Olá alunos,
A notícia de hoje mostra que, diante do atual cenário econômico
em que vivemos, é possível perceber a fragilidade da moeda brasileira perante
outras moedas, sobretudo, o dólar- “a âncora cambial.” Nesse panorama, surgem
como principais desafios do Banco Central: buscar equilibrar o desejo por
ativos líquidos e não líquidos de forma a defender o poder aquisitivo da moeda,
não permitir níveis de alavancagem temerários e ainda, zelar pelo pleno emprego
das forças produtivas.
Esperamos que gostem e participem.
Palloma Borges, monitora da
disciplina “Economia Política e Direito” da Universidade Federal Fluminense.
A economia em que
vivemos ou tentamos sobreviver não é uma economia simples de mercado ou de
intercâmbio de mercadorias. É uma economia monetária e capitalista. Nela as
decisões de produção envolvem inexoravelmente a antecipação de dinheiro agora
para depois receber mais. A mobilização de recursos reais, bens de capital,
terra e trabalhadores depende de operações de crédito, adiantamento de liquidez
e assunção de dívidas.
O estabelecimento de
direitos e obrigações financeiras vai definir o controle e a propriedade desses
recursos. Gastar hoje e pagar amanhã significa que se pode receber algo agora
afiançado na promessa de devolver dinheiro no futuro. Supõe-se que a realização
de ganhos e lucros viabilize a liquidação de dívidas para assegurar a
propriedade do devedor sobre os recursos reais e impedir sua transferência ao
credor.
Os bancos criam moeda:
ao conceder crédito e aumentar posições em seu ativo (empréstimos) geram
passivos, depósitos à vista, utilizados pelos clientes como meios de pagamento.
As empresas recorrem aos bancos para financiar o capital de giro. Suas
necessidades de caixa são cobertas com adiantamento bancário, ressarcido com
juros quando a sua produção girar no mercado e gerar as receitas esperadas.
Contas são pagas usando cheques ou cartões de débito, movimentando a conta
corrente ou mobilizando o saldo de aplicações com resgate automático.
A crise de 2008
escancarou as relações carnais entre o dinheiro, as finanças públicas e os
mercados financeiros privados no capitalismo contemporâneo. A política de
inundação de liquidez (quantitative easying) descarregou bilhões nos bancos. O
“independente” Federal Reserve utilizou 700 bilhões de dólares públicos para a
compra de títulos podres privados. A ampliação dos depósitos à vista não gerou
inflação e muito menos engendrou expansão do crédito para a produção,
frustrando os adeptos da teoria quantitativa da moeda, a turma da inundação das
reservas bancárias por helicóptero.
Os detentores e
gestores da riqueza acumulada foram salvos da desvalorização desastrosa dos
estoques de ativos, mas refugam estimular o fluxo de crédito para financiar
gastos na produção e no emprego. Entupidos de grana, os bancos não emprestam
para o investimento e o consumo. A taxa de juros vigente determina o destino e
efeitos dos novos depósitos nos bancos e não o contrário. A fixação do “preço
do dinheiro” pelo banco central (taxa de juros básica) tem o propósito de
influenciar mudanças na composição dos ativos dos possuidores de riqueza,
mudanças intermediadas pelo sistema bancário.
Um estudo do Board of
Governors do Fed, publicado em novembro de 2015, ilumina esse ponto: “... em
reação à turbulência financeira e ao rompimento do crédito associado à crise
financeira global, corporações procuraram ativamente aumentar recursos líquidos
a fim de acumular ativos financeiros e reforçar seus balanços. Se esse tipo de
cautela das empresas tem sido relevante, isso pode ter conduzido a
investimentos mais frágeis do que o normalmente esperado e ajuda a explicar a
fraqueza da recuperação da economia global... descobrimos que a contraparte do
declínio nos recursos voltados para investimentos são as elevações nos
pagamentos para investidores sob a forma de dividendos e recompras das próprias
ações... e, em menor extensão, a acumulação líquida elevada de ativos
financeiros”.
