
fundamento científico. A grande baixa dos preços do petróleo está obviamente
relacionada à crise mundial, que contraiu conjunturalmente a demanda, bem como
às disputas geopolíticas e geoeconômicas sobre o controle do mercado mundial,
particularmente no que tange à viabilidade econômica do óleo de xisto. Há um
claro processo de dumping em andamento, que contraiu artificialmente o preço do
petróleo.
Esse dumping já começou a ser
revertido, como mostra o recente acordo feito entre Arábia Saudita, Rússia e
outros países, e a crise mundial não durará para sempre.
A maior parte dos analistas prevê
que a demanda mundial por óleo subirá de 91 milhões de barris/dia, em 2014,
para 111 milhões de barris dia até 2040. Tal demanda será puxada pelo
crescimento dos países emergentes, em especial na Ásia, e pelas necessidades
dos sistemas de transporte e do setor petroquímico. Observe-se que o petróleo
não serve apenas para produzir gasolina e diesel. Ele é insumo para mais de
três mil outros produtos.
Com isso, o preço do petróleo
voltará a subir. O suprimento de energias renováveis crescerá, mas a transição
para uma matriz energética inteiramente limpa será, sem dúvida, gradual.
Na realidade, o que os analistas
afirmam é que as necessidades ambientais e climáticas impactarão mais o carvão,
responsável por dois terços do estoque de carbono das jazidas minerais, que o
petróleo e o gás, fontes mais limpas que esse mineral.
Obviamente, o atual ambiente de
dumping produz grande pressão para que o Brasil venda rapidamente o pré-sal.
Seria erro trágico. A venda nessas condições de preços artificialmente baixos
renderia pouco no presente e comprometeria muito nosso futuro.
Devemos ter em mente o que
aconteceu com a Vale. Na época de sua venda, com os preços do minério bastante
baixos, diziam que o ferro já não tinha valor estratégico algum e que o futuro
pertencia aos novos materiais sintéticos. Pouco tempo depois, os preços do
minério dispararam e a Vale privatizada passou a faturar mais por ano que o
preço aviltado de sua venda.
III-
Porque a Petrobras tem totais condições de explorar o pré-sal.
Outro argumento muito usado nesse
debate é o de que a Petrobras, fragilizada financeiramente, não teria condições
de explorar o pré-sal.
Não é verdade.
Todas as grandes companhias de
petróleo passam, em maior ou menor grau, por dificuldades econômicas
ocasionadas pela conjuntura negativa do mercado. No caso da Petrobras, seu
endividamento se deve também à necessidade de realizar os grandes investimentos
imprescindíveis à exploração do pré-sal.
Contudo, a Petrobras, além de
operar com lucro substancial, tem solidez financeira, pois está lastreada num
fantástico ativo patrimonial: o pré-sal. Segundo pesquisa do Instituto Nacional
de Óleo e Gás da UERJ, divulgada em 2015, o pré-sal contém 176 bilhões de
barris, óleo suficiente para cobrir, sozinho, cinco anos de consumo mundial de
hidrocarbonetos. Perto dessa riqueza extraordinária, a dívida atual da empresa
é troco miúdo.
Não faltarão recursos para que a
Petrobras continue a investir no pré-sal. O mercado financeiro nacional e
internacional sabe muito bem que a Petrobras tem expertise, tecnologia e
patrimônio para superar suas atuais dificuldades.
Sabe muito bem que,
independentemente de seus detratores internos, a empresa tem tudo para gerar
lucros e dividendos muito maiores que seus passivos. Ademais, o mundo dispõe
hoje de fontes alternativas de financiamento, como a do Banco do BRICS, por
exemplo, que podem ser acionadas de forma complementar.
A dívida da empresa poderia se
tornar um grande problema, porém, na situação em que a Petrobras perca o acesso
às jazidas, como querem os propugnadores do projeto que retira dela a condição
de operadora única. Nesse caso, a empresa perderia seu lastro patrimonial e, aí
sim, poderia se fragilizar ao ponto de não conseguir mais operar.
Em vez de simplesmente reduzir
seus investimentos, como faz agora para se adaptar à nova realidade do mercado,
a Petrobras poderia não ter mais como investir um centavo.
Na realidade, ao se retirar da
Petrobras a condição de operadora única do pré-sal poderia se conduzir a
empresa à falência ou a uma inevitável privatização. Talvez seja esse um dos
objetivos implícitos do projeto.
IV-
Porque o País perderia todo o investimento feito pela Petrobras e a alta
tecnologia por ela desenvolvida.
Ao contrário de outras operadoras
nacionais, que apenas se apropriaram de jazidas já provadas, a Petrobras, desde
o início, teve de investir maciçamente, ao longo de décadas, em prospecção e
desenvolvimento de tecnologia.