Para que as
necessidades pessoais e coletivas sejam satisfeitas, é necessário os detentores
do controle do crédito e do investimento seguirem “pedalando”, com a
antecipação de recursos na forma de crédito e novas dívidas que financiem
projetos capazes de engendrar efeitos multiplicadores no emprego, na renda, nos
lucros e nas poupanças, e daí para a liquidação das dívidas. Joseph Schumpeter
chamou a teoria que estuda essa engrenagem financeira de Teoria Creditícia da
Moeda e não Teoria Monetária do Crédito.
“E o lastro?”,
perguntam os da antiga, ainda saudosos do padrão-ouro. Ah sim, a âncora,
retrucam os contemporâneos. Diria Hegel que a moeda realiza o seu conceito: é
uma instituição social construída sobre os frágeis alicerces da confiança.
Fiducia, Credere.
Há moedas e moedas. O
dólar é a moeda reserva. Denomina mais de 70% das transações comerciais e
financeiras no mundo. O real é uma moeda não conversível. O amigo leitor de
Carta Capital já ouviu falar de alguma transação celebrada entre um exportador
japonês e um importador alemão denominada em reais?
Quando nasceu, o real
precisou do amparo do dólar – a âncora cambial. Para ficar cravada no fundo do
oceano ainda encapelado, na ressaca da hiperinflação, a âncora contou com a
força da Selic, que entre 1995/1998 pagou 22% ao ano, em termos reais, para
segurar o rentismo nativo nas fronteiras nacionais. Sacudida pelas crises do
México, Ásia e Rússia, a taxa básica foi aos píncaros às vésperas da
desvalorização de 1999. Na iminência do enfraquecimento da âncora, exorbitaram
as taxas de juros. De nada adiantou, a âncora desgarrou-se.
O regime de metas de
inflação, apresentado para substituir a desditada que passou a flutuar, teve de
pedir desculpas já nos primeiros anos de sua tenra existência: os choques de
desvalorização cambial exigiram a flexibilização das metas.
A política monetária
nacional está subsumida à forma de inserção do Brasil na hierarquia entre
nações e suas moedas. Podemos continuar acreditando que essa hierarquia é fruto
dos maus indicadores fiscais das economias emergentes: superávits primários
permitem taxas de juro mais baixas e uma dinâmica mais favorável da dívida
pública. Faz sentido, não fosse a intromissão de fatores “externos”.
Os dados insistem em mostrar
que, a despeito dos sucessivos superávits primários obtidos entre 1997 e 2014,
as taxas de juro em reais não convergiram para as internacionais. Na ausência
de controles prudenciais dos fluxos de capitais, as taxas exageram o prêmio que
reflete a qualidade atribuída aos títulos de dívida pública denominados em
reais pelos mercados financeiros globalizados. A qualidade e o câmbio “flutuam”
com as mudanças nas políticas monetárias no país gestor da moeda-reserva e com
os humores dos investidores internacionais. Chegou ao absurdo o spread entre as
taxas de juro básica em dólares e a prima pobre em reais.
O estado da economia
brasileira – juros básicos elevados, desvalorização cambial, queda pronunciada
do PIB, choque de tarifas e colapso da receita fiscal − sugere a conservação de
parte significativa do estoque de riqueza em títulos públicos. No espaço em que
a política monetária e a flutuação cambial se encontram com a política fiscal,
a preferência pela liquidez é exercida por empresas e bancos nas operações de
tesouraria. Em 2015, dos 613 bilhões de reais de déficit nominal brasileiro,
501 bilhões engordaram diretamente a riqueza rentista-parasitária.
Vamos repetir: no
sistema bancário contemporâneo, a liquidez não é controlada pela “quantidade de
reservas”, mas pelo “pedágio”, a taxa cobrada para o acesso dos bancos membros
ao emprestador de primeira instância, o Banco Central. Ainda que não conste
legalmente em seu mandato, o BC deve buscar equilibrar o desejo por ativos
líquidos e não líquidos de forma a defender o poder aquisitivo da moeda, não
permitir níveis de alavancagem temerários e, por fim, mas não menos importante,
zelar pelo pleno emprego das forças produtivas.
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