Com isso, ela se tornou uma das
operadoras mais eficientes e lucrativas do mundo e conseguiu, a muito custo,
produzir tecnologia de ponta na exploração em águas profundas e ultraprofundas.
A Petrobras é a empresa
brasileira que mais gera patentes e ganhou, por três vezes, o OTC Distinguished
Achievement Award, maior prêmio internacional concedido às empresas de petróleo
que se distinguem em desenvolvimento tecnológico. Tal esforço inovador se
espraia por áreas diversas, como Petroquímica, Engenharia Mecânica, Engenharia
de Segurança do Trabalho, Medicina e Física, e repercute positivamente numa
vasta cadeia produtiva.
Ora, todo esse esforço histórico,
iniciado a partir da década de 1950 (quando se dizia que o Brasil não tinha
petróleo), se perderia, caso a Petrobras perca, agora, a condição de operadora
única do pré-sal. A inevitável e profunda fragilização da empresa que seria
derivada dessa trágica decisão jogaria fora todo o investimento realizado em
décadas de trabalho duro e o país perderia uma grande fonte de desenvolvimento
tecnológico.
Não nos parece racional e justo
que, após todo esse esforço, se dê de bandeja, sem nenhum risco e por um preço
aviltado, os recursos do pré-sal a empresas que nunca fizeram investimentos de
prospecção no Brasil e que não desenvolvem tecnologia no país.
V-
Porque o Brasil perderia os instrumentos para conduzir a política de conteúdo
nacional, consolidar a cadeia produtiva do petróleo e alavancar seu
desenvolvimento.
A cadeia de petróleo e gás,
comandada pela Petrobras, é a maior cadeia produtiva do país, responsável por
cerca de 20% do PIB brasileiro e 15% dos empregos gerados.
Tal cadeia é sustentada por uma
política de conteúdo nacional, que gera demanda robusta em setores-chave como o
da construção civil pesada e a indústria naval, só para citar alguns poucos.
Ora, retirar da Petrobras a
condição de operadora única do pré-sal poderia implodir toda essa política e
desarticular essa estratégica cadeia produtiva.
As empresas estrangeiras de
petróleo normalmente contratam serviços no mercado internacional e importam
insumos e bens em seus países de origem. Ao contrário da Petrobras, não têm
compromisso algum com o desenvolvimento da indústria nacional brasileira.
Já a Petrobras, em seu Plano de
Negócios e Gestão, previu investimentos de US$ 130,3 bilhões para o período de
2015 a 2019. Trata-se de mais de R$ 400 bilhões que serão investidos quase que
totalmente no Brasil. Não podemos comprometer esses e outros investimentos,
seguramente mais volumosos, que virão mais tarde, graças à exploração do
pré-sal pela Petrobras.
Os recursos que a Petrobras
investe e investirá para explorar o pré-sal são e serão fundamentais para
alavancar o desenvolvimento do Brasil. Assim, retirar da Petrobras a condição
de operadora do pré-sal significaria, em última instância, a destruição dessa
alavanca única e o consequente comprometimento do nosso desenvolvimento.
VI-
Porque o Brasil perderia futuro.
Por ser recurso finito e não
renovável, o petróleo tem de ser gerido com perspectiva de longo prazo e com
base na solidariedade intergeracional.
Foi essa visão que fez o
Congresso Nacional aprovar a destinação dos royalties e participações especiais
do petróleo para a Educação (75%) e Saúde (25%). Decidimos trocar recursos do
presente para investir nas futuras gerações.
Temos de analisar a questão da
Petrobras como operadora do pré-sal dentro dessa mesma visão estratégica.
A retirada da Petrobras como
operadora única obedece a uma lógica de curto prazo: estamos numa crise e
precisamos de dinheiro rápido para nos dar alívio financeiro. Se vendermos o
pré-sal às multinacionais do setor, poderemos gerar uma receita que nos ajude a
pagar juros da dívida, a fazer superávits primários e a equacionar
desequilíbrios fiscais.
Já manutenção da Petrobras como
operadora do pré-sal, com tudo o que isso implica, obedece a uma lógica de
longo prazo: estamos em crise e, se alavancarmos nosso desenvolvimento com os
recursos do pré-sal, não só contribuiremos para a sua superação, como criaremos
as condições para o Brasil inicie um novo ciclo de crescimento mais sólido e
duradouro.
Neste segundo caso, trata-se de
cambiar a miragem liberalizante de curto prazo pela visão estratégica que
assegurará futuro para as novas gerações de brasileiros.
No primeiro e trágico caso,
trata-se de trocar o futuro pelo presente.
Retirar a Petrobras dos campos do
pré-sal significa simplesmente vendê-los. E vender o pré-sal é vender futuro. E
quem vende futuro já se perdeu no presente.
* É
sociólogo, especialista em Relações Internacionais e membro do Grupo de
Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI)
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